Pesquisar este blog

quarta-feira, setembro 23, 2015

Texto sobre o Igba


Leitores, existem textos de todo o tipo neste Blog. Eu sugiro olhar a barra à direita, na árvores dos anos e ver os títulos. Existem conteúdos muito bons. Muitos textos são apenas comentários, outros análises, outros crônicas, mas, existem muito que são fundamentos teológicos bem explicados, informação que não vai conseguir em muitos lugares.

O texto à seguir é um desses, sugiro ler com atenção.

Qual o significado de um Igbá?

Qual o significado de um Igbá?

Revisão 2



Na religião Yorùbá, Igbás (awọn igbá) são assentamentos de orixá (òrìṣà). Um assentamento é uma representação do orixá (òrìṣà) no espaço físico, no mundo, no aìyé. Sob o ponto de vista sacro não existem representações humanas de orixá (òrìṣà) as famosas imagens.

A religião Yorùbá não tem imagens para representar suas divindades, o que representa uma divindade é o seu Igbá, ao olharmos um Igbá é como se estivéssemos olhando para a divindade. Secularmente existem representações em forma de desenhos e esculturas mas que são frutos apenas de criatividade de artistas e não tem uso sacro.

Os Orixá (awọn òrìṣà) são adequadamente representados por símbolos e grafismos próprios de cada um e por extensão por outros elementos como folhas, árvores, favas e contas. Mas o Igbá é a sua representação mais adequada.

Vale refazer a afirmação, já explicada em outro material, de que o orixá (òrìṣà) não são elementos da natureza, assim “olhar” o vento não significa olhar para oya, olhar uma pedra não significa olhar para Xango (ṣàngó), olhar para o mar não significa olhar para yemoja, etc..

O mesmo sentimento que um católico tem ao olhar para uma imagem de um santo em sua igreja e altar, o povo de santo tem ao olhar para um igbá. É muito comum as pessoas, nos seus quartos de santo, “vestirem” seus Igbá com suas roupas de orixá (òrìṣà) como se fosse o próprio orixá (òrìṣà). Contudo, igbá são de acesso muito restrito, de uso exclusivamente sacro e ritualístico, não tem visibilidade pública e ficam guardados dos olhos de todos.

Dessa maneira, cada Igbá representa uma divindade através de um continente (Vaso, invólucro, recipiente) e seu conteúdo, e esse conjunto, continente e conteúdo é específico de cada divindade. Esses continentes podem ser de porcelana (substituindo cabaças), barro ou madeira e serão empregados distintamente para cada divindade que ele representa. São usados elementos físicos comuns, como tigelas, sopeiras, pratos, bacias e alguidares.

O iniciado no seu processo de feitura (que é distinto de uma iniciação mas muitas vezes essas expressões se confundem) poderá receber um ou vários Igbá, dependendo do seu status na religião e da própria tradição da casa em conduzir este ritual.

Mas o igbá não é o orixá (òrìṣà) no aìyé. Essa religião não coloca um orixá (òrìṣà) dentro de uma sopeira, não é uma religião animista. O igbá representa apenas a ligação entre os 2 espaços, o espaço físico – aìyé e o espaço espiritual o Orun (ọ̀run). É uma “ponte” entre os 2 espaços. Sua função não é trazer o orixá (òrìṣà) para o aìyé porque os orixá (òrìṣà) já estão presentes em nossa vida o tempo todo, não existe secularismo na religião. Sua função é completamente ritualística.

O igbá é, de fato, dentro de toda a religião Yorùbá uma dos elementos mais importantes e significativos por traduzir a contínua relação entre o Orun (ọ̀run) e o aìyé. Ele representa o reconhecimento da existência do espaço espiritual, o Orun (ọ̀run), e a ligação perene que existe entre os 2 espaços (ọ̀run-aìyé) na forma de um contínuo duplamente alimentado e da circulação, transformação e reposição de axé (àṣẹ). Dessa maneira o seu valor não esta somente na sua existência como instrumento ritualístico, como foi ressaltado no início, mas também no que ele representa.

Toda religião tem símbolos e simbolismos. Uma cruz para os católicos representa muito também: todo o significado da paixão e do sacrifício de Jesus. Assim esse símbolo traduz em sí muito mais do que somente a lembrança da crucificação de Jesus e sim um todo da sua doutrina, poderíamos falar muito apenas olhando para uma cruz. O mesmo vale para um Igbá. Nada é mais sagrado por sí só pelo seu uso e nada pode traduzir tanto da doutrina que cobre a religião Yorùbá como o entendimento da sua função.

O Igbá é uma manifestação de Fé, e por isso um reconhecimento de nossa Fé na religião. De acordo com a metafísica Yorùbá, para tudo que existe no aìyé existe um duplo no Orun (ọ̀run). O Igbá é um elemento de ligação entre essas 2 porções e um instrumento de concentração de energia. É usado para nos ligarmos às divindades, liga o físico à dimensão espiritual, a dimensão aìyé à dimensão Orun (ọ̀run).

O objetivo de um Igbá é potencializar a ligação Orun-aìyé (ọ̀run-aìyé) sendo o instrumento que no aìyé representa o duplo do Orun (ọ̀run). O Igbá está vinculado diretamente a uma pessoa no aìyé mas não a representa e sim ao duplo do Orun (ọ̀run). Como já foi dito ele não armazena um orixá (òrìṣà), ele não é uma lâmpada mágica que esfregamos para dali sair um orixá (òrìṣà). Ele é a ponte de ligação direta entre o aìyé e o Orun (ọ̀run) entre o iniciado no aìyé e suas energias e divindades no Orun (ọ̀run).

Um dos principais usos que se dá a ele é receber os Ebós (ẹbọ), que são sacrifícios de todo o tipo, entendendo que o sentido de sacrifício na religião não envolve o uso de sangue em sí. Um sacrifício por ser qualquer oferenda que vai se converter em axé (àṣẹ). Um Obi é um sacrificio, um Acaça é um sacrifício e pode substituir um boi.

Esse aspecto de participar ativamente de Ebós (ẹbọ) é uma finalidade muito importante, mas não imprescindível. Não se precisa de um Igbá para fazer uma oferenda, mas, todo sacerdote tem e usa os seus para isso. Isso tem todo o sentido, sendo o Igbá um elemento de ligação ou de potencialização dessa ligação como está sendo dito realizar isso junto a eles é fazer esse instrumento funcionar.

Em outro material está muito bem explicado essa questão do Ebós (ẹbọ) mas é importante lembrar que um Ebós (ẹbọ), uma oferenda é uma parte de um processo de transmissão e reposição de axé (àṣẹ) e os elementos utilizados são transmutados em energia, em axé (àṣẹ).

Dessa maneira ao se fazer isso através de um Igbá está se fazendo chegar ao duplo do Orun (ọ̀run) referenciado por aquele Igbá a transmutação da energia dos elementos afins a ele que foram usados no sacrifício.

O ponto que está sendo ressaltado é que o Igbá em um Ebó (ẹbọ) é o instrumento que direciona, potencializa e agiliza a este ase chegar ao Orun (ọ̀run). O Igbá não é um instrumento para “alimentar” o iniciado no aìyé.

O Igbá pode ser coletivo ou individual. Quando coletiva chama-se Ajobó (ajọbọ) e liga uma comunidade a sua comunidade espiritual, ao coletivo que ela representa e a divindade que a protege. Quando individual liga a pessoa ao seu reflexo no Orun (ọ̀run).

Do que é feito um Igbá?


O Igbá é feito usando materiais que estão ligados à divindade que ele representa. Assim o material e o seu conteúdo ajudam a estabelecer a relação, devendo ser utilizados sempre elementos completamente afins com a divindade e que traduzem a matéria original do Orun (ọ̀run). Conhecer essas relações e afinidades é parte do aprendizado de um iniciado durante sua vida e somente aqueles que as conhecem terão verdadeiro sucesso no seu trabalho ritualístico.

O principal elemento dentro de um Igbá é a pedra, o okuta. Acima de os demais componentes ela receberá todo o trabalho ritual de preparação e por essa razão muitos dizem que é a única coisa importante, todo os demais é apenas decorativo. A pedra para os Yorùbá significa a longevidade a existência perene. Os demais elementos fazem parte do enredo do orixá (òrìṣà) de maneira que não são apenas decorativos. Entretanto muitos itens que são colocados em um igbá pode ser meramente decorativos.

Os demais elementos em um Igbá variam entre metais, favas, folhas e outros materiais que remetem ao orixá (òrìṣà) original. O elemento escolhido para o continente do Igbá também terá relação direta com ele. Tudo dentro de um Igbá é feito para traduzir a matéria original do Orun (ọ̀run) que foi materializada no aìyé através do iniciado ou da comunidade que o Igbá representará.

A escolha de cada elemento depende de para quem será feita a ligação. Cada orixá (òrìṣà) tem os seus elementos correspondentes no aìyé. Adornos e enfeites exteriores que apenas agradam ao ego de quem faz não ajudam nisso. O importante é as folhas, as favas, os metais e outros elementos genéricos como os búzios. Entendo que moedas, muito presentes, deveriam ser representadas apenas pelos búzios, que eram dinheiro, mas muita gente coloca mais como um desejo de prosperidade do que um elemento de ligação de fato.

O material do recipiente externo é escolhido entre algumas opções. A cabaça é substituída pela porcelana branca para os orixá (òrìṣà) fun fun, o barro e excepcionalmente a madeira para um orixá (òrìṣà) específico. As cores desses materiais e elementos decorativos vão compor esse conjunto de forma harmoniosa. Para o caso das cores existe muita criatividade. Os Yorùbá reconhecem apenas 3 cores, o branco, o vermelho e o preto. As demais cores são elementos de uma dessas 2 famílias e as representam da mesma maneira. Assim o verde e o azul são elementos da cor preta. O amarelo do vermelho e por assim vai.

Todo Igbá individualizado é composto de um recipiente com tampa (continente) contendo a pedra, okuta, o núcleo do Igbá e os demais elementos com água, óleos e outros elementos líquidos. O igbá sem tampa são usados em assentos coletivos, não individualizados, eventualmente casas e axé (àṣẹ) podem fazer variações disso.

O vínculo Ọrun-aìyé


Uma questão importante quando falamos de Igbá é o que ele traduz de fato e a questão de a quem pertence e o que ele traduz . Como explicado, já extensivamente, é um elemento de ligação e pode ser coletivo ou individualizado, mas, como explicado nunca é o orixá (òrìṣà) no aìyé.

O aspecto coletivo-indivíduo também é uma das características marcantes da ritualística da religião. Estamos todo o tempo lidando com essas 2 faces do divino que é coletivo como todo o divino, mas, para os iniciados, os sacerdotes individualizadas em sua manifestação.

O exemplo mais individualizado possível do divino é o do Igbá ori. Nada é mais próprio, pessoa e individualizado do que um Igbá Ori. Seguindo o que repetimos a exaustão, o Igbá é a representação no aìyé do duplo no Orun (ọ̀run), o ori no Orun (ọ̀run) a divindade pessoal, que está no Orun (ọ̀run) e nos protege, guia nossos passos, abre e fecha nossos caminhos e esta acima de qualquer orixá (òrìṣà) em nossa vida. Não representa o Orì que está no aìyé uma vez que esta resida na própria pessoa. Usamos o Igbá orì para chegar ao Ori no Orun (ọ̀run) o duplo por excelência. No processo que chamamos de Bori a oferenda ao Ori, o processo de reposição de axé (àṣẹ), duas entidades serão alimentadas com axé (àṣẹ) o duplo do Orun (ọ̀run) e o Ori que está no aìyé.

O Igbá Orì nesse processo e durante o processo, é criado e é por excelência o elemento fundamental na execução de um Bori mas pode não mais existir após a sua execução. Uma vez realizado o Bori ele pode ser desfeito, despachado junto com os demais elementos utilizados e oferecidos. Contudo nada impede, como provavelmente na maior parte das vezes, ele ser preservado tornando mais perene e forte o vínculo Orun-aìyé (ọ̀run-aìyé) .

É claro que esse vínculo não se perde quando despachamos o Igbá, da mesma forma que nenhum vínculo de desfaz quando despachamos um Igbá ou não o temos. O Igbá é um instrumento de intensificação disso a ser criado e usado por que sabe o que está fazendo.

