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segunda-feira, novembro 02, 2020

Quem são os Ajogun? [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 39]

 

Quem são os Ajogun?

 

Eu quase me esqueci de abordar isso. Como mostrado nos capítulos iniciais, as forças negativas existem apenas no Àiyé, no mundo natural que é composto pelas coisas naturais e pelo supernatural, essas 2 coisas forma o Àiyé.

Os Ajogun são os inimigos beligerantes do homem, segundo Abimbolá. As forças supernaturais do mal, trabalham continuamente contra o interesse do homem em atingir os seus objetivos em vida, o seu destino.

Essa visão do Abimbolá é interessante, de acordo com ele a gente vem para o mundo para realizar nosso destino, nossos objetivos e existem forças negativas trabalham para nos impedir disso, dessa maneira a vida no Àiyé é de fato uma aventura na qual nós temos que lutar para atingir os objetivos que traçamos para a vida. De um lado nós com nossa vontade e determinação de outro as dificuldades naturais e supernaturais, isso não deixa de tornar a vida interessante.

Quem são os Ajogun? São muitos, os mais importantes são: a morte e sua esposa a doença (Ikú e Àrùn) que são responsáveis por tomar a vida e aflingir o homem com a doença, a perda (Òfò) que destrói ou carrega para longe as propriedades do homem, Égba (Ẹ̀gbà) que significa paralisia, a perda de todos os bens da pessoa, Éwon (Ẹ̀wọ̀n) que significa confinamento, aprisionamento, similar a paralisia, mas nesse caso a pessoa fica aprisionada dentro de si mesma, Éjo (Ẹjọ́) qie são os litígios, complicações legais, calúnias e tragédias e diversos outros em uma lista bastante criativa.

O que é importante e prático é compreender que a religião entende que existem força supernaturais que causam esses problemas. Nossa vida no Àiyé não é tranquila e, como diz Abimbolá, não foi construída para ser assim. Os Ajogun representam um tipo de mal teológico, apesar de para nós parecerem coisas naturais.

Ao trazer essas causas para a esfera supernatural a religião dá as pessoas um pouco de conforto porque elas se sentem mais otimistas com elas mesmas, afinal estão sendo atacadas por espíritos do mal. Ao estabelecer que são espíritos do mal a religião traz para a sua arena, a arena do supernatural, das liturgias, dos sacrifícios e dos ebó (ẹbọ) a possibilidade de resolver essas questões. Desta maneira estamos no campo do conforto, da fé e da esperança.

Se esses problemas não fossem espíritos do mal a religião nada teria a fazer a não ser rezar pela alma das pessoas, como fazem os católicos dizendo que quando eles morrerem estarão salvos ao lado de deus, caso, sejam bons cristãos a vida toda. Também tem os Kardecistas que vão dizer para seus seguidores que devem sofrer esses problemas em paz e calados, torcendo para essa vida acabar logo e eles poderem renascer sem esses problemas na próxima. Sinceramente não sei quem é mais idiota, fico na dúvida de dar mais estrelinhas.

Para mostrar a visão dos Ajogun pela religião foi destacar 3 versos interessantes que mostram como são vistos e como devem ser temidos. Mas a visão dos Ajogun não se restringe a isso, existem dezenas de Odù que retratam o conflito entre os Ajogun e a humanidade e a atuação dos Bàbáláwo para salvá-los.

O verso a seguir um homem foi assediado pela morte e foi salvo por um babalawo

Você é conhecido como Ọlálẹ́kun,

cujo outro nome é Òmìnìnkùn

Um elefante não pode ser virado para ser entalhado;

Aquele cujo nome é Atàtàbía-kun,

O homem baixo e terrível da noite.

Um cachorro macho significa honra,

Um àguàlà masculino é conhecido como a lua.

O filho de uma pessoa é uma fonte de contas okùn (riqueza).

O próprio filho é para ele uma fonte de toda a riqueza.

Enquanto as nádegas de seu filho não tiver decorados com contas,

Essa pessoa não enfeitará com contas a cintura do filho de outra pessoa.

O filho de uma pessoa é sempre tratado como seu próprio filho.

O oráculo de Ifá foi realizada para Ondẹ̀sẹ̀,

o homem de pele clara do morro de Àpà,

cuja casa era assombrada pela morte e doença,

cuja casa era persistentemente assombrada por todos os Ajogun.

Seu sacerdote Ifa, portanto, pediu que ele oferecesse bastante bùjé como sacrifício.

Eles pegou uma parte do bùjé e esfregou no corpo.

E ele se tornou uma pessoa muito negra.

Como resultado, o Ajogun não conseguiu reconhecê-lo.

Ele começou a dançar,

Ele começou a se alegrar.

Ele começou a elogiar seus sacerdotes Ifá enquanto seus sacerdotes Ifá elogiaram Ifá.

Gongos foram batidos em Ìpóró,

O tambor de Àtàn foi batido em Ikija,

Os agdavi foram usadas para produzir música melodiosa em Ìṣẹrimogbe

Ele abriu um pouco a boca,

E ele proferiu a canção de Ifa.

Enquanto ele esticava as pernas,

A dança os pegou.

Ele disse: ‘Morte, não mate o homem bùjé por engano.

Você que agora está fadado a confundir o homem com outra coisa.

Você que doravante deve confundir o homem com outro ser.

Doença, não aflija o homem bùjé por engano.

Você que agora está fadado a confundir o homem com outra coisa.

Você que doravante deve confundir o homem com outro ser.

Guerreiros do céu,

Vire as costas e se apresse,

Você que agora está fadado a confundir o homem com outro ser.

Desta maneira, através de Ifá a pessoa que estava ameaçada conseguiu se disfarçar e não ser reconhecido pelos Ajogun. Como sempre as soluções são bem simples, quase ingênuas, mas o todos devem entender é que o objetivo do verso é dizer que Ifá pode enganar os Ajogun.

Ao listar essa história quero mostrar a preocupação com os Ajogun e a sua natureza inevitável, você pode iludi-los mas não destruí-los.

O verso a seguir mostra uma outra pessoa sendo atacada pelos Ajogun e sendo salva por Exú (Èṣù).

Àtàtà-taìn-taìn.

Adivinhação ifá foi realizada para Ọlọmọ

O alto e robusto.

Todos os Ajogun estavam se movendo em torno de Ọlọmọ

Eles queriam matá-lo.

Ele foi convidado a realizar o sacrifício,

E ele o executou.

Um dia,

Morte, Doença e Perda se levantaram,

E partiu para levar a guerra à casa de Ọlọmọ. Eles encontraram Exú (Èṣù) fora de casa.

Enquanto tentavam entrar na casa de Ọlọmọ, Exú (Èṣù) colocava repetidamente farinha de inhame em suas bocas.

E é proibido a todos os Ajogun provar farinha de inhame. Quando a farinha de inhame tocou suas bocas,

Alguns deles morreram,

E alguns adoeceram,

Mas ninguém poderia entrar na casa de Ọlọmọ.

Quando Olomo ficou feliz,

Ele começou a cantar a canção dos padres Ifa.

Ele disse Àtàtà-taìn-taìn.

A adivinhação ifá foi realizada para Ọlọmọ,

O alto e robusto.

Morte que queria matar sacerdote Ifa,

Não posso mais matá-lo.

A morte se afastou da cabeça do sacerdote Ifa. A morte não come farinha de inhame.

Se a morte tentar comer farinha de inhame,

Sua boca fica rígida,

Suas mandíbulas estão travadas.

Doença que queria afligir o sacerdote ifá Não pode mais afligi-lo.

