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terça-feira, abril 28, 2020

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quinta-feira, abril 23, 2020

A morte e o pós-vida - A origem da morte [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 16]

ANTERIOR: O mundo natural, o Aiye


A morte e o pós-vida

 
Neste momento no qual a estrutura metafísica do mundo de acordo com os Yorùbá já está explicada, assim como o trânsito entre os mundos natural e supernatural também já foi explorado, o entendimento da morte e pós-vida já está bem simplificado, mas temos muitos detalhes importantes.

As almas vivem em um ciclo contínuo entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé e o que motiva elas a isso é o prazer da vida no Àiyé junto com sua família. Apesar disso, a morte é e sempre será um dos fenômenos mais temidos pelas pessoas e a busca do seu entendimento jamais será pacífica.

Na minha avaliação, o autor que mais se dedicou a entender isso no contexto africano, da África que nos interessa aqui, foi Geoffrey Parrinder e depois Jonh Mbiti. Os textos de Parrinder foram base para outros e suas palavras são citadas em repetição, em sua abordagem para a morte e principalmente para a alma.

Assim como Mbiti, Parrinder se dedicava a analisar as religiões da África sub-saariana, entre a África oriental e central de uma forma integrada, ele via nesta grande região geográfica um contexto comum, sem, contudo, usar a forma mais ideologizada que Mbiti fazia. Entretanto ambos o faziam de forma similar.

O curioso e comum aos dois é que eles citam mas não se detêm muito nos Yorùbá. Minha avaliação é que a religião Yorùbá estava alguns degraus acima das demais e em vários conceitos destoava das demais, sendo assim, mais fácil estabelecer similaridades entre as demais não Yorùbá. Contudo o povo Ashanti, Bini e Igbo eram bastante citados. Já os Bantus da África central eram comuns em refletir as coisas mais básicas e elementares, representando assim, como a gente conhece aqu,i uma raiz mais primária de religião e da cultura da África central.


A origem da morte

 
O entendimento geral era que a morte entrou na vida humana por acaso, por um descuido e que isso não foi um projeto de deus ou parte de qualquer punição.

Mbiti diz que deus tinha a intenção de que o homem vivesse para sempre e deu para o primeiro homem um ou mais de 3 presentes que eram, imortalidade, ressurreição e a habilidade de se tornar jovem novamente. Contudo, todos esse 3 foram perdidos e a morte veio ao mundo.

Em muitos mitos que se espalham pela região da África que citei, é dito que, deus, enviou uma mensagem para o primeiro homem que ele iria ou viver para sempre ou nascer de novo se ele morresse. Essa mensagem foi dada a um animal para levar ela ao homem. O animal escolhido foi o camaleão, mas o camaleão demorou demais no caminho e atrasou a mensagem para o homem que não a recebeu. Enquanto isso, deus, Olódùmarè, enviou outro animal mais rápido, normalmente dizem que foi um pássaro, um lagarto ou uma lebre, com outra mensagem, dizendo que as pessoas morreriam. A segunda mensagem alcançou as pessoas antes da mortalidade ou ressurreição e desde então, a morte permanece no mundo.

Existem outras versões, todas similares. Por exemplo em Sierra Leone, é dito que deus enviou ao mesmo tempo o cachorro com a mensagem de imortalidade e um sapo com a mensagem de morte. No caminho o cachorro alcançou a mulher quando ela estava preparando a comida para seu filho e ele esperou até ela dar alguma comida para ele. O sapo continuou a jornada sem parar e chegou na cidade do homem e disse “A morte chegou”. O cachorro viu isso e foi correndo dizer “A vida chegou”, mas era tarde demais.
A presença do cachorro neste mito se Sierra Leone é curiosa porque ele também aparece em outro mito, desta vez Yorùbá que explica porque as pessoas perderam a oportunidade de viver para sempre.


No começo do mundo quando o Criador fez os homens e as mulheres e os animais, todos eles viveram juntos na terra da criação. O Criador era um grande chefe, cuidava de todos os homens, e um ser muito bondoso, que ficava muito triste, sempre que qualquer um deles morria. Então um dia ele mandou para o cão, que era seu mensageiro principal, e lhe disse para ir para o mundo e transmitir a sua palavra a todas as pessoas que para no futuro, sempre que qualquer um deles morresse o corpo era para ser colocados em um recinto e cinzas de madeira seriam lançados sobre ele, e o corpo era para ser deixado sobre o solo, e em 24 horas se tornaria vivo novamente.

Quando o cão já tinha viajado meio dia ele começou a se cansar, assim, como ele estava perto da casa de uma velha senhora, olhou para dentro e vendo um osso com alguma carne nele ele fez uma refeição dele e depois foi dormir, esquecendo-se inteiramente a mensagem que tinha sido dado a ele para entregar.

Depois de um tempo, quando o cão não retornou mais, o criador chamou uma ovelha, e enviou-o para fora com a mesma mensagem. Mas as ovelhas eram muito tolas e estando com fome, começaram a comer as ervas doces pelo caminho. Depois de um tempo, porém, ele lembrou que tinha uma mensagem para entregar, mas esquecera qual era exatamente, assim quando ela andou entre o povo disse-lhes que a mensagem que o Criador lhe havia dado para dizer às pessoas, é que sempre que qualquer um deles morrer eles devem ser enterrados debaixo da terra.

Pouco tempo depois, o cão se lembrou da sua mensagem, então ele correu para a cidade e disse às pessoas que elas deveriam colocar as cinzas de madeira sobre os corpos e deixá-los no solo e que eles voltariam à vida depois de 24 horas. Mas o povo não acreditou nele, e disse: “Nós já recebemos a palavra do Criador pelas ovelhas, que todos os corpos devem ser enterrados.”

Um outro mito também de Sierra Leone envolvendo o cachorro é bastante interessante.


No início, quando havia apenas o homem, a mulher e seu pequeno filho, deus, disse que nenhum dos 3 morreria, mas, quando eles ficassem velhos, eles teriam novas peles em seus corpos. Ele colocou as novas peles em um pacote e confiou ao cachorro entregar isso ao homem. O cachorro foi para a viagem com o pacote, mas, no caminho ele encontrou outros animais que estavam comendo arroz e abóboras. Os animais convidaram o cachorro para compartilhar a refeição. Durante e refeição eles perguntaram o que estava dentro do seu pacote e ele contou a história das novas peles sendo enviadas para o homem.


A cobra roubou silenciosamente o pacote e compartilhou as peles comas outras cobras. O cachorro teve que confessar ao homem que as peles foram roubadas e ambos foram a deus. Contudo era tarde demais e as cobras ficaram com as peles e desde então os homens morrem. As cobras foram punidas sendo mandadas embora das cidades para viverem sozinhas e se o homem encontra uma cobra ele tentará matá-la, sempre.

Um outro mito, também Yorùbá, descrito por Juana Elbein no livro Os nago e a Morte, relaciona a morte ao nascimento. Ele diz que Olódùmarè mandou Oxalá (Òṣàlá), fazer o corpo para as pessoas viveram no Àiyé, mas, para isso, ele precisava de barro. Oxalá (Òṣàlá) foi então buscar o barro, mas quando chegou no "barreiro" o barro chorava e gritava tanto para que Oxalá não tirasse um pedaço dele que Oxalá não conseguiu pegar em vista das histéricas e sofridas lamentações.

Ele voltou a Olódùmarè e explicou o ocorrido. Olódùmarè, então, mandou outros Orixá (Òrìṣà) e todos ele retornavam sem conseguir trazer o barro para Oxalá. Iku, aceitou a missão e foi lá trazer o barro para Oxalá, não dando atenção aos gritos do barro.

Por causa disso IKU, a morte, ficou encarregado por Olódùmarè de retornar o barro que foi retirado de volta quando as pessoas morrem.

Esse, é claro, é um mito complementar, que não explica a morte, mas apenas o que se faz depois que ela ocorre, contudo, está inserido neste contexto.

Esses mitos enfatizam a ideia de que, como eu disse antes, a morte veio quase como um engano e desde então permaneceu entre o homem. Dessa forma não existe a visão punitiva de deus para com a humanidade no Àiyé. Esta abordagem é bem diferente da que todos estão acostumado com o deus raivoso, vingativo e temperamental retratado pelos judeus e católicos.

