O Égbé (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run) e
os
Àbíkú
Você vai ler agora um texto poderoso, um dos textos importantes
desse blog.
Esse é um tema bastante interessante, visto o grande grau de
desinformação que existe sobre o mesmo, devido a falta de fontes
confiáveis e o excesso de mistificação sobre o tema. Eu mesmo
levei muitos anos para reunir fontes confiáveis e consistente e para
entender esse assunto em si e dentro do contexto da religião. Este
critério é importante, não basta conhecermos apenas o assunto,
suas práticas, ritos e mitos, o conhecimento que temos também tem
que se encaixar em relação ao restante da religião de forma
consistente e harmônica. Este tem sido o critério adotado em todo
esse livro.
O que vou fazer a seguir é dar uma explicação religiosa,
baseado na teologia Yorùbá, de fenômenos que afetam muito a
sociedade e que são vistos como malefícios, mas, são uma das
páginas mais tristes da nossa relação como pessoas e almas com a
estrutura metafísica.
Eu passei a considerar o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e
principalmente os Àbíkú como uma componente do mal teológico,
contudo, o que se abriu para mim foi o contrário, de verdugos
passaram a serem vítimas do mal. Os Àbíkú são almas que temos
que lamentar e ajudar, mas, isso, somente será para os muito fortes,
os eleitos.
As famílias não são amaldiçoadas pelos Àbíkú, é o
contrário, os Àbíkú foram amaldiçoados pelas famílias. As
famílias foram eleitas para recuperar essas almas e precisam
entender essa missão.
Eu vou expor a posição de alguns autores sobre o tema, opiniões
que influenciam o entendimento da sociedade e depois vou fazer a
minha análise e conclusões, mesmo ela vá de encontro a algumas
posições dessas pessoas.
Antes que pensem que estou querendo complicar tudo, entendam que,
para compreender essa religião, vocês devem de fato ler os versos e
as histórias. Eu posso junto com isso fazer minhas análises e
explicações, mas, é necessário conhecer a fonte da informação
que transmitimos.
A visão de Verger sobre esse tema
De acordo com Verger, que coletou versos sobre o tema, se uma
mulher, em terra yorùbá dá à luz uma série de crianças
natimortas ou mortas em baixa idade, a tradição reza que não se
trata da vinda ao mundo de várias crianças diferentes, mas de
diversas aparições do mesmo ser (para eles, maléfico) chamado
Àbíkú (aquele que nasce e morre) que se julga vir ao mundo por um
momento para voltar ao país dos mortos, órun (Ọ̀run), várias
vezes.
Ele passa assim, seu tempo, a ir e voltar do céu para o mundo sem
jamais permanecer aqui por muito tempo, para grande desespero de seus
pais, desejos de ter os filhos vivos.
Essa crença se encontra entre os Akan, onde a mãe é chamada
awomawu (ela bota os filhos no mundo para a morte). Os ibo chamam os
Àbíkú de ogbanje, os haussas de danwabi e os fanti, kossamah. Os
Àbíkú são uma intercorrência popular e não um entendimento
isolado.
Encontramos informações a respeito dos Àbíkú em oito itans
(histórias) de Ifá, sistema de adivinhação dos Yorùbá,
classificados nos 256 Odù (sinais de Ifá). Essas histórias mostram
que os Àbíkú formam sociedades no egbe (Ẹgbẹ́) órun
(Ọ̀run), presididas por iyàjansà (a mãe-se-bate-e-corre)
para os meninos e olókó (chefe da reunião) para as meninas,
mas é Aláwaiyé (Rei de Awaiyé) que as levou ao
mundo pela 1ª vez na sua cidade de Awayié. Lá se encontra a
floresta sagrada dos Àbíkú, aonde os pais de Àbíkú vão fazer
oferendas para que eles fiquem no mundo.