A morte não come farinha de inhame.

Se a morte tentar comer farinha de inhame,

Sua boca fica rígida,

Suas mandíbulas estão travadas.

Todos os Ajogun que quiseram atacar o sacerdote ifá não podem mais atacá-lo.

A morte não come farinha de inhame.

Se a morte tentar comer farinha de inhame,

Sua boca fica rígida,

Suas mandíbulas travaram.

O verso a seguir é um dos meus preferidos sobre esse tema. Mostra 3 coisas importantes. A primeira Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) se desfaz de suas coisas mais importantes para poder se salvar dos Ajogun, a segunda que Exú (Èṣù) é o intermediário entre todos os inrumolé (Irúnmọlẹ̀), ele é neutro de fato, não é uma força do mal, sua atuação é a de conduzir e acompanhar as coisas, a última é que ninguém, nem mesmo as divindades, no Àiyé estão imunes aos Ajogun.

Ọ̀dá-owó, sacerdote ifá de Kóro, Ààbò, sua esposa,

A filha deles na cidade de Ìjerò.

Assim como me falta dinheiro,

Eu também tenho segurança.

Adivinhação ifá foi realizada para Órunmila (Ọ̀rúnmìlà),

No dia em que três homens estranhos se hospedariam na casa do pai.

E Ifá não tinha nem mesmo uma concha de cauri que pudesse gastar.

Qrunmila chamou Ààbò, sua esposa,

para levar todos os seus pertences ao mercado para vender.

Quando Aabo chegou ao mercado de Èjigbòmẹkùn, o iìrọ̀kẹ de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) que ele comprou por setecentos búzios,

Tinha o preço de cento e quarenta búzios.

Seu interruptor cerimonial de cauda de cavalo que ele comprou por seiscentos búzios,

Tinha o preço de cento e vinte búzios.

A capa ornamentada de seus instrumentos de adivinhação Ifá que ele comprou por 1.600 búzios,

Tinha o preço de vinte e um búzios.

Ààbò chorou,

Em vez de chorar alto.

Ela cantava poemas Ifá, em vez de soltar um grito de lamento.

Ela disse que o preço dos materiais era muito inferior ao preço de custo.

Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) também respondeu cantando poemas Ifá.

E a instruiu a ir e vender os materiais. Ààbò então vendeu os materiais com prejuízo,

E pegou o dinheiro para comprar comida para casa.

Os três visitantes estranhos - Morte, Doença e Exú (Èṣù)

comeram

E eles ficaram satisfeitos.

Observem que Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) se desfaz dos seus próprios instrumentos de Ifá para poder comprar comida e oferecer aos Ajogun para eles irem embora. Como diz no início do poema, é preferível não ter dinheiro do que não ter segurança.

Esta é, então a natureza dos Ajogun, forças do mal, poderosas que não podem ser vencidas. Elas podem ser desviadas e enganadas, nós fugimos delas mas não as enfrentamos.

quarta-feira, outubro 21, 2020

Os incidentes na vida e destino das pessoas [Entendendo a religião Yoruba - Pt. 38]

 

Os incidentes na vida e destino das pessoas

 

O ciclo de concepção e nascimento será abordado e detalhes mais adiante, ele é importante para entendermos o sentido de nossa vida, o conceito de Òrìṣà (Orixá) e a participação do Òrìṣà (Orixá) e nossa vida. Só quando entendemos o ciclo do nascimento é que ligamos os pontos da teologia para entender o papel do Òrìṣà (Orixá) em nossa vida e, mais profundamente, no estabelecimento da nossa individualidade. Este conceito, individualidade é um dos conceitos mais incríveis desta religião.

Deixando isso, então, para depois, vamos voltar a questão do mal teológico. Algumas coisas precisam ser esclarecidas sob o ponto de vista da religião, que são os dissabores do nascimento e destino. Vou fazer isso de forma bem objetiva porque são muitos casos.

Tudo o que vou explicar a seguir são conceitos que estão explicitamente descritos e explicados nos versos de Ifá. Eu não estou inventando nada nem criando explicações, estou usando a própria religião para explicar isso.

Todo mundo que nasce quer nascer perfeito, sem deformações, saúde mental, doenças pré-existentes, etc.. Todos querem ser um espírito pleno em um corpo perfeito, assim termos condições para executar tudo o que planejamos para nossa vida.

Não passa pela cabeça, de ninguém, que nascer com problemas seja uma benção ou mesmo que a pessoa desejou nascer assim. Apesar de nem tudo a gente encontrar definido nesta religião, temos então que fazer algumas ilações, baseadas em similaridades ou mesmo no pouco que conseguimos captar das narrativas e da cultura da sociedade. Nesse contexto, jamais encontrei nada que justifique uma pessoa querer nascer com qualquer problema.

Nunca vi nenhum mito ou qualquer verso que justifique eu acreditar que a religião entende que pessoas escolheram nascer com limitações ou que mães e pais desejem seus filhos com problemas.

Creio que somente vi isso, esse conceito de ser destinado a sofrer, com os kardecistas que dizem que as pessoas escolhem nascer infelizes ou viver infelizes para pagar seus karmas. Aliás, o nome Karma os Kardecistas tiraram da religião Indu, mas, eles empregam com um significado diferente. Na religião Indu, Karma e Dharma são conceitos similares ao do destino Yorùbá, que vamos ver mais tarde.

Voltando ao nosso tema, desta maneira, nascer com problema é um desvio. A religião explicitamente atribui a Oxalá (Òṣàlá), o Òrìṣà (Orixá) que cria o corpo das pessoas, os erros que levam a pessoas nascerem com problemas. Isso não é ilação, é fato. O mito diz que Oxalá (Òṣàlá) gosta de beber e quando ele bebe ele comete erros nos corpos das pessoas e assim as pessoas nascem com deformações. Isso é oficial, está na religião.

Vamos lembrar que essas histórias são metáforas, não são relatos históricos e não temos que nos preocupar que Oxalá (Òṣàlá), um dos Òrìṣà (Orixá) mais importante, seja um beberrão e com isso prejudique as pessoas, não vamos nos focar em valorizar que esta religião tenha divindades principais que sejam irresponsáveis.

Esse mito, essa historinha, nos diz que, sim, existe falha no processo de concepção, de criação do corpo e que existe uma aleatoriedade, que algumas pessoas nascem com problemas sem que isso tenha sido pedido por elas, elas não desejaram isso, foi uma ocorrência casual, nesse caso descrito como originado na distração do Òrìṣà (Orixá) que por ter bebido errou o fazer o corpo. Esse é o jeito de conciliar a explicação da religião com a realidade do mundo real.

Desta maneira, esse aspecto de, porque algumas pessoas nascerão, infelizmente, com problemas, é perfeitamente fixado. Não se trata de punição divina, todos tem o destino de nascer perfeito, mas, acidentes, dificuldades ou complexidades no processo de gestação vão gerar as imperfeições. A explicação teológica, simples, é essa que o Òrìṣà (Orixá) bebeu, ou seja, ele não queria fazer isso, ficou fora de si e fez por acidente. A explicação do mundo real, é similar, que existem genes, mutações, etc., tudo muito complicado também.

Meu comentário para esse caso é, o processo de nascimento é complexo, a formação de um novo corpo tem um índice de erros e falhas, ocasionadas por diversos fatores e não existe garantia divina que vamos nascer perfeitos. Certamente ocorre na maior parte dos casos, mas, sempre haverá um percentual de erro, não se tratando de um destino ruim.