Na tradição do Candomblé onde o culto ao Orì se manteve sempre presente e importante não se faz um Bori sem que seja criada a representação no aìyé do Ori. Não me interessa tratar aqui da forma como outras tradições religiosas da mesma base fazem isso porque muitas delas não o faziam e adotaram tardiamente copiando o que viam ou ouviam falar e muito menos o que tradições africanas que perderam a sua origem no processo de cristianização e islamização tendo que buscar em literaturas suas origens. No Candomblé sempre foi feito assim.

Dessa maneira o Igbá Orì é um exemplo vivo, conhecido e forte do que foi dito aqui sobre o que é um Igbá, sua finalidade, seu uso e aplicação prática.

Voltando ao ponto do coletivo individual, no caso dos orixá (òrìṣà), na feitura de um olorixá o processo de ritual é todo voltado para a individualização. Assim, se inicia com o genérico que é o orixá (òrìṣà) e se faz a individualização deste através da ligação Orun-aìyé (ọ̀run-aìyé) para a pessoa, e isso é realizado no momento em que se cria a ligação Orun-aìyé (ọ̀run-aìyé) através do Igbá. Os animais que serão usados, os elementos colocados e dispostos, a ritualística de elaboração. Uma determinada qualidade será feita com o okuta indo ao fogo, etc... A individualização nascerá nesse momento e o Igbá por excelência é a marcação desse caminho, distinguindo assim um assento coletivo de um assento individual através da ligação Ori-okuta. O processo de individualização passará pela ritualística e também por materiais, metais, favas e folhas, específicos daquele orixá (òrìṣà) para aquela pessoa.

Já o orixá (òrìṣà) genérico será ligado através do Igbá genérico aquele que não passará pelo processo de individualização.

Dito isso voltamos ao ponto de que um Igbá òrìṣà criado dentro do processo de feitura não é um Igbá genérico ou coletivo, ele foi individualizado através da ligação Ori-okuta e sempre estará ligado aquele Ori.
Dentro da ritualística devemos lembrar que a pessoa é preparada para ser ele próprio o receptáculo do orixá (òrìṣà), o seu Igbá vivo. Um Ìyawó é um Igbá vivo do seu orixá (òrìṣà). O Igbá físico complementa isso ligando não mais o orixá (òrìṣà) genérico mas sim o orixá (òrìṣà) individualizado no Ìyawó ao orixá (òrìṣà) origem no Orun (ọ̀run) através de uma ligação individualizada, do Igbá individualizado.

Esse aparato físico ritualizado na iniciação deixa de ser matéria ordinária, barro, metal, ou fava e passa a constituir o caminho metafísico para o orixá (òrìṣà). Mas também não é mais uma ponte para o axé (àṣẹ) genérico do orixá (òrìṣà) e sim a sua fisicalização individualida naquele Ìyawó. Assim temos 2 caminhos, o caminho coletivo e genérico e o caminho individualizado. Os Igbá são os instrumentos de amplificação dessa relação entre os 2 espaços e o acesso ao ase de cada orixá (òrìṣà). Todo o processo de equilíbrio e restituição de axé (àṣẹ) passara por eles para ir ao duplo no Orun (ọ̀run) e retornar no aìyé para quem necessita.

Uma pessoa não será dependente de seus Igbá. Acima de tudo a relação desses espaços sempre existirá e jamais estamos não assistidos. Podemos não ter o instrumento de amplificação mas sempre teremos nosso ori e todos os orixá (òrìṣà).

A quem pertence um Igbá?


Um Igbá orì é tão pessoal que jamais deveria ser mantido no Ile, longe de seu dono. Esse Igbá é individualizado uma vez que não encontraremos no Orun (ọ̀run) um Ori coletivo mas sempre individual de forma que ele e só tem sentido e utilidade pelo seu próprio dono. Deveria assim estar junto da pessoa na sua casa. Nos casos em que essa pessoa não tem condições de mantê-lo em casa o Ilê Axé (Ilé àṣẹ) é o lugar natural.

O problema sempre surge em relação aos Igbá de orixá (òrìṣà) que despertam grandes paixões. Esta é uma religião praticada em torno dos orixá (òrìṣà) e seu culto assume demais importância. Deveria ser um culto ao Ori, a família e a ancestralidade mas o culto ao orixá (òrìṣà) assume proporções muito grandes.

Uma pessoa durante o seu processo de iniciação poderá receber um ou muitos Igbás, tudo depende da tradição da casa. Eu entendo que o mínimo que uma pessoa deve ter após sua iniciação seria, o seu igbá orì (que já deveria existir bem antes, muito antes da pessoa se iniciar), o Igbá do seu orixá (òrìṣà) e o Igbá ou assentamento do Exu bara (èṣù bara) do seu orixá (òrìṣà). Este conjunto Igbá Orixá + Exu bara é básico e imprescindível.

A este conjunto básicos outros elementos podem ser adicionados como o Igbá do seu juntó que é o seu segundo orixá (òrìṣà), e os Igbá do seu enredo de orixá (òrìṣà). Deve se entender por enredo o conjunto de orixá (òrìṣà) que formam sua energia no aìyé e isto esta diretamente ligado ao processo de individualização. Assim a quantidade e qualidade dos Igbá que uma pessoa terá como parte do seu “enredo” depende da sua qualidade de orixá (òrìṣà) e de seu próprio caminho na religião, coisa que só é determinado durante o processo de feitura e consultas ao Oráculo.

Algumas casas fazem todos esses Igbá durante o processo de iniciação, outras vão adicionando isso ao longo das obrigações de 1, 3 e 7 anos. Se a pessoa terá Oye de babalorixá (babalórìṣà) ou dependendo o oye que essa pessoa venha a ter, o conjunto de Igbás (awọn igbá) será distinto de pessoas que não terão oye – cargo sacerdotal. Observe que nem todo mundo que é iniciado nessa religião será um babalorixá (babalórìṣà) ou iyalorixá (ìyalórìṣà). A maior parte sera formada de egbons, mais velhos.

Um iniciado em uma casa terá então uma quantidade significativa de Igbás. Mas, a quem pertence isso, a quem pertencem esses Igbás? Digo isso porque todos devem ter conhecimento do problema envolvido na posse de Igbá orixá. Muitas casas não permitem que nunca a pessoa retire os Igbá de dentro dela, nem mesmo quando seria natural que é quando a pessoa completa seus 7 anos.

O mais comum é que após desavenças durante o seu período de Ìyawó a pessoa quera deixar o Ilê Axé (Ilé àṣẹ) e naturalmente queira levar consigo os seus Igbás. Muitos as vezes nem conseguem mais entrar e ficam preocupados tendo deixado para trás seus Igbás devido a eles representarem um ponto de vulnerabilidade.

De fato, todos tem razão. Um Igbá sempre será um ponto de vulnerabilidade, principalmente o igbá ori. Esse jamais deveria estar em um Ilê Axé (Ilé àṣẹ). Mas a primeira coisa que tenho a dizer é tome cuidado com o que faz da sua vida. Nunca entre em nada sem avaliar tudo antes. Tem que conhecer primeiro a casa, o dirigente e as pessoas que frequentam a casa. As pessoas se dão mal porque se precipitam, colocam a vaidade na frente. Assim se a decisão de iniciação for mais consciente os problema serão menores. Segundo não se sai de um Ilê Axé (Ilé àṣẹ) por qualquer motivo fútil. Se foi seu orixá (òrìṣà) que escolheu aquela casa (essa é a tradição, é o orixá (òrìṣà) que escolhe onde quer ser iniciado e não a pessoa) então se submeta aos caprichos de outros. Mantenha o seu respeito e sua individualidade mas vaidade por vaidade a sua deve ser a menor.

Durante uma feitura não existe apenas um processo de individualização existe também um processo de ligação com o axé (àṣẹ) da casa e do iniciador. Um Ìyawó está fortemente ligado a casa e a pessoa que o iniciou. O processo ritualístico leva componentes que criam essa ligação, assim o iniciador considera que aqueles igbá não são independentes, eles adicionaram axé casa e receberam axé da casa. Foram parte de um conjunto. É entendido que seu sentido de existir é dentro daquela casa.

Se a pessoa sair, que faça seus Igbá na sua próxima casa. De maneira que não estamos discutindo a propriedade de louças e barro e sim de asé. Isso é verdade. Se você deixa para trás os seus Igbás, não se preocupe, faça outros no próximo lugar que vai, o orixá (òrìṣà) vai com você.

Eu entendo que o ninguém segura ou fixa um orixá (òrìṣà) na sua casa mantendo o Igbá de um iniciado que se foi. O Igbá é uma individualização e só tem sentido, só tem função junto ao próprio iniciado. Se quiser manter um orixá (òrìṣà) em casa que trate melhor as pessoas.

O Igbá e a morte


Com a morte do iniciado o Igbá deixa de ter sentido. A ligação não mais existe e se você não quer conviver com um egun atrás de você é recomendado que despache tudo junto. Existem pessoas que entendem que se deve consultar o Oráculo para saber se o orixá (òrìṣà) quer ir embora ou não, ou seja, se o Igbá vai ou não no carrego e em vitude dessa consulta muitos Igbá ficam no Ilê Axé (Ilé àṣẹ). Entendo que é um forma de ver isso. Acho mais natural que tudo se vá, não há motivo para se manter um vínculo Orun-aìyé (ọ̀run-aìyé) com um orì que não mais existe no aìyé isso vai contra o fundamento do axexe (aṣeṣe), mas, cada um siga sua consciência e o que aprendeu.

quinta-feira, setembro 17, 2015

A confusão de valores e as tradições afrobrasileiros servindo de instrumento

A confusão de valores e as tradições afrobrasileiros servindo de instrumento

Por Lenny Francis


A CONFUSÃO DOS VALORES: COMO O DEBATE PÚBLICO SOBRE AS TRADIÇÕES AFROBRASILEIRAS VÊM SENDO INSTRUMENTALIZADA PARA A BATALHA POLÍTICA POGRESSISTA DE ESQUERDA.

Há duas grandes vertentes no debate público sobre as chamadas tradições afro-brasileiras. A primeira delas diz respeito ao aspecto cultural, e geralmente parte da premissa de que a religião (com todas as suas nuanças) é fruto da cultura. A segunda vertente é àquela que trata especificamente do Sagrado, do Divino e do espiritual e de suas razões para atuar neste mundo.
Esta primeira vertente que tenta explicar a partir do discurso materialista e social o surgimento, desenvolvimento e transformações destas tradições era, obviamente, encontrada em textos acadêmicos de sociólogos, antropólogos e demais cientistas sociais. Mas este discurso vem sendo transferidos para os membros das religiões conhecidas como candomblé, umbanda e até mesmo o Ifá.
A segunda posição é justamente aquela que vem sendo abandonada no debate público, inclusive quando envolve membros das referidas religiões. Trata-se justamente da migração do discurso puramente religioso para o ideológico/político, onde inicia-se o debate da função social da religião e de como as mesmas, frente as religiões semíticas e cristãs, devem exercer a função revolucionária da quebra de paradigmas.
O que aconteceu foi a instrumentalização pela ideologia de esquerda dos chamados Movimentos Sociais. Estes movimentos incluem o chamado Movimento Negro (e seus derivados: movimentos feministas de mulheres negras, quilombolas, tombamento histórico e cultural de terreiros) e este defende a chamada “identidade negra”. Não minimizo a legitimidade de suas reivindicações, apenas aponto o aparelhamento político destes movimentos.
Este aparelhamento, ao abrir os cofres públicos às ONG’s e aos terreiros (através de verbas de políticas públicas), apostou também na política da vitimização. Esta política coloca cidadãos de bem, responsáveis por suas vidas, como indivíduos inferiorizados que necessitam que o estado os proteja com verbas públicas, ao invés de garantir que as leis sejam realmente igualitárias.
O que houve foi a suplantação do Sagrado Religioso pelo discurso culturalista que passou a tratar a Umbanda, Candomblé, etc. como expressões da cultura negra e não como partes da Verdade transcendente da espiritualidade que nos preenche. Quando você dessacraliza a visão sobre uma religião, você a rebaixa, colocando-a no nível de qualquer atividade profana do cotidiano imanente (de visão completamente materialista que só leva em consideração esta realidade material).
O discurso protagonizado por pessoas que são ligadas a religião de Umbanda, Candomblé e Ifá, estão deixando de ser transcendentes (um dos únicos blogs que fazem o discurso público original – pois existem aqueles que só copiam trabalhos e textos de outros – voltado a questões transcendentes e justifica a atuação neste mundo a partir deste discurso é este Blog e seu incansável Exército de Um Homem Só, Marcos Arino) e passando a ser imanentes e com o comprometimento com a ideologia progressista de esquerda: a defesa da legalização do aborto, a defesa da liberalização do consumo e legalização da produção das drogas, a desestruturação das famílias (com a interferência estatal na família e da desconstrução do papel da mulher na família), a total inversão dos direitos humanos (pois passam a ser apenas direitos das chamadas “minorias” ou dos criminosos em detrimento das vítimas), etc.
Tudo isso defendido publicamente por pessoas que se dizem fieis e praticantes de tais religiões e que nada tem a ver com o Sagrado destas tradições.
Para resumir os motivos de tais discursos imanentes:
- A relativização das virtudes e das verdades transcendentes por consciências distorcidas (conforme demonstrei em um texto anterior);
- A dessacralização da religião em um discurso puramente cultural e social (como apontei acima);
- Dinheiro público jorrando a rios no aparelhamento de ONGs, o que atrai os sanguessugas mau intencionados e os idiotas úteis (o sujeito que não faz ideia do que ele está defendendo, mas o faz, porque o discurso ideológico o convence sem que ele pare para analisar suas premissas históricas – o que em si só é possível graças ao desenvolvimento de uma consciência distorcida).