Como estamos tratando de religião Yorùbá, temos que saber que a divindade Yorùbá IKÚ, que é a morte, é masculina. Em Ifá existem muitos versos com a presença de Ikú, envolvendo todos os orixá (Òrìṣà), incluindo Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) que é salvo da morte por IYEWA. A mitologia em torno da divindade morte é bastante rica, lembrando que, IKÚ é um inrumolé (Irúnmọlẹ̀), uma divindade genérica e não um orixá (Òrìṣà).

Aprofundar na mitologia de Ikú não adiciona nada a este texto e, desta forma, vamos nos a ter aos aspectos teológicos da morte.




terça-feira, abril 21, 2020

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O Aiye - O ebó como instrumento litúrgico [ Entendendo a Religião Yoruba - Pt. 15]

ANTERIOR: O poder curativo das ervas


O ebó (Ẹbọ) como instrumento liturgico de axé (àṣẹ).

Quem lida com o contexto afro-brasileiro já deve ter ouvido, inúmeras vezes, o termo ebó (ẹbọ).

O termo ebó (ẹbọ), é bem genérico e acaba sendo usado no dia a dia em vários sentidos, alguns deles bem pitorescos ou burlescos, mas, de fato, ele tem pelo menos 2 significados práticos. 

O primeiro quando é usado para denominar um processo de limpeza espiritual, uma liturgia para eliminar negatividade da pessoa, chamado também de sacudimento, principalmente na Umbanda. O segundo quando é usado genericamente para o ato de fazer uma oferenda a uma divindade e, as vezes, para a oferenda em si, não importando se esta oferenda é uma comida ou sangue. A palavra ebó (ẹbọ), em Yorùbá, significa “sacrifício” e devemos entender isso, o sacrifício, de uma forma ampla e não somente o que requer o uso de animais. 

O ebó (ẹbọ) é uma oferenda a ser feita para os ancestrais ou orixá (òrìṣà) em agradecimento por benção recebidas ou na intenção de resolver problemas ou obstáculos, abrir portas e oportunidades. Existem muitas finalidades conhecidas, como a de proteger, antecipar problemas, agradecer, repor e muitas outras.

O ebó (ẹbọ) é uma liturgia muito básica na manipulação do axé, a energia divina de deus que existe em todos os seres vivo (animais ou vegetais) para nos ajudar na nossa vida.
Os itens normalmente se compõe de itens comestíveis como frutas frescas, água, bebidas destiladas, mel e azeite. Além disso o ebó (ẹbọ) pode conter outros itens como dinheiro, roupas, búzios e ervas. Alguns tipos de ebó (ẹbọ) são colocados dentro de casa (uma grande parte) e outros devem ser colocados no tempo (casos específicos).

Ebó (ẹbọ), é assim uma oferenda ritual, um forte elemento e o motivo final do processo de consulta ao oráculo. Sim, isso é muito importante, não se inventa ebó (ẹbọ). Ninguém decora ebó (ẹbọ) e passa por telefone, o ebó (ẹbọ) esta ligado sempre a uma consulta a um oráculo, seja o Obi, sejam os búzios (eerindinlogun), ou seja Ifá.

O ebó (Ẹbọ) tem uma função central no processo de consulta é ele que encerra e finaliza o processo de você recorrer a deus, a Olódùmarè, através do oráculo.

O ritual de oferta consiste de uma liturgia elaborada com objetivo de apresentar uma comida e bebida através dos quais o homem (o sacerdote) manipulará e usará para intermediar com as divindades em benefício do consulente. O relacionamento entre os seres humanos e as divindades no sentido de corrigir problemas e obter ajuda é expressado e obtido através da execução de rituais e liturgias, e isso ocorre em qualquer religião sendo essa, a ritualização, a base da necessidade e existência das religiões uma vez que a sua razão é a ligação entre o homem e o divino. 

Mas atenção, não estou dizendo que o divino, deus, só nos ouve se fizermos oferendas. Não! Não é isso. Deus nos ouve em qualquer lugar. Os orixá (òrìṣà) estão conosco o tempo todo, mas, quando precisamos de ajudar, de interferência no mundo natural através de forças supernaturais, então necessitamos de energia, necessitamos de obter energia divina, o axé, que é a energia de Olódùmarè. Essa energia somente existe nos seres vivos, nos reinos vegetal e animal. O ebó (ẹbọ) é a forma de obtermos essa energia. 

A colocação ou citação do oráculo como parte do processo de um ebó (ẹbọ) é intencional, em se tratando de Candomblé ou de Ifá, não existe sentido em se estabelecer a necessidade de se fazer um ebó (ẹbọ) sem que o oráculo esteja envolvido, isso deve ficar muito claro para vocês.

Estamos tratando de um processo de transmissão, equilíbrio e reposição de axé (àṣẹ) através de orixá (òrìṣà) e com a interferência de um “operador” qualificado o sacerdote, dessa forma a necessidade disso, a composição, local, etc. tem que ter sido definido através do oráculo, é assim que as coisas funcionam, isso não é Umbanda.

Os rituais e liturgias conectam o mundo físico ao mundo espiritual, ou o mundo natural ao mundo supernatural, de forma a trazer harmonia e equilíbrio para o nosso dia a dia. A realização das liturgias e rituais através do ebó (ẹbọ) reordena e corrige o relacionamento entre a divindade e o homem trazendo o equilíbrio que se deseja. 

Porém, mais do que trazer a divindade para ajudá-lo, o ebó (ẹbọ) é a fonte de energia supernatural que farão mudanças no mundo natural. Essa é a definição de magia, a capacidade de interferir no mundo natural com o supernatural.

Para qualquer coisa necessitamos de energia, nada acontece sem energia. O ebó (ẹbọ) é quem supre as energias supernaturais, o axé (àṣẹ) para que possamos mudar o mundo natural. Repetitivo mas a chave para entender isso.

Segundo Abímbọ́lá, todo conflito no cosmo Yorùbá pode ser eventualmente resolvido através do uso do ebó (ẹbọ). O sacrifício é a rama que traz a solução e tranquilidade ao universo e que ordena os problemas do dia a dia. 

Quatro coisas são importantes para a eficácia de um ebó (ẹbọ). A primeira é o correto uso de cada elemento ritual que é especificado para o odù que foi revelado na consulta ao oráculo. 

Segundo isto tem que ter objetivo e propósitos reais e sinceros. 

Terceiro, tem que ser espiritualmente tratado por sacerdotes. 

Quarto, existe a necessidade de existir uma integração entre o sacerdote, o consulente e as forças espirituais que serão movimentadas para se obter o resultado desejado. Mais ainda, quando este relacionamento é próximo, as ervas, se forem necessárias, curarão de fato.

Dessa maneira as coisas não ocorrem por acaso. Observem essas 4 condições, isso vai explicar muita coisa que dá certo e que dá errado.

Algumas vezes o ebó (ẹbọ) não virá na forma de uma oferenda física, mas sim através de regras de comportamento e proibições. Por exemplo, não frequentando alguns lugares, não consumindo determinado tipo de alimento, não fazendo determinado tipo de tarefa ou comportamento, adotando uma rotina de rezas, etc..

O significado disso é que esse comportamento está fazendo a pessoa perder energia, perder axé (àṣẹ). Quando se interrompe o comportamento inadequado trocando por outro comportamento adequado, cessa a perda de axé (àṣẹ) e a pessoa melhora. Nesse caso não era necessário repor axé (àṣẹ), apenas deixar de perdê-lo.

Em relação ao significado de um ebó (ẹbọ), o mais importante é entender que o ebó (ẹbọ) é mais do que um conjunto de itens físicos. Ele é parte de um sistema de forças e energia que é movimentado no momento em que se inicia a consulta ao oráculo, quando Olódùmarè se utilizará de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) e de seus ministros, os orixá (òrìṣà) e ancestrais, para poder mudar ou corrigir uma determinada situação, e neste processo, Exu (Èṣù) é o elemento transportador de energia, ou axé (àṣẹ). Assim todo o conjunto espiritual que compõe os fundamentos da religião se movimentam através de uma simples consulta a Ifá, ou até mesmo um jogo de búzios. 

Não podemos entender o significado de um ebó (ẹbọ) se não compreendermos este sistema metafísico que está envolvido e suas diversas engrenagens. O oráculo diagnostica e nos remedia através de odù que recebemos no Opon (Ọpọ́n). O odù serve para nos indicar o que existe em torno de nós, como uma mensagem, e também para nos trazer a energia bruta que será manipulada para resolver o problema. O Odù é assim como se fosse uma “célula-tronco” que através do olhador, das rezas e encantamento e do ebó (ẹbọ) será manipulado para se resolver o problema do consulente.

