Em função de uma revisão eu republicarei os textos sobre Egbe Orun publicados até o momento
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Vídeos que estão no Youtube com temas interessantes:
O que é odu em Ifá, em 4 partes:
Parte 1: https://youtu.be/aZ7IGkjIiN8
Parte 2: https://youtu.be/YCKw9EB7kBY
Parte 3: https://youtu.be/VYgJYi-Jbec
Parte 4 e 5: https://youtu.be/6-6hAfCWfok
quarta-feira, janeiro 13, 2021
O Égbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e os Àbíkú - A visão de Alex Cuoco [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 42]
A visão de Alex Cuoco
Alex Cuoco é um brasileiro que foi viver ainda jovem nos EUA. Ele publicou um livro excelente chamado “African Narratives of Orishas, Spirits and Other Deities”. É um equivalente ao livro do Prandi, “Mitologia dos Orixá”, mas o Prandi mistura muito no seu livro, ele inclui patakis cubanos e isso deturpa muito o que ele mostra.
O livro do Alex Cuoco é bem extenso, são quase 1.000 páginas, mas, contém bastante texto e Òrìṣà (Orixá). Neste livro ele tem muitos mitos sobre Àbíkú e um resumo no final. É sobre o que ele sintetizou em seu resumo que vou descrever a seguir, visto que é um resumo dos diversos mitos que estão no livro.
Segundo Alex, os Àbíkú são um fenômeno comum entre diversos povos da mesma região. Os yorùbá, Akan, Nùpe, Ìgbò, Hausa e Fante acreditam na mesma coisa. De fato existe um compartilhamento de crenças religiosas por povos desta região que, mesmo sendo de culturas diferentes e tendo cultos religiosos distintos, possuem muitas crenças em comum.
Eles acreditam que os espíritos Àbíkú residem em áreas desabitadas, florestas e áreas arborizadas, principalmente em torno de árvores de Ìrókò. Os Àbíkú ficam em trânsito entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé permanecendo por pouco tempo na terra.
Os Àbíkú fazem parte de uma sociedade chamada “Égbe (Ẹgbé) Ará órun (Ọ̀run)” que tem meninos e meninas e, cujos garotos, são liderados por uma deidade chamada Iyàjanjàsá e, as meninas, são chefiadas por uma deidade chamada Olóìkó. Contudo foi Ọlọ́fin Aláwaiyé aquele que trouxe eles para dentro do mundo pela primeira vez para a cidade de Awaiyé, em um grupo de 208 Àbíkú. É em Awaiyé que pode ser encontrada a floresta sagrada do Àbíkú onde os pais dos Àbíkú vão fazer suas oferendas de maneira a manter suas crianças no mundo. A cidade de fato existe.
Seguindo os textos bases, os Àbíkú vão do órun (Ọ̀run) para o Àiyé e declaram para Oníbodé suas intenções o tempo que ficaram no mundo (curto). Eles prometem a seus companheiros retornar independente dos esforços que seus pais façam para eles ficarem.
Quando o tempo de partida chega seus companheiros vão para o Àiyé para lembrá-los de suas promessas. No Àiyé os companheiros residirão em áreas como pântanos, rios, os muros das casas onde moram seus companheiros renascidos, nos banheiros das casas e nos quintais. Os quintais são os lugares preferidos porque é neste local que os yorùbá enterram as placentas depois que são colocadas em um jarra chamada de Isásùn a qual é coberta com folhas de palmeira e búzios. É a partir desses lugares que esses emissários chamam seus companheiros renascidos para voltar para casa ou ficam atormentando os que decidiram ficar.
O pacto entre os membros do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é bem sério e os Àbíkú que não renasceram farão de tudo para que ele seja comprido. Existe a capacidade dos pais, através de Ifá, fazerem o alma do filho de romper com essa sociedade e a alma pode, assim, se libertar desse ciclo de vidas curtas. Uma vez feito isso eles nunca mais serão importunados pela sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Como parte do pacto o Àbíkú renascido deve compartilhar aquilo que ganha com seus companheiros, desta forma, uma criança Àbíkú sofrerá de mal-nutrição, porque, o que come, será compartilhado entre seus companheiros. Os companheiros manterão contato com o renascido continuamente para que esse não esqueça de sua promessa. Os companheiros surgem em sonhos e poderão causar acidentes e doenças.
