Ifá é Religião?
O
título deste texto é uma dúvida que passa pela cabeça de muitas
pessoas, incluindo nesse grupo Bàbáláwos. Isso mesmo, existem
pessoas que tem dúvida do que Ifá é, mas ainda, tem Bàbáláwo
que tem certeza de que não é religião.
Esse
grupo de pessoas não consegue identificar a estrutura e prática de
Ifá como religião e, talvez, devido ao aspecto universal de Ifá
que pode ajudar a qualquer pessoa independente da religião dela,
podem entender que isso transforma Ifá em uma ciência ou mesmo
agnóstico.
Não
é isso, Ifá é religião.
Este
Blog não podia se furtar de entrar nessa discussão, é claro, e
vamos aqui contribuir para que os Bàbáláwo encontrem o seu
caminho. Não vou fazer nenhum texto denso e hermético, vou dar a
abordagem mais simples possível.
De
um certo ponto de vista, entendo essa dúvida. Para pessoas não
ligadas à religião Yorùbá, não é fácil reconhecer ou aceitar
uma nova religião. É muito fácil ouvir por ai Babalorixás e
Iyalorixás se referindo a religião delas como uma seita, é fácil
ver Iyalorixás tradicionais da Bahia pertencendo a irmandades
católicas e tomando bença para padres.
Em
um ambiente onde temos uma religião muito bem organizada e influente
na sociedade e, ao mesmo tempo, sacerdotes que não se reconhecem e
se submetem a essa mesma religião, torna-se difícil esperar que
pessoas laicas à religião a reconheçam como tal.
Neste
mesmo contexto, temos ainda a herança dos bantu com videntes e
feiticeiros que vendem favores possíveis e impossíveis da mais
baixa ética para a sociedade que avidamente procura soluções
sem ética para assuntos imorais.
O microcosmo afro-brasileiro ainda é dominado pelo mercantilismo e a falta de religiosidade sincera. A teologia da prosperidade, característica das seitas neo-protestantes, sempre foi a tônica das pessoas que procuram cultos afro-brasileiros.
Mas
esse panorama está mudando. Novos entrantes procuram a religião
Yorùbá como uma religião de fato, trazem novos padrões éticos e
não tem o foco no vil mercantilismo de trocas. A informação é
mais fácil e acessível e pessoas descobrem que existe uma religião
por trás da liturgia.
Claro
que ainda vamos ter o grupo inicial, este que dominou a cena até
agora e que contribuiu para espalhar a visão de que é uma religião
desprovida de caráter e moral (para entender o que eu digo aqui,
antes de me criticar, sugiro ler o livro, Candomblés de São Paulo
de Reginaldo Prandi, pode ser baixado em forma de PDF gratuitamente).
Mais uma vez repito, herança de miseráveis, gente que precisava de
enganar outros para viver e da prática Bantu do baixo espiritismo.
Muito mudou e ainda vai mudar, mas ainda temos um bom caminho à
frente.
Não
me crucifiquem por dizer isso. Todo mundo sabe que é isso.
Claro
que existem boas pessoas e lugares decentes. Não estou dizendo que
todo mundo é ruim e não presta, estou dizendo apenas que existe
essa divisão e que o lado ruim (na minha opinião claro, porque pode
ter gente que acha isso normal), é muito visível.
Neste
contexto social, como falei, não é fácil para pessoas olharem para
isso e imaginar que ali existe uma religião. Em uma sociedade
populada de videntes, adivinhos, tarólogos, "ciganos",
jogadores de búzios e macumbeiros em geral, como supor que um
Bàbáláwo, que
é mais um manejador de Oráculo, seja algo diferente? Seja um
religioso? Um sacerdote?
Mesmo as pessoas que se dispõe a ser Bàbáláwo, podem se ver apenas como videntes qualificados.
Será
que eles tem acesso à informação para entender que fazem parte de
uma religião?
Será
que elas entendem que existe uma Teologia, uma cosmogonia, uma
teogonia própria suportando aquela prática?
Será
que eles sabem o que são essas coisas? Será que sabem o que
estrutura uma religião?
Será
que elas sabem que além de liturgias que devem aprender que elas
também representam uma teologia?
Será
que eles não se veem apenas como a pessoa que recebe um cliente,
interpreta com a ajuda do cliente o problema dele (na maior parte das
vezes você nem precisa fazer nenhum esforço, a pessoa senta na sua
frente e já fala o problema dela e diz o que você precisa dizer
para fazer ela feliz...) e vai fazer um ebó para resolver o
problema, recebendo dinheiro por esse trabalho?
