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sexta-feira, setembro 27, 2019

Ifá é Religião?

Ifá é Religião?


O título deste texto é uma dúvida que passa pela cabeça de muitas pessoas, incluindo nesse grupo Bàbáláwos. Isso mesmo, existem pessoas que tem dúvida do que Ifá é, mas ainda, tem Bàbáláwo que tem certeza de que não é religião.
Esse grupo de pessoas não consegue identificar a estrutura e prática de Ifá como religião e, talvez, devido ao aspecto universal de Ifá que pode ajudar a qualquer pessoa independente da religião dela, podem entender que isso transforma Ifá em uma ciência ou mesmo agnóstico.
Não é isso, Ifá é religião.
Este Blog não podia se furtar de entrar nessa discussão, é claro, e vamos aqui contribuir para que os Bàbáláwo encontrem o seu caminho. Não vou fazer nenhum texto denso e hermético, vou dar a abordagem mais simples possível. 
 
De um certo ponto de vista, entendo essa dúvida. Para pessoas não ligadas à religião Yorùbá, não é fácil reconhecer ou aceitar uma nova religião. É muito fácil ouvir por ai Babalorixás e Iyalorixás se referindo a religião delas como uma seita, é fácil ver Iyalorixás tradicionais da Bahia pertencendo a irmandades católicas e tomando bença para padres.
Em um ambiente onde temos uma religião muito bem organizada e influente na sociedade e, ao mesmo tempo, sacerdotes que não se reconhecem e se submetem a essa mesma religião, torna-se difícil esperar que pessoas laicas à religião a reconheçam como tal.
Neste mesmo contexto, temos ainda a herança dos bantu com videntes e feiticeiros que vendem favores possíveis e impossíveis da mais baixa ética para a sociedade que  avidamente procura soluções sem ética para assuntos imorais.

O microcosmo afro-brasileiro ainda é dominado pelo mercantilismo e a falta de religiosidade sincera. A teologia da prosperidade, característica das seitas neo-protestantes, sempre foi a tônica das pessoas que procuram cultos afro-brasileiros.
Mas esse panorama está mudando. Novos entrantes procuram a religião Yorùbá como uma religião de fato, trazem novos padrões éticos e não tem o foco no vil mercantilismo de trocas. A informação é mais fácil e acessível e pessoas descobrem que existe uma religião por trás da liturgia.

Claro que ainda vamos ter o grupo inicial, este que dominou a cena até agora e que contribuiu para espalhar a visão de que é uma religião desprovida de caráter e moral (para entender o que eu digo aqui, antes de me criticar, sugiro ler o livro, Candomblés de São Paulo de Reginaldo Prandi, pode ser baixado em forma de PDF gratuitamente). Mais uma vez repito, herança de miseráveis, gente que precisava de enganar outros para viver e da prática Bantu do baixo espiritismo. Muito mudou e ainda vai mudar, mas ainda temos um bom caminho à frente.

Não me crucifiquem por dizer isso. Todo mundo sabe que é isso. 
 
Claro que existem boas pessoas e lugares decentes. Não estou dizendo que todo mundo é ruim e não presta, estou dizendo apenas que existe essa divisão e que o lado ruim (na minha opinião claro, porque pode ter gente que acha isso normal), é muito visível.

Neste contexto social, como falei, não é fácil para pessoas olharem para isso e imaginar que ali existe uma religião. Em uma sociedade populada de videntes, adivinhos, tarólogos, "ciganos", jogadores de búzios e macumbeiros em geral, como supor que um Bàbáláwo, que é mais um manejador de Oráculo, seja algo diferente? Seja um religioso? Um sacerdote?

Mesmo as pessoas que se dispõe a ser Bàbáláwo, podem se ver apenas como videntes qualificados. 
 
Será que eles tem acesso à informação para entender que fazem parte de uma religião?
Será que elas entendem que existe uma Teologia, uma cosmogonia, uma teogonia própria suportando aquela prática? 
 
Será que eles sabem o que são essas coisas? Será que sabem o que estrutura uma religião?
Será que elas sabem que além de liturgias que devem aprender que elas também representam uma teologia?

Será que eles não se veem apenas como a pessoa que recebe um cliente, interpreta com a ajuda do cliente o problema dele (na maior parte das vezes você nem precisa fazer nenhum esforço, a pessoa senta na sua frente e já fala o problema dela e diz o que você precisa dizer para fazer ela feliz...) e vai fazer um ebó para resolver o problema, recebendo dinheiro por esse trabalho?

