Odù de Nascimento
O que é e como se determina o Odù
de Nascimento
O candomblé desenvolveu um hábito, sem sentido,
de determinar Odù de nascimento através de números.
O processo é assim, a pessoa pega sua data de
nascimento, faz umas contas com ela e determina um número entre 1 e
16. O número é associado a um Odù e assim você tem seu Odù de
nascimento determinado por sua data de nascimento
Parece uma coisa conhecida? Sim, aplica o que
chamamos de numerologia.
Contudo é uma prática sem nenhuma razão e que
virou verdade apenas porque uma legião de pessoas, Babalorixás e
Iyalorixás, que não entendem Ifá e, assim, não sabendo o que é
um Odù, encontraram, ingenuamente, nessa numerologia uma forma de
expressar o que não sabiam.
Mais ainda, não conhecem a teologia da religião.
Sim, na ausência de conhecimento e na falta de
condições de buscar conhecimento se agarraram a uma coisa sem
propósito (mais bem simples), que é traduzir um Odù através de
uma operação aritmética.
Isso é muito simples e conveniente, porque
substitui conhecimento e aprendizado por algo que qualquer criança
pode fazer. Mas
não tem propósito real. As
pessoas em vez de aprenderem de fato, substituíram conhecimento por
invenção. Claro que havia dificuldade para aprender, o conhecimento
não era facilmente disponível e essa aritmética assim como outras
explicações bobas sobre Odù acabaram surgindo.
Como todos passaram a adotar isso, essa aritmética
idiota virou uma verdade. Sim, se todos repetem a mesma mentira,
aquela mentira vira verdade no contexto daquelas pessoas. Foi isso o
que ocorreu no Candomblé com essa questão de Odù.
Lembro a todos que o Candomblé inventou, sozinho
um conhecimento que chamou de Ifá, incluindo Odù que é próprio
dele, essa explicação estará bem detalhadas em um texto que está
quase pronto.
Mas vamos ao que interessa que é a explicação
de porque isso não faz sentido.
A primeira razão é teológica, Odù é um
elemento que recebemos quando vamos a Olódùmarè
tratar da nossa vida no Àiyé, nós estabelecemos objetivos e
com isso Olódùmarè nos dá
ferramentas para atingir a esses objetivos. Odù é parte dessas
ferramentas, é a energia fundamental de Olódùmarè
que recebemos, é o nosso axé (àṣẹ) pessoal. Esse axé (àṣẹ)
que recebemos de Olódùmarè quando nos
prostramos à sua frente é traduzido como um Odù.
Então atenção, o que é importante é a energia
que recebemos e que é individual. Essa energia nos liga a Olódùmarè,
todos nós seres vivos trazemos esta centelha divina dentro de nós
que recebemos através de Olódùmarè,
esta centelha divina, axé (àṣẹ), que recebemos de deus,
Olódùmarè e que
nos torna individuais e mais, que recebemos porque estabelecemos com
ele os nossos objetivos com a nossa vinda ao Àiyé
é traduzida na religião com o nome de Odù.
Tenho um texto neste blog
que explica o que é Odù e quem quer entender melhor o conceito
procure este texto.
Assim, vou repetir isso para
ficar claro, Odù é o nome que, de alguma forma, traduz essa
centelha divina que recebemos de Olódùmarè,
o que é importante é que recebemos
isso dele, individualmente. Essa energia
nos dá capacidades diferentes em função de várias coisas, seja do
nosso passado como futuro e, isso, é assim ajustado para o indivíduo
que seremos no Àiyé
e aos nossos objetivos.
Existe uma afirmação de
que todos nascemos com um destino, mas, eu vejo de outra maneira. Não
temos um destino estabelecido, temos objetivos estabelecidos, por nós
mesmos e é isso que buscamos realizar na vida.