Quando eles vem do céu para a terra, os Àbíkú passam os
limites do céu diante do guardião da porta, oníbodé órun
(Ọ̀run), seus companheiros vão com ele até o local onde eles se
dizem até logo. Os que partem declaram o tempo que vão ficar no
mundo e o que farão. Se prometem a seus companheiros que não
ficarão ausentes, essas crianças apesar de todo os esforços de
seus pais, retornarão, para encontrar seus amigos no céu.
Os Àbíkú podem ficar no mundo por períodos mais ou
menos longos. Um Àbíkú menina chamada "A-morte-os-puniu"
declara diante de oníbodé órun que nada do que os seus pais
façam será capaz de retê-la no mundo, nem presentes nem dinheiro,
nem roupas que lhes ofereçam, nem todas as coisas que eles gostariam
de fazer por ela atrairiam os seus olhares nem lhe agradariam.
Um Àbíkú menino, chamado Ilere, diz que recusará
todo alimento e todas as coisas que lhe queiram dar no mundo. Ele
aceitará tudo isto no céu.
Quando Aláwaiyé levou duzentos e oitenta Àbíkú
ao mundo pela primeira vez, cada um deles tinha declarado, ao passar
a barreira do céu, o tempo que ficaria no mundo. Um deles se
propunha a voltar ao céu assim que tivesse visto sua mãe; um outro,
esperaria até o dia em que seus pais decidissem que ele casasse; um
outro, que retornaria ao céu, quando seus pais concebessem um novo
filho, um ainda não esperaria mais do que o dia em que começasse a
andar.
Outros prometem à iyàjanjasà, que está chefiando a sua
sociedade no céu, respectivamente, ficar no mundo sete dias, ou até
o momento em que começasse a andar ou quando ele começasse a se
arrastar pelo chão, ou quando começasse a ter dentes ou ficar em
pé.
É assim que nessas quatro histórias encontramos oferendas que
comportam um tronco de bananeira acompanhado de diversas outras
coisas. Um só dos casos narrados, o terceiro, explica a razão
dessas oferendas:
“Um caçador que estava à espreita,
no cruzamento dos caminhos dos Àbíkú, escutou quais eram as
promessas feitas por três Àbíkú quanto à época do seu retorno
ao céu.”
“Um deles promete que deixará o
mundo assim, que o fogo utilizado por sua mãe, para preparar sua
papa de legumes, se apague por falta de combustível. O segundo
esperará que o pano que sua mãe utilizar, para carregá-lo nas
costas se rasgue. A terceira esperará, para morrer, o dia em que
seus pais lhe digam que é tempo de ele se casar e ir morar com seu
esposo.”
“O caçador vai visitar as três mães
no momento em que elas estão dando à luz a seus filhos Àbíkú e
aconselha à primeira que não deixe se queimar inteiramente a lenha
sob o pote que cozinha os legumes que ela prepara para seu filho; à
segunda que não deixe se rasgar o pano que ela usar para carregar
seu filho nas costas, que utilize um pano de qualidade diferente; ele
recomenda, enfim à terceira, de não especificar, quando chegar a
hora, qual será o dia em que sua filha deverá ir para a casa do seu
marido.”
As três mães vão, então consultar a
sorte, Ifá, que lhes recomenda que façam respectivamente as
oferendas de um tronco de bananeira, de uma cabra e de um galo,
impedindo, por meio deste subterfúgio, que os três Àbíkú possam
manter seu compromisso. Porque, se a primeira instala um tronco de
bananeira no fogo, destinado a cozinhar a papa do seu filho, antes
que ele se apague, o tronco de bananeira, cheio de seiva e esponjoso,
não pode queimar, e o Àbíkú, vendo uma acha de lenha não
consumido pelo fogo, diz que o momento da sua partida ainda não é
chegado. A pele de cabra oferecida pela Segunda mãe serve para
reforçar o pano que ela usa para levar seu filho nas costas; a
criança Àbíkú não vai achar nunca que esse pano se rasgou e não
vai poder manter sua promessa. Não se sabe bem o porque do
oferecimento de um galo, mas a história conta que quando chegou a
hora de dizer à filha já uma moça, que ela deveria ir para casa do
seu marido, os pais não lhe disseram nada e a enviaram bruscamente
para a casa dele. Nossos três Àbíkú não podem mais manter a
promessa que fizeram, porque as circunstâncias que devem anunciar
sua partida não se realizaram tais como eles tinham previsto na sua
declaração diante de oníbodé órun. Estes três Àbíkú não vão
mais morrer. Eles seguiram um outro caminho. Comentamos esta história
com alguns detalhes porque ilustra bem o mecanismo das oferendas e de
sua função. Não é o seu lado anedolíco (de lenda) que nos
interessa aqui, mas a tentativa de demonstração de que em país
Yorùbá, a sorte (destino) pode ser modificada, numa certa medida,
quando certos segredos são conhecidos.
