A busca de Ifá para legitimar o que não se tem
Um outro aspecto que me trouxe um impacto ainda maior nessa relação da Santeria com nosso culto de orixá mas que é muito complicado de explicar. É uma situação muito sutil e vou tentar explicar aqui correndo o risco de não ser entendido.
Observei que existe uma prática dentro da esfera do ifa cubano, no Brasil, na qual as pessoas que vem do candomblé onde eram ekeji ou ogan, se transformaram em santeros e passam a "fazer santo" e outras liturgias nas pessoas e para as pessoas.
Está “entre aspas”, porque é feito "santo" do jeito cubano e este jeito não tem nada a ver com o candomblé, assim eu tenho cuidado ao usar essa expressão “fazer o santo”, porque para nós resulta em uma coisa e do jeito deles resulta em outra.
Observem que apesar de estarmos falando de ifá aqui isso não se refere a Bàbáláwo. Estou falando de neo-sacerdotes lukumi. São mulheres, mediuns de incorporação ou homosexuais que, iniciam pelo ifá, mas que não tem caminho de Bàbáláwo no Ifá cubano, então, viram santeros.
Qual o problema disso?
Essas pessoas, de acordo com o critério do nosso culto de orixá não teriam direito a fazer este tipo de coisa, mas, na santeria ganham direitos que jamais teriam.
Os ogans principalmente são um grupo muito particular, porque eles tem acesso a conhecimento nas casas de Candomblé, podem circular e participar de círculos mais restrito. Nem todos claro, mas, muitos, acabam tendo um conhecimento acumulado grande.
Essas pessoas no Candomblé nem sempre tinham um espaço relevante em uma casa. Um terreiro não tem tantas oportunidades assim para a pessoa crescer na hierarquia e isso também leva muito tempo. O grupo de egbon é grande o suficiente para ser agraciado com cargos e funções e são pessoa que além de rodantes cumprem uma longa jornada de tempo e obrigações.
Para muitos, conhecimento não é tudo, tem também que vir junto da vaidade e do reconhecimento. Existem aqueles que acreditam que podem ser ou fazer mais ou os que não estão dispostos a seguir regras e hierarquias.
Dessa forma Ifá é um porto certo no qual eles podem seguir “carreira” e se tornarem um “Baba”, com casa e afilhados, coisas que dentro da ética e moralidade religiosa jamais poderiam atingir no Candomblé.
Ifá será assim um grande legitimador de ambições. Junta-se a fome com a vontade de comer. As pessoas buscam um espaço e encontram cubanos e nigerianos secos para venderem isso para eles.
Mas existem 2 grupos que podem ter alguma decepção, os homosexuais e as mulheres. Para estes o Ifá cubano não reserva muitas opções. Mulheres serão apetebi e os homosexuais não serão Bàbáláwos. A saída passa então ser a santeria....
Antes de aprofundar nisso vamos a uma explicação mais geral sobre candomblé porque nem todos necessariamente fazem parte.
Existem pessoas que incorporam o orixá, sao seus eleguns, ou, literalmente, como os africanos dizem, o orixa “os monta”. Existem pessoas que não tem essa capacidade, não nasceram para isso.
Do grupo de pessoas que não são eleguns, uma quantidade reduzida será ogan ou ekeji em uma casa. Ser ogan ou ekeji não é sinônimo de não incorporar. Esses nomes são títulos, cargos, que representam escolhas dos orixás e as pessoas recebem cargos nas casas que pertencem.
A estas pessoas serão dadas funções e responsabilidades, será feita a ligação com a casa e muitas terão funções que lidam com liturgias. Lidar com liturgias é algo muito sensível no Candomblé. Poucos são os que aprendem e fazem algo. Muito poucos.
Nem todo ogan é escolhido por um orixá. Existem muitos dirigentes que escolhem pessoas por sua vontade. Sempre foi muito tradicional a escolha de pessoas importantes e influentes na sociedade para esses cargos, com o intuito de ajudarem e protegerem a casa. Muitos ogans representam escolhas do dirigente.
