O Candomblé e a família
O candomblé é baseado em uma religião absolutamente familiar. O indivíduo e seu sucesso na vida é o centro da religião, mas a família e a sociedade vem logo a seguir. A família é muito importante na estrutura religiosa e a ancestralidade, o vínculo com o passado, é baseada nos laços familiares. A religião não separa o indivíduo da sociedade, pelo contrário integra-o com o presente, o passado e o futuro dessa sociedade.
Eu observo muitos pseudointelectuais usado a referência da ancestralidade, como uma posição “erudita” com frases de efeito, mas, é tudo espuma. Essas pessoas não tem a menor ideia do que seja ancestralidade para essa religião.
Hoje existe em muitas casas ou talvez até, na maioria delas, um desencontro entre a religião e a família. Isso vai de encontro (isto é, contraria) com o princípio básico da religião, uma vez que é inconcebível uma religião sem a família. Na continuação do texto eu explorarei este aspecto histórico buscando trazer reflexão sobre o tema.
O mundo real nos mostra que a prática de muitas casas não incentiva ou propicia uma prática familiar da religião.
Essas casas devem ser evitadas, elas não são um lugar adequado a religião.
Antes de fazer a explicação histórica do problema e suas causas raízes, de acordo com meu ponto de vista, vou direto nas recomendações.
Recomendações para escolher uma boa casa
A primeira coisa que qualquer pessoa deve ter atenção ao frequentar uma casa é, onde esta a família do dirigente? A família dele está na casa de orixá? Mulher e filhos estão na mesma religião do dirigente?
Se a pessoa não tem capacidade para convencer seus familiares frequentarem sua casa, por que você está indo la? O que você viu naquela casa ou pessoa que as pessoas mais próximas a ele não viram? Por que ele te convence a ir na casa dele se não faz isso com mulher, filhos e outros familiares.
Os demais membros da casa, frequentam com a família deles? Ou você é o único preocupado em levar sua família? Se não existe preocupação geral em trazer a família, você certamente está no lugar errado.
Você pode estar em uma casa que o dirigente é homo sexual. Isso não é por princípio nenhum problema, mas homo sexuais também tem família. A família dele está com ele?
Como eu citei, a orientação dele não é um problema, mas, também pode não ser um padrão para você. Em muitos casos pode ser mais conveniente você procurar uma casa mais alinhada com sua própria vida. O seu espaço religioso não pode representar uma disrupção com sua realidade, isso não da certo.
A casa é um ambiente familiar? É um lugar para o qual você levaria sua família sem restrições ou preocupações? Você vê sua família frequentando com você aquela casa?
As pessoas que frequentam a casa são pessoas similares a você em termos de valores, ética e moral? Você poderia conviver com essas pessoas fora da casa de orixá?
A sua casa religiosa não é um lugar para laboratório social. Ela deve ser sintonizada com sua vida, modos e comportamento. Ela tem que poder ser uma extensão natural da sua vida para que la a sua cabeça não fique em conflito ou praticando novos horizontes. Se você quer que isso dê certo tenha atenção a isto.
Se você falhar em responder a estas questões, reflita melhor e procure um lugar que vai propiciar mais chances de sucesso. É absurdamente alto o nível de frustração das pessoas com casas e isto traz muitos problemas.
Não tenha pressa sob nenhuma razão para escolher uma casa. Nenhum motivo ou pretexto devem acelerar o lento processo de escolha de uma casa para frequentar. Voltando ao tema deste texto, religião é uma prática familiar.
A origem da família espiritual.
A família espiritual, ou de santo, teve sua utilidade, mas causou mais problema que solução. O modelo que você deve ter para a religião é da prática familiar. Sua casa religiosa tem que ser um lugar compatível com sua vida. Não pode ser um lugar que você mergulhe em uma vida paralela.
A casa que você frequenta tem que permitir uma prática aberta da religião, uma que você e sua família possam ir sem serem obrigados a se iniciar o submeter a liturgias contínuas.
Você não pode ver sua opção religiosa como sendo um instrumento para solução de problemas, para troca de favores ou dispêndio de dinheiro.
Não confunda preconceito com opções. Você pode não ter preconceito contra a opção social das pessoas, mas não tem que transformar isso em sua opção. Você pode ter a opção de ter uma vida distinta e que fique sob o seu controle a educação que dá a seus filhos.
Nunca se submeta a ninguém. Uma coisa é respeitar a organização de uma casa que precisa dela para funcionar. Você deve entender o seu papel naquela estrutura e o que pode, não pode, deve e não deve fazer, mas nunca se esqueça que está ali por opção e não por falta de opção. Sua prática de religião deve ser um prazer e a relação entre as pessoas deve se dar pelo respeito.
Religião não é um exército e casa de orixá não é um quartel. A hierarquia que se estabelece no contexto religioso é necessária mas serve a religião. Na vida social a importância das pessoas se deve ao respeito que elas conquistam e não ao que elas exigem.