Este é inclusive um dos motivos que se indica não manipular Odù se não se tiver o conhecimento necessário. Pode-se estar trazendo para perto de sí uma energia bruta não lapidada que pode influenciar a pessoa, sua casa e família de forma negativa se não for adequadamente conduzida e transformada. Se fosse simples não haveria necessidade de todo o conhecimento, todas as cerimônias de iniciação e todo o tempo de aprendizado no qual o Bàbáláwo se alinha com as forças metafísicas e supernaturais que vão ajudá-lo no seu trabalho. Eu considero que não são apenas a teoria e as cerimônias de iniciação, é necessário prática para que as engrenagens metafísicas de alinhem e se adaptem à pessoa.

O conceito básico do uso do ebó (ẹbọ) é que temos um desequilíbrio de energia e isto está afetando a nossa vida, assim precisamos corrigir o axé (àṣẹ) do consulente e isto é feito através do odù que recebemos e da energia que está contida em cada elemento do ebó (ẹbọ) . Olódùmarè quando criou cada elemento na terra colocou nele um espírito, uma fagulha ou uma energia metafísica que dá a ele uma propriedade especial. As folhas são elementos poderosos na acumulação dessas propriedades e por isso extremamente importantes ao uso que damos. 

Esta energia está então contida em cada elemento existente no Àiyé (mundo) e será extraída e manipulada através de um “operador” qualificado. Este operador empresta a esse processo o seu próprio axé (àṣẹ) que funcionando como uma “quintessência” retirará a energia própria de cada elemento do ebó (ẹbọ) e transmitirá ao consulente.

Seria muito simples se qualquer pessoa pudesse pegar um elemento “espremê-lo” e tirar dele a sua propriedade divina, como se tira o suco de uma fruta. As vezes isso pode ser assim e algumas pessoas têm o axé (àṣẹ) necessário para fazer isso e, por essa razão, é que algumas coisas funcionam quando feitos por uma pessoa despreparada e por outras não. O que eu penso é que esta propriedade divina, ou natural de cada elemento, não é um axé (àṣẹ) ainda no sentido que axé (àṣẹ) é a energia em movimento. Quem tem o axé (àṣẹ) somos nós, seres vivos, e o nosso próprio axé (àṣẹ) é necessário para retirar a propriedade de cada material e de transportá-lo para outra.

Em alquimia o nome dado a isso era quintessência.

É claro que as plantas estão vivas e por isso mesmo tem o axé (àṣẹ), isso é o que faz delas um componente tão importante e por isso que qualquer pessoa pode usar com bons resultados as ervas para fazer banhos. Independente do o axé (àṣẹ) dessa própria pessoa as folhas quando usadas frescas têm o seu próprio axé que é assim transmitido para quem recebe o banho.

A liturgia de quinar as ervas com cânticos e encantamentos e feitos pelo próprio sacerdote é um processo litúrgico mais forte porque diretamente está havendo manipulação, transferência e amplificação do axé (àṣẹ) do sacerdote através das folhas, que se soma ao o axé (àṣẹ) das ervas fazendo fluir e acumular no banho de ervas preparado e encantado uma “bateria” viva de axé (àṣẹ).

O uso de elementos preparados, manipulados e cozidos é uma outra variação e, através desse processo “alquímico”, estamos manipulando, transformando, amplificando e canalizando as propriedades de todos os elementos envolvidos para o fim que desejamos. Mas, nesse caso de elementos preparados, as suas propriedades são estáticas, como um alimento comum. 

A “virtude” existe neles, mas será o axé (àṣẹ) do sacerdote, sua capacidade, que colocará isso em movimento retirando deles essa propriedade e fazendo-a funcionar na forma de energia dinâmica, ou seja, o axé (àṣẹ).

Neste momento estamos também colocando em movimento um axé (àṣẹ) muito mais importante que é o das divindades, os orixá (òrìṣà), que assistem o sacerdote e que irão se utilizar das propriedades desses elementos, que estarão preparados para o uso, através do seu o axé (àṣẹ). Aqui então entramos na área onde devemos entender as especializações das divindades. Cada orixá (òrìṣà) tem afinidades com elementos e locais que faze parte do aiyé. O sacerdote deve conhecer essas afinidades para que possa se utilizar disso.

Desta forma ao usarmos o axé (àṣẹ) através de uma divindade temos que conhecer os elementos que fazem parte de sua afinidade e a forma de serem preparados para a amplificação ou mesmo abertura de suas propriedades. A natureza e todo o aiyé é um repositório de energias metafísicas e o sacerdote deve, com um garimpeiro ou como um lavrador, procurar os locais onde ela aflora e se manifesta ou também cultivar locais onde estas energias se concentrarão. 

Um terreiro ou casa de santo é um local que é então preparado para acumular ou fazer aflorar a energia do Àiyé e dos orixá (òrìṣà). Dessa forma muitos ẹbọ serão feitos na própria casa de santo. Em outros casos o sacerdote vai procurar o seu local de afloramento, circulação ou acumulação na própria natureza. Não se pode, por exemplo, ter a energia de uma praia dentro do terreiro, ou de uma estrada ou de uma encruzilhada, ou do alto de uma montanha, etc...

É o conhecimento desse fundamentos que permite a um bom sacerdote ter os melhores e mais efetivos resultados. Uma pessoa com conhecimento e axé (àṣẹ) poderá amplificar as energias da natureza, dos elementos e dos Òrìṣà, obtendo os resultados mais efetivos. Os locais da natureza, o cuidado do sacerdote na manutenção do seu axé (àṣẹ) (pelas suas obrigações, observância de preceitos, afastamentos dos ewọ̀ do seu Odù e orixá (òrìṣà)), as horas do dia e dias do mês (em função de horários e fase da lua mais apropriados) e as cantigas e encantamentos serão no seu conjunto e individualmente elementos que amplificarão a energia e por isso mesmo dão mais eficácia ao ebó (ẹbọ).

Assim o ebó (ẹbọ) é formado pelo conjunto de tudo isso que citei aqui. Elementos que contém virtudes divinas e mesmo axé (àṣẹ), como é o caso das folhas, da energia que está na natureza, do axé (àṣẹ) dos orixá (òrìṣà) e do axé (àṣẹ) do próprio sacerdote, que ao longo de toda sua vida acumula não só conhecimento como também acumula aṣẹ́ para poder ser transmitido para que ele ajuda ou para retirar e ser amplificado pelos elementos que ele manipula. 

O Bàbáláwo não passa incólume pelo ebó (ẹbọ), ele participa e contribui, certamente ele perde um pouco de axé (àṣẹ) toda vez que trabalha. 

Não podemos esquecer que em todo este processo o Orí da pessoa foi o elemento ativo de comunicação e como uma divindade pessoal do consulente nada poderá ou ocorreu sem o seu consentimento. 

Assim quando a pessoa e seu Orí se sentam no espaço sagrado do olhador de Ifá este invocará Ọ̀rúnmìlà para que este como o eleri ipin (ẹlẹ́rí ìpín), ou testemunho do compromisso entre o consulente e seu Orí e Olódùmarè, possa analisar a situação que está ocorrendo e avaliar se os problemas fazem parte do destino pessoal daquela pessoa ou não, são parte dos problemas de terra que podem ser eliminados ou amenizados. Neste momento Ọ̀rúnmìlà é a boca através da qual falam o Orí, os orixá (òrìṣà) e ancestrais do consulente e, sem dúvida nenhuma Olódùmarè que sempre está presente em nossa vida.

O Odù contém ao mesmo tempo a mensagem e a solução do problema e tudo se faz através de energia e equilíbrio, mas sempre através das mãos das divindades que assistem a vida do consulente. Desta forma os elementos físicos que compõe o ebó (ẹbọ) trazem suas energias individuais e seu axé (àṣẹ). Os elementos físicos serão transmutados em energia que será utilizada como força a ser colocada em movimento por estas divindades para atuar na situação colocada. 