Os elementos que recebemos
no órun
(Ọ̀run) antes de
virmos para o Àiyé
são muito importantes e são consolidados no que a religião chama
de Orí Inu, toscamente traduzido como nossa cabeça interior.
Não vou detalhar neste
texto mais esse conceito de nascimento, o que ficará para o texto
sobre a individualidade, mas, espero que fique claro que o
entendimento nesta religião é que: somos indivíduos; que
estabelecemos objetivos para cada vida que vivemos; que Olódùmarè
nos dá elementos para essa vida; que entre estes elementos esta a
ligação com um orixá (Òrìṣà); que outro elemento é sua
centelha divina (axé (àṣẹ))
que é traduzida como Odù.
Assim
nosso Odù de nascimento é isso, ele traduz aquilo que recebemos de
Olódùmarè.
Por que ele é importante? E por que existe essa
correlação entre essa energia e um Odù.
Porque no processo de
nascimento nós perdemos a referência de nossas vidas anteriores e
dos nossos objetivos. O processo de nascer de novo no Àiyé
não permite que a gente traga isso do órun
(Ọ̀run). Essa é
a explicação mais simples que eu posso dar.
Observem que nós não somos
apenas transportados do órun
(Ọ̀run) para o
Àiyé,
são dimensões diferentes, não existe mais uma comunicação entre
essas 2 dimensões e a forma que vir para o Àiyé
é nascer de novo e esse processo não nos permite trazer junto todas
as nossas lembranças e objetivos.
No Odù Ìworì
Méjì existe uma explicação
teológica (metafórica) para isso que um dia vou abordar. É
uma história, como muitas e que requer uma análise para ser
entendida, metáforas e parábolas traduzem uma ideia e não um fato
literal. Mas ela justifica o seguinte:
os 2 espaços são separados (órun
(Ọ̀run) e Àiyé);
não podemos ir e vir entre os 2 espaços; ao existir essa separação
não foi possível trazermos do órun
(Ọ̀run)
conhecimentos prévios que tínhamos; nosso sucesso dependerá do
nosso desempenho na vida sem essa ajuda.
A questão é o processo de nascimento não
permite carregarmos de forma explícita o conhecimento do que
estabelecemos para esta nossa nova vida.
É neste momento que entra o oráculo de Ifá. Ele
é o único elemento de comunicação entre o órun
(Ọ̀run) e o Àiyé. É através dele
como informamos a Olódùmarè nossos
problemas e através dele que recebemos ajuda, visto que Olódùmarè
tem um compromisso, uma aliança com o nosso sucesso em nossa vida. O
oráculo é parte desse compromisso.
Assim, apesar de não termos a capacidade de
lembrar o que estabelecemos para a nossa vida, o oráculo de Ifá nos
permite acessar isso e através deles obtermos orientação de como
proceder.
A razão disso, teológica, é que Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà)
é a divindade que é testemunha de nossa conversa com Olódùmarè,
antes de nascermos.
Os yorùbá tem uma figura de construção que o
universo é uma grande cabaça com 2 metades. Uma das metades é o
mundo espiritual, o órun
(Ọ̀run) e a outra metade é o Àiyé o
mundo físico. Muitos devem conhecer esse conceito relacionando eles
a duas divindades, mas, esqueçam isso, entendam, é isso que eu
estou explicando agora, o universo é composto de 2 espaços.
No meio deles, ligando um ao outro fica o opon (Ọpọ́n Ifá), o
instrumento do Bàbáláwo
que liga e permite a comunicação entre eles.
Pode parecer uma ideia pretensiosa junto aos
outros cultos, mas esse é o conceito teológico que Ifá estabelece.
O universo é a cabaça, as 2 metades são separadas e unindo ela
existe o opon (Ọpọ́n Ifá) que nos permite interagir.
Isso tudo faz todo o sentido teológico para mim,
justifica o oráculo de ifá, seu objetivo e seus instrumentos. Mais
do que apenas dogmas e mitos a religião tem que ter consistência no
que propõe como modelo.