Muitas pessoas aprendem a tocar ilu e viram "ogans" que circulam de casa em casa tocando para quem pague. Tocar o ilu e cantar deveriam ser atividades ensinadas e aprendidas por ogans da casa, assim como ser o asogun ou babalasayin. Seria parte do ofício do ogan na casa, de atribuições.
Existem nas casas então essa tradição de dar cargo de Ogan como uma representatividade simbólica e também existem aqueles que pertencem a comunidade e vão receber funções. Muitas pessoas de fora não sabem disso. Os estrangeiros pouco entendem o que seja um Ogan, eles não tem isso. Tem no máximo o Alabê.
A Ekeji seguem um caminho similar. São pessoas que são previamente escolhidas para esta função, pleo Orixá ou pelo dirigente. Uma Ekeji nunca será uma rodante, um elegun, mas, é uma escolha, um cargo, assim não é sinônimo de pessoa que não roda com orixá, como muitos pensam.
A função da Ekeji é cuidar do Orixá, acompanhar sua preparação, sua performance no salão bem como pode assumir outras funções na casa.
Esses 2 grupos de pessoas, Ogans e Ekejis, são um grupo especial, são escolhidos pelo Orixá e terão funções e privilégios diferentes. Eles nasceram diferentes, não incorporam com Orixá e o próprio Orixá os colocou em uma posição especial. Por princípio eles respondem ao Orixá e não ao dirigente da casa.
Mas apesar disso nem sempre eles vão poder fazer tudo o que querem e ter a importância que acham que merecem. Nunca terão o mesmo status de um rodante ou de um dirigente. Haverá sempre o grupo que vai estar fortemente integrado nas atividades e obrigações da casa e que por isso jamais vão pensar em deixar a casa, mas, outros poderão achar que poderiam ser algo mais. É esse grupo, o dos frustrados, é que vai para o Ifá.
Ifá passa a ser uma opção para legitimar aquilo que eles não tem ou que não nasceram para ter.
Ai, quando a gente observa que, pessoas que no nosso culto de orixá não nasceram para ter o direito de fazer liturgias de Orixá e que também não vão ter o direito de serem Bàbáláwo, acabam virando Santeros, sacerdotes de orixá como os Babalorixás, fazendo liturgias de iniciação eu fico chocado.
Está claro que ou o Orixá errou ao escolher aquela pessoa ou essa tal de santeria é uma coisa café com leite, uma vez que a pessoa não pôde ser sacerdote no nosso culto de Orixá porque não e rodante, não pode ser Bàbáláwo também e pode ser Sacerdote Santero?
Será que ser Santero é uma consolação? Ou será desprovido de critério?
No Candomblé você não pode dar o que não tem, dessa forma, a pessoa para ser Babalorixá ou Iyalorixá tem que ser rodante. Só um rodante pode fazer outro rodante.
Como confio nos Orixás e também eu respeito muito a Santeria, e já conheci Santeros respeitáveis e distintos (também já pesquisei um pouco em literatura sobre eles), eu acho mais prudente manter uma distância em relação a prática aqui no Brasil.
Porque, no fim a gente tem que decidir se ou o Orixá acertou ou o “Santo” acertou. Prefiro ficar com os primeiros.
Mais recente eu observo também um outro tipo de grupo que procura as iniciações de Ifá. São pessoas que se dizem de Candomblé ou de Umbanda que buscam iniciações para da mesma forma legitimar o que elas não fizeram. Não fizeram as obrigações que deveriam fazer no culto de orixá, ou não adquiriam o direito para exercer determinada função pelo culto de orixá e procuram Ifá para comprarem uma iniciação e passarem a ter uma filiação.
As pessoas de Umbanda dificilmente se adaptam ao rigor do Candomblé. Tem no Ifá e na Santeria uma ótima fuga para adquirem um status que não tem sem se submeter a nada.
Procurar os cubanos e Nigerianos é fácil, com dinheiro se compra tudo deles.
Nós brasileiros temos que ficar atento. Os estrangeiros estão competindo no mercado de iniciações, ebós e venda de feitiços e amarrações como os locais já fazem. Eles não trazem nada de especial em termos de ética. Para procurar eles tenha sempre muito cuidado e atenção, o mesmo que deve ter com os nossos nativos.
Texto anterior da sequencia cuidados que devemos ter em relacao