Por fim eu gostaria de abordar uma mistificação ligada a ebó (ẹbọ). De nenhuma maneira ao fazermos um ebó (ẹbọ) estamos alimentando divindades ou espíritos. Estamos dando início a uma roda de energia que irá ser movimentada em benefício do próprio consulente, ou seja, estamos dando ignição a uma corrente do bem. Desta maneira tudo o que é colocado em um ebó (ẹbọ) desde a qualidade dos elementos até o carinho que isto é feito retornará para nós mesmos.

Uma divindade não necessita de comer, o seu nível de evolução espiritual a coloca em uma condição que elas existem para nos ajudar e não ao contrário, mas, não estamos no Orun (ọ̀run) e sim no aiyé, desta maneira necessitamos transformar energia. Como todos sabemos energia não se cria do nada, se transforma a partir de uma fonte já existente. Por esta razão é que usamos o ẹbọ como uma fonte de energia que será gerada para que o que necessitamos de axé (àṣẹ) possa ser obtido.

É ridícula a imagem que passam de que aquela comida vai agradar a algum orixá (òrìṣà) e que ele assim comendo e bebendo vai se dispor a nos ajudar. É também ridícula a fala de que um espírito não nos ajuda porque não o ajudamos ou o alimentamos. Minha opinião é que este tipo de mistificação é a primeira coisa que deve ser esquecida por alguém que quer aprender algo.


Conclusão sobre o Àiyé


Falar do Àiyé significa explorar os elementos que Olódùmarè criou para suportar nossa vida aqui, que é o axé (àṣẹ), a magia, as folhas e o ebó (Ẹbọ).


Todos essas são formas de manipular o supernatural para podermos ter uma vida melhor e superar as dificuldades naturais e as provocadas pelo próprio homem, o malefício.
Repito, nesta religião existe, de fato, uma aliança entre deus e a humanidade. Deus fez e faz de tudo para podermos viver aqui. O Àiyé não é órun (Ọ̀run) e desta maneira, problemas e dificuldades existem, não temos 2 órun (Ọ̀run), temos o órun (Ọ̀run), nossa casa e o Àiyé.


Entre viver com visão fatalista de católicos e espíritas sobre o mundo, uma visão de negação do mundo eu preferi viver com uma visão positiva, uma visão afirmativa do mundo. Neste visão afirmativa, deus e a religião são as partes principais.




domingo, abril 19, 2020

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Já disponível  o vídeo explicando porque no Candomblé nunca houve a necessidade de se determinar Odu de Iniciação durante a iniciação.





veja no link:  Porque o Candomblé não determina Odu de iniciação

sábado, abril 18, 2020

O Aiye - O poder das Folhas [ Entendendo a religião Yoruba - Pt.14 ]

ANTERIOR: A magia como parte da religião


O poder das folhas


Todos que conhecem a religião sabem da importância das ervas. Ọ̀sányìn é o orixá (Òrìṣà)  encarregado de trazer esse poder à humanidade. O uso do poder das folhas é feito através de Ọ̀sányìn. Como já citei as folhas têm o axé de Olódùmarè e cada uma delas, ou a maioria tem usos terapêuticos.

A vida é uma aventura, mas o mundo é cheio de perigos e as doenças existem como parte do mundo. Olódùmarè colocou as plantas e seu axé (àṣẹ) nelas para que nós pudéssemos usar isso para nos recuperar e também colocou Ọ̀sányìn para nos suportar nisso.


Ọ̀sányìn trabalha em colaboração com Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), no diagnóstico dos problemas, busca das soluções e tratamento das doenças. Ọ̀sányìn se manifesta também na forma de um pássaro que viaja entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé para trazer o tratamento às pessoas e também para espionar as ações da ajé (Àjẹ́), que vivem para atacar a humanidade.


Um dos principais símbolos de Ọ̀sányìn é um bastão de ferro com pássaros no alto representando essa característica do orixá.


As ervas são assim, fonte de axé e de tratamento terapêutico. São parte do compromisso que Olódùmarè têm em suportar nossa vida aqui. Isso é muito importante porque se soma as forças benevolentes da direita, como um elemento essencial.


Se existem as doenças no Àiyé, também existe a cura dada por Olódùmarè através das folhas e através dos ebó (Ẹbọ) e sacrifícios de Ifá.


Olódùmarè, quando criou o Àiyé, não podia esperar o homem desenvolver medicna e tecnologia, ele criou sua própria medicina que continua existindo e funcionando, para ajudar as pessoas.


Desta maneira as folhas e seu poder são um dos pilares desta religião. 


As folhas são parte do equilíbrio, assim temos a força malevolente da doença e a força positiva das ervas, com poder de Olódùmarè para curar as doenças.


O conhecimento das folhas e de seu uso é uma obrigação para o Bàbáláwo, Babalorixá (Bàbálórìṣà) ou Iyalorixá (Ìyálòrìṣà). Existe no candomblé uma pessoa, um Ogan, que é ensinado especificamente para conhecer, identificar e colher as folhas para ouso terapêutico e litúrgico.


A folha é tão importante nesta religião que não se inicia nenhuma pessoa sem folha, se não tem folha não tem orixá (Òrìṣà). E mais, não estamos falando de meia dúzia de folhas para tudo ou de Bàbáláwo que só faz ebó (Ẹbọ) com a mesma folha isso é falta de conhecimento.


Ọ̀sányìn e Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) são personagens constantes, nos versos de ifá, com seus seguidores encarando disputas terríveis entre si. Existe uma história muito conhecida sobre a disputa entre o ebó (Ẹbọ) (as folhas) e o sacrifício pela hegemonia.


O que é definitivo é que não existe sacerdote que possa trabalhar sem ter profundo conhecimento e experiência no uso das folhas, que representam a base do axé (àṣẹ) de Olódùmarè.


O sacrifício tem a força da quintessência, a energia viva que transporta e amplifica tudo, mas, são as folhas que são o repositório das virtudes de Olódùmarè.


Essa religião é praticada com base em um profundo conhecimento de folhas. Se não sabe, muito, usar folha não pode ser nada nessa religião, pode ser consulente.


Observem que, nesta religião, os ciclos se fecham, as coisas são encadeadas. Não temos problema com a medicina natural. A medicina da religião tem 2 componentes. Um natural, através das folhas e outro supernatural através do axé (àṣẹ). Nós combinamos isso.

Mas se a pessoa quer ou precisa usar a medicina natural da ciência humana, não temos nenhum problema com isso, usamos o supernatural, o axé (àṣẹ) e os orixá (Òrìṣà) para potencializar a solução. Para nós, medicina é medicina, remédio é remédio, podemos prover ou ajudar, o que importa é a vida humana.


Esta é a religião da inclusão, porque damos valor a vida. Como já disse, antes, nascemos para ser felizes, não nascemos para sofrer ou para morrer, gostamos da vida.


quarta-feira, abril 15, 2020

O Aiye - A magia como parte da religião [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 13 ]

A magia como parte da religião



Magia é transformação; Transformação é magia; Toda magia é mudança; Toda a mudança é magia. (Scott Cunningham)


As soluções de magia, através do axé (aṣẹ́) são possíveis, mas, não são o foco da religião, são um efeito colateral da manipulação do axé (aṣẹ́).


Magia é um processo natural de se lidar e trabalhar com elementos e energias naturais. Podemos considerar que uma magia é realizada quando efetuamos uma modificação de qualquer condição no mundo através de um ritual. Isto não é nada mais do que você focar o seu desejo na intenção de alguém ou alguma coisa e mobilizar o supernatural para isso.


Essa religião acredita em magia como um poder inerente de todos nós, como uma capacidade dos orixá (Òrìṣà) e um instrumento legítimo de uso. É algo que Olódùmarè nos deu e devemos usar para ter uma vida melhor.


Não existe nada de engraçado e pequeno nisso. Pequeno é quem não acredita em magia, quem acha que o mundo é apenas o natural e que a razão e física dirigem o mundo. Essas sim são pessoas pequenas ante a grandiosidade do mundo criado por Olódùmarè. Não entenderam onde vivem.


O uso da magia é um processo legítimo de nos socorrer em nossas necessidades. Ela é feita através da manipulação do axé (aṣẹ́) e do poder dos orixá (Òrìṣà). Lembro a todos que esta religião estabelece que vivemos no àiyé porque queremos. A gente vive para ser feliz e não para sofrer. O divino nos assiste nessa caminhada de vida nos ajudando a ser felizes. A magia é parte disso.


