texto anterior: A origem dos Abiku
A família que recebe as crianças do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)
A família que está recebendo a
criança vindo pelo Orixá
(Òrìṣà) do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run),
tem a missão divina de manter
esse espírito, anteriormente
maltratado, no Àiyé,
trazendo-o para a sua linhagem familiar. Toda as crianças vindas
de Orixá (Òrìṣà), que estavam no Ìrònà
vão requerer muita
atenção das famílias que as recebem e esse é a minha principal
mensagem aqui.
Não quero tratar apenas dos
Àbíkú e muito menos tratar eles como um mal teológico. Os
Àbíkú são vítimas.
Quero tratar aqui de todas os
espíritos que vão para o Ìrònà
e voltam a renascer.
Ao
receber uma criança vinda de Orixá (Òrìṣà), a família tratará
sempre de
um egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Saber essa situação com
antecedência facilita muito o trabalho que deve ser feito e o
oráculo de Ifá oferece às famílias essa possibilidade. Alerto que
as religiões não são estanques, o que existe é um único deus e
um único supernatural. Cada religião encontrou entendimento
desigual
e uma forma
própria (associada a cultura
onde a religião foi criada) de
explicar isso para as pessoas. Não
conhecer a existência de uma determinada situação, porque não
teve essa fonte de informação, não nos
imuniza de tratar as situações.
Assim sendo, qualquer pessoa na face da terra, nos bilhões de
habitantes, poderá passar por essa situação. Como eu disse, fica
mais fácil quando a gente reconhece a situação.
Os Àbíkú exigem uma atenção
muito especial, porque eles vão nascer e querem morrer para voltar
ao Ìrònà. Manter um
Àbíkú não será somente através de carinho, amor e atenção,
será também através do supernatural, através de Ifá. Mas junto
com isso, com a atuação
através do supernatural,
esse espírito também tem
que se sentir amado, desejado e querido, para
que ele mude de idéia e seus companheiros do egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) o deixem em paz. A
presença da criança tem que
ser importante para aquela família que terá que se esforçar muito
mais para manter o Àbíkú no Àiyé. Não será apenas um processo
de magia, também será a própria família desejando isso.
O Salami é um Bàbáláwo
de família tradicional entre os yorùbá, ele diz aquilo que a
família dele ensina. O relato que ele fez da criança Àbíkú, no
qual os pais mutilavam a
criança para marcar o Àbíkú e, a cada renascimento, o tratavam de
forma pior, reflete bem o pensamento e
entendimento da maior parte
dos yorùbá sobre o tema. Eles perderam o conhecimento da religião
e da teologia, eles fazem uma
religião baseada no que os antropólogos escrevem nos livros. Só
que a religião deles é densa demais e complexa demais para eles
procederem assim. Eles lá, na
terra deles, estão
preocupados em fazer ebó
(ẹbọ) para os
estrangeiros.
O relato dele, Salami,
que eu citei, não
envolveu, de fato,
um Bàbáláwo,
ele relatou o que a família fazia a
respeito da situação, ele
contou uma história, mas, de
nenhuma maneira, em seu relato, ele mostrou, crítica,
alternativa ou qualquer outro
ponto de vista sobre o mesmo
assunto. Me pareceu que, para
ele, é aquilo mesmo. O
Cuoco, por sua vez, mostrou os mitos, mas, comenta sua opinião, que
eu destaquei, que os Àbíkú não são o mal. É isso, essa religião
precisa de abordagem religiosa, inteligente e com bom senso.
Os
Àbíkú são assim, de fato, um caso agudo que precisa ser tratado
com amor pela família e com ajuda de um Bàbáláwo.
Senão será difícil mantê-los. Eles são casos extremos.
Mas, a maior parte dos casos de
crianças vindas do egbe
(Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), é
de não Àbíkú e para eles
eu volto agora a minha atenção.
Receber um egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run), uma criança de Orixá (Òrìṣà), requer muitos
cuidados. Informo que essas
pessoas que recebem
uma criança de Orixá (Òrìṣà) é
porque foram
pedir a Orixá (Òrìṣà) para ter um filho.
Um dos casos mais comuns que
aparecem para os Bàbáláwo
são as mulheres que querem ter filhos e não conseguem. Isso
é um caso comum em nossa sociedade, existem causas que as vezes a
medicina explica e outras que não tem nenhuma explicação decente.
A medicina não tem esse compromisso de ser assertiva, mais do que
crer nas religiões tradicionais, hoje em dia, crer na medicina é
outra religião. Você tem que acreditar em todo o tipo de imprecisão
e ainda achar que é ciência.
Mesmo os casais que recorrem a
inseminação artificial, podem ter dificuldade nesse
processo de fertilidade.
Esta religião explica aos Bàbáláwo
que existem motivos ligados ao supernatural, como maldições,
feitiços, pragas-de-barriga
e também pessoas que vieram ao mundo para não ter filhos. Fez parte
da sua preparação, dos seus objetivos, por exemplo, não ser pai ou
mãe. Assim, nesses casos, mesmo que agora queiram vai existir uma
causa superveniente que os
impede e, para mudar isso, esse destino ou essa maldição, alguma
coisa terá que ser feita em termo de magia e através de Orixá
(Òrìṣà), porque essas
são condições que foram criadas aqui no Àiyé.
Falo isso com essa certeza porque
eu já lidei com muitos desses casos, assim como lidei com vários
casos de egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e Àbíkú. Eu não falo
aqui porque eu li isso em algum livro de antropólogo, é o
contrário, minha prática, meu destino (meu signo de iniciação)
como Bàbáláwo
me levou a ter esta experiência e sou eu que estou aqui descrevendo
o conhecimento e experiência que adquiri.