Pode ser complicado cobrar de uma pessoa a postura de um sacerdote se ele não sabe o que é religião e o que é um sacerdote, porque, independente de achar que estão em uma religião eles se nomeiam sacerdotes. Ai, fica muito difícil.
Primordialmente, para eles, eles estão em uma relação de consumo. 
 
Problema + $$ = solução

Não sei se todos têm acesso à informação e conhecimento de que aquilo ali deveria ser uma religião. Não apenas os Brasileiros mas também cubanos. Quanto a Nigerianos, não convivo com eles, não posso dizer, não confio de forma alguma no caráter dos que vem para cá mas me faltam elementos para qualificá-los.

Defendendo um pouco essas pessoas, Babalawos, que não sabem que fazem parte de uma religião, a forma de aprender o Ifá cubano não ajuda. Os tratados são um instrumento religioso muito ruim. Não são as escrituras sagradas, não contém os versos originais de Odù conforme define a religião e traduzem uma visão muito deturpada da teogonia.
Isso mesmo, vou repetir, tratados cubanos não contém os versos de Ifá.

Eles são muito práticos, permitem ao Bàbáláwo ir rapidamente a interpretação do oráculo e na busca da solução mágica, mas, não ajudam ao Bàbáláwo ver o que fazem como uma religião. Apesar de eu reconhecer que são um bom instrumento para o Babalawo, eu sou muito crítico no que diz respeito a visão religiosa. 
 
Se eu não já conhecesse os Orixás e seus mitos através do Candomblé e o meu contato inicial fosse através dos pataki (histórias dentro dos Odù) cubanos eu teria uma péssima visão de Orixá, na verdade teria uma visão decepcionante.
Mas vamos voltar ao nosso tema.

O argumento mais simples e idiota que posso usar para com os Bàbáláwo (não com as pessoas) é que uma vez que eles se declaram como “sacerdotes” de Ifá não existe possibilidade de Ifá não ser uma religião. Não lembro de ver Bàbáláwo se autoproclamando como vidente, eles fazem questão de se pronunciar como sacerdote de Ifá.

Para quem tem dúvida vamos ao que está na wikipedia:

Sacerdote ou Sacerdotisa (do latim Sacerdos – sagrado; e otis – representante, portando "representante do sagrado") é uma autoridade ou ministro religioso, habilitado para dirigir ou participar em rituais sagrados de uma religião em particular. Eles também têm a autoridade ou o poder de administrar os ritos religiosos, em especial, os ritos de sacrifício e expiação de uma divindade ou divindades. Seu cargo ou posição é chamado de Sacerdócio, um termo que pode também se aplicar a essas pessoas coletivamente

Assim, se o Bàbáláwo não é parte de uma religião ele deve se autodenominar vidente, olhador, adivinho. Eu sou não sou olhador, eu sou, Bàbáláwo e sacerdote de minha religião. Mas as pessoas podem ser o que quiserem, se o objetivo de alguma pessoa que se consagrou Bàbáláwo é apenas ganhar dinheiro com a prática da sua ciência e curandeirismo, então é mole, não precisa dizer que é sacerdote.

O que ele não pode fazer é dizer que os demais são como ele, eu não sou como esses, eu sei o que sou e onde estou.

Mas vamos esquecer que a resposta a essa pergunta pode ser dada pelos próprios Bàbáláwo ao se apresentarem como sacerdotes.
Vamos entender porque Ifá é uma religião.
Em primeiro lugar Ifá é parte de uma religião. Ele não é a religião por sí mesmo. Ifá é uma culto que faz parte da religião Yorùbá. Esta religião que surgiu em uma área que hoje pertence em parte ao Benin e em parte a Nigéria, a região Yorùbá. Esta religião tem uma estrutura bem completa e complexa e se espalhou pela região em volta dela de forma bem ampla. Foi trazida ao novo mundo durante a diáspora negra.

Esta religião é dividida em 3 cultos principais: O culto de Orixá, o culto de Ifá e o culto de egungun. Cada um desses cultos tem uma especialização e um objetivo. O Culto de Orixá cuida da pessoa e da família. O culto de egungun, no qual as pessoas se comunicam com ancestres, cuida da comunidade e o culto de Ifá é dedicado ao oráculo da religião.

A especialização de Ifá é o oráculo e só. O Bàbáláwo é uma pessoa dedicada a ser um mensageiro entre o divino e nós. O trabalho do Bàbáláwo é aprender a interpretar a forma como deus fala com a gente através do oráculo.