Uma outra questão envolve a sorte de cada um na sua vida. Vamos ter pessoas que prosperam e pessoas que não prosperam e mesmo as pessoas que estarão na miséria ou viverão muito mal, outros que serão criminosos. São muitos aspectos mas estão ligados a coisas comuns.

Mais uma vez, não vou inventar nada, de acordo com a religião e seus mitos e, mais, de acordo com o que está amplamente documentado em versos de Ifá, centenas que eu já li, antes de nascermos temos que fazer uma grande preparação. Essa preparação diz respeito a estabelecermos objetivos, irmos a Ifá no órun (Ọ̀run) para lá no órun (Ọ̀run) nos prepararmos para a vida que vamos ter.

Fazemos isso por nós mesmos e também somos ajudados por nossos familiares. Nós nos preparamos para vir para cá e entre vários preparativos, temos que escolher o nosso caráter, personalidade e os recursos para sermos prósperos, o chamado Orí.

Orí é um conceito muito importante na religião, esta associado com a individualidade, mas, é um subconjunto da individualidade. Muita gente do Candomblé não conhece todos os conceitos teológicos ligados ao indivíduo e sobrevaloriza o Orí com se isso fosse tudo ou o mais importante, mas não é. É importante mas é uma parte do todo.

Orí é uma daquelas palavras Yorùbá que tem muitos significados e por isso é bastante complicada de definir e até de explicar, não pode explicar apenas uma coisa, tem que se explicar várias coisas. Não vou fazer isso agora, mas eu citei isso porque como parte desse processo de preparação no órun (Ọ̀run) que fazemos para o nascimento, nós “adquirimos” um Orí.

Orí é um elemento que está associado com a facilidade que temos que ter prosperidade em vida. Existem outros aspectos, mas esse é o principal. O processo de escolha de um bom Orí, tem um componente aleatório ou estatístico, como o caso de Oxalá (Òṣàlá) com o nosso corpo. Se falharmos em nos preparar adequadamente para vir ao Àiyé podemos “pegar” um Orí ruim. Se isso ocorrer teremos muita dificuldade em prosperar no Àiyé. Um bom Orí é resultado de preparação ou de “sorte” na escolha e isso insere, assim, uma aleatoriedade na vida de cada um.

Dessa maneira, quando as pessoas falham nos preparativos para a vida no Àiyé elas serão afetadas no seu desempenho na vida e é desta forma que a religião explica porque certas pessoas têm mais capacidade do que outras ou mesmo mais sorte. Tudo depende da preparação que elas fizeram para essa vida. Nosso insucesso ou pouco sucesso não foi um presente ou maldição de deus, foi algo que nós mesmos trouxemos para nossa vida.

Porque as pessoas falham nisso? Veja, como eu disse antes a vida no Àiyé é uma aventura, mas, exige planejamento, contudo, nem todos querem planejar. Muitos querem nascer sem planejamento, sem preparação e apenas contando com o acaso. Como sabemos é uma religião reencarnacionista e uma vida é apenas uma vida, outras haverão.

Pode parecer estranho mas e isso mesmo, nem todos nascem com objetivos e determinação para realizar algo, muitos nascem apenas por nascer, para serem turistas nessa vida.

Um outro aspecto que está explicado na religião é que além de um bom Orí, que significa facilidade para prosperar na vida, está fartamente documentado nos versos de Ifá a necessidade da pessoa ter boas “pernas”. Se a pessoa não tem boas pernas ela fica parada e não procura a sua sorte e prosperidade. O acomodado e preguiçoso sempre não será bem-sucedido. Existe, inclusive, nos versos, a referência de que a pessoa pode ter sido marcada por ajé (Àjẹ́) nas pernas na sua passagem pelo Ìrònà, o meio do caminho entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé que é o lugar onde as ajé (Àjẹ́) estão estabelecidas e assim passa a ter enormes dificuldades para prosperar e só quando, através de Ifá, remove isso consegue ter sorte na vida.

Outra situação é o dos que nascem em famílias pobres e sem recursos e nunca terão chance de realizar sonhos ou ter acesso as boas coisas da vida. Aqui o que a religião pode explicar é uma soma de coisas. A primeira é que se trata de linhagem familiar, as pessoas nascem nas suas famílias, suas linhagens e se seus ancestres falharam em trazer prosperidade para ser usada por seus descendentes então a vida de todos sempre será difícil.

A ancestralidade é uma coisa importante nessa religião, muita gente do Candomblé enche a boca para falar de ancestralidade sem nem saber do que está falando e do que isso significa. É gente que não sabe nada de nada e descobre que citar ancestralidade é uma frase chique e passa a usar. Isso vem de gente vazia.

A ancestralidade é um conceito que está presente na cultura Yorùbá, as pessoas têm família e tem descendentes. É um povo que se relaciona com o seu passado, quero dizer, se relacionava no passado, pelo menos isso está presente na literatura que aprendemos sobre eles, mas, o que eles são hoje, não faço a menor ideia. A sociedade se liga aos seus ancestres e a religião é muito importante nisso, vou explicar isso quando eu falar de Egúngún e Oro.

Aqui tenho que ser breve nesse assunto e, desta forma, você é hoje a construção de sua ancestralidade. Se seus ancestres se preocuparam em formar uma família e linhagem, se foram bons pais e avós que se preocuparam com seus filhos, netos, bisnetos, trinetos e tataranetos, então a família estará bem. Cada um que nasce têm que se preocupar com isso. Se não houve essa união e preocupação com linhagem e descendência então a ocorrência de famílias em situação de penúria será maior e isso não é culpa da religião, é culpa da sua execução de vida.

A religião faz sua parte, diz que família é importante, que ancestralidade é importante, que você deve ser uma boa pessoa para a sociedade, para sua família, para seus filhos e netos, justamente orientado a pessoa a crescer, a pensar no próximo e ser importante para os que seguirão a ele.

O culto de Egúngún representa essa lembrança de vida eterna, de que devemos ser cultuados por nossos parentes e familiares como uma pessoa boa e relevante, que devemos ter um bom caráter, trabalhar duro e realizar a prosperidade que todos esperam. A religião diz que temos que viver de forma exemplar para sermos lembrados e cultuados por nossos familiares com saudade e, dessa maneira, virarmos um Bàbá égun.

Digo e repito, essa religião tem em sua espinha dorsal a orientação para sermos pessoas boas, perfeitas como seres humanos. Se enganam os tolos ou idiotas que essa é uma religião sem ética.

Eu entendo que esse tipo de conhecimento e sentimento não foi introduzido aqui no Candomblé, as pessoas estão longe de entenderem isso e se comportarem na sociedade de forma adequada. Assim se uma família vive mal, não é por falta de orientação da religião, pelo contrário.

O próximo caso diz respeito aos problemas de parto. Uma das principais preocupações de toda gestante é com o processo de nascimento e o período de gestação. Em relação a isso temos algumas questões. A primeira diz, como já citei a questão a aleatoriedade, de que problemas podem ocorrer, devido ao acaso ou mesmo devido a vida desregrada e mal cuidada da gestante. A pessoa não preocupa com sua vida, corpo e saúde e depois sofre as consequências disso, mas, nem sempre é isso.

A gravidez está, sim, submetida ao mal teológico. As bruxas, as ajé (Àjẹ́) são as maiores responsáveis pelos problemas de gravidez e abortos. Lembro aos que tem algum entendimento que Àbíkú é aquele que nasce para morrer. Assim sendo, abortos não estão relacionados com Àbíkú e sim com ajé (Àjẹ́). Se não for devido uma causa muito natural então pode ser ajé (Àjẹ́). No Odù Ogbè Okanran, em Bascom, um verso descreve que ajé (Àjẹ́) bebe o sangue menstrual impedindo a mulher de ter filhos, mas, existem outras referências.