Agora me respondam: Olodumare, os Orixás, Ifá e as entidades de Umbanda querem que defendamos o aborto, o fim da família tradicional (que não tem inicio com o cristianismo – falarei disso em outro texto também), o uso e distribuição livre de drogas e a total perda das virtudes humanas?  

terça-feira, setembro 15, 2015

Ifá, Candomblé e Umbanda

Ifá, Candomblé e Umbanda



A diferença entre eles


A Umbanda



Este texto inicia pela Umbanda porque ela, sem dúvida ainda é a manifestação mais importante e disseminada na sociedade brasileira. Ela sofre muitos problemas de autoestima e é necessário desconstruir algumas certezas e pensamentos antes de comparar ela com as outras 2.


Matriz religiosa

Em primeiro lugar, não posso deixar de fazer uma qualificação religiosa. Ifá e Candomblé fazem parte da mesma religião. Se referem a mesma teogonia, a mesma cosmogonia e a mesma teologia. São cultos diferentes da mesma religião, mas, se dedicam a dar maior importância a aspectos distintos, entretanto, tem muita coisa em comum, claro, afinal são parte da mesma religião.

E que religião é essa? Não tem um nome específico. È chamada de religião Yorùbá, ou religião tradicional Yorùbá. Ela teve origem junto ao povo Yorùbá, que é uma região da África que hoje não tem um país separado, ela ocupa parte do Benin e parte da Nigéria. Lembro que fronteiras civis estabelecidas pelos europeus quando ocuparam a África, não tem relação direta com as fronteiras étnicas e tribais.

Esta religião foi trazida para o novo mundo (Américas) em função da diáspora negra.

A Umbanda é outra religião. Não tem nada em comum com o Candomblé e muito menos com Ifá. Eu fiz um longo texto sobre a Umbanda neste site que explica isso, e vou reeditá-lo, mas o que importa aqui é que se trata de outra religião. O crescimento da Umbanda a partir do Rio de Janeiro (teve origem em Niterói) acabou com os cultos de macumba bantu que haviam no Rio de Janeiro, o baixo-espiritismo, que eram muito ruins em todos os aspectos. Eles acabaram posteriormente se transformaram em Umbandas, agregando a eles a estética afro. A estética afro na Umbanda, com tambores foi tardia e não é uma generalização.

A Umbanda iniciou sem ligação com as práticas africanas dos Bantu, essa estética foi incorporada a ela tardiamente e podem existir até hoje casas que não as adotem. Foi uma adoção seletiva e sem vínculo com teologia. Isso fez com que as pessoas pensassem que a Umbanda era afro-brasileira - Não é.

Encontramos de forma consistente uma ligação da Umbanda com a religião católica em relação a teologia, isso é inequívoco e com traços do Kardecismo. Esses traços não tornam a Umbanda uma continuação do Kardecismo, pelo contrário, o Kardecismo em sua literatura recusa a Umbanda, basta ler com atenção os livros de Kardec para perceber que a prática que a Umbanda faz é condenada com veemência por Alan Kardec. Qualquer tolerância ou ligação de um com o outro é apenas por iniciativa humana, se você se focar na obra de Kardec a Umbanda é inaceitável.

A Umbanda não é espiritismo, é Umbanda mesmo.

O uso da teologia católica é bem comum na Umbanda. Como eu citei a Umbanda se adapta facilmente a muitas religiões, como a teologia católica é muito conhecida e por isso mesmo a mais facilmente adotada. |Muitos podem achar estranho essa flexibilidade da prática da Umbanda se adaptar a mais de uma religião, contudo a essência da Umbanda é a assistência às pessoas, a chamada caridade e não a educação religiosa.

Como o espírito criador da Umbanda explicou quando lhe perguntaram o que era a Umbanda, ele resumiu bem “A Umbanda são os espíritos em terra fazendo caridade”. A frase é de uma grande simplicidade mas resume bem o objetivo da Umbanda.

Umbanda x africanos

Assim, revisando, além de minha informação inicial de que a Umbanda é apenas brasileira e não afro-brasileira, baseando isso na história da própria Umbanda, eu expliquei que não existem elementos reais que liguem a Umbanda a uma origem afro-brasileira. A única coisa que traz isso foi que, como eu já citei, casas e pessoas que no Rio de janeiro da primeira metade do século passada praticavam a tal macumba carioca e o baixo-espiritismo e acabaram tendo que se transformar em “umbanda”.

Esse conflito entre a Umbanda que se formava e esses macumbeiros Bantu (que faziam um trabalho da pior espécie) foi o grande conflito ou tema que dominou o segundo congresso de Umbanda no Rio de Janeiro. O Congresso acabou com um acordo de pacificação no meio para chamar todo mundo de Umbanda e não usar mais as expressões “umbanda pura” ou “umbanda branca” para distinguir as casas que não seguiam essa linha Bantu.

Absorver o grupo o baixo-espiritismo bantu foi um mal necessário, foi ótimo acabar com esse tipo de prática, mas trazer eles para a Umbanda foi complicado, eles trouxeram muita coisa ruim junto, incluindo os “sem trabalho” e “sem instrução” que vivem de feitiços e enganações. O grupo étnico Bantu, apesar de numeroso na África não tem e não teve nada a adicionar a sociedade ocidental. No processo da diáspora negra, eles foram os primeiros a vir mas foram literalmente esquecidos. Eram considerados pouco inteligentes, pouco hábeis, baixa evolução social e cultural e com a chegada dos Yorùbá foram totalmente superados.

Os Bantu acabaram deixando de lado a sua fraca cultura e absorveram a dos Yorùbá. Os Bantu é o grupo que mais pode ser associado e animismo e fetichismo. Mais uma vez, lamento às pessoas que se aborrecem com esses comentários, mas, eu não invento nada. O grupo Bantu despertou pouco ou nenhum interesse de antropólogos e pesquisadores, simplesmente porque tem pouco adicionar.

Lembro também que o primeiro congresso de Umbanda definiu que a origem da Umbanda não era africana, de forma que não existe nenhum sentido em classificar a Umbanda como uma religião afro-brasileira. Isso já foi alvo de polêmica e acusações de preconceito, a mim pareceu inicialmente preconceito, mas, quando eu fui obtendo mais informações sobre o contexto histórico e social eu entendi. A África que eles não queriam se relacionar como origem é a África Bantu, eles não tinham a menor ideia do que era o Candomblé e o grupo Yorùbá.

O que ocorreu posteriormente foi o contrário, o grupo Yorùbá passou a influenciar a prática da Umbanda. São duas correntes muitos fortes, uma é a Umbanda que tem uma força incrível e a outra o grupo Yorùbá que em todo lugar que foi se tornou preponderante e principal. Pode até ser a junção da Umbanda e da tradição do grupo Yorùbá resulte em uma coisa boa.

Para entender a Umbanda, o mais importante é entender a história da Umbanda, entendendo a história a gente compreende o que era e como chegou ao que é hoje.

Nesta altura muitos devem estar se perguntando: qual o objetivo dessa avaliação Umbanda x africanismo? Simples, é importante para quem se interessa pela Umbanda ou quer entender ela, que em primeiro lugar entenda o que ela é. Isso passa também por entender o que ela não é, a Umbanda é uma religião brasileira, não é uma religião afro-brasileira.

Alguns podem se decepcionar outros ficar mais tranquilos, existe reação e gosto para tudo. O importante é entender os fatos e a verdade.

A Umbanda é a Umbanda. Ela não é o espiritismo Kardecista e muito menos tem vínculo com ele. Ela não é afro-brasileira. Tenho certeza que essas 2 afirmações causam o mesmo espanto. Para entender isso melhor leia o texto sobre Umbanda nesse BLOG.

Assim se você se interessar ou procurar a Umbanda, não entenda-a através desses 2 rótulos. Esses rótulos fazem mal a Umbanda. Por que? Simples, as pessoas que acham que ela tem relação com o espiritismo Kardecista vão se assustar com as diferenças e podem não entender. As pessoas que acham que ela é relacionada com o Candomblé vão se decepcionar com as diferenças. Em ambos os casos vão esperar uma coisa e encontrar outra, a decepção é certa.

O Supernatural – Os Guias

O processo de “incorporação de espíritos”, que caracteriza a Umbanda, não é africano, e muito menos espírita, é algo que ocorre de vários aspectos e formas em todo o mundo. Além disso, como todos devem saber a Umbanda é centrada na figura do Caboclo, o índio brasileiro, em muitos lugares eles são os personagens principais e os “donos” das casas. Esses caboclos não são personagens africanos.

Eu faço sempre um comentário, que não é no sentido pejorativo, de que a Umbanda é muito “teatral” no que diz respeito a seus guias, incorporações, formas de se vestirem e falarem. Isso é muito característico em algumas casas sendo que outras buscam uma linha mais natural, eliminando isso. Não vejo problema em nada disso, ser mais um menos teatral, é uma opção da casa, pessoalmente prefiro um trabalho mais limpo e menos teatral, que valorize mais o conteúdo do que as aparências, os guias devem se valorizar pelo que falam e não como se vestem e portam.

Essa questão de formato e teatralidade não deve assustar as pessoas ou mesmo impressionar, são questões humanas. As pessoas devem prestar atenção é no conteúdo, significado e utilidade do que eles falam e não como se apresentam. Isso não é uma regra da Umbanda e cada casa tem seu padrão.

A Umbanda tem um amplo conjunto de guias. Esse conjunto não tem limite, pode crescer ou diminuir e os guias podem ser vistos, entendidos e agrupados de formas distintas. A Umbanda tem uma conceito de linhas e falanges que é bem flexível, houveram algumas iniciativas de estabelecer um padrão e uma codificação mas não foi amplamente aceite. Foi parcialmente aceite e amplamente customizada.

Nesse conjunto de guias, apenas um deles de fato faz referência a origem africana, que são os pretos velhos, contudo, observem, não são africanos, são pessoas que nasceram no Brasil e viveram aqui, não lembro em muitos anos de Umbanda de ter conhecido algum preto velho que fosse “africano”. Apesar deste tipo de guia remeter a uma memória africana, quando falam eles apenas se referenciam a sua vida no Brasil, isso é absoluto, não existe África na Umbanda. Além disso existem inúmeros outros tipos de guias e nenhum deles tem qualquer vínculo.

Também encontramos na Umbanda os ditos “orixás” que seriam associados aos ORIXAS originais africanos, presentes no Candomblé. Essa é uma associação teatral. Esses orixás na Umbanda não tem nenhuma similaridade com os do Candomblé. São diferentes em tudo, inclusive na incorporação, são essências totalmente distintas. Eu vejo essa associação como uma infelicidade, não era necessária e tira a identidade da Umbanda, mas, sem dúvida, ela existe de fato. A maior parte dos participantes não tem a menor ideia do que são os Orixás ou o Candomblé.

Os guias da Umbanda não são nem santos da igreja católica e nem Orixás do Candomblé. Essa associação é estética e sincrética e não deve ser levada a sério. Existem pessoas que juram que os guias de Umbanda são os tais santos da igreja católica assim como outros juram que são os orixás do Candomblé. Esses 2 grupos estão igualmente errados, são igualmente ignorantes e não podem ser levados a sério.


As pessoas que entendem de Umbanda mesmo sabem e explicam que esses guias chamados de “orixá” são na verdade CABOCLOS. São um tipo de caboclo de um nível hierárquico superior, mas, são caboclos, se comportam como caboclos, falam e dançam como caboclos.