Entre as oferendas que os retêm aqui, na terra, figuram, em
primeiro plano, as plantas litúrgicas. Cinco delas são citadas
nestas histórias:
Abíríkolo
(crotalaria lachnophera, papilolionacaae)
Agídímagbayin
(não identificada)
Ídí
(terminalia ivorensis, combretacae)
Ijá
àgborin (não identificada)
Lara
pupa (ricinus communis - mamona vermelha)
Ainda mais duas plantas são frequentemente utilizadas para reter
os Àbíkú e que não figuram nessas histórias:
Olobutoje
( jatropha curcas, euphorbiaceae)
Òpá
eméré ( waltheria americana, sterculiaceae).
A oferta dessas folhas constitui uma espécie de mensagem e é
acompanhada por ofó (encantamentos).
Em país Yorùbá, os pais, para proteger seus filhos Àbíkú e
tentar retê-los no mundo, podem se dedicar a certas práticas, tais
como fazer pequenas incisões nas juntas da criança e aí esfregar
atin (um pó preto feito com osum, favas e folhas litúrgicas para
esse fim) ou ainda ligar à cintura da criança um ondè, talismã
feito desse mesmo pó negro, contido num saquinho de couro.
A ação protetora buscada nas folhas, expressa nas fórmulas de
encantamento, é introduzida no corpo da criança por pequenas
incisões e fricções, e a parte do pó preto, contida no saquinho
do ondé, representa uma mensagem não verbal, uma espécie de apoio
material e permanente da mensagem dirigida pelos elementos protetores
contra os elementos hostis, sendo essa forma de expressão menos
efêmera do que a palavra.
Em uma outra história, são feitas alusões aos xaorôs, anéis
providos de guizos, usados nos tornozelos pelas crianças Àbíkú ,
para afastar os companheiros que tentam vir buscá-los no mundo e
lembrar-lhes suas promessas. De fato seus companheiros não aceitam
assim tão facilmente a falta de palavra dos Àbíkú, retidos no
mundo pelas oferendas, encantamentos e talismãs preparados pelos
pais, de acordo com o conselho dos babalaôs. Nem sempre essas
precauções e oferendas são suficientes para reter as crianças
Àbíkú sobre a terra. Iyájanjàsa é muitas vezes mais forte. Ela
não deixa agir o que as pessoas fazem para os reter e porá tudo a
perder o que as pessoas tiverem preparado.
Contra os Àbíkú não há remédios. Yiájanjàsá os atrairá à
força para o céu. Os corpos dos Àbíkú que morrem assim, são
frequentemente mutilados. A fim de que, dizem, eles percam seus
atrativos e seus companheiros no céu não queiram brincar com eles
sobretudo para que o espírito do Àbíkú, maltratado deste modo,
não deseje mais vir ao mundo.
Essas crianças Àbíkú recebem no seu nascimento, nomes
particulares. Alguns desses nomes são acompanhados de saudações
tradicionais. Eles podem ser classificados: quer nomes que
estabeleçam sua condição de Àbíkú; quer nomes que lhes
aconselham ou lhe suplicam que permaneçam no mundo; quer em
indicações de que as condições para que o Àbíkú volte não são
favoráveis; quer em promessas de bom tratamento, caso eles fiquem no
mundo. A frequência com que se encontra, em país yorubá, esses
nomes em adultos ou velhinhos que gozam de boa saúde, mostra que
muitos Àbíkú ficam no mundo graças, pensam as almas piedosas, a
todas essas precauções, à ação de Òrúnmìlà, e à intervenção
dos babalaôs.