O candomblé é uma versão brasileira da religião Yoruba. Ele é uma "tradição religiosa" e por isso mesmo fez várias adaptações da prática da religião original Yoruba ao nosso povo em função de nossa cultura, história e sociedade. Essas adaptações não mudam a religião, apenas especializam-na. Um dos aspectos que tiveram que ser superados inicialmente, infelizmente, foi o aspecto da família. Digo infelizmente porque a solução acabou favorecendo o descolamento na religião do individuo da família e isso se propagou até hoje. É um dos casos em que o remédio trouxe efeitos colaterais permanentes.
Em primeiro lugar, temos que lembrar que a família dita carnal ou de descendência direta foi desconstruída pelo escravagismo. A formação das primeiras casas de candomblé não pôde ser feita em torno do núcleo familiar e dessa forma a família não pôde se reunir em torno do culto às suas divindades pessoais, familiares e seus ancestres, como é o modelo Yoruba. Essa minha afirmação não é totalmente precisa e vão existir vários casos de exceção, contudo serve como visão geral.
A separação da família teve apenas um efeito mais forte nos primeiros tempos da religião, possivelmente nos primeiros 40 anos, mas criou o conceito da família de santo para substituir a ausência da família carnal. O conceito da família substituta permitiu que se inserisse um “ambiente familiar” alternativo, com irmãos e pais. Dessa forma a religião pode ser praticada quardando o paralelo com a África. O terreiro era a casa familiar substituta e os membros os familiares.
A casa e família de santo trouxeram o ambiente de relações familiares da religião Yoruba para o candomblé e o ajudou a se construir de uma forma similar a origem africana.
Mas havia um outro aspecto, além do escravagismo, que contribuiu para a não união familiar em torno da religião, que foi o catolicismo que, como religião majoritária e de forte ascendência devocional sobre a população, dividia a preferência dos indivíduos e das famílias. Não temos a tradição social de obrigar a adoção da religião pelos filhos e o candomblé sendo uma religião iniciática com ritos fortes e fortemente discriminada, era muito mais difícil de ser adotado quando comparado com o catolicismo.
Imagine a situação difícil dos primeiros grupos que tinham acesso ao candomblé. Já sofriam uma grande restrição social por conta de sua vida e origem. Sofrer ainda preconceito por causa da religião ou mesmo perseguição policial real, era um pouco demais. Não era para todos e mesmo o pai mais crente nos orixás não gostaria de ver seu filho sofrendo por isso.
Além disso o catolicismo se impunha como a religião majoritária. Fortemente divulgada, fácil de ser praticada e altamente integrada a ritos sociais, como batizado e casamentos. Era impossível não se casar em uma igreja e a cerimônia era o sonho das mulheres.
Nada disso havia no candomblé, pelo contrário só haviam restrições e proibições.
Com isso tudo e mais coisas ainda que poderíamos divagar era difícil ter o candomblé como religião familiar, mesmo bem depois do fim da escravidão.
O lukumi, tradição religiosa cubana, que tem aparecido no Brasil junto com cubanos, tem todo motivo para ter se distanciado tanto da religião Yoruba. Eles tiveram a mesma concorrência do catolicismo e não tiveram a formação da família de santo e do terreiro. Acabaram construindo uma tradição que se distanciou muito da religião e teologia e hoje eles buscam se afirmar conflitando com os africanos.
Contudo, voltando a questão da família substituta, esta não era a solução perfeita. Ela, de fato, criava um núcleo familiar paralelo, necessário para a religião, mas, não estabelecia entre as pessoas a real cumplicidade, lealdade, tolerância e afetividade que existe no ambiente familiar real. A família substituta serviu ao propósito da religião mas não ao das pessoas. As casas de orixá se tornaram um ambiente nem sempre agradável onde imperava a convivência difícil e relações hierárquicas. A família espiritual, de família não tem nada.
Com o tempo a família substituta inibiu a própria família real de se integrar a casa de orixá. A estrutura substituta com sua hierarquia própria passou a não desejar mais os problemas que adviriam da integração da família real, com seus laços afetivos próprios, suas relações de lealdade particulares e sua hierarquia autônoma.
Quando a capacidade do dirigente está muito aquém do necessário para enfrentar este desafio, sobram restrições e a religião se perde. E isso ocorreu em larga escala. Foram estabelecidas regras proibindo o relacionamento entre pessoas da mesma casa e proibições a frequência a uma mesma casa de casais.
Além disso a capacidade de ensinar a religião e a prática dela se transformaram em um transtorno. Eram muitas regras e proibições. Somente a casa de orixá era lugar para a religião e da forma como o dirigente estabelecia. Erros, desvios ou esquecimentos na liturgia viraram problemas gravíssimos.
A consequência disso foi que esta religião através desse tipo de pensamento e prática adotou a linha do medo e do pecado que cercam e alimentam o cristianismo. A naturalidade e a felicidade do encontro com orixás foi trocado pelo medo e tensão. O orixá como uma divindade próxima a nós e que compartilha nossa felicidade foi tornada equivalente ao deus cristão, severo e raivoso.
Esqueçam esse modelo idiota.