O que vamos encontrar na Umbanda, como explicado, são espíritos, chamados de guias que incorporam em médiuns para que, manifestados desta forma, conversem com os frequentadores dando lhes orientação psicológica e se comprometendo a resolver alguns problemas que essas pessoas tenham e venham trazer a eles. O contato dos frequentadores com os guias é direto.



A prática da Umbanda

Após falar longamente sobre o que não é a Umbanda finalmente vamos falar do que é a Umbanda.

O guia na Umbanda é o núcleo de tudo. Ele é o sentido de toda a prática. As pessoas vão na Umbanda para conversar com guias, esses guias trazem as informações e orientações que as pessoas buscam. São eles que se comprometem em socorrer as pessoas. Quando se vai a uma Umbanda vai-se para conversar com os guias. A qualidade ou utilidade de uma casa de Umbanda é diretamente ligada a qualidade dos guias que trabalham nela.

Este é um modelo muito diferente do Candomblé onde o núcleo é a figura do Babalorixá ou Iyalorixá. Os demais membros da comunidade do Candomblé giram em torno dele em funções colaterais. Não se vai em um Candomblé para falar com um Orixá de algum médium, aliás nem existe a palavra médium, são eleguns.

Na Umbanda existe uma descentralização do trabalho e da importância, cada guia pode fazer a diferença, dependendo apenas da experiência do médium, do tempo de prática dele, da dedicação e outros comportamentos positivos. Podemos ter até mesmo guias e médiuns que tenham tanta importância quanto o dirigente da casa.

O dirigente da casa sempre será importante pela sua experiência e conhecimento e seus guias poderão ser sempre muito procurados e lembrados, mas, a prática da Umbanda é descentraliza. A casa estabelece um formato, valores, ética e rumo mas guias poderão evoluir e ganhar importância.

Esse modelo é impensável no Candomblé. Em uma casa de Candomblé, só o dirigente fala, só ele dá ordens, só ele atende pessoas e ele sempre tem a razão em tudo que faz e diz.

Não entendo como um médium com anos de prática na Umbanda e com guias experientes e respeitados jamais vai conseguir se adaptar a uma casa de Candomblé. Não encontro jeito disso acontecer.

Mas a principal questão que todos devem querer saber é, o que as pessoas procuram ou obtêm em uma casa de Umbanda através desses guias?

- Tudo o que você pode obter também no Candomblé e em Ifá.

É isso mesmo.

Veja, a Umbanda é uma religião, de forma que, a visão religiosa do mundo a visão transcendente também é encontrada nela, assim como pode ser encontrada no Candomblé. Os guias têm como objetivo ajudar às pessoas com orientações e também gradativamente mudando a forma de pensar e de reagir. A Umbanda faz mudanças profundas nas pessoas.

O mesmo tipo de orientação que você pode encontrar no oráculo do Candomblé você também vai encontrar através dos guias. Os guias de Umbanda, de Caboclo a Exu não estão ali para fazer trabalhos a troco de dinheiro. Esta é uma visão equivocada.

Na Umbanda, você encontra religião nas palavras dos guias. Na Umbanda você encontra informação, orientação e conselhos nas palavras dos guias. Na Umbanda o oráculo são os guias, eles falam o que você vai encontrar em uma mesa de búzios ou de cartas e te dão a oportunidade de perguntar e entender. Na Umbanda os guias não dizem o que você deve fazer, eles te ajudam a escolher.

Para aquelas pessoas que preferem conversar sobre os problemas, que tem dúvidas amplas que precisam ser esclarecidas, que preferem tratar diretamente dos problemas sem intermediários que ficam interpretando, a Umbanda é a opção.

Os guias estão no centro de tudo.

Tenha certeza de que na Umbanda você poderá contar com ajuda para resolver problemas da mesma forma que encontra no Candomblé ou Ifá.

Na Umbanda você encontra ética e respeito. Você encontra valores elevados. Tudo isso esta a seu alcance basta procurar uma boa casa, assim como no Candomblé e em Ifá. Em nenhuma dessas 3 opções existe garantia de qualidade, você tem que procurar.

Mas a Umbanda tem limitações. Existem informações que somente Ifá pode dar à pessoa. Existem certos tipos de trabalhos e liturgias que também são mais indicados para Candomblé ou Ifá. Quando isso ocorrer, a própria Umbanda te orienta, mas, observem, o mesmo vale para as demais, existem coisas e informações que a Umbanda traz melhor e com mais precisão e elas deveriam te recomendar a ir a uma casa de Umbanda.

Por que ir a Umbanda e não ao Candomblé e a Ifá?

Não é difícil responder, afinal a Umbanda fala a sua língua, lá ninguém fica o tempo todo te confundindo com bobagens e palavras que eles nem mesmo sabem o que significa. A questão é, porque você procura uma religião? Isso fica em primeiro lugar. Você não deve ir a uma religião para comprar soluções. Se você acha que Umbanda é uma casa de trabalhos e de ebós esta indo ao ligar errado, é acima de tudo um lugar de transformação pessoal.


segunda-feira, agosto 31, 2015

Ifá, Candomblé e Umbanda

Ifá, Candomblé e Umbanda

A diferença entre eles


Introdução



O objetivo deste texto é mostrar diferenças entres essas 3 práticas religiosas. São 3 correntes distintas que convivemos e existe um aspecto que acho relevante abordar. Existe uma curiosidade de pessoas que seculares, que não fazem parte delas, por elas e uma natural confusão do que se tratam e também existe uma certa curiosidade interna de pessoas entre elas.

Eu vejo essas 3 como opções muito diferentes e distintas, não existe de fato mobilidade entre elas e desta forma decidi colocar minha opinião. Não escrevo por popularidade e sim por informação e sem dúvida, pessoas que já pertençam a alguma delas poderão discordar da minha visão. Eu lembro que isso é normal, opinião cada um tem a sua. Eu manifesto e explico a minha, quem tem essa capacidade e tempo que o faça também.

Eu me sinto com propriedade para falar deste tema porque tenho uma relação longa e íntima com as 3 correntes religiosas, além disso uma relação bem resolvida e carinhosa. O objetivo de escrever é porque vejo pessoas que se interessam por todos, ou que são de um deles e se interessam pelo outro ou mesmo que fazem parte de vários. Assim, seja para quem está dentro ou para quem está fora tentarei colocar uma luz religiosa e prática nessa visão.

Minha visão sempre passa por Ifá, claro e não tenho pretensão de me aprofundar aqui na relação que as pessoas sustentam entre Umbanda e Candomblé. Já produzi alguns textos sobre isso que devo inclusive republicar, como tenho feito. Creio que já expliquei que muitos bons textos foram publicados por mim neste Blog, apesar de estarem na barra de histórico que fica à direita, nem sempre as pessoas pesquisam nela, dessa maneira, de tempos em tempos eu retomo os textos mais antigos, com assuntos interessantes, faço uma revisão e atualização do conteúdo e republico.

Falar sobre esse assunto não é uma tarefa simples para quem quer ser objetivo. Existe a visão de quem não pertence a nenhum desses cultos e quer saber o que são, tem a visão de quem está em um deles e quer saber sobre o outro, tem a visão da teologia em si e outras mais. Espero ser bem-sucedido e decepcionar uma quantidade menor de pessoas.


Mas, vamos ao nosso tema.

quarta-feira, agosto 19, 2015

Perguntas & Respostas (2)

Perguntas & Respostas (2)


A seguir, perguntas que foram encaminhadas por email e que estarei respondendo aqui no Blog


A pergunta a seguir foi enviada por email (ogbeogunda@gmail.com)


Odus, a bem pouco tempo soube a respeito de Odus e  oque era, hoje se fala muito a respeito mais de uma forma temerosa, como?
Temos que cuidar de Odus?
De que forma?
Temos como ativa-los mesmo que sem querer?
E se estamos negativo no odu, como dar caminho, limpeza, ebó,enfim.

R. Eu publiquei um texto sobre Odù negativos no Candomblé

Odùs negativos no Candomblé

Este texto aborda sobre isso. Sugiro ler.

Odùs são bençãos de Olodumare, não existe temor ou medo associado a eles. Eles não te trazem nada de ruim, você já tem aquela situação em sua vida, o Odù traz é a solução para ela. Em Ifá dizemos que o Odù pode te trazer bençãos (positividade) ou trazer a remoção dos seus problemas (remover a negatividade que você já tem).

Pessoas que não sabem ou não entendem o que é Odù falam dessa forma como você descreve. O texto do link anterior fala sobre isso. Usam Odù para vender serviços que eles não tem. Não caia nessa bobagem.

Com eu digo no texto, ouço essas pessoas falando de Odù como se fosse uma coisa do mal, uma coisa terrível. Não é isso. Eles estão usando o desconhecimento das pessoas para colocar medo nelas e ganhar dinheiros com eles.

Criam medos para vender facilidades.

Você também não tem que cuidar de nenhum Odù. Se você vai a Ifá, sempre recebe um Odù como resposta a consulta, na verdade o Babalawo utiliza vários Odù para analisar sua consulta e não apenas um. Mas aquilo é temporário, vale para aquele momento de sua vida.

Através dos Ebós, ou não, o Babalawo vai direcionar a energia do Odù para o seu benefício. Contudo isso se encerra ali. Ponto. Outra consulta, outros Odùs.

Não existe Odù feito por data de nascimento e você não vai estar ligado a nenhum Odù. Odù não é ativado, assentado e muito menos cuidado.

Nos 2 links a segui isso fica bem claro

Assentamento de Odù no Candomblé 

O que é Odù?

Não jogue dinheiro fora com essas pessoas.que não sabem nada.


Meu orixá de cabeça é xxxx, como vou dar comida a ele, tendo que desembolsar R$ 300,00 todos mês???
Como cuida-lo.
Adoro o Candomblé, mas da forma como ele tem sido tratado aqui, fica complicado.
Um culto tão belo..

R. Veja, realidade complicada essa mesma. Essa não é a visão de uma religião. 

O Candomblé é uma religião, sem dúvida, essas casas e pessoas que você procura e te tratam dessa maneira, como uma cliente não são religiosas. Elas podem ser de Candomblé, entender de Candomblé, mas, elas são apenas mascates em volta da religião.

Religião são valores, ética, moral, é uma proposta de vida. Quando você vai na missa o padre cobra 300 reais para te dar a hóstia ou assistir a missa?

Pois é. Não confunda religião com exploração de pessoas.

Uma casa de Candomblé deveria ter cerimônias públicas, deveria ter liturgias comuns, deveria distribuir axé para as pessoas, resgatar a esperança na vida delas. 

As casas de Candomblé se transformam apenas em um lugar no qual uma pessoa, mais esperta, se declara Babalorixá ou Iyalorixá, abre um balcão e coloca o jogo de búzios em cima dele para cobrar a conta. Lembrando uma frase que o Edir macedo falou, essas pessoas devem usar como lema: "Se Orixá é o caminho eu sou o pedágio".

Inclusive não existe para elas diferença entre Cliente e filho de santo. Filho de santo é um cliente cativo. Aliás, religião onde existe a palavra "cliente" para designar alguém que vai la não pode prestar.

Veja, esta não é uma religião de oferendas, de trocas. É uma religião de amor, de fé, de valores elevados e de ética. 

Você não tem que fazer oferenda o tempo todo, muito menos pagar R$ 300,00 para alguém fazer uma oferenda ao seu orixá.  Se o orixá é seu, você nasceu com ele, ele está sempre junto de você como um anjo da guarda. Todo mundo tem Ori e orixá tomando conta dela, você não precisa de intermediários e muito menos essas divindades precisam comer.

Não caia nessa bobagem.










quarta-feira, agosto 05, 2015

Sobre o texto de Orixás e elementos da natureza


Este texto está sendo republicado porque tem novas inclusões de informações e uma mudança na sua estrutura. Tudo isso feito para facilitar a leitura e dar informações objetivas.

Eu sugiro paciência para ler. É um bom texto e resumo de muita pesquisa. Aborda de forma séria o tema.

Serão os Orixá (Òrìṣà) elementos da natureza ?

Serão os Orixá (Òrìṣà) elementos da natureza ?

Revisão 4

NÃO! ELES NÃO SÃO!!