O Ṣáworo é um recurso usado para afastar os companheiros, trata-se de um cordão com um guizo amarrado, que é colocado no calcanhar das crianças e este barulho afasta os Àbíkú. O mesmo é considerado para roupas vermelhas. Além deste tipo com guizo, o Ṣáworo pode ter outros modelos. Muito anteriormente era feito com búzios, depois passou a ser anéis de ferro, mesmo se o guizo. Este modelo de apenas um anel de ferro, na verdade mais de um que fazem barulho quando a criança de move é, possivelmente o mais tradicional e conhecido.
Um recurso mais desesperado das mães é fazer pequenas incisões na pele da criança e esfregar pimenta para causar dor ao Àbíkú e eles deixar o corpo da criança. Nesse caso é considerado que o espírito Àbíkú reside no corpo da criança junto com a alma verdadeira e, desta forma, poderia ser expulso.
Quando uma criança Àbíkú morre é dado um péssimo tratamento para o corpo. Existem casos no qual ela não é enterrada, sendo deixada na floresta para apodrecer. Outras é enterrado em florestas distantes da casa dos pais. Ainda existe o hábito, como descrito no texto do Salami de mutilar o corpo da criança e a mãe invoca maldições e pragas para aquele Àbíkú, antes de enterrá-lo. Eles acreditam que o Àbíkú ficará com medo da mãe e não voltará assim como o corpo mutilado não atrairá mais. Também acredita-se que o corpo do próximo nascido poderá ser pesquisado se tem as mutilações que foram feitas no anterior, como também descrito no Salami.
... CONTINUA ....
quarta-feira, janeiro 06, 2021
O Égbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e os Àbíkú - A visão de Ayo Salami [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 41]
A visão de Ayo Salami
O Bàbáláwo Ayo Salami em seu livro “The Man & the Society” o qual eu recomendo que seja lido, assim como outras obras do mesmo autor que tem volume e qualidade de informação. Salami chega bem próximo da visão que eu entendo ser a mais coerente e ele traz confirmações importantes sobre minhas teses.
Eu não vou transcrever o texto dele, vou destacar o que ele traz de informação e o que eu vou listar está desta exata maneira no texto dele.
Salami reconhece que os Àbíkú não residem no órun (Ọ̀run) e desta maneira a dita sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) também não está no órun (Ọ̀run). Salami diz que o Àbíkú residem no espaço intermediário chamado de Ìrònà, e é deste espaço que os Àbíkú saem e voltam entre o o Àiyé. No Ìrònà eles formaram uma sociedade de iguais com suas próprias regras. É nesse mesmo espaço, o Ìrònà que residem a ajé (Àjẹ́).
Ele diz que hoje em dia o mito dos Àbíkú se misturou com o próprio entendimento da medicina, de modo que muitas mortes de crianças podem, de fato serem atribuídas a doenças e condições ruins de higiene, contudo, uma coisa não exclui a outra. Um Bàbáláwo tem que ter a capacidade de distinguir uma coisa da outra.
O grande destaque da sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é de fato os Àbíkú. Àbíkú é uma palavra que significa “aquele que nasce para morrer”.
A característica de Àbíkú é nascer muito cedo, não necessariamente no parto e não necessariamente quando bebe ou criança. Um Àbíkú pode sim crescer e morrer mais velho, tudo depende do acordo que ele fez para o seu retorno.
Assim a visão no Candomblé que pessoas que sofrem aborto ou crianças de morrem durante o parto como sendo Àbíkú é errada. Abortos e mortes dentro do útero deve ser associados a atuação de ajé (Àjẹ́) e não de Àbíkú. Idem durante o parto. Um Àbíkú tem que nascer e para nascer não basta sair do útero, ele precisa respirar e cortar o cordão umbilical.
Salami afirma que a missão dos Àbíkú é causar sofrimento aos seus pais, mas a determinação da duração de sua vida e variável. O que é sempre forte é sua ligação com seu grupo que fica no Ìrònà.
A manutenção de um Àbíkú no Àiyé é bem difícil e não depende de recursos médicos, isso é trabalho apenas para um Bàbáláwo. Existe um ditado yorùbá que diz “Àbíkú sọ olóògùn dèké” que significa, os Àbíkú transformam a medicina em uma mentira. Não haverá solução para um Àbíkú que quer morrer.
Salami nos oferece sua versão para o verso do Odù Ọ̀ṣẹ́ Ògúndá, que é considerado o principal Odù ligado a Àbíkú. Mais uma vez, se quiser entender a religião tem que ler as histórias.
Eu sublinhei umas passagens importantes da história.