Através do processo de aquisição e manipulação do axé (aṣẹ́) podemos obter resultados que modifiquem a realidade. Isso é feito para o nosso bem. As liturgias além de buscarem o equilíbrio da pessoa também buscam sua felicidade. A felicidade é o objetivo final os demais são meios e insumos para isso. Neste sentido restaurar a capacidade do indivíduo viver e autonomamente é uma prioridade e também o uso da magia como forma de remover obstáculos e situações negativas.


A ética da religião e dos orixá (Òrìṣà) determinam o que pode ou não ser resolvido por magia. Existem coisas que nos mesmos plantamos e trouxemos para a nossa vida. Essas coisas vamos ter bastante trabalho para nos livrar porque boas ou más elas nos pertencem. Passamos anos criando aquela situação ou aquele problema e depois queremos que umas bolas de farinha resolvam? - “Nem a pau”


Outros problemas ou situações não nos pertencem, foram trazidas por outras pessoas ou por situações normais da vida. Essas serão mais facilmente resolvidas pela Magia.


Atentem que desde tempo muito antigos a magia sempre esteve presente na civilização humana. Magia não significa malefício. O Malefício é quando você traz o mal ou o prejuízo de outra pessoa. Na Inglaterra pre-inquisição, antes do século XV, a magia era uma prática corrente e visava a saúde das pessoas e o seu bem. Nunca foi um crime. O crime residia no malefício causado a outras pessoas. As feiticeiras poderiam ser processadas e presas por causa do malefício causado pela sua magia.


No caso da religião Yorùbá temos a mesma coisa. Temos o processo visando o bem, mas, podemos ter pessoas que usam dos mesmos elementos e instrumentos para causar o mal a outros ou fazer atalhos na vida das pessoas que os pedem causando para isso problema para outros. Essa é a prática que é usada pelas pessoas que transformam em comércio a sua religião.


O malefício não é objetivo ou parte desta religião. Se ele ocorre é por desvio de ética de quem se propõe a fazê-lo e o desvio existe em quem faz e em quem pede, de forma igual. Os dois são pessoas ruins.


A energia nuclear, por exemplo, pode ser usada para o bem, gerando perenemente energia para alimentar cidades, mas, também pode ser usado como elemento destrutivo. Assim foi com outros elementos como a pólvora, nitroglicerina, combustíveis, etc..

Tudo o que aprendi nesta religião foi para ser uma pessoa melhor. As bençãos que ganhamos são por merecimento e temos aquilo que trabalhamos e a que fomos destinados. Rezamos para ter ajuda em realizar as coisas para as quais nos esforçamos, sem atalhos.


Um desvio negativo ocorre quando o crente ou sacerdote passam a ver isso como a única coisa que fazem dentro da religião. Sem dúvida a prática destas pessoas deverá, sim, ser considerada fetichista e animista. Sempre será assim quando a pessoa não se ligar aos elementos de mais alta ordem e ficarem apenas com só elementos menores.


Nesse caso podemos esquecer a prática da religião e considerarmos que existe ali apenas a comum, corriqueira e baixa feitiçaria. As casas de Candomblé abrem suas portas para ajudar pessoas que não sejam membros no sentido de obterem dessa atividade uma fonte de renda e subsistência para suas atividades e membros. Mas o que ela deve oferecer é a ajuda, o bem, a saúde e a recuperação da esperança na vida.


Em princípio uma casa de orixá (Òrìṣà) deve se focar nos seus membros e no bem deles. Os membros devem sustentar a casa e mantê-la funcionando e a casa deve presar pelo bem dos seus membros. Em alguma escala e alguns casos a abertura da casa para não seguidores é necessária, mas, isso não deve ser a regra.


Nos dias de hoje as pessoas têm acesso à educação e formação e normalmente terão um emprego para mantê-las sem que a religião seja a sua única fonte de receita. Pessoas que se dizem Babalorixá e não tenham sido capazes de ter uma profissão para mantê-las e a casa que construíram devem ser vistas com muito cuidado, porque podem apenas ter uma fachada de religião para sustentar os seus feitiços.


O caso do Bàbáláwo é bem distinto. Eles não são do culto de orixá (Òrìṣà) e seu objetivo a atender às pessoas comuns.




terça-feira, abril 14, 2020

Novo video

NOVO VIDEO NO CANAL DO YOUTUBE



Já disponível vídeo explicando Odu de Nascimento e as cerimônias que são feitas em recém-nascidos, o Ikosewaiye e o Imori





veja no link:  Odu de nascimento e Ikosewaiye

segunda-feira, abril 13, 2020

Aviso



Fiquem atentos às publicações. Como eu disse antes, os textos não podem ser muitos extensos porque muitos acessam via celular. 

Quando o assunto Aiye for concluído, inicia o assunto Morte e pós-vida, com textos e informações inéditas sobre o tema, reunidas de forma estruturada e consistente, possivelmente inédito em português.

O Aiye - O conceito do Axé [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 12]

O Axé e o conceito de quintessência



Este termo, quintessência, pode não ser do conhecimento de todos, mas, o conceito de axé (aṣẹ́) nos remete exatamente ao conceito de quintessência que foi largamente estudada e documentada no século XIX por famosos alquimistas como Francis Barret, Agrippa e Paracelso. A quintessência era a base da alquimia que unia ciência à religião, uma vez que os alquimistas eram religiosos e tinham o conceito de deus na base de tudo o que faziam. Muitos hoje dizem que ciência e religião são opostos, os alquimistas não entendiam dessa maneira.


O seguinte texto é retirado da obra Magus de Francis Barret.


A alma é a forma essencial, inteligente e imperecível, o primeiro moto do corpo, e move-se por si mesma. O corpo, ou matéria, não consegue ou não se presta a mover-se por si só, e perde muito das qualidades primitivas da alma. Assim, torna-se necessário um meio mais aperfeiçoado. Este meio, entende-se, que seja o espírito do mundo, ou aquilo que alguns chamam de quintessência porque não é formada pelos quatro elementos, mas por uma certa coisa primeira, superior e além deles. Há portanto a necessidade de um meio pelo qual as almas celestes possam unir-se aos corpos densos, agraciando-os com dádivas prodigiosas. …. este espírito transmite todas as propriedades ocultas para as ervas, as pedras, os metais e os animais... este espírito pode nos ser útil se soubermos separá-lo dos elementos ou ao menos usar principalmente as coisas em que abunda...”


Este conceito é a base da alquimia e da cabala divina. Axé (aṣẹ́) é exatamente isto e não estou fazendo um sincretismo. Não gosto de sincretismo e não gosto de comparações, mas, não posso nessa explicação fugir disso. Muito pouca gente estudou esse conceito de supernatural nas 2 religiões para poder fazer essas comparações que estou fazendo.


Não estou trazendo para dentro dessa religião o conceito de outra, estou apenas fazendo um paralelo porque se trata do mesmo conceito e tenho um propósito positivo com isso.

Religiões diferentes, sociedades diferentes e tempos diferentes. Ambas possuem o mesmo entendimento de uma parte do supernatural. Não estamos aqui fazendo equiparações teológicas. A religião Yorùbá usa exatamente o mesmo princípio da alquimia quando trata de axé (aṣẹ́) e dos famosos ébó (ẹbọ), que são liturgias que distribuem, repõem e transmitem o axé (aṣẹ́)..


Eu, pessoalmente, como já disse, odeio explicar alguns conceitos fazendo comparações, tenho como opinião que toda a explicação deve ser original, mas nesse caso estou fazendo isso para acabar com o preconceito em relação a esta religião Yorùbá.


Olódùmarè dá a cada elemento um poder original que tem origem nele. Esse poder torna cada elemento único, distinto e útil. O momento em que isso ocorre é aquele onde ele transmite o Emi e já foi descrito anteriormente. A liturgia que ele executa é mais do que apenas dar vida ao corpo é dar o axé (aṣẹ́) ao corpo. 


Por essa razão Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) não pode sozinho fazer todo o trabalho, é necessário que Olódùmarè, após Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) concluir o corpo, de o sopro de vida ao que era apenas barro como também, e principalmente, transmita sua centelha divina às suas criações o axé (aṣẹ́). Isso não pode ser feito por Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá), somente Olódùmarè pode transmitir o axé (aṣẹ́) e isso mais uma vez explica porque ele, Olódùmarè pode ter o título de ser a divindade suprema da religião Yorùbá. 