Este texto é um pouco extenso, mas, trata de um assunto importante que principia o entendimento desta religião. Apesar de extenso ele tem muita informação, da forma como foi estruturado, quando mais você ler mais você vai saber sobre o assunto, mas em qualquer ponto que parar você já vai ter entendido a minha posição.
A motivação de eu escrever sobre este assunto é que existe um conceito generalizado que associa os òrìṣà (orixá) a elementos da natureza no sentido literal (e não figurado) de forma que cada òrìṣà (orixá) é dito ser um elemento da natureza.
Esta, é uma bobagem que está sendo repetida milhares de vezes e que com isso acabou virando uma verdade para muitos, principalmente aqui nas tradições da diáspora. Estou aqui dando minha contribuição para acabar com isso, porque, depois de me debruçar sobre esse assunto, analisando referências teológicas e, mais ainda, versos de Odù, eu tenho uma opinião completamente divergente e gostaria de apresentar aqui.
Assim principiando, pessoas quando questionadas sobre a religião ou mesmo sobre òrìṣà (orixá) iniciam afirmando que o Candomblé é uma religião ligada da natureza e que os òrìṣà (orixá) são a própria natureza ou, elementos grandioso desta natureza, como água, terra, pedra, fogo, trovão, vento, etc….
Isto está errado. De fato não são muitas pessoas que conhecem bem a religião e essa tem sido a saída mais fácil para as pessoas responderem aquilo que não sabem. Não precisa fazer muito esforço, vai ser muito fácil encontrar este ideário em livros ruins e na internet em textos copiados e mal produzidos.
Assim, repetindo o posicionamento deste texto, pessoas descrevem para outras que os òrìṣà (orixá) são os elementos da natureza, mas, isso é um engano. Esta é minha posição e vou explicar aqui neste texto.
A minha conclusão após avaliar esta situação é que este erro ocorre por diversos fatores. O principal é que é fruto de um sincretismo religioso, equivocado, entre religiões que não guardam semelhança. É uma forma equivocada de compara ou tornar equivalentes diferentes religiões feito por pessoas levianas. Por fim, e mais importante ainda, é uma parte do grande processo que houve, inclusive entre os ditos estudiosos, de desprezar a religião Yorùbá e em função da dificuldade ou do preconceito para entendê-la de fato.
Podemos encontrar e ter que aceitar uma posição, por exemplo de que os òrìṣà (orixá) seriam ancestres, pessoas que foram divinizadas e desta forma pais da nação Yorùbá. Podemos também entender que mesmo em vida eram pessoas poderosas dotadas de forte poder mágico e que os permita manipular alguns elementos primários da natureza, mas, jamais podemos confundir os òrìṣà (orixá) com elementos da natureza.
Alguns podem neste momento questionar: Por que estou eu aqui querendo questionar isso? Minha resposta é simples, para que se possa de fato entender o que é esta religião e entender a sua proposta para tornar melhor a vida das pessoas.
Eu não tenho dúvida que entendendo o cosmo Yorùbá esta compreensão fica muito mais simples, assim como ficaria muito mais simples eu falar sobre esse assunto, mas, não podemos transformar este assunto em uma novela, de maneira que o Cosmo Yorùbá fica para outra oportunidade.
Mas, é importante entenderem que na religião Yorùbá existe uma divindade suprema, que esta acima de tudo e de quem vem toda a criação e manutenção dos seres viventes, ela é Olodumarê, o deus Yorùbá. Abaixo dele existe todo um mundo espiritual com divindades de diversos tipos e hierarquias. Um tipo muito especial e que nos interessa são os òrìṣà (orixá). Estas divindades têm como objetivo nos ajudar em nossa vida no mundo natural.
Nossa ligação com os òrìṣà (orixá) é muito íntima e todos temos na formação do nosso corpo físico um pedaço de um òrìṣà (orixá) que se torna então o nosso òrìṣà (orixá) e um dos nossos protetores. Temos, todos, um protetor principal que é uma divindade pessoal, que aqui no Candomblé chamamos de Ori. De fato, como muitas palavras Yorùbá, Ori. serve para muitos significados, mas, entendamos que um dos significados é de uma divindade pessoal e nossa protetora maior.
Em relação aos òrìṣà (orixá) existem 2 tipos principais. Existem os que são os òrìṣà (orixá) da criação, que já existiam antes do mundo natural ser criado por Olodumarê (da Gênese). Existem também os òrìṣà (orixá) filho, ou eborá, que surgiram depois e que normalmente são seres humanos divinizados. Sim, é muito importante entender isso. O ser humano por suas obras e importância para sociedade pode ser divinizado e se transformar em um òrìṣà (orixá), com mesmo status dos òrìṣà (orixá) da criação.
Ao se transformar em òrìṣà (orixá) ele irá também fazer parte do corpo das pessoas que nascem no mundo natural.
Aqui temos mais um conceito para entender, os Yorùbá entendem que existe um mundo espiritual que é um reflexo no mundo natural. As pessoas vivem no mundo espiritual e ciclicamente nascem (encarnam) no mundo natural. Ao nascer aqui elas necessitam de um corpo, esse corpo é produzido por um òrìṣà (orixá) e recebe elementos que vai individualizá-lo tornando cada indivíduo único.
Nesse processo de individualização o òrìṣà (orixá) fará parte. Assim, nosso espírito vive no mundo espiritual de forma independente de òrìṣà (orixá), mas, quando nascemos aqui no mundo natural um deles fará parte íntima de nossa existência e de nossa proteção para que possamos viver e atingir os nossos objetivos para essa vida.
Esses elementos que são agregados ao nosso corpo físico (orixá, Odù, Ori, alma, caráter e ancestralidade) nos transformam na pessoa que somos.
Nesta concepção errada que fazem de òrìṣà (orixá), Xangô virou o fogo e o trovão. Oyá virou o vento e o raio. Óxun virou a água. Os demais não sei bem o que viraram, essa criatividade sem pé nem cabeça para mais ou menos por ai. Mas a correspondência que esses malucos fazem de òrìṣà (orixá) e elemento da natureza é falha e confusa por si só.
Então veja, quem entende alguma coisa de òrìṣà (orixá), sabe que Ṣàngó (Xango) é um eborá, um òrìṣà (orixá) divinizado e não um dos òrìṣà (orixá) originais assim. Como ele poderia ser o fogo, o trovão ou um vulcão, que são elementos que existem desde o início dos tempos? O vento é ọya (óia) ? Mas ela também é divinizada, assim, o vento já existia antes dela ela, e ela não poderia ser o vento, uma força da natureza. Na Nigéria a sua história esta associada com um Rio. Ọ̀Ṣun (Oxun) é uma irúnmalẹ̀ (irunmalé) um òrìṣà (orixá) original da criação e poderia sim estar ligada com a água, mas ser a água? Jamais, ele está na realidade intimamente ligada com outras qualidades. Por fim, sem exaurir o estoque de bobagens, as pessoas dizem que Ọ̀Ṣàlá (Oxalá) é o ar, por que?
Nunca encontrei isso nos versos de Odu. Não existe nenhum lugar em versos que eu tenha lido, e já li muitos que faça uma mínima correlação disso.
Isso mais parece uma brincadeira de ligar coisas da coluna da direita com a da esquerda, assim coloque os òrìṣà (orixá) que você conhece na esquerda e os elementos da natureza que você conhece na direita, ligue agora um com o outro. Provavelmente vão faltar coisas de um lado e de outro ou mais de um estará ligado a mesma coisa. O que estou dizendo em palavras bem simples é, isso é uma bobagem.
Uma outra forma de ver òrìṣà (orixá) é através de uma divisão no qual existe 401 orixás da direita, que são forças boas e 201 da esquerda que seriam forças malévolas. O que significa essa frase? Vamos em partes. Primeiro entender Yorùbá não é apenas pegar um dicionário e traduzir. Existem muitas expressões e situações que fazem parte do povo e da cultura e que não se traduz, se explica.
Yorùbás não tem aritmética, números são substantivos. Para eles 200 não significa o número 200. O número 200 nesta frase significa o mesmo que “muita coisa” isso porque 200 é uma quantidade muito grande de coisas para se ter ou contar. Os Yorùbá não estão dizendo que existem 200 òrìṣà (orixá), eles estão dizendo que são muitos.
O número 400 quer dizer que existem muito mais divindades do bem do que do mal. Dessa forma, repetindo eles querem dizer que existem muitas “da esquerda” e muito mais ainda “da direita”.
E o número 1? O que significa? Ele quer dizer que esta quantidade não é precisa e que sempre está aumentando, sempre pode ter mais um, pelo processo de divinização.
Feita essa introdução vou ao ponto de dizer que na religião Yorùbá não existe um “Panteão” de deuses. Não é igual à religião grega que existem uma quantidade e qualidade específica de deuses com finalidades definidas. A quantidade de òrìṣà (orixá) varia e mais, é indefinida. O número é indeterminado pela simples razão que não faz a menor diferença a quantidade ou quais são.
Não existe esta definição usada aqui no Brasil de seriam 16. Por algum motivo histórico qualquer se estabeleceu que seriam 16, o que não é verdade, e que eles seriam fixos, todas as pessoas estariam relacionadas a um desses 16.
Isso não é uma verdade nesta religião! Não existe esta regra ou dogma.
Eu sempre tento separar muito bem o que seja a religião Yorùbá e o Candomblé, respeitando que nossa tradição pode ter tomado rumos distintos na sua prática e formato, mas, existe uma teogonia e teologia básica e dogmas que devem ser respeitados, senão isso não é uma religião é uma coisa qualquer.
Não existe no modelo religioso Yorùbá uma predefinição de quem são ou quantos são os òrìṣà (orixá). Podem ser mais ou menos, cada região que defina.
O Verger, que não era antropólogo e sim um fotógrafo francês rico fez um grande trabalho para nós quando mostrou o que havia na África de fato e jogou por terra um monte de literatura ruim. Ele estudou e documentou muita coisa mas não quer dizer que tivesse a maior propriedade de tratar de todos os temas. Ele disse que a religião Yorùbá era um politeísmo. Estava errado. Ele poderia ter usados várias classificações, essa, sem dúvida, era muito ruim e ajudou essa questão de panteão.
Pesquisadores observaram que o modelo adotada na região Yorùbá era mais próximo do que se pode chamar de um “monoteísmo justaposto”. Luis Nicolau Parés no seu ótimo livro “A formação do Candomblé”, coloca que “baseado na análise de Orikis dos òrìṣà (orixá) e dos versos de Ifá, Mckenzie concluiu que, fora o caso de Xango, Obatalá e a tríade de Ifá (Esu-Orunmila-olodumare), os cultos de òrìṣà (orixá) não apresentam quase nenhuma alusão verbal a outras divindades, sugerindo um relativo separatismo entre eles e a ausência de um panteão fixo ou estabelecido”.
Bingo!
Assim cada região ou aldeia praticamente tratava do culto de apenas 1 divindade, isso caracterizava um modelo quase de monoteísmos justapostos no qual vários “monoteísmos” se sucediam à medida que se caminhava pela geografia. Esta e uma explicação complexa e não definitiva, mas, serve para mostrar o tipo de prática que se encontrava lá.
Mckenzie foi muito preciso na sua observação, bem como na de que era Ifá quem trazia em seu corpo e prática a teogonia e teologia que dava estrutura à religião. O culto diário, a prática das pessoas era de fato a prática da religião de òrìṣà (orixá) e o modelo Yorùbá não se estruturava como montamos a nossa diáspora.
Quando buscamos outros autores sérios como Baba Tundelawal podemos ver que apesar de diferenças nas práticas regionais, nos nomes e na forma a estrutura religiosa Yorùbá se espalhava igualmente por toda a região Yorùbá. Cultos mudavam de nome, òrìṣà (orixá) trocavam de nome mas o espírito da coisa, a finalidade era a mesma e havia o Ifá unindo tudo isso.
Luiz Marins, pesquisador brasileiro fez sua tese classificando a religião de Orixaísmo evitando assim enquadrar a religião Yorùbá em uma das denominações existentes. Eu mesmo já abordei esse tema antes de ver essa definição de Mckenzie, fiquei feliz em ver que minhas observações e ilações não eram únicas e também divergentes do Verger e de outros que se somam chamando a religião de politeísta, considero que essa é a pior definição. Não cheguei ao ponto do Luiz Marins mas coloquei minha visão.
O processo de agregação de òrìṣà (orixá) foi tardio, foi feito pela diáspora e retornou para a origem. Aqui no Brasil certamente houve uma grande influência do Jeje para esse modelo. O Jeje diferente do modelo Yorùbá possuía um panteão, ou melhor alguns panteões. Esses panteões se combinavam, uniam e incluíam divindades de fora. Uma casa combinavam muitos Voduns. Ortodoxia nunca foi o forte no Jeje mesmo na África.