ALGUNS NOMES DADOS AOS Àbíkú
Aiyédùn
- a vida é doce
Aiyélagbe
- Nós ficamos no mundo
Akúji
- O que está morto, desperta
Bánjókó
- Senta-se comigo
Dúrójaiyé
- Fica para gozar a vida
Dúróoríìke
- Fica, tu serás mimada
Èbèlokú
- Suplica para que fique
Ilètán
- A terra acabou (não há mais terra para enterra-lo)
Kòjékú
- Não consinta em morrer
Kòkúmó
- não morra mais
Kúmápáyìí
- A morte não leva este daqui
Omotúndé
- A criança voltou
Tìjúikú
- Envergonhado da morte (não deixa a morte te matar)
ITANS de IFÁ
É
PRECISO CUIDAR DOS Àbíkú, SENÃO ELES VOLTAM PARA O CÉU
OFERENDAS
PODEM RETER Àbíkú NO MUNDO
SUBTERFUGIOS
PARA RETER OS Àbíkú NO MUNDO
MOSETÁN
FICA NO MUNDO
OLÓÌKÓ
É O CHEFE DA SOCIEDADE DOS Àbíkú
ASEJÉJEJAIYÉ
FICA NO MUNDO NA DÉCIMA SEXTA VEZ QUE ELE VEM
OS
Àbíkú CHEGAM PELA PRIMEIRA VEZ EM AWAIYÉ
ÍYÁJANJÀSÁ
NÃO DEIXA OS Àbíkú FICAR NO MUNDO
Estes itens completos são descritos numa edição da revista
Afro-Ásia, 14 – 1983, sob o título (A SOCIEDADE EGBÉ ÒRUN DOS
ÀBÍKÚ, AS CRIANÇAS NASCEM PARA MORRER VÁRIAS VEZES)
As cerimônias para os Àbíkú parecem ser pouco frequentes entre
os yorubás, a única assistida por Pierre Verger, a cerimônia foi
feita pela tanyinnon encarregada do culto aos deuses protetores de
uma família tradicional do bairro Houéta. Num canto da peça
principal, oito estatuetas de madeira com 20 centímetros de altura e
eram colocadas sobre uma banqueta de barro.
Todos vestidos de panos da mesma qualidade, mostrando pela
uniformidade de suas vestimentas, pertencer a uma mesma sociedade
(egbé). Seis destas estatuetas representam ábíkús e as outras
duas ibeji. As oferendas consistiam de oká (pasta de inhame) obèlá
(espécie de caruru) èkuru (feijão moído e cozido nas folhas) eran
dindi, eja dindin (carne e peixe fritos) que, depois da prece da
tanyionnon e da oferenda de parte desta comida às estatuetas, foram
distribuídas pela assistência. Uma sacerdotisa de Obatalá assistiu
à cerimônia sublinhando as ligações que existem entre o orixá da
criação, as pessoas de corpos mal formados, corcundas, alijados,
albinos e aqueles cujo nascimento é anormal (àbíkú e ibeji).
Portanto ao contrário que muitos falam, nada tem a ver com a
criança que já nasce "feita" no santo.
Comentários
deste autor
Os textos de Verger são bons relatos
e ainda são a base de quase toda a informação que circula. A
seguir vou mostrar versões melhores. No caso do Verger o engano dele
é quando ele cita que: “Quando eles vem do céu para a terra,
os Àbíkú passam os limites do céu diante do guardião da porta,
oníbodé órun (Ọ̀run)…”
Os Àbíkú não voltam ao órun
(Ọ̀run), seria impossível esse trânsito. Nesse ponto reside minha
crítica ao Verger, ele de fato relatou, mas não quis se aprofundar
no desenho do contexto metafísico e ainda brigou com a Juana Elbein
quando ela fez isso.
....CONTINUA....