Pode
ser complicado cobrar de uma pessoa a postura de um sacerdote se ele
não sabe o que é religião e o que é um sacerdote, porque,
independente de achar que estão em uma religião eles se nomeiam
sacerdotes. Ai, fica muito difícil.
Primordialmente,
para eles, eles estão em uma relação de consumo.
Problema
+ $$ = solução
Não
sei se todos têm acesso à informação e conhecimento de que aquilo
ali deveria ser uma religião. Não apenas os Brasileiros mas também
cubanos. Quanto a Nigerianos, não convivo com eles, não posso
dizer, não confio de forma alguma no caráter dos que vem para cá
mas me faltam elementos para qualificá-los.
Defendendo um pouco essas pessoas, Babalawos, que não sabem que fazem parte de uma religião, a forma de aprender o Ifá cubano não ajuda. Os tratados são um instrumento religioso muito ruim. Não são as escrituras sagradas, não contém os versos originais de Odù conforme define a religião e traduzem uma visão muito deturpada da teogonia.
Isso
mesmo, vou repetir, tratados cubanos não contém os versos de Ifá.
Eles
são muito práticos, permitem ao Bàbáláwo
ir rapidamente a interpretação do oráculo e na busca da solução
mágica, mas, não ajudam ao Bàbáláwo
ver o que fazem como uma religião. Apesar de eu reconhecer que são
um bom instrumento para o Babalawo, eu sou muito crítico no que diz
respeito a visão religiosa.
Se
eu não já conhecesse os Orixás e seus mitos através do Candomblé
e o meu contato inicial fosse através dos pataki (histórias dentro
dos Odù) cubanos eu teria uma péssima visão de Orixá, na verdade
teria uma visão decepcionante.
Mas
vamos voltar ao nosso tema.
O
argumento mais simples e idiota que posso usar para com os Bàbáláwo
(não com as pessoas) é que uma vez que eles se declaram como
“sacerdotes” de Ifá não existe possibilidade de Ifá não ser
uma religião. Não lembro de ver Bàbáláwo se autoproclamando como
vidente, eles fazem questão de se pronunciar como sacerdote de Ifá.
Para
quem tem dúvida vamos ao que está na wikipedia:
Sacerdote
ou Sacerdotisa (do latim Sacerdos – sagrado; e otis –
representante, portando "representante do sagrado") é uma
autoridade ou ministro religioso, habilitado para dirigir ou
participar em rituais sagrados de uma religião em particular. Eles
também têm a autoridade ou o poder de administrar os ritos
religiosos, em especial, os ritos de sacrifício e expiação de uma
divindade ou divindades. Seu cargo ou posição é chamado de
Sacerdócio, um termo que pode também se aplicar a essas pessoas
coletivamente
Assim,
se o Bàbáláwo não é parte de uma religião ele deve se
autodenominar vidente, olhador, adivinho. Eu sou não sou
olhador, eu sou, Bàbáláwo e sacerdote de minha religião. Mas as
pessoas podem ser o que quiserem, se o objetivo de alguma pessoa que
se consagrou Bàbáláwo é apenas ganhar dinheiro com a prática da
sua ciência e curandeirismo, então é mole, não precisa dizer que
é sacerdote.
O
que ele não pode fazer é dizer que os demais são como ele, eu não
sou como esses, eu sei o que sou e onde estou.
Mas
vamos esquecer que a resposta a essa pergunta pode ser dada pelos
próprios Bàbáláwo ao se apresentarem como sacerdotes.
Vamos
entender porque Ifá é uma religião.
Em
primeiro lugar Ifá é parte de uma religião. Ele não é a religião
por sí mesmo. Ifá é uma culto que faz parte da religião Yorùbá.
Esta religião que surgiu em uma área que hoje pertence em parte ao
Benin e em parte a Nigéria, a região Yorùbá. Esta religião tem
uma estrutura bem completa e complexa e se espalhou pela região em
volta dela de forma bem ampla. Foi trazida ao novo mundo durante a
diáspora negra.
Esta
religião é dividida em 3 cultos principais: O culto de Orixá, o
culto de Ifá e o culto de egungun. Cada um desses cultos tem uma
especialização e um objetivo. O Culto de Orixá cuida da pessoa e
da família. O culto de egungun, no qual as pessoas se comunicam com
ancestres, cuida da comunidade e o culto de Ifá é dedicado ao
oráculo da religião.
A
especialização de Ifá é o oráculo e só. O Bàbáláwo é uma
pessoa dedicada a ser um mensageiro entre o divino e nós. O trabalho
do Bàbáláwo é aprender a interpretar a forma como deus fala com a
gente através do oráculo.