Um rei em particular cujo título é Oniki na cidade de Ìkilà estava sob o terror de Àbíkú. Ele tivera muitos filhos do que qualquer pessoa na cidade, mas nenhum deles sobrevivera. Quase todas as crianças morreram em seu primeiro dia na Terra; aquele que não morreu no primeiro dia morreu durante sua cerimônia de nomeação. Muitos morreram quando começaram a falar; a situação era tão ruim que ele consultou curandeiros. Eles tentaram tudo ao seu alcance, mas foi em vão. Apesar de todas as mortes, o rei não perdeu as esperanças. Quando a próxima de suas esposas ficou grávida, ele resolveu consultar Ifa. Ele pediu a Bàbáláwo que viesse e divinasse para ele. É por causa de Àbíkú que você chamou essa adivinhação, disseram a ele. Sim, ele respondeu em afirmação, sentando-se ereto na beira de sua cadeira. Então você tem que oferecer sacrifício a Ògún para que ele te deixasse; é apenas um Àbíkú que vem e vai, mas desta vez, qualquer um que vier até você não poderá retornar, concluíram os Bàbáláwo.
A princípio, o rei perguntou cinicamente que conexão havia entre Ògún e Àbíkú;
“- como esses dois estão conectados e qual é a função de um no outro?” Ele se perguntou.
Mas de alguma forma, ele foi persuadido a oferecer o sacrifício, o que ele fez. Enquanto isso, na casa de Oniki, havia um caçador itinerante particular que estava peregrinando com o rei: seu nome era Ọdẹ́bíyìí. Ele chegou por volta de quando o rei pediu a divinação. Seu método de caça era ir para as florestas profundas, fazendo um acampamento escondido no topo de uma árvore de onde ele pudesse veja todos os animais vagando para fazer um bom tiro.
Alguns dias após a oferta dos sacrifícios pelo rei Oniki, Ọdẹ́bíyìí foi para as florestas profundas como de costume, escondendo-se no topo de uma árvore. Quando estava prestes a cochilar, ouviu algumas vozes humanas abaixo. Furtivamente, ele estendeu o pescoço para saber o que estava acontecendo e ver quem estava falando. Ele viu um ser estranho que parecia uma mulher; ela tinha dezesseis seios e sentou-se em uma esteira preta que apareceu do nada. As criancinhas ao seu redor começaram a falar uma após a outra. Um diria que estava indo para a casa de Alárá, o outro diria que estava indo para a casa de Ajerò, outro para a casa de um rei na antiga cidade de Ìwó. A missão deles era roubar da respectiva casa para trazer de volta à sua sociedade. Mas um em particular atraiu a atenção da Ọdẹ́bíyìí; ele o ouviu dizer: Estou indo para a casa de Oniki. A esposa faria o parto hoje e eu entraria no útero para nascer em troca. Mas eu não ficaria por muito tempo antes de desejar que meus companheiros viessem para mim e me levassem de volta. Quando seria a hora? O estranho ser com dezesseis seios perguntou. Deve ser quando a primeira lenha que vai ser usada para fornecer calor para a mãe e o bebê queimar até virar cinzas. Mas se eles não permitirem que eu volte então, como todos vocês sabem que os humanos são cheios de truques que podem contornar meu objetivo, seria quando eu crescer até minha altura chegar ao topo da porta inferior; mas se as duas opções falharem, então vocês, meus amigos, devem vir e me levar de volta por qualquer método disponível para vocês.
Ọdẹ́bíyìí estava dentro do acampamento, observando tudo o que diziam como se estivessem encenando uma peça. Embora assustado, ele não disse uma palavra, nem fez qualquer movimento para despertar suas suspeitas. O Ògún a quem o rei ofereceu sacrifício não os fez perceber que havia alguém ouvindo tudo o que diziam. Logo após a última de suas deliberações, como um flash que vieram, todos eles desapareceram na colina de molde atrás da árvore sobre a qual Ọdẹ́bíyìí estava posicionada. Ele demorou para ver se viria mais alguma, nenhuma veio e já era tarde. Ele furtivamente desceu do topo e saiu da floresta na ponta dos pés. Alternando caminhada e corrida, ele deixou a floresta e assim que chegou aos arredores do palácio ouviu gritos de alegria. “- Que este fique com você”. “- Este não morrerá, ele pagara por todos aqueles que morreram anteriormente“. Parabéns Káábíèsí!. “- Este é o próximo rei visto que é um menino”. Os visitantes estavam chegando da esquerda e da direita.
“- Que tipo de coincidência é essa?” Ele se perguntou em voz alta. Ọdẹ́bíyìí entrou e rapidamente chamou a atenção do rei Oniki. Káábíèsí,
“- posso falar com você por um momento, por favor?”