Então, continuando nossa saga pelo Odù de
nascimento, como o que recebemos de Olódùmarè
como centelha divina é uma energia que pode ser traduzida como um
Odù, então o oráculo de Ifá pode nos ajudar a entender os nossos
objetivos na vida porque ele tem a capacidade de se comunicar com a
gente através de Odù.
Fica claro o conjunto?
De novo, recebemos de Olódùmarè
uma centelha vital que vai ao encontro de nossos objetivos de vida,
os objetivos que pedimos a ele. Essa centelha vital pode ser
traduzida como um Odù. Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà)
é divindade no controle do oráculo de Ifá e foi testemunha desta
conversa e o oráculo de ifá se comunica como Bàbáláwo
através de Odù.
Assim, através de Ifá podemos saber que Odù
recebemos para a nossa vida, o Odù de nascimento, e através do
entendimento deste Odù podemos ter pistas dos objetivos que
estabelecemos para a nossa vida.
A determinação do Odù de nascimento de uma
pessoa SOMENTE pode ser feita entre o terceiro e o oitavo dia
de nascimento. Ela é realizada por um Bàbáláwo porque é o único
que pode usar o oráculo de Ifá. Não pode ser realizada
depois disso.
Assim, somente neste período pode ser saber o Odù
de nascimento. Quem não fez isso neste período nunca mais saberá o
Odù de nascimento. Quem quiser saber o Odù de nascimento do seu
filho que procure um Bàbáláwo neste período. Depois disso não é
mais possível.
Por que um Babalorixá
(Bàbálórìṣà) não pode fazer isso? Porque ele
não tem o poder para trabalhar com os 256 Odù e o Odù de
nascimento não é apenas um dos 16 principais e sim um dos 256 Odù.
Existem 2 cerimônias importantes que um
recém-nascido deve passar através de Ifá que visam determinar o
Odù de nascimento e também a ascendência daquela criança (se pelo
lado da mãe ou do pai), seus orixá (Òrìṣà).
Uma vez entendido isso vamos a parte das
negativas.
Não existe o menor sentido de associar o dia de
nascimento ao Odù de nascimento. Isso não faz sentido TEOLÓGICO.
Você recebe o Odù de Olódùmarè e
isso não está associado a dia que você nasce.
Esta é uma coisa determinada previamente a sua
vida, fase de planejamento da vida e não será determinada pelo
acaso do dia de nascimento.
Baseado nas explicações que dei qual o sentido
de o dia do nascimento determinar o seu Odù? No meu entender
nenhuma.
Considerando que as pessoas não nascem mais de
forma natural, qual o sentido de o dia de nascimento significar
alguma coisa?
Quando
eu aprendi
Yorùbá e depois Ifá, entendi que aquela aritmética não tem o
menor sentido para
os yorùbá.
Então,
a primeira informação para quem quer aprender: NÃO se determina
Odù através de números. A segunda informação: não existe
relação entre Odù e números.
Em Ifá, que é o oráculo original, não se usam
números, apenas símbolos gráficos. Sem dúvida Odù envolve alguma
complexidade. Não é um significado simples, é um contexto, com um
significado complexo, mas, não é complicado, entretanto não vamos
tratar desse significado aqui, apenas da forma como se apresenta.
Em Ifá, um Odù é determinado usando-se somente
2 tipos de instrumentos sagrados: o opele
(Ọ̀pẹ̀lẹ̀) e os ikins. A manipulação
destes instrumentos de Ifá vai materializar a representação de um
Odù no Aiye, e esta representação se traduz por uma marca gráfica,
composta por 2 colunas. Cada coluna tem 4 elementos e esses elementos
podem ser 1 traço vertical sozinho ( I ) ou 2 traços juntos ( II ).
No total, 8 elementos gráficos, em 2 colunas, lado a lado, formam um
Odù.