Mas,
para melhorar o entendimento vamos a origem do oráculo. A questão
é, por que o oráculo de Ifá existe na religião?
Simples,
o oráculo representa o compromisso de deus, de Olódùmarè,
com a nossa vida, com o nosso sucesso e nosso bem-estar. A
preocupação de deus, Olódùmarè, com
a gente é tanta que ele criou os Orixá (Òrìṣà) para nos
ajudarem e o oráculo para que possamos nos orientar em nossa vida.
Deus quer que a gente seja feliz.
A
religião Yorùbá é encarnacionista, acreditamos que vamos viver
muitas vezes, vamos renascer continuamente. Existe um mundo
espiritual, o Orun, e um mundo natural ou físico o Aiye, que é onde
estamos agora. Antes de nós nascermos, novamente, ainda no Orun nós
estabelecemos objetivos para nossa nova vida e antes de irmos para o
aiye, para nascermos, nós nos ajoelhamos na presença de deus,
Olodumare tendo como testemunha somente uma divindade Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà).
Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà)
é o único testemunho de nosso destino, somente ele e deus sabem o
que planejamos para nossa vida.
Deus
sabe que a vida no aiye é bem difícil, que existem dificuldades,
acidentes, incidentes, catástrofes naturais, imperfeições
congênitas e pessoas que podem atrapalhar esse nosso destino. Dessa
maneira ele encarregou os Orixá de cuidarem de nós e Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà)
de ser o mensageiro entre as pessoas, os orixá (Òrìṣà) e deus.
O
culto de Ifá é dedicado exclusivamente a uma divindade, a Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà).
O Bàbáláwo em sua vida vai cultuar somente esta divindade que é a
divindade que responde em seu oráculo. Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà),
como testemunho de nosso destino junto a deus é o único que sabe o
que planejamos para nossa vida, de forma que, quando temos uma
dificuldade que não conseguimos resolver, vamos ao oráculo da Ifá,
para que através de Òrúnmìlà possamos nos comunicar com o
divino, com ele, Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà),
que sabe o nosso destino e com os orixás que nos assistem na nossa
vida.
O
que torna o oráculo de Ifá especial para as pessoas é o conceito
de Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà)
ter sido a testemunha de nosso destino, ele sabe o que nós
planejamos para nós mesmos.
Esta é uma
explicação religiosa. Esta explicação é feita dentro do contexto
da religião, é a religião que dá sentido a importância do
oráculo de ifá. Existem muitos oráculos e videntes, muitos deles
muito bons, mas, é esta história de Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà)
ser o testemunho do nosso destino, o eleri ipin, que torna o oráculo
importante, sem esta história Ifá seria como búzios, cartas, tarot
e outros.
Dessa
maneira, vamos revisar:
Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà)
– é uma divindade
Olódùmarè
– é o deus supremo yorùbá
O
oráculo de Ifá é um instrumento de Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà)
para se comunicar com as pessoas que vive no mundo material
Mas, apesar disso,
tem Bàbáláwo
que diz que Ifá não é religião?
Eu
não consigo definir Ifá de outra maneira. Não acho que seja uma
ciência, não acho que seja uma "coisa", para mim é
religião.
Como
toda religião, não existem exclusividades. Esta religião está
disponível para ajudar a todas as pessoas. Todas as pessoas foram
até deus antes de nascer, assim acreditamos. Dessa maneira, qualquer
pessoa pode ser ajudada por Ifá. Você não precisa fazer parte da
religião, esta religião, assim como as demais, visam o bem das
pessoas e não existem escolhidos, todos somos os eleitos de deus.
Ao
ir a Ifá você não é obrigado a se converter para a religião
Yorùbá. Você não terá que cultuar Orixá. O Bàbáláwo, como um
sacerdote falará com você citando versos dos textos sagrados da
religião, contará mitos que fazem parte da religião com metáforas
equivalentes às parábolas e vai dar a você orientações baseados
nos valores da religião. Se você quiser ser ajudado o Bàbáláwo
irá ajudá-lo através de Òrúnmìlà, exu e dos orixás, porque
esse é o caminho da religião, mas, você não precisa mudar sua
religião.
Não
confunda assim o aspecto universalista da religião com o fato de Ifá
ter sua existência exclusivamente justificada pela religião Yorùbá.
Sou
Bàbáláwo, sou sacerdote, faço parte de uma religião, Ifá é
parte de uma religião, aberta a ajudar qualquer pessoa.
Quem
não esta em uma religião é vidente, ou olhador de oráculo, Babalawo é cargo religioso.
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