Na verdade era um modelo religioso bem menos consistente, mais disperso e mais primitivo do que o modelo Yorùbá. O modelo Yorùbá foi importado no início do século XVIII e enxertou a religião deles com Ifá, com a divindade suprema e com egungun, tudo isso ausente da religião jeje e estabelecida tardiamente como parte do modelo.
Aqui no Brasil o modelo Jeje só se manteve porque ficou à sombrada teogonia e do modelo litúrgico Yorùbá, dificilmente iria ter uma relevância maior sozinho.
A junção e agregação de várias divindades foi fruto da diáspora e da convivência com o Jeje que tinha uma abordagem completamente anárquica para tratar essa questão de divindades.
Na teogonia Yorùbá, quem traz a tríade Olodumarê-orunmila-esu é Ifá. É através dele que essa tríade passa a ser conhecida. No âmbito da vida das pessoas o que você via lá eram òrìṣà (orixá). Para se entender o modelo religioso tem que se olhar o conjunto, iniciando com a visão de Ifá que é quem estrutura o cosmo e a religião e buscando os cultos como de orixá e egungun, além de manifestações adicionais como Gelede e Ajé com aspectos colaterais.
Esta visão de conjunto monta o entendimento da religião, mas, se você analisa apenas o dia a dia das pessoas e comunidade, como Verger o fez poderia entender que é um politeísmo. Mas essa é a apenas uma visão fragmentada do todo, Verger nunca viu o conjunto como uma religião.
Dessa forma o modelo Yorùbá não tem panteão e não suporta de forma alguma a designação de òrìṣà (orixá) como elementos da natureza. O agrupamento dos òrìṣà (orixá) em um mesmo espaço foi um fenômeno da diáspora e da formação da nossa tradição religiosa, o Candomblé.
Essa é uma visão muito onírica dos òrìṣà (orixá), um sincretismo com a religião greco-romana e com religiões europeias, como a bruxaria tradicional, wicca, etc….
O preconceito é a raiz disso tudo. As pessoas não esperavam encontrar uma religião complexa junto a um povo simples, como os Yòrúbas, assim, elas avaliaram superficialmente a religião e fizeram associações dela com outras que eles conheciam.
Essa ligação de uma divindade com os elementos da natureza existe em algumas tradições religiosas, muitas delas politeístas puras de fato, que não é o caso da religião Yorùbá. A mim parece mais uma forma de sincretizar a religião africana com formas politeístas e animistas seja por preguiça ou preconceito.
Por esta razão, dizer que os òrìṣà (orixá) são as forças da natureza como eu canso de ouvir é o mesmo que dizer que Ṣàngó (Xango) é São Jerônimo, Ọya é Santa Barbara, Ògún é São jorge. É o mesmo que ouvir babalorixá explicando a vida e a reencarnação usando a doutrina espírita.
Além desta explicação inicial que já pode ser suficiente para muitas pessoas vamos aprofundar a análise desta questão dividindo o assunto em partes e explicando cada uma delas.
Primeiro vamos falar sobre a responsabilidade do sincretismo nesse processo. Depois vamos tratar da influência do entendimento incorreto da cosmogonia da religião. Vamos comentar um pouco sobre o problema gerado por estudos ruins feitos por antropólogos e estudiosos e, por fim, vamos falar um pouco do cosmo Yorùbá para situar o entendimento de todos no modelo que eu considero adequado.
Como sempre lembro que tudo o que é escrito aqui representa a minha opinião, representa a minha análise sobre o que eu estudei e vivencio e estou muito longe de me considerar o dono da verdade ou mesmo infalível.
A ORIGEM DOS ORIXÁ (òrìṣà) SEGUNDA A RELIGIÃO YORUBA
Eu vou fazer uma abordagem tradicional e bem direta sem rodeios e nem invenções. Minha referência são os versos do Odù oxétuwa.
Esta religião tem um corpo literário que não é muito conhecido aqui no Brasil e no Candomblé. O conhecimento religioso esta registrado em versos que são divididos em 16 capítulos. Cada capítulo corresponde a um Odù. Assim são 16 Odù e cada Odù tem um conjunto variável de histórias contadas em versos. Podemos dizer que cada Odù pode ter até 16 histórias, em versos e tamanhos diferentes que podem ir de poucas linhas até páginas.
Isso é o corpo literário de Ifá (Ifá didivination poetry ou Ifá LiLiterary corpus). Esses versos contêm as informações sobre a religião. Tudo o que se diz da religião deve ter referência em um verso e Odù.
Como eu disse para vocês algumas palavras em Yorùbá tem vários significados. Este, o de serem os capítulos do corpo literário de Ifá é um dos significados para Odù.
O grande problema Yorùbá era que eles não tinham língua escrita. Foram os europeus que criaram uma representação escrita para o muito simples e por isso complicado idioma tonal Yorùbá. Por esta razão o corpo literário de Ifá era guardado por pessoas, Babalawo que dedicavam sua vida a decorar esses versos. Somente no século XX é que houve um intenso trabalho voltado para registrar esse corpo poético em gravações e em registro escrito, para evitar que se perdesse, mas, em função da colonização e escravagismo, muito já se perdeu.
A referência que usarei para explicar porque os Orixá não são elementos da natureza porque não tem esta função é um verso do Odù Oxétuwa. Eu não vou registrar aqui o texto, é bem extenso mas está no blog no link a seguir.
LINK
Eu recomendo que seja lido, ele contêm inúmeros conceitos e fundamentos importantes. Este texto foi extraído originalmente do livro Os Nago e a Morte, mas, existe em outras obras de autores diferentes, incluindo o Nigeriano Wande Abimbola. Essa é uma versão que está no Blog é completa com inserções de outras versões que eu li.
Dessa maneira, este texto é confiável.
A história narrada se temporiza após a gênese. O mundo já estava criado e sendo populado por Olódùmarè, a alta divindade suprema Yorùbá. Em outra oportunidade abordamos a Gênese segundo a religião Yorùbá.
Neste Odù fica claro que Olódùmarè criou o mundo, populou-o com os homens e enviou os òrìṣà (orixá) para poderem ajudar os homens na sua vida, na superação das dificuldades.
Eram 16 e havia somente uma mulher entre eles, Óxun, que representa o poder feminino original.
Desta forma, se os òrìṣà (orixá) foram enviados para suportar os homens de calamidades naturais, os Ajogun, não poderiam eles mesmos serem os próprios elementos da natureza, conforme a visão das religiões pagãs europeias.
Este Odù estabelece uma distinção muito clara entre as divindades de Olódùmarè, suas funções e a natureza, desvinculando um de outro.
Na religião Yorùbá as divindades são chamadas de Irunmole. Um subgrupo dos Irunmole são os òrìṣà (orixá). Os òrìṣà (orixá) estão ligados a nós, mas, existem divindade, Irunmoles que não estão ligados a nós.
Dentro do grupo dos òrìṣà (orixá), existe ainda a divisão deles em 2 tipos de orixás. O primeiro grupo são os orixás originais, divindades da criação, que já existiam na Gênese e faziam parte do grupo de 16 que foi enviado por Olódùmarè. O outro grupo são os ancestres divinizados, pessoas, homens, que ganharam muita importância e relevância junto ao povo de foram divinizados, se transformaram em Orixás.
É importante entender que as pessoas humanas, homens e mulheres podem ser divinizados e se transformarem em òrìṣà (orixá). Por essa razão as pessoas fazem parte de um grupo privilegiado no cosmo Yorùbá, como vocês vão ver quando eu explicar isso.
Assim, vamos fazer uma revisão do que eu disse até o momento. No texto do Odù Oxétuwa, que vocês DEVEM ler, está claro que Olódùmarè enviou os òrìṣà (orixá) para suportar a vida humana na terra, devido às muitas dificuldades que as pessoas iam encontrar aqui. Esta abordagem, documentada em versos de Odù completamente confiáveis, desvincula completamente os òrìṣà (orixá) de serem elementos da natureza, porque o mundo já estava criado e eles foram enviados depois, junto com a humanidade.
Além disso o conjunto de divindade Yorùbá não é formado por um grupo fixo, pré-determinado e cada um com funções específicas. Existiram os primeiros 16 que foram enviados para criar o mundo, mas, existem muito mais Irunmoles do que esses 16. Os òrìṣà (orixá) representam um subconjunto dos Irunmole e eles são vinculados a nos suportar.
O conjunto de òrìṣà (orixá) não é finito. Ele pode ser composto por divindades originais mas, também, por humanos que devido a sua relevância se divinizam e se tornam òrìṣà (orixá).
Tomemos por exemplo as divindades femininas que tiveram uma origem comum somente em um Orixá, Óxun, a única que estava na criação. Oya que muitos consideram como sendo o vento não poderia o sê-lo porque ela é claramente um ancestre divinizado, e o vento já existia antes dela. Antes de Oya ser divinizada junto com Xangô o vento da existe a milhares de anos e nunca prescindiu de Oya que era apenas uma mulher.
Oya (Ọya), bem como todas as divindades femininas são cultuadas e associadas com o elemento água. Assim Óya esta ligada ao Rio Ògún e Óxun ao rio com seu nome, Yemanja, outra divindade bem conhecida, também está ligada a um rio, Olokun ao mar, as ajé são as que possuíam os 7 rios da terra na sua criação, Iyewa também a água e até Nana que nem é Yorùbá esta ligada a água. Observe então que existe uma tendência dos Yorùbá associarem divindades femininas a rios, não necessariamente a água.
O elemento água, especialmente esta ligado a Oxun, é o único elemento que sozinho pode gerar e sustentar a vida e está associado sempre a existência de vida. Tudo isso tem origem em Oxun.
Se a água é um Orixá, qual ele será? Não a água não é um orixá.
Ṣàngó (Xango) é dito ser o fogo, mas a real ligação dele com o fogo foi a capacidade que adquiriu de manipulá-lo, o que também foi feito por Ọya segundo um mito conhecido por todos no Candomblé. Ṣàngó (Xango) também está associado com trovões e raios, sim, mas por manipulá-los porque ele é considerado a justiça de Olódùmarè, ou a sua ira, e joga os raios contra pessoas que de tão ruim que foram não merecem mais viver. Igualmente após a sua morte o mito diz que ele jogou raios contra as pessoas que diziam que ele tinha se enforcado.
No mito da criação, a terra foi criada por Olódùmarè e só havia a água. Ele deu a bolsa da existência contendo os elementos que seriam plantados e depois espalhado para formar a terra. Depois de tudo criado, conforme o Odù oxetuwa os òrìṣà (orixá) foram enviados para suportar a vida ensinando os homens a se relacionar com o divino.
Os elementos, a terra, a vegetação, foram trazidos do Órun pelos Orixás da criação.
Assim sendo o que ocorre é que os òrìṣà (orixá) como representantes ou intermediários de Olódùmarè e os homens passaram a ter poderes sobre determinados elementos da natureza, que eles trouxeram, que vão desde a água a doenças, mas, isso na sua forma controlada e organizada e não na sua forma violenta.
Uma coisa é ter controle sobre uma coisa na sua forma suave outra é ser ou ter controle total. Assim por mais que se faça uma oferenda um furacão, um tsunami, um terremoto e uma seca não poderão ser evitados. Essa é uma manifestação descontrolada da força da natureza, os òrìṣà (orixá) ajudará os homens a se prevenir ou superar as consequências disso.
Isto está descrito no texto do Odu Oxétuwa e coloca um ponto final nesta relação.
A ORIGEM DO PROBLEMA NO SINCRETISMO RELIGIOSO
Uma das principais fontes para essa interpretação é o sempre danoso sincretismo religioso. É assim, as pessoas não querem pensar, não querem estudar, não querem entender, então simplificam comparando com alguma coisa que conhecem.
Este capítulo aqui é um pouco extenso e denso em informações, mas, é muito importante para entenderem de onde veio alguns preconceitos sobre a religião Yorùbá.
Podem acreditar que, não existe nada que eu tenha lido ou ouvido, de autentico da religião, e quando digo isso me refiro a versos de Ifá, que remeta a ligação de òrìṣà (orixá) como sendo um elemento da natureza.
Vou me explicar adiante quando falar diretamente sobre isso, mas uma das origens disso, sem dúvida é o sincretismo, mal feito, com as tradições pagans da Europa, em geral, incluindo a Grécia, religiões politeístas, na qual o panteão dos deuses dessas tradições era associado com comportamento, especialidades e elementos. A própria palavra “panteão” que, hoje em dia, é ainda largamente usada para o caso Yorùbá é uma palavra que se aplica a religiões politeísticas, o que não é o caso da religião Yorùbá.
Estas religiões, de fato politeístas, tinham uma característica comum que era a de dedicar cada um dos seus deuses a uma especialidade. Isto era necessário porque os deuses representavam o mundo que viviam e não uma divindade transcendente. Nas tradições politeístas, não existe uma divindade maior que origina ou controla o todo com poder superior às demais, cada divindade ou deus tinha que ser responsável por um aspecto do universo. Assim a unidade era, na verdade, formada pelo conjunto de todos.