Um outro problema teológico é a dificuldade de engravidar ou esterilidade. A gravidez e a multiplicação da família é uma benção nesta religião. Com sinceridade, essa é a religião dos héteros e da família. O núcleo familiar é o centro da religião.

A religião oferece proteção para a fertilidade e para a gravidez de várias maneiras. Esterilidade sendo interrompida após sacrifícios e ebó (ẹbọ) está presente em todos os versos, quase todos. Este é o tema mais comum. Se a religião oferece centenas de liturgias para permitir a gravidez é porque ela, nem sempre, tem causas naturais. Se o problema pode ser resolvidos pelo supernatural é porque a origem da questão está no supernatural também. Nem toda solução é simples, podem ser questões que vão de impedimentos ligado ao destino pessoal de cada um até pragas, maldições ou feitiços.

Desta maneira a esterilidade e o aborto podem ser relacionados ao mal teológico.

Para finalizar eu explico que o objetivo dessas descrições e explicações foi mostrar o conceito de mal teológico, mas, também, mostrar que esta religião tem nos seus versos de Ifá, em mitos e na cultura da sociedade, explicações para as diversas situações que as pessoas passam por sofrimento e dificuldades na via.

Qual o sentido disso? Podem perguntar muitos que ainda não entenderam o objetivo disso. É simples, isso está no núcleo da missão das religiões. A religião tem que oferecer às pessoas esperança, conforto e também solução. As pessoas precisam entender de alguma forma o que se passa com elas de forma absoluta e de forma relativa às outras pessoas. O que faz as pessoas se inconformarem com sua vida não é a vida delas em si, somente, mas a vida das pessoas em volta dela.

A religião tem que oferecer um colo para elas, para elas não se sentirem derrotadas e infelizes, seus problemas precisam ser divididos e depois, a religião, deve oferecer a solução, a perspectiva de melhorar. A religião Yorùbá é feita também baseada nas 3 virtudes teológicas católicas: fé, esperança e caridade. Mas ela é muito mais efetiva em desenvolver essas virtudes junto às pessoas.

Sua efetividade está no aspecto de que elas fornecem a construção de entendimento, através de suas metáforas, mas, não apenas isso, ela entende isso como resultado de uma construção do supernatural e desta forma oferece uma solução através do supernatural para o problema. Assim sendo ou ela permite a pessoa entender o que ocorre com ela ou a ajuda a resolver. É isso o que uma religião deve fazer.

Religiões que desconhecem as necessidades das pessoas, que tentam se furtar de sua responsabilidade pelo mal teológico e que principalmente oferecem para as pessoas apenas a perspectiva do sofrimento contínuo e de que a vida eterna será melhor (o pós-vida dos católicos) ou que a próxima vida será melhor (os Kardecistas) basicamente são engôdos ao bem de nossa alma.

Alguns mais céticos podem argumentar que essas explicações são fantasiosas que é uma bobagem achar que bruxas marcam as pernas das pessoas ou que bebem o sangue menstrual e que existem explicações naturais e científicas para isso. Para essas pessoas eu digo que esse tipo de abordagem foi o que o círculo de Viena ofereceu como reação a séculos de domínio do cristianismo sobre a humanidade oprimindo, julgando e condenando pessoas. Lembro também que o nome da “ciência” para justificar as coisas é usado desde o século XVII e todos aqui sabem qual era essa ciência do século XVII. Se no século XVII aquela ciência tosca e idiota era usada para justificar as coisas, porque essa que temos hoje é melhor ou diferente?

Como expliquei no início o “vernier” do entendimento que regula a religião e a ciência para explicar o nosso mundo se move de um lado para o outro. Em um momento ele estava comprimindo a ciência, tudo era mistério, agora é o contrário, mas, o fato deste “vernier” estar assim não muda o mundo de verdade.

A religião tem a sua forma de explicar as coisas. Uma forma que qualquer pessoa pode entender, você não tem que ser cientista para entender a forma como a religião faz. Essa é grande diferença e, é claro, usar tudo o que o mundo natural e a ciência têm a oferecer para ajudar as pessoas e também oferecer o supernatural para resolver os problemas das pessoas.

Lembro a todos que não é incomum pessoas que tem problemas crônicos, que vão em médicos continuamente, tratando de tudo e de sintomas e somente se curam depois que passam por uma liturgia. São casos sem fim, normalmente é isso o que ocorre, a pessoa primeiro esgota o que a ciência pode fazer e ai ela, sem ter mais o que fazer vai no supernatural. Se o problema é sério, procure os dois, uma ajuda o outro.

segunda-feira, outubro 19, 2020

Avisos

 

 

Não deixem de acompanhar os textos da série em andamento. Tem muita informação nova e qualificada, abordagens originais e informações inéditas.

Os temas que estão sendo abordados como o mal teológico, égbe órun, abiku, ajé e gélédé não são falados, explicados ou encontrados em literatura em português, mesmo em inglês são difíceis de terem boas fontes.

sexta-feira, outubro 16, 2020

O encontro deste BLOG com o destino dele

 O encontro deste BLOG com o destino dele

 

Leitores, fazem 12 anos que este BLOG é publicado continuamente e vai continuar a ser publicado por muitos anos adicionais.

Ok, anos mais férteis e outros menos, mas, sempre houveram publicações. Basta procurar na barra da direita que vão achar todas as publicações.

Diversos temas foram abordados 2 ou 3 vezes, sendo atualizados com mais conteúdo ou com a revisão do seu conteúdo. Esse BLOG cresceu e evoluiu comigo com o conhecimento de 12 anos.

A abertura do canal do Youtube, tema que eu trouxe aqui para o BLOG serviu como complementação deste BLOG como um canal de informação. Para não existir trabalho dobrado ou duplicado as 2 mídias se complementarão.

No BLOG continuará a ser publicado conteúdo de qualidade e informação relevante sobre a religião, sobre Candomblé e Ifá, até sobre Umbanda. O BLOG materializa esse conhecimento. No momento estou dedicado a uma série continua e didática que reúne o melhor conhecimento sobre essa religião. O objetivo foi dar uma sequência e uma continuidade. Assim, quem quiser aprender vai ter uma linha para seguir.

Não deixem de acompanhar. Vai virar um livro e temas complicados serão abordados nele. Quando digo complicados me refiro a assuntos que as pessoas menos dominam e sobre os quais mais besteiras são faladas. O fato é que cada vez mais tem mais idiotas nesta religião, eles dominam pela quantidade.

Mas, aqueles temas mais soltos do dia a dia eu estou direcionando para os vídeos. Quando o tema é leve ou no estilo de crônica, crítica ou análise, será feita no Youtube onde é mais fácil tratar de assunto mais rápidos, menos estruturados e menos profundos.

Os assuntos que exigem conhecimento e aprofundamento continuarão a ser postados aqui.

Se alguém tiver sugestões, basta me escrever.

O mal teológico [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 37 ]

 

O supernatural e a abordagem laica

 

As religiões entendem que existe um supernatural e, elas, configuram-no como uma manifestação do divino nos aspectos positivos e do mal nos aspectos negativos. Mas, como eu já disse, o supernatural continua existindo quer você acredite ou não em deus, são forças, energias e espíritos que existem.

A religião coloca uma divindade superior acima disso tudo, tanto de nossa vida como do supernatural, mas nenhuma religião define que o supernatural é exclusividade de deus.