Mas, para melhorar o entendimento vamos a origem do oráculo. A questão é, por que o oráculo de Ifá existe na religião?

Simples, o oráculo representa o compromisso de deus, de Olódùmarè, com a nossa vida, com o nosso sucesso e nosso bem-estar. A preocupação de deus, Olódùmarè, com a gente é tanta que ele criou os Orixá (Òrìṣà) para nos ajudarem e o oráculo para que possamos nos orientar em nossa vida. Deus quer que a gente seja feliz.

A religião Yorùbá é encarnacionista, acreditamos que vamos viver muitas vezes, vamos renascer continuamente. Existe um mundo espiritual, o Orun, e um mundo natural ou físico o Aiye, que é onde estamos agora. Antes de nós nascermos, novamente, ainda no Orun nós estabelecemos objetivos para nossa nova vida e antes de irmos para o aiye, para nascermos, nós nos ajoelhamos na presença de deus, Olodumare tendo como testemunha somente uma divindade Órunmila (Ọ̀rúnmìlà). Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) é o único testemunho de nosso destino, somente ele e deus sabem o que planejamos para nossa vida.

Deus sabe que a vida no aiye é bem difícil, que existem dificuldades, acidentes, incidentes, catástrofes naturais, imperfeições congênitas e pessoas que podem atrapalhar esse nosso destino. Dessa maneira ele encarregou os Orixá de cuidarem de nós e Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) de ser o mensageiro entre as pessoas, os orixá (Òrìṣà) e deus.

O culto de Ifá é dedicado exclusivamente a uma divindade, a Órunmila (Ọ̀rúnmìlà). O Bàbáláwo em sua vida vai cultuar somente esta divindade que é a divindade que responde em seu oráculo. Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), como testemunho de nosso destino junto a deus é o único que sabe o que planejamos para nossa vida, de forma que, quando temos uma dificuldade que não conseguimos resolver, vamos ao oráculo da Ifá, para que através de Òrúnmìlà possamos nos comunicar com o divino, com ele, Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), que sabe o nosso destino e com os orixás que nos assistem na nossa vida.

O que torna o oráculo de Ifá especial para as pessoas é o conceito de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) ter sido a testemunha de nosso destino, ele sabe o que nós planejamos para nós mesmos.

Esta é uma explicação religiosa. Esta explicação é feita dentro do contexto da religião, é a religião que dá sentido a importância do oráculo de ifá. Existem muitos oráculos e videntes, muitos deles muito bons, mas, é esta história de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) ser o testemunho do nosso destino, o eleri ipin, que torna o oráculo importante, sem esta história Ifá seria como búzios, cartas, tarot e outros.

Dessa maneira, vamos revisar:

Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) – é uma divindade
Olódùmarè – é o deus supremo yorùbá
O oráculo de Ifá é um instrumento de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) para se comunicar com as pessoas que vive no mundo material

Mas, apesar disso, tem Bàbáláwo que diz que Ifá não é religião?

Eu não consigo definir Ifá de outra maneira. Não acho que seja uma ciência, não acho que seja uma "coisa", para mim é religião.

Como toda religião, não existem exclusividades. Esta religião está disponível para ajudar a todas as pessoas. Todas as pessoas foram até deus antes de nascer, assim acreditamos. Dessa maneira, qualquer pessoa pode ser ajudada por Ifá. Você não precisa fazer parte da religião, esta religião, assim como as demais, visam o bem das pessoas e não existem escolhidos, todos somos os eleitos de deus.

Ao ir a Ifá você não é obrigado a se converter para a religião Yorùbá. Você não terá que cultuar Orixá. O Bàbáláwo, como um sacerdote falará com você citando versos dos textos sagrados da religião, contará mitos que fazem parte da religião com metáforas equivalentes às parábolas e vai dar a você orientações baseados nos valores da religião. Se você quiser ser ajudado o Bàbáláwo irá ajudá-lo através de Òrúnmìlà, exu e dos orixás, porque esse é o caminho da religião, mas, você não precisa mudar sua religião.

Não confunda assim o aspecto universalista da religião com o fato de Ifá ter sua existência exclusivamente justificada pela religião Yorùbá.

Sou Bàbáláwo, sou sacerdote, faço parte de uma religião, Ifá é parte de uma religião, aberta a ajudar qualquer pessoa.

Quem não esta em uma religião é vidente, ou olhador de oráculo, Babalawo é cargo religioso.

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