No processo de reversão dessas
situações de não gravidez, podemos encontrar uma causa simples,
como uma coisa do corpo ou uma negatividade, feitiço, maldição ou
atuação de ajé (Àjẹ́) que serão
removidas com o trabalho do Bàbáláwo
no seu ópon Ifá
(Ọpọ́n Ifá). Mas podemos
também ter essa origem mais complicada, que veio do próprio órun
(Ọ̀run) e não foi gerado no Àiyé. Tudo
que vem do órun (Ọ̀run) é complicado, tudo o que vem do próprio
Àiyé é mais simples.
Para esses casos mais complicado
não bastam os ebós e sacrifícios, a pessoa tem que estar
complemente comprometida e cerimônias especiais, encenações,
não apenas
ebós, usamos
liturgias tradicionais da
sociedade yorùbá, envolvendo Orixá (Òrìṣà) especiais
para isso. Liturgias serão
feitas para “encenar” essa decisão e essa mudança de resolução
de modo que aquilo que veio do órun (Ọ̀run) possa ser modificado,
junto com a profunda
manifestação do desejo da pessoa, vindo de sua alma e com
a imprescindível
interveniência de um Orixá (Òrìṣà). Um
dos rituais para isso é chamado de Ìgbàjá.
Na religião yorùbá temos toda
uma categoria de Orixá (Òrìṣà) que são comprometidos com esse
trabalho de trazer os filhos e
lidar com o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). São os Orixá (Òrìṣà)
Ọlọ́mọwẹ́wẹ́. Não é apenas um Orixá (Òrìṣà), são
vários que entram nesse grupo. O culto de Gélede
(Gẹ̀lẹ̀dẹ́), tão cercado de mistério aqui no Brasil, apenas
por desconhecimento,
é orientado para isso, para dar filhos as mulheres e mantê-los
vivos. O
culto Gélede
(Gẹ̀lẹ̀dẹ́) está diretamente ligado ao egbé (Ẹgbẹ́)
órun (Ọ̀run). A ligação do culto de Gélede
(Gẹ̀lẹ̀dẹ́) com ajé (Àjẹ́) é apenas porque ajé
(Àjẹ́) é uma das principais causas de esterilidade feminina, de
não fertilidade e cabe ao culto de Gélede
(Gẹ̀lẹ̀dẹ́), a Ìyá Nlá, aplacar essa causa.
A interferência do Orixá (Òrìṣà) para essas questões de
fertilidade que vêm do órun (Ọ̀run), os motivos “O ti órun
(Ọ̀run) wá (Otọ́runwá)”, é essencial. Para atender ao pedido
de ter filho, o Orixá (Òrìṣà) vai ao Ìrònà e traz uma
dessas crianças, desses espíritos em sua natureza infantil ainda,
para renascerem nessas famílias que pedem para eles. Assim a pessoa
pede o filho ao Orixá (Òrìṣà), o Orixá (Òrìṣà) vai
atender, mas, vai buscar uma criança do egbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run).
As crianças selecionadas poderão ser uma que se transforme em um
Àbíkú ou não, não importa, uma vez que o Orixá (Òrìṣà)
defina cabe a família recebê-lo. Lidar com o caso de Àbíkú será
uma missão da família e existem outros Orixá (Òrìṣà)
específicos para lidar com essa situação. Eu não acredito que uma
família não lide com um caso de Àbíkú sem algum motivo relevante
para isso. Um caso típico de Àbíkú, poderá ser o de mães que,
por exemplo abortaram, como uma forma de rejeição à criança que
ia nascer e o Orixá (Òrìṣà) traz essa mesma criança para a
mãe.
Veja, o fato de ter abortado não implica em Àbíkú e muito
menos traz o chamado “carrego de Àbíkú” para a família. Eu
sempre entendi isso dessa forma e mantenho esse pensamento, esse
modelo proposto por mim acomoda tranquilamente esta situação.
Abortos naturais ou acidentais não são motivos de rejeição, eles
simplesmente ocorrem. Pode ser que o espírito que ia nascer volte ao
órun (Ọ̀run) ou fique no próprio Ìrònà aguardando a
próxima oportunidade de renascer.
Nem todo aborto provocado também gerará esse sentimento de
rejeição. Como eu expliquei não é automático a rejeição, quem
se sente rejeitado é o espírito que ia nascer e as circunstâncias
que levaram ao aborto, como mal-formação, doenças congênitas ou
mesmo estupros, podem gerar no espírito que ia nascer a compreensão
das razões e ele então aguardará a sua nova oportunidade.
No modelo que eu estou explicando o Àbíkú é causado pelo
próprio espírito ele se transforma no tipo Àbíkú porque isso,
essa rejeição a nascer e a vontade de querer ficar com seus
companheiros surge nele. Inicialmente no Ìrònà ele pode não
ter esse tipo de opção, mas, com o passar do tempo, por exemplo
isso pode nascer nele. Vamos dizer que uma mulher aborte porque quis,
algum motivo, o espírito fica no Ìrònà e com o passar do
tempo, talvez anos esperando o renascimento que não vêm ele passe a
rejeitar o renascimento. O que estou dizendo é que, sim, não temos
uma regra, temos uma situação aleatória, probabilística na qual
poderá ou não haver a ocorrência do Àbíkú. Não estou forçando
nenhuma explicação, o que estou dizendo é uma coisa natural. Desta
forma passamos a suporte nesse modelo o mundo real, no qual a
ocorrência de Àbíkú é aleatória e não segue nenhuma regra, por
mais que as pessoas tentem simplificar isso. É de fato complexo e
por isso mesmo as pessoas não entendem. Veja, é complexo porque se
busca as causas erradas. Como eu citei, aplicando a Lâmina de Occan,
simplificamos tudo e obtemos a melhor explicação para esta
situação.