Dessa maneira fora de qualquer religião também haverá aqueles que manipulam o supernatural, são os feiticeiros, videntes e outros místicos. Faço questão de ressaltar isso uma vez que nenhuma religião tem a verdade absoluta ou mesmo tem conhecimento para lidar ou explicar com o supernatural em toda a sua plenitude.

Sempre existiram e sempre existirá o uso do supernatural e de todo o tipo de espíritos e forças por pessoas não ligadas a uma religião ou debaixo da ética de uma religião. Mais ainda, a religião yorùbá não domina todo o supernatural. Existem aspectos, usos, forças e fenômenos que não são conhecidos ou não estão definidos por esta religião. Dessa maneira diferentes religiões ou diferentes práticas laicas (não religiosas) poderão ter conhecimento de aspectos diferentes e desta forma de poderes diferentes.

Aqui no Brasil isso é bem claro quando comparamos a Umbanda e o Candomblé ou, até mesmo, o Candomblé e ifá. Cada um, lida com um supernatural diferente. Existem coisas feitas e trabalhadas na Umbanda que não fazem parte do Candomblé e vice-versa, posso até mesmo afirmar que elas não tem nada em comum em sua prática, que são complementares. O que tem em um não tem no outro e, ainda, a forma como uma faz a outra é totalmente distinta.

Quando consideramos então as práticas esotéricas que estão fora do escopo da Umbanda e Candomblé, mas distinções e exclusividades surgirão.

 

 O mal teológico

 

Este é um tema profundo. Me assusta ter que dedicar apenas algumas dezenas de linhas para tratar disso.

O que é o mal? A dor ou o sofrimento?

E quando o sofrimento que nos é causado, o mal, tem origem em alguma espírito, divindade ou destino, ou seja, quando o sofrimento não é causado por outras pessoas e sim pelo supernatural? Podemos dizer que tem origem em deus? Já que o supernatural é originado por ele?

Por que deus permite que a gente sofra?

O mal no sentido teológico, mais do que a qualquer outra religião, é algo que assombra os católicos e os fez criar explicações mirabolantes em sua teologia para justificá-lo, uma vez que deus, na visão dele é puro amor e nossa vida é única, etc…

Contudo, de forma geral, em se tratando de religião o mal com origem teológica é um fenômeno sempre muito bem analisado para o entendimento do cosmo e do modelo teológico.

A questão é por que deus seria a origem do mal sobre nós? Por que deus permitira que o mal existisse e nós maltratasse?

A dificuldade em responder isso é proporcional à forma como a religião é estruturada e na sua visão do homem em relação a deus. O problema tomou clima de crise quando no cristianismo a figura de deus é retratada como puro amor e perfeição e nós, seres humanos somos sua imagem. Neste modelo como deus pode permitir que demônios existam e estes açoitem a humanidade, sendo responsáveis por nos levar ao mal comportamento e até sofrimento.

No modelo católico até mesmo as desventuras que as pessoas sofrem em sua vida podem ser questionados como mal teológico, afinal temos apenas uma vida para viver e podemos ser condenados a fome, a violência e a uma vida miserável sem ter nada feito para isso além de nascer.

Sem detalhar isso mais, apenas digo que existe uma infindável literatura de teólogos católicos e teses complexas para justificar isso, o mal de origem teológica.

Deixando os cristãos de lado, a questão também existe nas demais religiões. O mundo tem que ser explicado e nossa vida tem que ser aplicada no modelo teológico de existência. Cada religião tem que se explicar.

No caso da Yorùbá o modelo é bem mais simples e sem muitos malabarismos.

A religião Yorùbá escapou de abordagens mais complexas quando define que 1) é reencarnacionista e 2) a vida no Àiyé, no mundo natural, é temporária, é apenas uma aventura e que nosso lar de fato é no órun (Ọ̀run). Dessa forma o mal teológico é uma coisa que existe, nesta religião apenas no Àiyé.

Não temos apenas 1 vida e nossa existência não se resume ao Àiyé, o mundo natural. Não existe, na religião, descrições detalhadas de como é a vida no órun (Ọ̀run), o paraíso cristão, mas, as poucas não apontam para problemas, o pouco que vi mostra que a vida no órun (Ọ̀run) segue o mesmo padrão do Àiyé, mesma estrutura, mas, é um lugar sem problemas e deve ser por essa monotonia que as pessoas decidem vir para o Àiyé.

Esse modelo de nosso lar ser o órun (Ọ̀run) não é diferente do modelo kardecista, não tenho nenhum objetivo de fazer comparações ou dizer que os kardecistas (que não gosto) sejam referência, mas, como estamos falando de modelo metafísico, o muito pouco que entendi do modelo do Kardecismo me parece bem similar e isso vai ao encontro do que eu sempre digo de que as religiões são muito similares. Se investigarmos outras religiões orientais talvez descubramos que seus mundos oníricos também sejam assim.

Voltando ao modelo yorùbá a vida no Àiyé segue então o conceito de equilíbrio que foi descrito quando eu falei de axé (àṣẹ), positivo e negativo, noite e dia, bom e mal, etc… Como está em Ogbè Méjì as trevas acompanham a luz.

Tudo o que existe no Àiyé é criação de deus, de Olódùmarè, mas tudo tem sua função. Os animais compõe, como já expliquei a comunidade animal (Àṣùwàdà Ẹranko) e nós humanos a comunidade humana (Àṣùwàdà Ènìyàn). O termo Ẹranko se refere a vida selvagem de maneira que os animais são governados por necessidades biológicas básicas, subsistência e sobrevivência. Nosso objetivo é o de construir, trazer beleza ao mundo seja fisicamente como, principalmente, pelo comportamento e caráter.

A noção Yorùbá de ser, entende a sua natureza única e que cada criatura tem um propósito. Cada indivíduo tem uma natureza diferente e um destino.

De acordo com os Yorùbá o mundo físico, o Ilé Àiyé, envolve o bem e o mal, ambos são parte do equilíbrio e complementariedade do modelo metafísico que sustenta a vida na terra, no Àiyé. As forças benevolentes são os Òrìṣà (Orixá) e ancestres (ará Ọ̀run) e as forças malevolentes principais são os Ajogun e ainda temos outras menores como as bruxas (ajé (Àjẹ́)). O que diferencia os Ajogun das ajé (Àjẹ́) é o seu contexto. Os Ajogun sempre são malevolentes e as ajé (Àjẹ́) tem um contexto direcionado de atuação, um vetor.

Os Àbíkú, que também vou descrever, está ligado ao mal mas não é uma força malevolente, Àbíkú é um comportamento que leva o mal por um espírito do órun (Ọ̀run), comportamento esse que pode ser revertido. Já os Ajogun e ajé (Àjẹ́) tem sua natureza imutável determinada por seu propósito teológico.

Quando Olódùmarè criou o mundo ele criou um mundo completo, pleno em dificuldades, emoções, sensações, aventura e dificuldades. Como expliquei no início existe uma dualidade e esta religião nos mostra o mundo através destes polos positivo e negativo.

Temos que lembrar, sempre, que a palavra que define essa religião é: equilíbrio.

Para que exista a luz ou para que se note a luz existem as trevas, sem as trevas a luz passaria despercebia. Só vamos saber o que é o bem-estar se soubermos o que é o mal-estar, somente saberemos o que é prazer e sua realização se soubermos o que é a dor e o sofrimento.