“- Sobre o quê? “ Perguntou o rei.
Ọdẹ́bíyìí contou sua história ao rei, que ficou surpreso ao ouvir uma história que nunca tinha ouvido na vida.
De acordo com a sugestão de Ọdẹ́bíyìí, o rei ordenou que incontáveis toras de madeira fossem fornecidas para a mãe lactante, para que o fogo não se apagasse. Ele também ordenou que a porta que separava a câmara interna da sala fosse reconstruída para permitir que um adulto crescido passasse sem que sua cabeça tocasse o topo.
E assim a vida continuou na casa de Oniki; passou o medo de que a criança morresse no primeiro dia na Terra; a cerimônia de nomeação foi feita sem nenhum obstáculo (ao contrário das outras crianças que geralmente morrem na cerimônia de nomeação) e a criança foi chamada de "Mọ́lùmọ”. “- Oh, talvez ele tenha adiado sua morte para quando pudesse falar”, o rei se perguntou ; apreensivo, mas esperançoso sobre a criança que não tinha morrido.
À medida que Mọ́lùmọ crescia, o rei percebeu que ele ficaria na porta, na ponta dos pés, tentando ver se sua cabeça tocava o topo.
“- Então é verdade!” disse o rei para si mesmo.
Ele ordenou que a porta fosse completamente removida. “- Quando não houver porta, eu quero ver o que sua cabeça tocaria".
Passado
o tempo que ele combinou com seus companheiros de seu retorno, os
companheiros resolveram ir pegá-lo sozinhos. E foi assim que eles se
reuniram em sua multidão e se dirigiram para a casa de Oniki.
Ao
chegarem ao pátio, no meio da noite, eles irromperam em uma canção
patética dizendo:
Mọ́lùmọ
The child of Oniki
Mọ́lùmọ
I call you again
You are the child of Oniki
Why did we not see you again?
Mọ́lùmọ ouviu a canção e respondeu de dentro da casa:
sou
Mọ́lùmọ
O filho de Oniki
Eu sou o próprio Mọ́lùmọ
O
filho de Oniki
Eu deveria ter ido antes desta hora
Meus
companheiros
Ọdẹ́bíyìí o caçador foi aquele que me
impediu
Os companheiros tentaram tudo o que podiam: causar confusão na casa de Oniki na esperança de causar a morte de seu companheiro, mas o sacrifício que os Bàbáláwo ofereceram no início neutralizou todos os seus esforços. Quando não conseguiram, eles partiram para sua residência e não vieram incomodar Mọ́lùmọ para sempre. E então ele se tornou uma criança sobrevivente de Oniki.
Eu marquei os seguintes trechos e vou comentar:
morreram em seu primeiro dia na Terra; aquele que não morreu no primeiro dia morreu durante sua cerimônia de nomeação. Muitos morreram quando começaram a falar;
Conforme já disse a criança precisa morrer para depois nascer. Existem outras histórias de Àbíkú onde a criança morre no dia do seu casamento. Desta maneira, não é verdade a crença de Àbíkú morra sempre jovem, bem como não é verdade que morra no útero.
a situação era tão ruim que ele consultou curandeiros. Eles tentaram tudo ao seu alcance, mas foi em vão.
Médicos não salvam.
sacrifício a Ògún
De acordo como encontro nos versos de Ifá, diversos inrumolé (Irúnmọlẹ̀) estão envolvidos na salvação de Àbíkú. Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), sempre está, mas Ògún e iroko também podem estar envolvidos assim como Xangô (Ṣàngó).
Estou indo para a casa de Oniki. A esposa faria o parto hoje e eu entraria no útero para nascer em troca. Mas eu não ficaria por muito tempo antes de desejar que meus companheiros viessem para mim e me levassem de volta.
Vou abordar isso em outro lugar, mas, de acordo com o que eu encontro em Ifá a criança enquanto no útero é parte da mulher. O espírito que habitará o corpo só o faz junto com o Ẹ̀mí.
Os companheiros tentaram tudo o que podiam: causar confusão na casa de Oniki na esperança de causar a morte de seu companheiro,
Essa é uma característica da atuação do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e que pode ser observada por qualquer um.
O sacrifício feito pelo Bàbáláwo para impedir a morte dos Àbíkú é conhecido como Ẹbọ àrúyẹ ìpínhùn – Sacrifício para terminar com a aliança.