Essa é a representação de um Odù.
O processo para determinar isso é manual. Feito
pelo Bàbáláwo e por seus instrumentos. A manipulação do
instrumento gera uma figura e esta figura recebe uma representação
gráfica.
Não existe dentro de Ifá, seja com o ikin ou com
o Opele nenhuma correspondência de número com Odù. Não existe
nenhuma forma de se determinar um Odù através de um número. O Odù
nasce, sempre, como uma marca gráfica composta. Se existe um número
associado a Odù, estes seriam 1 e 2, usados para contar os ikins...
e estariam associados a todos os Odù, mas isso apenas para criar as
marcas gráficas.
Sob o ponto de vista da sociedade Yorùbá, não
existe aritmética decimal. Números são substantivos, palavras.
Em nenhum momento, qualquer Odù, é associado e
um número.
Essa relação foi inventada fora de Ifá, fora da
religião Yorùbá, provavelmente no novo mundo (ilação minha).
Isso é apenas uma prática de numerologia. Eu não tenho como entrar
no mérito ou não dos que acreditam ou praticam numerologia, pelo
contrário, existe uma mística sobre números enquanto símbolos.
Mas no que diz respeito à religião Yorùbá isso não ocorre.
Os números são palavras, substantivos e a
aritmética é coisa de árabes.
Em algum momento da história alguém associou uma
coisa a outra, tenho quase certeza que isso é bem recente e está
ligado ao uso dos búzios uma vez que em Ifá não existe como se
associar número a Odù. Por isso que eu digo que deve ter surgido no
novo mundo. Aqui nas tradições da diáspora, os jogos de búzios
são muito populares.
Dessa maneira, concluindo essa abordagem de
números: não existe nenhuma relação entre um Odù e um número;
os yorùbá não tinham aritimética, elas não faziam contas de
somar; um Odù é uma representação gráfica e os instrumentos do
Bàbáláwo
não usam números.
Desta forma não existe nenhuma possibilidade de
os yorùbá terem criado uma ligação com data de nascimento de um
calendário gregoriano, que eles nunca conheceram, com um Odù
através de uma aritmética criativa.
Como explicado anteriormente não existe base
teológica que justifique que o Odù de nascimento seja determinado
somente na hora do nascimento.
Vamos para o próximo passo nesta explicação.
A determinação do Odù de nascimento somente
pode ser feita em uma data específica e pelo Bàbáláwo
porque são eles que usam Odù no oráculo de Ifá.
Existe uma cerimônia para isso e pouca gente
conhece. Assim tenha certeza que a pessoa sabe do assunto, seja ele
cubano ou africano.
Quem lida como os 256 Odù é o Bàbáláwo.
Assim Babalorixá
(Bàbálórìṣà) e Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà) não tem iniciação para
lidar com os 256 Odù e muito menos determinar Odù de nascimento
seja através de continhas como de jogo de búzios.
Se essas pessoas estão fazendo isso por ai é
porque elas são ou estão mal informadas, não entendem corretamente
a teologia da religião. Podem ter aprendido que isso era possível
de ser feito assim e estão seguindo com isso.
Mas cuidado, tem Bàbáláwo
que diz que determina o Odù de nascimento em consulta comum de ifá,
mas, está apenas enganado ou enganando. Vamos entender que se ele
diz que faz isso ele não entendo sobre o que está falando.
Da mesma forma não acredite também em Bàbáláwo
que determina seu orixá em jogo. Isso é uma idiotice tão grande
quanto os Babalorixás que fazem a mesma coisa com búzios.
Lembrem-se, Babalorixá
(Bàbálórìṣà) ou Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà) não determinam Odù e dessa
forma não podem determinar o Odù de nascimento. Como o Odù de
nascimento só pode ser determinado no nascimento, qualquer pessoa
que diz que faz isso depois do nascimento através de jogo de búzios
ou mesmo de Ifá está mentindo.