Falando de coisas naturais, de física quântica, o universo busca o equilíbrio, as forças positivas e negativas se anulam. Onde existe uma força positiva será atraída outra negativa e s partículas perdem ou ganham energia para se ajustarem. A luz e o calor são baseados nas partículas perdendo energia ou ganhando energia o tempo todo. Sem complicar muito, o mundo natural se move para o equilíbrio e isso, o equilíbrio, também é o principal conceito da religião Yorùbá.

Assim, junto com as divindades do bem, aqui no Àiyé existem também divindades, forças supernaturais, também criadas por Olódùmarè que nos desafiam, nos levam aos nossos extremos e nos fazem darmos o melhor de nós mesmos.

O modelo do cosmo metafísico está no capítulo 3. O diagrama mostra o equilíbrio entre as forças da esquerda, as negativas e as da direita as positivas. Esse é o supernatural, ele é composto pelas duas coisas. No Odù Ogbè Méjì está a explicação para esse modelo. Ogbè é a manifestação da luz, ele reflete toda a energia positiva da criação as bençãos da luz. Mas atrás dele vem a negatividade, ajé (Àjẹ́) e os Ajogun, não existe positividade máxima sem atrair a negatividade máxima. Assim se uma pessoa nasce com as bençãos deste Odù, ela saberá que terá todas as bençãos para atingir as boas coisas da vida, mas terá atrás de si as forças negativas que são atraídas por essa negatividade e deverá a vida toda cuidar disso, de se proteger.

Aqueles que conhecem a ciência quântica, vão facilmente entender a similaridade de conceitos e visão energética. Na verdade o modelo metafísico do supernatural é facilmente entendido é explicado por esta ciência, a diferença está na forma de explicar isso e, claro, no entendimento dos agentes que movimentam isso.

Os Ajogun são as forças absolutamente negativas, a morte súbita, a dor, a perda, a aflição, a doença e os demais. Eles existem no mundo também, mas, são a minoria. Como expliquei no início as forças do bem são muito mais numerosas do que as forças do mal.

As ajé (Àjẹ́) são o que podemos comparar ao diabo católico. Na verdade a figura do “diabo” existe em muitas religiões. No modelo teológico que é comum a todas as religiões do mundo sempre existe uma divindade que pode ser associado ao “diabo” cristão. A diferença está na forma como cada religião define sua função e utilidade.

São as ajé (Àjẹ́) que devem ser associadas ao mal teológico, representado no cristianismo pelos demônios. Não é a divindade Exú (Èṣù) que deve ser comparada ao diabo, na verdade Exú (Èṣù) tem que ser equiparado a um arcanjo, igual aos Òrìṣà (Òrìṣà (Orixá)), que deus envia ao Àiyé para fazer suas designações.

A compreensão da religião yorùbá é radicalmente diferente dos católicos que colocam divinamente deus em oposição ao demônio e este último, competindo por almas livres, como se essas almas fossem um jogo, nos levando a errar e sem do instrumento do nosso erro. No nosso entendimento, esse conflito e desafio, somente existe aqui, no Àiyé, mas, todos, depois de viver, retornarão ao órun (Ọ̀run), que é nossa casa verdadeira.

Enquanto estamos no Àiyé nos defrontamos com forças menores mas também poderosas para superar. Sem dúvida o Àiyé é uma construção interessante. Da mesma forma que oferece alegrias, prazeres, amor, família e realizações, também oferece o equilíbrio das energias através do oposto, das dificuldades, da pobreza, das doenças e do sofrimento.

No inteligente e complexo modelo metafísico Yorùbá isto é pré-definido como o equilíbrio. Não precisamos inventar nada. Como citei está no Odù Ogbè Méjì.

E termos de supernatural, existem 3 temas que importantes que afetam a sociedade e são explicados pela religião e dessa forma fazem parte da teologia. Não existem explicações naturais para o que vamos abordar.

A primeira força do mal teológico são os Ajogun, espíritos que fazem apenas o mal, eles carregam toda a negatividade primária. Os yorùbá os definem como as forças malignas, os yorùbá transformam as coisas ruins que nos assolam em espíritos, como a fome, a morte, a doença, a doença, a paralisia, a perda, etc… todas essas coisas que nos afetam na vida os yorùbá pré-classificam como sendo originadas por espíritos que causam o mal.

Alguns podem imaginar, por que os yorùbá consideraria essas coisas que parecem naturais como espíritos? Porque a religião endereça esses problemas, dos Ajogun, através de liturgias, sacrifícios e ebós (ẹbọ). Se não forem espíritos e sim forcas da natureza a religião não poderiam fazer nada, porque forças da natureza tem uma energia gigantesca e não haveria ebó (ẹbọ) para dar jeito nisso.

A segunda força é representada por ajé (Àjẹ́), as bruxas, como eu disse, na minha opinião solitária, a personificação do demônio Yorùbá. No modelo metafísico do capítulo 3, elas são consideradas neutras, mas, isso é uma meia verdade. Sem dúvida nenhuma ajé (Àjẹ́) é a manifestação primordial do mal teológico Yorùbá, veremos isso no capítulo dedicado as ajé (Àjẹ́).

A terceira força é representada pelos Àbíkú os espíritos que nascem para morrer e atormentam e fazem sofrer as famílias. Para poder explicar isso será necessária uma mais complexa e interessante abordagem de uma coisa chama egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Para um Bàbáláwo entender os mecanismos teológicos envolvidos om egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é extremamente importante.

Essa classificação de 3 forças é minha, critério meu. Talvez a maior parte dos pesquisadores apenas reconheça duas, os Ajogun e ajé (Àjẹ́), mas, como Bàbáláwo não posso ignorar aquilo o que eu vejo nos versos de Ifá. Sem fazer crítica a pesquisadores, de fato o que se vai ver nos livros mais antigos sobre a religião yorùbá como de Mbiti, Parrinder e Awalule, possivelmente Froebenius, são os Ajogun e Ajé (Àjẹ́). Mas essas pessoas não eram Bàbáláwo e não estavam dentro da prática da religião. Muitos deles claramente se copiaram. Eu tenho que retratar as coisas que eu vejo de fato.

segunda-feira, outubro 12, 2020

Entendendo a religião Yoruba - Pt. 36 - As relações entre o supernatural e a sociedade

 

As relações entre o supernatural e a sociedade

 

A competição entre a ciência e o mistério

Este capítulo tem um escopo bastante especial porque depois de tratarmos de aspectos conceituais e teológicos da religião Yorùbá e com isso estabelecer uma base teórica importante sobre o cosmo metafísico, podemos agora, no meu modo de entender, avançar em temas mais práticos que ligam as pessoas à religião.

A religião Yorùbá não é praticada em um altar, aliás as casas de Candomblé ou de Ifá nem tem altar, quem tem altar é a Umbanda que é uma outra religião, uma religião brasileira, bastante ligada ao catolicismo e, também, não é afro-brasileira.

A religião Yorùbá é praticada no coração dos devotos, ela, como os orixás, nasce de dentro da gente e nós somos a sua igreja, o nosso corpo, nossa mente, nosso coração é a igreja dos orixá (Òrìṣà) e de Olódùmarè.

Já cansei de repetir que esta religião tem o objetivo de nos fazer pessoas melhores e de trazer harmonia, união e paz para a sociedade. Mas, apesar deste lado bonito e devocional da religião, o supernatural que nos rodeia ou nos envolve no Àiyé, têm alguns aspectos complicados e é sobre esses aspectos que vou falar aqui.