Salami diz também que os Àbíkú se reúnem entre si no Àiyé. Eles fazem reuniões noturnas no pé de uma árvore. Nos versos de Ifá essa árvore é o Ìrókò. Essas reuniões contam com os espíritos que ficam no Ìrònà como também com os espíritos dos renascidos. Assim criança Àbíkú renascida, durante a noite, cairiam sono profundo, ficando imóveis e quase impossível de acordá-las. Nesses momentos seus espíritos estariam fora do corpo reunidos com seus amigos do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Ayo Salami inclui mais uma história em seu relato que não se trata de verso e sim de um relato real, da vida real, o qual vou explicar a seguir bem resumidamente porque será importante quando eu fizer meus comentários.
Segundo Salami, ele testemunhou isso em 1982. Havia um casal juntos por 15 anos e com 3 filhos, não eram amadores ou principiantes em criar filhos. Mas, depois do terceiro o problema começou, a quarta criança, uma menina morreu na cerimônia de nome. Isso acabou com a festa mas o pai não queria que o sofrimento durasse até o dia seguinte. Eles justaram as pessoas fizeram uma cova e enterraram a criança. Logo a seguir ouviram um barulho na terra e abriram novamente para ver o que havia ocorrido, o corpo havia desparecido.
A mulher ficou grávida de nove e teve outra menina que também morreu na cerimônia de nome. O pai enterrou da mesma maneira mas infligiu marcas no corpo da criança e cortou a mão esquerda.
A mulher novamente ficou grávida, um menino agora e o pai tinha certeza que seria um Àbíkú e desta maneira não preparou nada de especial para a cerimônia de nome que seria no nono dia de nascimento. A criança nasceu sem a mão esquerda. Os médicos inventaram explicações, mas a criança morreu 2 anos depois em circunstância estranhas. Mais uma vez o pai enterrou e também tirou seus olhos. Pois bem a próxima criança nasceu sem a mão e cego, ela morreu poucos dias depois de nascer. Os pais desistiram de ter mais um filho.
Salami teoriza que os Àbíkú atacam as pessoas retirando do útero da mãe a alma que nasceria, assim eles seriam invasores e substitutos. As almas que são deslocadas do nascimento pelos Àbíkú vagam como fantasmas pelo Àiyé e devem ficar no Àiyé até o dia marcado para o se retorno, o dia original de sua morte.
Salami segue a crença do mal associado aos Àbíkú. Se considerarmos como ele diz os Àbíkú como um mal que se abate sobre a pessoa temos que classificar com Àbíkú como um mal teológico.
Nas suas explicações e análises dos versos ele não estabelece nenhuma explicação ou causa, chega mesmo a citar como se fosse o acaso, ao contar uma história de uma mulher que se encontra por acaso com uma criança no mercado e a partir daquele encontro passou a ser mais uma vítima de Àbíkú.
... CONTINUA ....
sexta-feira, janeiro 01, 2021
O Égbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e os Àbíkú [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 40]
O Égbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e os Àbíkú
Você vai ler agora um texto poderoso, um dos textos importantes desse blog.
Esse é um tema bastante interessante, visto o grande grau de desinformação que existe sobre o mesmo, devido a falta de fontes confiáveis e o excesso de mistificação sobre o tema. Eu mesmo levei muitos anos para reunir fontes confiáveis e consistente e para entender esse assunto em si e dentro do contexto da religião. Este critério é importante, não basta conhecermos apenas o assunto, suas práticas, ritos e mitos, o conhecimento que temos também tem que se encaixar em relação ao restante da religião de forma consistente e harmônica. Este tem sido o critério adotado em todo esse livro.
O que vou fazer a seguir é dar uma explicação religiosa, baseado na teologia Yorùbá, de fenômenos que afetam muito a sociedade e que são vistos como malefícios, mas, são uma das páginas mais tristes da nossa relação como pessoas e almas com a estrutura metafísica.
Eu passei a considerar o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e principalmente os Àbíkú como uma componente do mal teológico, contudo, o que se abriu para mim foi o contrário, de verdugos passaram a serem vítimas do mal. Os Àbíkú são almas que temos que lamentar e ajudar, mas, isso, somente será para os muito fortes, os eleitos.
As famílias não são amaldiçoadas pelos Àbíkú, é o contrário, os Àbíkú foram amaldiçoados pelas famílias. As famílias foram eleitas para recuperar essas almas e precisam entender essa missão.
Eu vou expor a posição de alguns autores sobre o tema, opiniões que influenciam o entendimento da sociedade e depois vou fazer a minha análise e conclusões, mesmo ela vá de encontro a algumas posições dessas pessoas.