O momento em que ele faz o mesmo com as demais formas, vivas ou não, não é explicado. Apenas a criação dos homens é definida, mas, devemos supor, por ilação que de alguma forma cada elemento vivo no àiyé recebe de Olódùmarè o seu axé (aṣẹ́).


Vejam o seguinte texto feito por mim por há muitos anos baseado nas ideias da alquimia:


Assim as pedras, metais, animais e ervas tem cada uma sua própria virtude que é herdada das inteligências ordenadoras e este é o ponto que nos interessa. De acordo com este princípio os elementos têm suas características criadas por deus, controladas pelas inteligências e que lhes são transmitidas pelos elementos e astros. Há portanto, uma virtude e um funcionamento em cada uma delas, mas são maiores no astro que as governa ou no elemento que a compõe.

As virtudes são justamente as características mágicas que buscamos nestes elementos de segunda ordem para podermos obter através da transferência destas virtudes para as pessoas nas quais trabalhamos. Assim virtudes não são as características físico-química dos elementos que lhes atribuem a aparência, beleza e valor, mas, sim a sua força mágica que foi designada por deus.

A alma é a forma original e essencial, mas esta precisa ter os seus poderes atribuídos às coisas, e isto se dá através do quinto elemento, ou quintessência, que é transmitido às pedras e cristais através do sol, da lua e dos atros e emprestam a estas as suas propriedades ocultas.

Desta maneira o poder dos elementos é um desígnio divino, criado por deus que é armazenado nestes através do elemento que os influenciam. Sempre será maior no astro que a rege e isto é muito importante e deve ser observado ao se analisar quando e como algo deve ser feito, porque tanto maior será o efeito mágico da pedra quanto intenso for o astro ou elemento que lhe dá a sua virtude.


Por esta explicação de origem alquímica, nós entendemos que os poderes dos elementos lhes são inerentes e dados por deus sendo assim importante sua permissão e autorização antes de serem operados. O operador como parte deste sistema de energia e sendo também em seu corpo um armazenador de virtudes e também do quinto elemento, usa a essência deste último canalizando-o para transmitir as virtudes destas para quem recebe. A pessoa que recebe esta energia vai através da sua própria quintessência transmitir a seu corpo as virtudes recebidas sendo então beneficiado por elas.


É uma explicação complexa mas que unifica as verdades das anteriores bem como estabelece a importância de se entender o papel dos atros e elementos no entendimento da magia das pedras.


Baseado no que já foi dito eu posso dizer simplesmente que os elementos são como baterias que armazenam e concentram a energia da Terra, onde entende-se Terra como o espírito do mundo.


Eu não teria, hoje, uma forma melhor para explicar o que é axé (aṣẹ́). 


Os alquimistas foram mundanamente conhecidos por buscar transformar chumbo em ouro. Eles o faziam, mas não compensava, porque para transformar um metal em outro você precisava primeiro capturar as propriedades do material original, através do processo alquímico que eles desenvolveram e depois transmitir para o outro metal. Mas o processo não compensava a quantidade resultante era equivalente a inicial, assim não compensava fazer isso. 


Mas a alquimia não se resumia a isso, transformar metal, e sim capturar as propriedades dos materiais e transmitir para outros. O foco da alquimia era a pedra filosofal que servia para muitas coisas inclusive trazer saúde e vida.


Alquimia era a ciência de entender como deus criou o mundo e usar o poder que deus deu às coisas para trazer benefícios para a humanidade. Um alquimista era um cientista de deus, assim como o é um Babalawo.


Na religião Yorùbá fazemos o mesmo processo. Entendemos as criações de deus, de Olódùmarè, capturamos o axé (aṣẹ́) das coisas e transmitimos para os seres que necessitam dele. Esta é a essência do que fazemos nas liturgias reparadoras.

Mas vamos deixar os alquimistas para trás, já serviram para ajudar na explicação que interessa aqui e nos aprofundar na forma como usamos o axé (aṣẹ́).


O objetivo das liturgias 

 


A ideia de axé (aṣẹ́), repito sem exageros, é o núcleo da vida no aiye. Todo elemento da terra tem axé (aṣẹ́), ele é um elemento necessário para a vida e a sua falta, ou excesso é o que nos traz problemas, sejam eles de saúde, mentais e mesmo de sorte na nossa vida. 


É fácil entender que, o que nos traz desequilíbrio é aquilo que nos prejudica. Trazer de volta o equilibro para nossa energia e por consequência para nossa vida, é o que e as liturgias da religião Yorùbá fazem através de suas operações, os Ebó (ẹbọ) e as oferendas votivas.


Fica assim desvendado o primeiro mistério sobre as liturgias do Candomblé. Todos eles, sem exceção, são voltados para trazer o equilíbrio ao axé (aṣẹ́). O resto necessário para solucionar os seus problemas, você faz sozinho. Qualquer objetivo que as pessoas se disponham a realizar, através das liturgias, além deste não é mais religião é uma prática qualquer.


O que permite as liturgias atingirem esse objetivo é porque o axé (aṣẹ́) como força mágico e sagrada tem muitas algumas propriedades importantes que vou explicar aqui. A primeira delas é que ele pode fluir entre os elementos, de maneira que você pode transmitir ou repor.


Ele pode ser coletado de uma fonte e aproveitado em outra, repondo a energia vital de quem necessita ou utilizando a virtude divina, que traz uma propriedade adicional e necessária para a pessoa que recebe, e que o elemento cedente possui. Folhas, por exemplo, são conhecidas por suas propriedades terapêuticas. 


Todos os elementos, dos minerais aos animais, são fonte de axé (aṣẹ́) de diversas naturezas e tipos de uso. Em alguns casos precisamos deles como fonte da energia vital em outros precisamos da virtude especial que eles tem, que lhes dá um caráter terapêutico único, seja para questões naturais como supernaturais.


Vejam, essa última frase é simples, pode ter passado despercebida, mas é muito importante. Através das liturgias podemos endereçar tanto as questões ligadas a problemas naturais, como doenças, como também problemas ligados a alma e espírito que pertencem ao supernatural. A religião vê o ser humano de uma forma holística e tem uma concepção mais ampla do que por exemplo a medicina e outras ciências têm que somente conseguem ver as questões naturais. Lembro que muitas culturas orientais, ligadas ou não a religiões, também tem uma visão mais holística do nosso ser.


Mas religião não substitui medicina e muito menos concorre com ela. Apenas podemos endereçar coisas naturais quando elas também têm causa em questões supernaturais. Ao removermos a raiz do problema, resolvemos ou ajudamos a resolver as consequências, que são as manifestações visíveis.


A intensidade dessa força vital, o axé (aṣẹ́), nos seres vivos pode variar, aumentando ou diminuindo. Ela é sujeita a erosão do tempo e do seu uso contínuo e direcionado. Quando isso ocorre o elemento que o contêm perde sua energia. No ser humano a perda de axé (aṣẹ́) poderá levar a enfraquecimento, doenças, desequilíbrios emocionais e físicos.

Esses desequilíbrios e doenças é que trazem os problemas e desestabilizam a vida da pessoa. Eles são a causa raiz. Os problemas que você passa advém das consequências da sua perda de axé (aṣẹ́), são sintomas. É como um dominó. Uma primeira pedra é derrubada e esta pedra derruba a próximo e esta a próxima e assim vai. 


O que fazemos na religião e no nosso oráculo não é olhar para as últimas pedras que foram derrubadas e sim para a primeira, a que derrubou todas as demais.


Não adianta nada você gastar esforço para colocar as últimas peças do dominó em pé se o problema tem origem bem antes. Você coloca ela em pé isso dura um tempo e logo depois elas vão cair de novo. 


É neste momento entra em ação o oráculo da religião, seja o de Ifá como o eerindinlogun.

Na religião Yorùbá é o oráculo que se encarrega de detectar o problema que causa a perda ou excesso de axé (aṣẹ́) e também de indicar as liturgias que são necessárias para fazer o seu equilíbrio. 


O oráculo religioso não é um instrumento de previsão do futuro ou de solução de problemas. Essencialmente é um instrumento para detectar e devolver o equilíbrio do axé (aṣẹ́) das pessoas.


Lembre-se que nesse momento trabalhamos com 2 princípios, o primeiro é a reposição de energia vital ou o seu equilíbrio. O segundo é que os materiais possuem as virtudes especiais, aquelas propriedades divinas e que serão obtidas através da liturgia, transferindo elas para a pessoa que precisa. 