Essas religiões ou cultos criavam uma divinização que representava o mundo em que viviam. De uma maneira bem lúdica, o mundo era o divino e assim cada coisa dele em vez de ter uma ordenação natural ou científica era regido pela vontade de um deus. Este modelo onírico substituía a ciência na explicação dos fatos que nos cercavam e requeria bastante trabalho das pessoas no culto a muitas divindades para terem uma vida tranquila. Você tinha que agradar a um exército de deuses para evitar problemas, uma vez que você não tinha um protetor próprio nem uma hierarquia, qualquer deus, uma força da natureza poderia interferir no ambiente, inclusive contrariando outro.
Isso fazia da vida das pessoas uma coisa muito trabalhosa, ainda mais porque a natureza era bastante imprevisível. Dessam forma poderia sempre haver um deus-natureza insatisfeito ou ofendido com qualquer coisa e trazendo prejuízos a você ou a sua comunidade. Não é a toa que esse modelo foi facilmente superado pelo modelo das religiões atuais, com um divino unificado e transcendente.
O poder dos deus-natureza era dividido e não havia preponderância de uma divindade sobre a outra, exatamente como na natureza, onde uma força conflita com outra. Uma poderia fazer ou desfazer o que outra fez e o homem devia prestar algum tributo a todas se quisesse ter paz na sua vida. O modelo também não integrava o homem ao divino.
Este é o modo da natureza, as forças se equilibram pela harmonia ou pelo conflito. Claro que a existência de cada deus estava associado a necessidade de alguém controlar alguma coisa e por isso a necessidade de muitos deuses. O sentido da palavra panteão, que é usado incorretamente para a religião Yorùbá, é este, esta vasto conjunto de deuses controladores da ordem.
Este modelo de religião, politeísta, bastante ancestral e lúdico, é bastante ultrapassado no contexto da civilização humana, tanto que foi abandonado sendo trocado não por uma religião em especial mas por muitas outras que ofereceram um modelo muito mais humanista, centrado na figura do homem.
O modelo politeísta é superficialmente conhecido por todos. As pessoas de fato não entendem as suas implicações. Conhecem suas histórias e narrativas mas não se aprofundam de fato na questão da relação divino-homem. Por esta razão não compreendem porque ele não se aplica religião Yorùbá.
Existe também a simplificação que as pessoas fazem sobre o conhecimento. O mundo é complexo, são muitas forças atuando, pensamentos diferentes, filosofias conflitantes ou complementares. Entender o meio que vivemos, sejam as pessoas ou a sociedade é bastante complexo. Contudo as pessoas fingem que são inteligentes e buscam simplificações para que possam se passar como cultas.
A maior parte das pessoas só consegue lidar com conceitos binários ou ternários e dessa forma fazem uma similaridade estúpida de uma religião com outras baseadas em 2 ou 3 características. Infelizmente as coisas são mais complexas que isso e é muito reduzido a quantidade de pessoas que consegue trabalhar com modelos conceituais e filosóficos.
Classificar a religião Yorùbá dentro deste modelo, politeísta, somente porque existem muitas divindade (e não apenas uma) e entender que essas divindades são forças da natureza porque a religião é exercida na natureza, é desprezar a sua complexidade e atualidade.
Claro que algumas coisas, além da ignorância e da preguiça mental aceleraram esse sincretismo da religião Yorùbá com as antigas correntes politeístas. Na África eles observavam o povo colocando oferendas em pedras, árvores ou em rios e conduzindo ritos em rios, morros e florestas. Então, a conclusão de muitos foi bastante óbvia, esses africanos cultuam pedras e rios..... As divindades que eram homenageadas ficaram então associadas com aqueles elementos ou como se fossem os deuses-natureza.
Poucos se deram ao trabalho de fato de entender porque aquilo era feito e qual o significado daquilo. Somem nisso o desprezo por uma sociedade tribal e a impossibilidade de entender uma língua estranha. Junte isso ainda ao uso de métodos e ética científica inadequada e teremos como resultado o que foi feito. Simples e ao mesmo tempo bastante estúpido. Isso levou os europeus a taxarem as religiões de animistas e de politeístas.
Mas, estamos no século XXI e não mais no século XIX.
Como eu tenho repetido é uma forma de preconceito com o povo e a sociedade africana, desprezando a sua capacidade de gerar uma religião equivalente às demais ocidentais e orientais. O modelo politeísta dos deuses-forças-da-natureza, não se aplica a religião Yorùbá.
OS CATÓLICOS E O PAGANISMO
Uma das coisas que complicou bastante o entendimento das pessoas a cerca das religiões foi a hegemonia do modelo cristão no ocidente, com a extinção de outras religiões, não pela supremacia de um modelo teológico mais confortável para as pessoas e sim pela perseguição da espada.
Para tornar as coisas mais complicadas, como parte deste processo e emburrecimento, a igreja católica criou uma denominação genérica e sem nenhum significado real, de PAGÃO, para qualquer outra religião que não fosse Abraâmica, ou seja, que tivesse origem em Abraão o patriarca que gerou as correntes do Judaísmo, cristianismo e islamismo. Estas 3 religiões competem pela posse do mesmo deus e tem a mesma origem. Os Judeus não reconhecem mais ninguém, afinal eles é que são os escolhidos. Os cristãos, que nasceram judeus, reconhecem uma das partes do judaísmo que é o antigo testamento e por fim, os muçulmanos, os mais recentes, século VII, reconhecem tudo das anteriores, inclusive Jesus, mas não a trindade católica.
Dessa maneira ao longos dos últimos séculos, eles tem se matado e a outros inocentes, sempre em nome do mesmo deus sanguinolento, Jeová.
Para os Cristão, que dominaram o mundo à força da espada, aliás como também o fizeram os judeus no seu tempo, o que não era católico era Pagão. Eles só não tiveram coragem de chamar os Judeus de Pagãos, mas criaram o termo herético, para aqueles que divergissem da interpretação teológica oficial de Roma... Assim, pagão, não tem significado religioso, significa tudo o que não e católico.
Os abraâmicos consideram o seu deus, Jeová, o único, e defenestram qualquer outro tipo de manifestação religiosa. A partir do século XV a igreja católica baniu toda as praticas que mostrassem similaridades com simpatias, encantamentos e feitiços. A igreja medieval era totalmente esotérica, mas para se afastar disso eles baniram completamente essas práticas, de modo a poderem a partir do século XV dominar os seus fiéis através do temor ao mal, ao diabo e a perseguição ao pecado.
Estudiosos do aspecto do Mal na religião correlacionam o surgimento da força do diabo com a necessidade de um controle mais rigoroso da sociedade pela forma política, uma vez que, esse temor (ao diabo) e domínio (o pecado), não existiam anteriormente. Igualmente isso coincidiu com os papas generais, guerreiros que literalmente com a espada na mão construíram a Igreja que conhecemos hoje.
O próprio celibato, que não havia, dizem, foi devido a igreja passar a ter posses. Eles não queriam se envolver em disputas judiciais com esposas de padres, bispos e papas. Enfim, a força da reforma, de Lutero e Calvino, obrigou a igreja a mudar sua posição e adotar políticas mais ativas e restritivas ao seu clero.
No centro de todo este conflito ficaram outras religiões, politeístas ou não, que tinham uma interpretação diferente da divindade e dos seus poderes e de outras que não eram politeístas, mas, não eram abraâmicas. Essas religiões, todas em um mesmo saco, passaram a ser então a tradução da palavra paganismo.
A igreja, usando o princípio, que já expliquei, da estupidez humana, simplificou bastante a forma de entender as religiões. O que não era monoteísta era politeísta, e mais, somente estes 2 modelos se aplicam a uma religião. Além disso, como as religiões não são iguais e apresentam variações sutis no seu divino, basicamente as únicas religiões monoteístas existentes são as abraâmicas, as três que tem origem no mesmo deus. Neste critério de classificação todas as demais são politeístas, pagans e por isso mesmo atrasadas.
No ponto de vista católico, Pagão é sinônimo de ruim, atrasado, politeísta e monoteísta é sinônimo de bom, de puro, de elevado.
Essa simplificação teológica foi ótima. Se encaixou nos objetivos políticos do papado e na estupidez das pessoas.
O REFLEXO DISSO NO BRASIL E NO CANDOMBLÉ
Em função deste contexto a religião africana, no geral, e no nosso caso o Candomblé, ganhou o cunho de paganismo e seus Deuses, tipicamente ancestres na sua origem, viraram forças da natureza.
Entretanto, não existe nada que de valor a isso. No caso do Brasil, para piorar, o kardecismo francês criou toda uma visão espiritual própria que posteriormente a Umbanda se ligou a ela. Como a Umbanda erroneamente (tão errada como usa nomes de santos para seus guias ela usa nome de Orixás do Candomblé. Ambos sem nenhuma relação) se ligou a Orixás, essa mistura confundiu mais ainda as pessoas.
Assim, o Candomblé virou pagão e politeísta. A Umbanda que é uma religião brasileira e não tem vínculo nenhum com a religião Yorùbá, virou parte da tal matriz africana e misturou o kardecismo na sua bagunça teológica. Por fim o Candomblé passou a ser tratado pelas próprias Iyalorixás como uma seita enquanto elas passavam a pertencer a irmandades católicas, a religião verdadeira.
O mal entendimento do Candomblé passou por essa associação histórica de coisas malucas, e, também, por pessoas como Nina Rodrigues que nada sabiam de Candomblé e que passaram a escrever como se tivessem alguma autoridade sobre o assunto. Tudo isso acabou colocando as religiões não cristãs, no Brasil, em um mesmo saco, furado, de ideologia espírita.
Em função da lastimável e miserável formação religiosa dentro do Candomblé, estes conceitos de força da natureza, espiritismo e seita, se estabeleceram dentro do próprio Candomblé. Os Babalorixá e Iyalorixás, apesar de terem a propriedade para falar, mas, sem qualquer capacitação passaram a repetir esses conceitos que lhes eram impingidos pela sociedade culta.
Os que não gostam de ver eu dizer que a formação religiosa do Candomblé é deficiente devem observar que o acesso a mitos ou poemas de Ifa é restrito ou inexistente. O hábito de discutir teologia no Candomblé não existe. Você não consegue juntar 3 babalòrìṣà (babalorixá) sem que seja para eles rasgarem seda entre eles ou brigarem entre si. Poucos estão dispostos a colocar em questão o que sabem ou o que pensam, exceto se for uma cátedra onde ele fala e outros ouvem.
Essas pessoas normalmente não são preparadas para, falar em público, discutir suas teses, dirigir pessoas, lidar com desafios verbais e até mesmo orientar o aprendizado de pessoas. São muitas vezes pessoas muito boas, agradáveis e com conhecimento das suas liturgias.
Existe uma dificuldade na formação de sucessores. Pior, as pessoas não se preparam e se capacitam para ter uma casa. Existe uma legião de pessoas com pouco ou nenhum acesso a conhecimento que mesmo assim, sem legitimidade ou capacidade abrem casas e passam a ser autointitular de sacerdotes e representantes da religião.
É claro que essas pessoas, sem terem aprendidos com os seus mais velhos, tem que se virar com algo ou com o que tem. É neste campo que essas concepções idiotas florescem. O que mais vemos é pai de santo, metido a besta, que responde perguntas usando os conceitos do kardecismo-espirita. Mas, afinal, eles vão dizer o que? Que não sabem?
É claro que a vertente conhecimento não é o forte do Candomblé. A vertente forte é a devocional, a fé. Para isso você não precisa saber o que é, você sente o que é e você também acredita porque sente e vê. A resposta mais comum para quando se pergunta uma coisa do tipo o que é o Candomblé ou o que é o òrìṣà (orixá) ou qualquer coisa de aspecto mais teológico será algo que começa com “eu amo meu òrìṣà (orixá)...” e por ai vai uma torrente de expressões de sentimento e fé. Isso reflete o que ela sabem, e elas sabem o que sentem.