Antes que pensem que estou querendo complicar tudo, entendam que, para compreender essa religião, vocês devem de fato ler os versos e as histórias. Eu posso junto com isso fazer minhas análises e explicações, mas, é necessário conhecer a fonte da informação que transmitimos.
A visão de Verger sobre esse tema
De acordo com Verger, que coletou versos sobre o tema, se uma mulher, em terra yorùbá dá à luz uma série de crianças natimortas ou mortas em baixa idade, a tradição reza que não se trata da vinda ao mundo de várias crianças diferentes, mas de diversas aparições do mesmo ser (para eles, maléfico) chamado Àbíkú (aquele que nasce e morre) que se julga vir ao mundo por um momento para voltar ao país dos mortos, órun (Ọ̀run), várias vezes.
Ele passa assim, seu tempo, a ir e voltar do céu para o mundo sem jamais permanecer aqui por muito tempo, para grande desespero de seus pais, desejos de ter os filhos vivos.
Essa crença se encontra entre os Akan, onde a mãe é chamada awomawu (ela bota os filhos no mundo para a morte). Os ibo chamam os Àbíkú de ogbanje, os haussas de danwabi e os fanti, kossamah. Os Àbíkú são uma intercorrência popular e não um entendimento isolado.
Encontramos informações a respeito dos Àbíkú em oito itans (histórias) de Ifá, sistema de adivinhação dos Yorùbá, classificados nos 256 Odù (sinais de Ifá). Essas histórias mostram que os Àbíkú formam sociedades no egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), presididas por iyàjansà (a mãe-se-bate-e-corre) para os meninos e olókó (chefe da reunião) para as meninas, mas é Aláwaiyé (Rei de Awaiyé) que as levou ao mundo pela 1ª vez na sua cidade de Awayié. Lá se encontra a floresta sagrada dos Àbíkú, aonde os pais de Àbíkú vão fazer oferendas para que eles fiquem no mundo.
Quando eles vem do céu para a terra, os Àbíkú passam os limites do céu diante do guardião da porta, oníbodé órun (Ọ̀run), seus companheiros vão com ele até o local onde eles se dizem até logo. Os que partem declaram o tempo que vão ficar no mundo e o que farão. Se prometem a seus companheiros que não ficarão ausentes, essas crianças apesar de todo os esforços de seus pais, retornarão, para encontrar seus amigos no céu.
Os Àbíkú podem ficar no mundo por períodos mais ou menos longos. Um Àbíkú menina chamada "A-morte-os-puniu" declara diante de oníbodé órun que nada do que os seus pais façam será capaz de retê-la no mundo, nem presentes nem dinheiro, nem roupas que lhes ofereçam, nem todas as coisas que eles gostariam de fazer por ela atrairiam os seus olhares nem lhe agradariam.
Um Àbíkú menino, chamado Ilere, diz que recusará todo alimento e todas as coisas que lhe queiram dar no mundo. Ele aceitará tudo isto no céu.
Quando Aláwaiyé levou duzentos e oitenta Àbíkú ao mundo pela primeira vez, cada um deles tinha declarado, ao passar a barreira do céu, o tempo que ficaria no mundo. Um deles se propunha a voltar ao céu assim que tivesse visto sua mãe; um outro, esperaria até o dia em que seus pais decidissem que ele casasse; um outro, que retornaria ao céu, quando seus pais concebessem um novo filho, um ainda não esperaria mais do que o dia em que começasse a andar.
Outros prometem à iyàjanjasà, que está chefiando a sua sociedade no céu, respectivamente, ficar no mundo sete dias, ou até o momento em que começasse a andar ou quando ele começasse a se arrastar pelo chão, ou quando começasse a ter dentes ou ficar em pé.
É assim que nessas quatro histórias encontramos oferendas que comportam um tronco de bananeira acompanhado de diversas outras coisas. Um só dos casos narrados, o terceiro, explica a razão dessas oferendas:
“Um caçador que estava à espreita, no cruzamento dos caminhos dos Àbíkú, escutou quais eram as promessas feitas por três Àbíkú quanto à época do seu retorno ao céu.”
“Um deles promete que deixará o mundo assim, que o fogo utilizado por sua mãe, para preparar sua papa de legumes, se apague por falta de combustível. O segundo esperará que o pano que sua mãe utilizar, para carregá-lo nas costas se rasgue. A terceira esperará, para morrer, o dia em que seus pais lhe digam que é tempo de ele se casar e ir morar com seu esposo.”