O supernatural não é a religião, ele existe sem que você faça parte de qualquer religião ou acredite em deus. Você pode ser ateu e, mesmo assim, será afetado pelo supernatural da mesma maneira. A sociedade sempre foi muito ligada ao supernatural e a fenômenos que não podia explicar. Como ela não sabia explicar nada que ocorria no mundo, tudo era mistério e, dessa forma, como já citei no início, fazia parte do campo da fé. A fé, na verdade a religião, é quem lida com o mistério.

Antes do humanismo, no século XV e depois do iluminismo no século XVIII a ciência era apagada, censurada ou inexistente e o conhecimento era dominado pela ideologia religiosa. Podemos dizer que antes do século XV o modelo era o que valoriza ao máximo o mistério e dessa forma as teses e conceitos religiosos ditavam o entendimento do mundo. A sociedade não entendia o mundo que vivia e na ausência de melhor fonte, a religião explicava o funcionamento do mundo e de suas forças e eventos.

Nó século XIX as ideias do Círculo de Viena vieram, então, a pregar definitivamente os cravos no caixão que enterrou a influência da igreja na sociedade. Esse caixão começou a ser pregado ainda no século XVI com a reforma protestante de Lutero e mais tarde com o Calvinismo que questionaram diretamente, no campo religioso, as teses religiosas mais extremas da igreja de Roma.

Esses eventos, que eu citei, são ligados a religião católica, mas, devido a sua abrangência geopolítica não podem deixar de ser citados e relacionados com o tema do decaimento da influência da religião na sociedade. Tudo ocorre e ciclos, assim como a magia (representada por diversas fontes) declinou em favor da religião católica mais tradicional, na Europa, a partir do século XIV, a própria religião foi vítima disso, com a ciência assumindo o papel preponderante na sociedade, em detrimento à visão religiosa.

A tomada da sociedade pela ciência após séculos de domínio da cultura baseado no mistério foi bastante radical e os movimentos que citei, em sequência, consolidaram o entendimento que temos hoje que racionalizou o entendimento de tudo para fenômenos naturais e varreu do pensamento filosófico o viés teológico.

Este é um assunto fascinante mas não é o objetivo daqui. O que quero dizer é que o “vernier” que separa, na sociedade, o equilíbrio da ciência e do místico se moveu fortemente contra este último empurrando o místico, como uma interpretação do desconhecido para a qualificação de superstição. A partir do século XIX temos então uma inversão de papéis sendo a ciência, com toda a sua limitação considerada a fonte confiável e a religião a superstição, ou seja, o oposto do que era até o século XIII ou XIV.

De um lado a ciência, com o conhecido e do outro a religião e a fé com o mistério. O fato é que o que a ciência fez foi trazer luz e conhecimento para muita coisa, mas ela não extinguiu o supernatural. Isso continua existindo, o supernatural não parou de existir apenas porque a ciência passou a explicar as coisas.

Antes, de fato, na ausência da ciência, tudo era explicado através do mistério. Mas a partir do momento em que a humanidade descobre as suas explicações é desnecessário recorrer ao supernatural para justificar tudo.

O mais natural teria sido o equilíbrio entre as 2 coisas, o natural e o supernatural, mas, a sociedade se contaminou com a gerra “santa” da ciência contra a religião, que representava o entendimento do supernatural, do mistério.

Repetindo, o supernatural existe quer você acredite ou não. O movimento chamado Círculo de Viena procurou reduzir a pó tudo o que dependia da aceitação do mistério e da fé. Para tudo tinha uma explicação racional. Esse movimento foi uma reação aos tempos anteriores, obscuros, dominados por dogmas religiosos que, de fato, constrangeram a sociedade até o seu limite suportável.

Contudo a reação a isso nos levou ao que temos hoje onde não existe equilíbrio e nem dúvidas, apenas certezas em uma ciência que em muitas áreas se comporta de forma medieval. A saúde, por exemplo, se gaba de ser uma ciência, mas está longe de conhecer o que ocorre com as pessoas. Estamos em um período místico às avessas, eles acham que tudo sabem e por isso empregam seus métodos, alguns precisos, outros nem tanto, muito empirismo, para resolver tudo e qualquer discordância disso vira caso de polícia. Basicamente é a mesma coisa, só que de lado invertido.

Um pouco mais de dúvidas e menos certezas fariam muito bem a todos. Todas as religiões no mundo lidam com o supernatural. Não houve uma conspiração religiosa global, as religiões se desenvolveram no mundo todo, uma sem conhecer a outra e se baseiam, incrivelmente, em coisas similares. Um processo espontâneo que é ignorado. Como pode não haver supernatural se em todos as partes do mundo as manifestações são similares? Teríamos que acreditar em uma enorme coincidência ou uma enorme conspiração, basta escolher.

Nem todas as religiões tiveram pretensões ou atuação geopolítica como a católica, assim, muitas religiões não tem conflitos ou buscam conflito com a ciência.

Uma religião completa e abrangente como a religião Yorùbá, nos ensina como usar o supernatural para trazer o bem, para a nossa vida. A religião faz isso em nome de deus e de seu compromisso com nós, a humanidade e, por isso, por representar deus, ela também traz valores para esta relação.

Também não podemos nos esquecer que a religião explica o supernatural de uma forma muito peculiar. Ela cria um mundo fictício, com personagens, forças, energias e poderes que através de suas histórias nos mostram com o supernatural funciona. É um método baseado em parábolas e metáforas. Temos que entender que religião não é ciência e o supernatural não é o natural e, mais ainda, que diferente da ciência, a religião explica tudo para qualquer tipo de pessoa.

Dessa maneira o modo da religião explicar o supernatural é através de um modelo alternativo, um “constructo” que nos permite estabelecer um entendimento baseado no que nós conhecemos de mundo. Esse modelo de “constructo”, de metáfora transcendente é que cria um pouco das confusões, porque as pessoas limitadas cognitivamente não conseguem entender a diferença entre o constructo e o mundo real, mas ai, sinceramente, não é culpa da religião, essas pessoas não entendem nem a ciência e nem a religião, como falamos no popular, se pintarmos a grama de azul elas morrem de fome.

O que veremos a seguir é um aspecto mais obscuro do supernatural, que afeta a sociedade de uma forma negativa. Até aqui, o modelo transcendente da religião foi apenas focado em coisas positivas, mas, como está na base dessa religião, e eu já citei isso, existe um equilíbrio.

 

CONTINUA EM: O MAL TEOLÓGICO

terça-feira, setembro 08, 2020

A morte, como é explicada no odu Ọ̀yèkú Ọ̀ṣẹ́

 A morte, explicada no odù Ọ̀yèkú Ọ̀ṣẹ́


Como sabem eu nã tenho o hábito de postar textos de Odù de forma geral porque, como Bàbáláwo eu sei que as mensagens de Odù são contextuais e direcionadas a cada caso. Os versos de Odù não são uma bíblia que pode ser lida em qualquer ordem e muito menos pode ser pinçadas frases isoladas como sendo a manifestação da palavra de deus. Versos são usados em consultas e cada um tem uma mensagem para si.

Mas eu faço algumas exceções existem alguns Odù que mensagens gerais e devem ser citados. Já fiz isso aqui algumas vezes e vou fazer mais.

Neste texto trago uma mensagem do Odù oieku oxé (Ọ̀yèkú Ọ̀ṣẹ́) sobre a morte.

 

Kamateteku, o advinho da casa da alegria,

aiteteku-ise o Advinho da casa da tristeza,

Bi-iku-ba-de-ka-yin-Oluwa-logo, o Advinho de Igboya ewa Alogbon-on-maku-ninu, Masimale ninmeyeniyi, Advinho de Afinju-maku-mased-baje.