O processo não é apenas uma operação de “ligar você na tomada” para repor sua energia. Passa por mais coisas. A primeira é a questão das virtudes e que determina por exemplo os materiais que serão usados e o que processo será utilizado. Essas virtudes trazem coisas que precisamos para resolver os problemas.


Se você entendeu até aqui, ótimo, caso contrário reveja o texto para ter certeza que está compreendendo o que é o axé (aṣẹ́), o que eu chamo de virtude, como o axé (aṣẹ́) se caracteriza (os tipos) e como ele é obtido e usado.


As liturgias, além de reporem a nossa energia e usar as virtudes especiais dos materiais que fazem parte de cada procedimento, lançam mão ainda 2 outras coisas, a primeira é a atuação do divino, ou seja, das divindades, e a segunda é a ação da magia que pode mudar coisas no mundo natural.


Um sacerdote não é um médico. Ele é um religioso, mas, como já disse a religião tem uma visão holística de nossa vida e corpo. Entendemos que ao restabelecer o equilíbrio das energias do nosso corpo, ao repormos o axé (aṣẹ́) e ao eliminarmos as causas que levam a essa perda, daremos condições para que o próprio corpo se reestabeleça.


Isso é feito com a ajuda divina, de Olódùmarè e também usando as fontes de axé (aṣẹ́) que Olódùmarè colocou no Àiyé, uma vez que, como já expliquei, não podemos criar axé (aṣẹ́) do nada, temos que obtê-lo de uma fonte natural.


O oráculo é o instrumento que o Bàbáláwo usa para fazer isso. Esta é uma explicação bastante visceral de um oráculo, mas, acreditem, é isso mesmo.


É o entendimento desta religião que o axé (aṣẹ́) deve ser equilibrado. Tudo é feito para que este equilíbrio seja atingido e que a pessoa possa desta maneira levar sua vida de forma normal, superando com força, determinação, trabalho e persistência os seus obstáculos e perseguindo os seus objetivos.


Nas liturgias e oferendas. Os materiais usados são a fonte do axé (aṣẹ́) que será transmutado e transmitido na forma da quintessência. As divindades não comem as oferendas e muito menos precisam delas, nós precisamos. A escolha dos materiais e elementos depende da finalidade e também da divindade, cada divindade tem afinidade com determinados tipos de elementos.


Quando realizamos um Ebó (Ẹbọ) não estamos fazendo um processo científico, tudo na religião é feito através das divindades, dos orixá (Òrìṣà), que foram as divindades colocadas por Olódùmarè para cuidar da gente aqui no àiyé. A realização da liturgia e a conversão das oferendas votivas em axé (aṣẹ́) depende da intervenção do divino. São as divindades que intercederão por isso.


Veja, os próprios alquimistas também trabalhavam com o mesmo princípio. No que pese uma aparente base científica no que eles faziam, de fato nada aconteceria sem o divino, sem a intervenção de deus e dos anjos.


O sacerdote é uma pessoa preparada para fazer o que faz, e vou falar sobre isso mais adiante. Mas, mais do que somente ele, o divino atua junto com ele e através dele para que as coisas funcionem.


Dessa forma, mais do que estarmos repondo energia perdida e usando virtudes, é o divino que a partir de nossas orações e de sua presença constante faz com que isso funcione e atue da maneira adequada, nós, somos intermediários entre o àiyé e o Órun (ọ̀run).


É importante lembrar, por fim, que Ebó (ẹbọ) é uma palavra meio genérica, que é usada para mais de uma coisa (estilo Yorùbá...). Assim pode ser uma oferenda ou uma liturgia. Oferendas sempre são usadas para dar axé (aṣẹ́) que será usada para a pessoa ou para alguma ação de magia. Os Ebó (Ẹbọ) pode ser procedimentos para retirar energias negativas, dar energias positivas, retirar excesso de energia positiva ou usar as virtudes com objetivos terapêuticos seja para o corpo ou para a alma.


O axé (aṣẹ́) e os materiais

 


Não conseguimos gerar axé (aṣẹ́) do nada. Temos que obtê-lo de uma fonte deste mundo. Axé (aṣẹ́) é uma exclusividade de Olódùmarè. Neste momento entra a nossa ética e sistema de valores para balizar as escolhas. Como eu disse, tudo o que existe é criação de Olódùmarè. 


Não é verdade que a religião Yorùbá seja baseada no uso de animais como fonte de axé, isso é uma tolice. Animais são muito caros e vida se trata com respeito, mesmo que seja para ajudar a outra vida. O que se faz é, de uma religião inteira, complexa e com conceitos extremamente positivos pegar apenas um detalhe e usá-lo de forma arbitrária e questionável. Isso, principalmente, vem de religiões que são extremamente pobres na forma de ver a felicidade da vida das pessoas na terra. 


Os materiais usados na religião Yorùbá são esmagadoramente grãos, frutos, castanhas, raízes e principalmente folhas. Tudo isso nesta religião é sacrifício. Sacrifício é o ato de usarmos uma coisa com o objetivo de dar a outra. Assim sacrificamos folhas, sementes, castanhas, vegetais, legumes e inúmeros outros materiais. Tudo isso é sacrifício e é usado para obter energia vital e virtudes.


Seres vivos também são portadores de axé (aṣẹ́), um tipo bem especial e intenso. Em alguns casos essa fonte é necessária. Mas isso não é o comum, é bem especial e seu uso litúrgico ocorre em casos especiais e para pessoas especiais. O seu uso como fonte de axé (aṣẹ́) é necessário, mas, por inúmeras razões deve ser criterioso.


Muitos podem, neste momento, dizer que estou diminuindo a proporção das coisas e tapando o sol com a peneira. Não, não estou. O problema é que existem coisas que a maior parte das pessoas desconhece ou não quer ver. 


A primeira coisa é que não sendo você vegetariano, e existem muitos poucos que o são, você consumirá diariamente bastante proteína animal para viver. Milhões de animais são sacrificados diariamente para atender a sua vontade ou preferência de consumir proteína animal. Esses sacrifícios são feitos, então, porque você come proteína animal. Animais são criados exclusivamente para serem consumidos, vivem em condições desumanas e são sacrificados ainda em procedimentos péssimos. O mercado de carnes especiais gera um processo de tortura na criação dos animais.


As pessoas fingem que isso não existe e cinicamente acham que os frangos já nascem congelados ou o boi já nasce fatiado. Essas pessoas são as primeiras a se levantar porque por acaso isso é feito de forma muito mais decente dentro de uma religião. Se levantam por nada, apenas por preconceito, porque elas não fazem piquete na frente de um abatedouro de frango ou de animais.


Ja ouvi gente dizendo que não se incomoda com isso porque ele não vê os animais sendo mortos, somente vê eles prontos no supermercado. Isso me parece hipocrisia. Não se preocupam com os animais que comem mas se dão ao trabalho de se preocupar com uma religião que por acaso abate os animais que consome.


Inúmera religiões incluem em seus rituais o uso de animais. Os judeus fazem isso seja como liturgia ou no seu dia a dia. A comida kosher é prepara liturgicamente por sacerdotes e os judeus as compram para o seu dia a dia. Algumas tribos judaicas até hoje fazem sacríficos litúrgicos a deus, a Jeová, o mesmo deus dos católicos. Chama-se Holocausto. Somente as tribos que usavam o templo de salomão pararam de fazer sacrifícios com regularidade, mas tribos como os Samaritanos, nunca usaram o templo de Salomão e por isso nunca interromperam. Os frangos abatidos no Brasil e exportados para os árabes passam um por uma liturgia para que esse sacrifício seja feito da forma como a religião requer. Os católicos sacrificaram inúmeras pessoas acusadas de heresia ou bruxaria em nome de seu deus. Dezenas de outras religiões usam as oferendas como forma de compartilhar sua prosperidade com deus.


Assim, nesse mar de casos, quando se fala da religião Yorùbá, como o Candomblé, a única coisa que as pessoas lembram é que também se faz a mesma coisa que os outros fazem. Nada mais interessa. Parece que as pessoas nesta religião vivem para matar bichos.

Existem um fator que poucos conhecem e é bem simples. Muitas casas incluem o uso de animais em trabalhos apenas porque as pessoas precisam comer carne. Só por isso.