Esse é o jeito pelo qual esse tipo de sincretismo é aceito e prolifera. Assim como os africanos fizeram no passado com os antropólogos, as pessoas sabem o que é, elas sentem o que é, e se esta definição, de elemento da natureza satisfaz o inquisidor, que o seja. Isso não impede entretanto que em espaços ou oportunidades como essa a gente possa visitar ou revisitar questões como essa, ou a reencarnação ou o conceito de nascimento e destino, as proibições, etc... evitando assim que da nossa própria boca saia coisas como o Karma.
É claro que saber ou não o que parece certo não faz uma pessoa fazer melhor um santo do que outro. àṣẹ (axé) e roncó é outra coisa, mas, não tem nada demais a gente poder tratar dos assuntos com outra base.
A questão do POLITEÍSMO e do MONOTEÍSMO
Em termos de definição para uma religião ser politeísta, segundo Paul Tillich (systematic Thelogy, Vol. I):
Politeísmo é um conceito qualitativo e não quantitativo. Não é uma crença em uma pluralidade de divindades e sim a falta de uma instância unificadora e transcendente é que determina a sua característica.
Não importa a quantidade de divindades e sim a qualidade delas e de sua relação. Em uma religião politeísta não existe uma divindade superior as demais, todas tem o mesmo poder e não existe assim uma força reguladora do conjunto.
O Candomblé, como muitas outras, não é politeísta porque existe uma relação bem clara de hierarquia entre Olódùmarè e as demais divindades. Assim, possuir divindades, originais ou divinizadas não transforma uma religião em politeísta, senão, o catolicismo com seus santos e sua trindade também o seriam, mas ninguém ousa fazer isso.
Em função de preconceito, conforme eu já me expliquei anteriormente, as religiões abraâmicas tem esse interesse histórico em diminuir e marginalizar as demais religiões. Como eu já expliquei e estou apenas lembrando, todas as religiões que não são cristãs, são denominadas pagãs. Assim, eles, de forma ignorante, simplificam essa discussão a um modelo muito singelo. Tudo ou é monoteísta ou é politeísta, baseado no modelo de referência deles. Se é igual ao modelo deles, é monoteísta. Se é diferente então é politeísta. É o binário burro.
O maior problema ao tratar do assunto religião na sociedade é que o preconceito domina essa a conversa toda a ponto de as pessoas que não gostam da abordagem cristã, elas mesmas, sem saber o que dizem, afirmam que não fazem parte de uma religião monoteísta.
Claro, porque o modelo de escolha que é imposto deixa pouca margem para discutir. As religiões cristãs querem apenas dar prosseguimento ao preconceito histórico contra as outras correntes religiosas e chamam todas as demais de politeístas.
Isso não é correto. Mas também não é uma ofensa como essas pessoas querem afirmar. Sim, na visão delas, uma religião "boa" é a monoteísta. O politeísta não é colocado como um atributo e sim um defeito.
Mas existe um outro aspecto também tão ruim quanto esse. A maior parte das pessoas, ignorantes no assunto, prefere aceitar sua religião ser chamada de seita e dizer que é politeísta. Duas coisas menores na visão dos cristãos.
Para os cristãos, seita é uma coisa menor um pedaço da religião verdadeira, e isto está correto uma vez que o termo nasceu do judaísmo onde as seitas são tradições que divergem da interpretação tradicional das suas escrituras.
Politeísmo remete ao velho testamento, quando os próprios judeus adoravam deuses zoomórficos, na forma de animais como o carneiro. Isso, para eles, era um episódio negro e assim politeísmo é um pejorativo.
As pessoas do Candomblé devem entender que ao aceitarem serem chamados de seita ou de politeísta pelos cristãos não estão apenas sendo classificados erradamente. Estão sendo ofendidos e diminuídos.
O Candomblé e a religião africana não são politeístas. São Henoteístas, mas, isso não importa. O que estou dizendo aqui é que entender religiões é coisa complexa, mas, o que é feito hoje em dia com essa dualismo monoteísmo-politeísmo que foi imposto pelos cristãos é apenas preconceito. Não existe respeito ou inteligência nesta discussão. As pessoas não sabem o que estão falando e isso também não interessa.
As religiões abraâmicas são as únicas monoteístas e nem por isso são melhores do que outras religiões. Existem muitas formas de classificar uma religião, politeísta é apenas uma delas e se aplica a um grupo muito restrito.
As pessoas foram induzidas a achar que uma religião é monoteísta (boa) ou politeísta (ruim, atrasada). Isso serve a objetivos políticos e a sua estupidez. Assim toda a vez que alguém pergunta se a religião africana, ou qualquer outra, é monoteísta ou politeísta, isso significa que:
  • essa pessoa é idiota
  • ela já sabe a resposta
  • o objetivo é de praticar o puro preconceito
Eu recomendo responder a essa pergunta dizendo que é monoteísta, que tem um deus maior chamado Olodumare que tem divindades auxiliares que podem ser equivalentes a anjos, arcanjos, e santos. Assim se ter anjo é politeísmo então a deles também é.
Claro que isso é uma grande imprecisão, mas, a pergunta não é honesta e esta resposta vai deixar o interlocutor perdido sem saber o que falar à seguir. Vamos combater fogo com fogo.
Pessoas que pertencem a uma outra religião devem primeiro se informar para poderem primeiro entenderem a si mesmo e também poderem discutir com elementos de outras religiões, ao invés de aceitarem tacitamente rótulos inadequados, seja pelo aspecto que é um uso inadequado de conhecimento seja porque a finalidade é de fato ofender. Assim temos uma dupla ignorância.
AS SEMPRE CONTROVERSAS FONTES DE INFORMAÇÃO RELIGIOSA
Os antropólogos que estudaram a África ao longo do século passado e talvez no anterior, não ajudaram muito. Eles em seus estudos se preocupavam muito mais com a sociedade do que com a religião. Eles não tinham a formulação religiosa como um fim, mas, entendiam que não poderiam falar sobre o povo sem falar sobre a religião uma vez que uma coisa permeava a outra.
É como hoje em dia a gente estudar um país muçulmano. Não dá para falar da sociedade sem falar da religião. Contudo as enormes dificuldades de comunicação e a preocupação dos africanos estudados em agradar aqueles que os pagavam levaram a respostas e interpretações equivocadas. Os próprios Yorubas foram em parte responsáveis pela visão errada que se criou da religião deles.
Posteriormente na medida em que africanos foram sendo educados na Europa e tiveram acesso as ciências humanas e sociais e ao que foi escrito sobre eles, eles voltaram a Africa para fazer os seus próprios estudos. Idowu em seu livro "African Traditional Religion" descreve que houve 3 fases nos estudos sobre os africanos.
A primeira, a da ignorância, a segunda, onde quem escreve já passa a respeitar que existe uma diferença cultural e que existe de fato uma cultura não conhecida mas comparável a deles no lado "nativo" e, a terceira, onde finalmente entram em cena os escritores africanos.
Hoje em dia melhorou muito, mas, ainda temos pessoas se referenciando em obras antigas e bastante distorcidas. É importante que se entenda que nem tudo o que esta escrito em um livro tem valor e nem todo mundo que escreve sobre algo sabe o que esta falando. Tomem cuidado com autores que repetem o erro de outros.
Verger foi muito perspicaz quando percebeu isso e escreveu sobre esse processo. Ele verificou uma sequencia de autores que se repetem e em muitos casos que repetem coisas ruins. Fez um bom artigo sobre o assunto, chamado Etnografia religiosa Yorùbá e probidade científica, no qual ele cita erros grosseiros que foram repetidos, um deles que compromete seriamente a tradição Lukumi e também aproveita para criticar Juana Elbein e seu livro os Nago e a Morte. Vale a pena ser lido.
Não gosto dessa crítica a Juana, acho que a resposta dela a Verger foi muito boa, mas tirando essa fogueira de vaidades o artigo do Verger ilustra muito bem isso o que estou explicando aqui.
Eu mesmo, buscando referência sobre um assunto, o sistema de crenças Yorùbá encontrei pelos menos 3 autores diferente que para um mesmo assunto repetem as mesmas palavras. Incrível! Um primeiro se deu ao trabalho de escrever sobre o tema, Parrinder se não me engano, nem o fez de forma brilhante e outros apenas o copiaram.
Tomem cuidado aqui no Brasil com autores que podem estar repetindo bobagens. Nina Rodrigues que durante algum tempo foi uma referencia em Candomblé só escreveu lixo por exemplo. Mas, é comum pessoas engordarem suas páginas com conteúdo de outros.
FINALIZANDO
Para quem chegou até aqui, como eu disse e repeti várias vezes a religião é composta de elementos muito importantes, alguns intangíveis como o iwa pele e o nosso destino, outros lembrados mais indiretamente atualmente que é a ancestralidade. Este ultimo se perde um pouco devido a que nem todos de uma mesma família seguem a religião e uma casa de santo esta longe de representar uma família espiritual, mas, mesmo que a gente não se lembre a ancestralidade é uma das bases da nossa vida.
A religião que a gente adota é complexa em parte porque existem de fato conceitos pouco claros, na origem, ou que se tornaram complexo devido a junção aqui no Brasil de várias correntes religiosas e regionais distintas.
Infelizmente só recentemente surge um esforço de teologizar a religião e mesmo este esbarra na polêmica e no preconceito. Outras correntes religiosas, as cristãs contam com linhas filosóficas que procuram aprofundar as questões teológicas e sua interpretação. Infelizmente esta religião aqui não contou com isso na Africa e no novo mundo esbarra em uma babel pior ainda.
Eu acho que não cabe discutir liturgias, mas, não podemos em função disso nos abster de discutir todo o resto independente de sabermos ou não as respostas.
... sem querer ser chato, mas enfatizando, assim, na formo que eu vejo o cosmo yoruba, baseado em textos de odù que eu consegui ler até hoje, em mitos que eu li ou ouvi ao longo de anos, o òrìṣà (orixá) não faz parte da ordenação das forças naturais do mundo em que vivemos. Este ordenamento é atribuído a Olódùmarè que como o deus distante (ou tornado distante) faz com que a natureza e o mundo funcione.
Os òrìṣà (orixá) conforme aparecem nas histórias e explicitamente no odù óxéotuwa e Ogbe Meji, são os braços e mãos de Olódùmarè no aiye. Sofrem aqui com os mesmos fonomenos naturais que sofremos e não demonstram nunca controlar a natureza.
Eles primariamente são a sua ligação do divino com nós, para nos ajudar e proteger. Nosso ori é feito com nosso òrìṣà (orixá). Os òrìṣà (orixá) surgem em todas as histórias representando papéis comuns como se fossem pessoas comuns, com as mesmas perfeições e imperfeições que temos de modo a que possamos nos espelhar e entender o conhecimento que passam.
São também a instância direta, junto com o ori e a ancestralidade, que recorremos para resolver nossos problemas, ligados ao nosso sucesso na nossa vida como a necessidade de termos saúde, de termos família, mulher, filhos, oportunidades, trabalho, dinheiro e podermos com nossa prosperidade darmos seguinto a nossa vida e atingir o destino que estabelecemos antes de iniciar essa nova encarnação.
Como braços e mãos de Olódùmarè os òrìṣà (orixá), conforme eu comentei no início disso tudo, alguns deles tem algum controle sobre elementos da natureza. Mas como elementos podemos considerar um todo, de vegetais, minerais, doenças, até fenômenos da natureza, e estes sao usados não de uma forma reguladora, mas como instrumentos de sua necessidade e ação em exercer a sua missão junto a nós.
Eu não consigo ver um òrìṣà (orixá) sem o mesmo estar relacionado com nossa vida, ficando longe do significado que tem os deuses naturais das tradições europeias e greco-romanas (não tenho conhecimento suficiente para citar outras).
O entendimento da metafísica desse cosmo deve passar pela lembrança que temos vários entidades e espiritos além dos òrìṣà (orixá). Este conjunto está longe de ser perfeito e complementar, existem coisas que parecem redundantes ou que não são complemente racionais, mas, como sabemos é um povo muito simples, agrário e que não teve unidade, continuidade e pensamento filosófico próprio para poder explorar e documentar cada faceta da rica cultura e religião.
Por todos os argumentos que longamente descrevi a introdução desta visão de Orixá elemento da natureza não se adapta a religião Yoruba. Foi colocada por estrangeiros. A Religião Yoruba tem poucos elementos ligando a religião e a natureza. Sol, lua e estrelas nem fazem parte de mitos.

A religião é complexa, mas, o povo é bem mais simples. Os estranhos é que tem preguiça de aprender, preferem inventar.