“O caçador vai visitar as três mães no momento em que elas estão dando à luz a seus filhos Àbíkú e aconselha à primeira que não deixe se queimar inteiramente a lenha sob o pote que cozinha os legumes que ela prepara para seu filho; à segunda que não deixe se rasgar o pano que ela usar para carregar seu filho nas costas, que utilize um pano de qualidade diferente; ele recomenda, enfim à terceira, de não especificar, quando chegar a hora, qual será o dia em que sua filha deverá ir para a casa do seu marido.”
As três mães vão, então consultar a sorte, Ifá, que lhes recomenda que façam respectivamente as oferendas de um tronco de bananeira, de uma cabra e de um galo, impedindo, por meio deste subterfúgio, que os três Àbíkú possam manter seu compromisso. Porque, se a primeira instala um tronco de bananeira no fogo, destinado a cozinhar a papa do seu filho, antes que ele se apague, o tronco de bananeira, cheio de seiva e esponjoso, não pode queimar, e o Àbíkú, vendo uma acha de lenha não consumido pelo fogo, diz que o momento da sua partida ainda não é chegado. A pele de cabra oferecida pela Segunda mãe serve para reforçar o pano que ela usa para levar seu filho nas costas; a criança Àbíkú não vai achar nunca que esse pano se rasgou e não vai poder manter sua promessa. Não se sabe bem o porque do oferecimento de um galo, mas a história conta que quando chegou a hora de dizer à filha já uma moça, que ela deveria ir para casa do seu marido, os pais não lhe disseram nada e a enviaram bruscamente para a casa dele. Nossos três Àbíkú não podem mais manter a promessa que fizeram, porque as circunstâncias que devem anunciar sua partida não se realizaram tais como eles tinham previsto na sua declaração diante de oníbodé órun. Estes três Àbíkú não vão mais morrer. Eles seguiram um outro caminho. Comentamos esta história com alguns detalhes porque ilustra bem o mecanismo das oferendas e de sua função. Não é o seu lado anedolíco (de lenda) que nos interessa aqui, mas a tentativa de demonstração de que em país Yorùbá, a sorte (destino) pode ser modificada, numa certa medida, quando certos segredos são conhecidos.
Entre as oferendas que os retêm aqui, na terra, figuram, em primeiro plano, as plantas litúrgicas. Cinco delas são citadas nestas histórias:
Abíríkolo (crotalaria lachnophera, papilolionacaae)
Agídímagbayin (não identificada)
Ídí (terminalia ivorensis, combretacae)
Ijá àgborin (não identificada)
Lara pupa (ricinus communis - mamona vermelha)
Ainda mais duas plantas são frequentemente utilizadas para reter os Àbíkú e que não figuram nessas histórias:
Olobutoje ( jatropha curcas, euphorbiaceae)
Òpá eméré ( waltheria americana, sterculiaceae).
A oferta dessas folhas constitui uma espécie de mensagem e é acompanhada por ofó (encantamentos).
Em país Yorùbá, os pais, para proteger seus filhos Àbíkú e tentar retê-los no mundo, podem se dedicar a certas práticas, tais como fazer pequenas incisões nas juntas da criança e aí esfregar atin (um pó preto feito com osum, favas e folhas litúrgicas para esse fim) ou ainda ligar à cintura da criança um ondè, talismã feito desse mesmo pó negro, contido num saquinho de couro.
A ação protetora buscada nas folhas, expressa nas fórmulas de encantamento, é introduzida no corpo da criança por pequenas incisões e fricções, e a parte do pó preto, contida no saquinho do ondé, representa uma mensagem não verbal, uma espécie de apoio material e permanente da mensagem dirigida pelos elementos protetores contra os elementos hostis, sendo essa forma de expressão menos efêmera do que a palavra.
Em uma outra história, são feitas alusões aos xaorôs, anéis providos de guizos, usados nos tornozelos pelas crianças Àbíkú , para afastar os companheiros que tentam vir buscá-los no mundo e lembrar-lhes suas promessas. De fato seus companheiros não aceitam assim tão facilmente a falta de palavra dos Àbíkú, retidos no mundo pelas oferendas, encantamentos e talismãs preparados pelos pais, de acordo com o conselho dos babalaôs. Nem sempre essas precauções e oferendas são suficientes para reter as crianças Àbíkú sobre a terra. Iyájanjàsa é muitas vezes mais forte. Ela não deixa agir o que as pessoas fazem para os reter e porá tudo a perder o que as pessoas tiverem preparado.
Contra os Àbíkú não há remédios. Yiájanjàsá os atrairá à força para o céu. Os corpos dos Àbíkú que morrem assim, são frequentemente mutilados. A fim de que, dizem, eles percam seus atrativos e seus companheiros no céu não queiram brincar com eles sobretudo para que o espírito do Àbíkú, maltratado deste modo, não deseje mais vir ao mundo.