Entenda dessa maneira, consumir carne não é crime, somos onívoros e comemos vegetais e carnes. Uma casa, as vezes sustenta muitas pessoas e os trabalhos que são feitos, principalmente para clientes (pessoas externas à casa) servem majoritariamente para repor a dispensa da casa. Parece engraçado e é mesmo. Os não membros de uma casa pagam para a subsistência das pessoas da casa, nem sempre com dinheiro, também com dinheiro, mas principalmente com materiais que são usados no que é pedido.


Uma casa de candomblé, principalmente as mais antigas e tradicionais, tem dentro delas uma grande comunidade de pessoas descendentes dos fundadores. Essas pessoas vivem ali e as vezes somente se dedicam à religião, como os monges e freiras. Essas pessoas precisam comer diariamente. Um dos principais motivos de uma casa abrir suas portas para atender, através do jogo de búzios, clientes, é para ter dinheiro e alimento para essas pessoas.


As pessoas então tem a impressão de que animais sempre são incluídos ou fazem parte do Candomblé, não fazem, na maior parte dos casos são acessórios colaterais, não seriam necessários.


Deixando de lado essa questão dos animais, o axé (aṣẹ́) será coletado de folhas, sementes, castanhas e alimentos crus ou cozidos. Quase tudo é fonte de axé (aṣẹ́). A escolha de cada um desses materiais e a sua combinação esta ligada a necessidade, a virtude que eles tem e à divindade que intercederá pela pessoa. 


Cada divindade tem um conjunto de materiais que são parte da sua afinidade e outros que não. A maior parte dos materiais é comum, mas, existem tanto uma lista de preferência como de proibições. 


As folhas são um dos materiais mais importantes na retirada do axé (aṣẹ́) e também mais poderosos. Praticamente nada se faz sem folhas ou sementes. Cada folha tem uma finalidade litúrgica que faz com que elas sejam usadas na forma bruto ou através do seu sumo. 


Existem pessoas que defendem que tudo pode ser resolvido apenas com folhas. Esse é uma questão antiga e em Ifá consideramos que o sacrifício é mais forte do que as folhas e que sem o alimento do sacrifício as pessoas perecem. A verdade é que sem folha não existe resultado certo. 


O axé (aṣẹ́) e as Iniciações – O poder que se ganha


Além da questão de repor o axé (aṣẹ́), que eu já comentei muitas vezes, temos também as virtudes, ou poderes, que podem ser transmitidos de um material para outro. Não se trata de repor a energia perdida mas de ganhar um tipo de energia e poder que a pessoa não tinha, vinda de outra pessoa ou elemento dando a essa nova pessoa uma capacidade que ela não possuía, trata-se do axé (aṣẹ́) transmitido.


Liturgias e iniciações tem esse efeito de transmitir axé (aṣẹ́) e qualidades. Um sacerdote passa por um longo processo iniciático onde gradualmente irá receber poderes e capacidades que não tem. Esses poderes serão as ferramentas de seu trabalho no seu dia a dia.


Toda liturgia feita por um sacerdote é um processo complexo que envolve a fonte de axé (aṣẹ́), a sua capacidade de operar com isso (o axé (aṣẹ́) que ele possui) e a participação do divino que o suporta e auxilia nesta tarefa.


A capacidade de fazer determinadas liturgias e de ser este intermediário na transmissão do axé (aṣẹ́) enquanto energia, é um axé (aṣẹ́), uma virtude que se adquire através do processo de iniciação e formação.


Da mesma forma como se é intermediário na transmissão do axé (aṣẹ́) também o sacerdote, ou operador da liturgia, transmite o seu próprio axé (aṣẹ́). A pessoa que faz é também afetada pelo procedimento. Isso vai requerer que ele também se submeta regularmente a um processo de reposição e equilíbrio, essas pessoas não estão acima da lei natural que rege todas as coisas. O trabalho delas gera um desgasta continuo que deve ser corrigido sob pena de esta própria pessoa se prejudicar.


Os processos iniciáticos que existem dentro da religião Yorùbá tem como objetivo preparar o iniciado e futuro sacerdote para poder atuar como o intermediário entre o Órun (ọ̀run) e o àiyé, na manipulação do axé (aṣẹ́) e da energia dos Odù que é uma outra forma de energia divina que é explicada em outro texto. Para poder ser o intermediário dessas operações de magia, transmutação, condução e transmissão de axé (aṣẹ́) o operador necessita algumas vezes receber capacidades e habilidades que são transmitidas por outra pessoa.


Este é outro conceito muito importante na religião o do axé (aṣẹ́) transmitido. O axé (aṣẹ́) enquanto virtude e capacidade litúrgica para lidar com o divino deve ser transmitido de pessoa a pessoa. Um sacerdote pode ter nativamente algumas capacidades, isso esta ligado a sua herança pessoal e familiar, ao seu orixá (Òrìṣà) e ao seu destino na vida. Mas, outras capacidades necessárias para lidar com essas energias divinas devem ser transmitidas de outra pessoa que já as possui. Isso é necessário devido a estarmos lidando com forças supernaturais poderosas e para segurança das pessoas que recebem o que ele faz e eficácia do que ele faz é necessário que a pessoa receba o axé (aṣẹ́) para poder trabalhar.


O que estou dizendo é que uma pessoa para poder operar com o divino, ser o operador, seja Bàbálorixá ou Bàbáláwo, deve ter o axé (aṣẹ́) necessário para isso, e isso é parte de um processo iniciático e hereditário. O sacerdote fará parte de todo uma linhagem de outros sacerdotes. Essa herança na forma de axé (aṣẹ́) é a virtude de Olódùmarè que ele deve possuir para poder operar com as energias de axé (aṣẹ́) e de Odù.


Não se pode dar o que não se recebeu.


Essa é uma frase muito simples mas que resume extremamente bem o que estou explicando. A pessoa precisar receber o axé (aṣẹ́) que vai transmitir. No caso do sacerdote que vai fazer liturgias mais complexas do que as oferendas votivas, ele precisa ter recebido o axé (aṣẹ́) para proceder aos Ebó (Ẹbọ) e sacrifícios. Ele não pode se auto-doar esta capacidade. Na maior parte dos casos ele mesmo erá que ter passado pelas liturgias que vai executar.


É verdade que algumas pessoas já nascem com algumas capacidades, mas isso não cobre tudo o que é necessário. É a iniciação que molda e complementa esta capacidade dando a essa pessoa a virtude divina na forma de axé (aṣẹ́). Além disso a pessoa precisa adquirir conhecimento para fazer as liturgias.


Se submeter a liturgias e Ebó (Ẹbọ) com pessoas que não tenham recebido isso, que não tenha ganhado o axé (aṣẹ́) para fazer isso é se submeter a um processo instável com uma pessoa que pode não ter nem o conhecimento nem a capacidade de fazer o que se propõe. Você se arrisca a jogar tempo ou dinheiro fora e pior, piorar sua situação.


O axé (aṣẹ́) nas palavras e símbolos

Como na alquimia, a religião Yorùbá deposita axé (aṣẹ́) nas palavras orações e selos.
O processo de Ifá é baseado em versos que invocam forças primordiais do supernatural. As palavras têm axé (aṣẹ́) e devem ser faladas e voz alta. Nomes são importantes e as orações são fundamentais para a ligação Órun (ọ̀run) e àiyé. 


Esse princípio de que palavras e orações tem poderes mágicos existem em muitas religiões. Os mantras são baseados nisso, os encantamentos são baseados nisso também. Os Yorùbá entendem que palavras são pronunciadas por nós e transportam nelas o nosso axé (aṣẹ́).


Outro aspecto, são os símbolos ou selos. Eles estão presentes em Ifá e não no culto de orixá (Òrìṣà). Ifá baseia o seu processo de magia e energético nas orações, palavras na forma de versos e também nos símbolos gráficos dos Odù. Esses símbolos são “selos” que invocam a força divina. Nesse caso não podemos dizer que seja axé (aṣẹ́) eu prefiro qualificar como um outro conceito de energia divina que não vou explorar aqui.


Veja o axé (aṣẹ́) está presente em nós, seres e objetos, sua fonte e uso é como já foi descrito, mas, existe uma força adicional que é o poder divino, o poder que tem os orixá (Òrìṣà) para interferirem no nosso mundo e que vem junto com os Odù e invocados através das marcas de Ifá.


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