Essas crianças Àbíkú recebem no seu nascimento, nomes particulares. Alguns desses nomes são acompanhados de saudações tradicionais. Eles podem ser classificados: quer nomes que estabeleçam sua condição de Àbíkú; quer nomes que lhes aconselham ou lhe suplicam que permaneçam no mundo; quer em indicações de que as condições para que o Àbíkú volte não são favoráveis; quer em promessas de bom tratamento, caso eles fiquem no mundo. A frequência com que se encontra, em país yorubá, esses nomes em adultos ou velhinhos que gozam de boa saúde, mostra que muitos Àbíkú ficam no mundo graças, pensam as almas piedosas, a todas essas precauções, à ação de Òrúnmìlà, e à intervenção dos babalaôs.
ALGUNS NOMES DADOS AOS Àbíkú
Aiyédùn - a vida é doce
Aiyélagbe - Nós ficamos no mundo
Akúji - O que está morto, desperta
Bánjókó - Senta-se comigo
Dúrójaiyé - Fica para gozar a vida
Dúróoríìke - Fica, tu serás mimada
Èbèlokú - Suplica para que fique
Ilètán - A terra acabou (não há mais terra para enterra-lo)
Kòjékú - Não consinta em morrer
Kòkúmó - não morra mais
Kúmápáyìí - A morte não leva este daqui
Omotúndé - A criança voltou
Tìjúikú - Envergonhado da morte (não deixa a morte te matar)
ITANS de IFÁ
É PRECISO CUIDAR DOS Àbíkú, SENÃO ELES VOLTAM PARA O CÉU
OFERENDAS PODEM RETER Àbíkú NO MUNDO
SUBTERFUGIOS PARA RETER OS Àbíkú NO MUNDO
MOSETÁN FICA NO MUNDO
OLÓÌKÓ É O CHEFE DA SOCIEDADE DOS Àbíkú
ASEJÉJEJAIYÉ FICA NO MUNDO NA DÉCIMA SEXTA VEZ QUE ELE VEM
OS Àbíkú CHEGAM PELA PRIMEIRA VEZ EM AWAIYÉ
ÍYÁJANJÀSÁ NÃO DEIXA OS Àbíkú FICAR NO MUNDO
Estes itens completos são descritos numa edição da revista Afro-Ásia, 14 – 1983, sob o título (A SOCIEDADE EGBÉ ÒRUN DOS ÀBÍKÚ, AS CRIANÇAS NASCEM PARA MORRER VÁRIAS VEZES)
As cerimônias para os Àbíkú parecem ser pouco frequentes entre os yorubás, a única assistida por Pierre Verger, a cerimônia foi feita pela tanyinnon encarregada do culto aos deuses protetores de uma família tradicional do bairro Houéta. Num canto da peça principal, oito estatuetas de madeira com 20 centímetros de altura e eram colocadas sobre uma banqueta de barro.
Todos vestidos de panos da mesma qualidade, mostrando pela uniformidade de suas vestimentas, pertencer a uma mesma sociedade (egbé). Seis destas estatuetas representam ábíkús e as outras duas ibeji. As oferendas consistiam de oká (pasta de inhame) obèlá (espécie de caruru) èkuru (feijão moído e cozido nas folhas) eran dindi, eja dindin (carne e peixe fritos) que, depois da prece da tanyionnon e da oferenda de parte desta comida às estatuetas, foram distribuídas pela assistência. Uma sacerdotisa de Obatalá assistiu à cerimônia sublinhando as ligações que existem entre o orixá da criação, as pessoas de corpos mal formados, corcundas, alijados, albinos e aqueles cujo nascimento é anormal (àbíkú e ibeji).
Portanto ao contrário que muitos falam, nada tem a ver com a criança que já nasce "feita" no santo.
Comentários deste autor
Os textos de Verger são bons relatos e ainda são a base de quase toda a informação que circula. A seguir vou mostrar versões melhores. No caso do Verger o engano dele é quando ele cita que: “Quando eles vem do céu para a terra, os Àbíkú passam os limites do céu diante do guardião da porta, oníbodé órun (Ọ̀run)…”
Os Àbíkú não voltam ao órun (Ọ̀run), seria impossível esse trânsito. Nesse ponto reside minha crítica ao Verger, ele de fato relatou, mas não quis se aprofundar no desenho do contexto metafísico e ainda brigou com a Juana Elbein quando ela fez isso.
....CONTINUA....