Oyekeseniyi, consultou Ifá para os sábios que convidaram os Bàbáláwo a considerarem sobre os problemas da Morte perguntando: Porque a morte deve matar as pessoas e ninguém alguma vez a superou?

Os Bàbáláwo disseram: Ifá indicou que Amuniwayé (Oxalá (Òṣàlá) ) criou a morte para o bem da humanidade. A água que não flui se transforma em açude — um açude com água poluída; um açude com água que pode causar doenças.

A água carrega as pessoas facilmente e água os devolve facilmente.

Que o doente retorne à casa para cura e renovação do corpo, e o mau para a renovação do caráter. O louco se preocupou com sua família.

Os Bàbáláwo perguntaram: O que é desagradável sobre isto?

Os sábios se curvaram para Ifá dizendo: Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) Iboru, Iboye, Ibosise.

Todos eles se dispersaram e nunca mais consideraram mais a morte como um problema.

 

Este pensamento faz todo o sentido quando estamos tratando de uma religião que é reencarnacionista e que entende que a vida o mundo natural é apenas um período temporário que nosso lar é no mundo espiritual. Assim quando morremos voltamos para casa.


terça-feira, agosto 18, 2020

Ògbóni e Geledé (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) o equilíbrio da relação masculino-feminino [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 35 ]

Ògbóni e Geledé (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) o equilíbrio da relação masculino-feminino


Para eu cobrir todo o fundamento teológico disso precisaria destacar mais um Odù com a história de Òdí Méjì (que não vou relatar aqui, porque é bem longo e não está ligado a figura feminina) e o mito que está em Ọ̀sá Méjì, o qual narra o momento em que Olódùmarè dá para Odù a cabaça com o pássaro com poder absoluto e depois ela se entende com Eégún e dá para ele o seu poder através do pássaro que ficará empoleirado no seu ombro.

Vejam um trecho final do verso:

ela diz, grita, eis Eégún eis Eégún.

Ela diz, eles gritam por causa dele.

Ela diz, ele arrasta seu chicote no chão, ela diz, a honra cabe a ele.

Ela diz, a partir de hoje,

ela diz, ela concede Eégún ao homem.

Ela diz, por causa dela,

ela diz, mulher alguma nunca mais ousará entrar na roupa deEégún.

Ela diz, por causa de Òrìṣà (Orixá)lá, ela diz, ela dá Eégún ao homem.

Ela diz, mas se ele deve sair,

ela diz, ela tem o poder que ele utiliza.

O motivo se deve à amizade entre Eégún e eleye.

No lugar de onde vem Eégún, as eleye (também) vêm.

Todo o poder utilizado por Eégún é o poder de eleye.

Odú diz, mulher alguma jamais entrará na (roupa) de Eégún. mas ela poderá dançar, ir ao encontro de Eégún,

Quer dizer que se Eégún sair,

ela dançará diante dele,

ela dançará na estrada, ao encontro de Eégún.

Ela diz, a mulher fará isto unicamente.

Ela diz, a mulher não ousará nunca mais entrar de novo no pátio dos fundos. Ela diz, a partir de hoje é o homem que levará Eégún para fora.

Ela diz, ninguém, nem os netos, nem os velhos poderão zombar da mulher. Ela diz, a mulher tem mais poder sobre a terra.

Ela diz, além do mais, a mulher nos pôs no mundo.

Ela diz, todo mundo nasceu da mulher.

Ela diz, todas as coisas que as pessoas quiserem fazer, se não forem ajudadas pelas mulheres, ela diz, não podem fazer.

(É por este) motivo que os homens nada podem fazer na terra, se não o obtiverem das mãos das mulheres.

Eles cantam.

Por essa razão

Òbàrisà também canta.

Quando é o quinto (dia), eles fazem (a festa) da semana.

Ele diz que todos os cânticos que eles cantarão serão este aqui, vi ndos do (odu de ifá) òsá méji.

Ele diz, eles saúdam as mulheres,

Ele diz, se eles saudarem as mulheres, a terra será tranquila.

Eles cantam assim:

Dobrai o joelho, dobrai o joelho para as mulheres.

A mulher nos pôs no mundo, assim somos seres humanos.

A mulher é a inteligência da terra, dobrai o joelho para a mulher. A mulher nos pôs no mundo, assim somos seres humanos”.

Creio que esse Odù é bastante o suficiente para colocar esse equilíbrio entre forças no qual o poder de Olódùmarè dado a ajé (Àjẹ́) se encontra com o poder do homem depositado em Eégún.

Eégún é a representação do homem, o poder do homem, visto que a mulher não é também representada em Eégún. Lembro a todos que a figura de Eégún e do culto de Eégún é para mostrar a todos que a vida é contínua, que a alma não morre, que vivemos para sempre e podemos reencarnar. Esta é a razão da religião ter Eégún, seja pelo sentido de valorizar o vínculo familiar contínuo e perene como por demonstrar que vida e um ciclo sem fim.

Somente Eégún pode conter o poder de ajé (Àjẹ́). Essa é uma informação que poucos têm. Além disso existe um velho dito popular que fala que somente Olódùmarè pode salvar o homem de uma esposa vingativa. É a mulher que prepara a comida, as oferendas e isso é o caminho para o orun (Ọ̀run).

É uma sociedade patriarcal e se engana quem acha que isso foi diferente, mas, as mulheres são dotadas de capacidades especiais para quebrar esse domínio.

Acredito que isso ficou, também, claro nas histórias que mostrei.

O assunto mulher não está restrito a teologia e Ifá e para falar sobre ele é preciso entender alguns conceitos importantes sobre a sociedade Yorùbá e outras estruturas da religião. Eu acredito que a maior parte dos erros de entendimento aqui no Brasil e na diáspora são advindos de nós não entendermos de forma ampla a sociedade e valores e também outras estruturas religiosas que completam o todo.

O equilíbrio do poder masculino-feminino na sociedade fica evidente quando analisamos a estrutura dos cultos de Ògbóni e Geledé (Gẹ̀lẹ̀dẹ́).

Geledé (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) será tema de um capítulo, mas, adianto que não está relacionada com ajé (Àjẹ́). Geledé (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) é uma manifestação da sociedade em busca de harmonia e paz, em busca de equilíbrio e para amenizar a ira de ajé (Àjẹ́).

Ẹdan é o símbolo máximo da sociedade e representa uma figura masculina e uma feminina, em bronze, unidas por uma corrente. A figura feminina frequentemente é tratada segurando os seios ou, ocasionamento, alimentando uma criança. Existe um dito sobre esse tema: Ọmú ìyá dùn ú mu – O leite do peito da mãe é doce. Esta frase é recitada pelo membros do Ògbóni quando eles tocam o chão ou tocam o Ẹdan com sua língua, como uma forma de saudação respeitosa.

Ilé (Ilẹ̀) a terra, deve trazer paz, felicidade, estabilidade social e sobrevivência, é a terra que dá poder a Ògbóni mas também alimenta ajé (Àjẹ́) que é a ira de Ilé (Ilẹ̀). As sociedades Ògbóni e Geledé (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) estão unidas no seu aspecto social, muito mais do que uma estrutura religiosa é uma estrutura da sociedade yorùbá e por esta razão não foram transportadas pela diáspora. O seu significado é a busca de equilíbrio e pacificação do espírito feminino representado por Ilé (Ilẹ̀).

Mesmo nas sociedades masculinas de Eégún e Orò a mulher tem cargos.

Observe que Eégún é o culto festivo e alegre e Orò representa sempre o poder sombrio de Eégún, Orò é a manifestação de Eégún no seu aspecto punitivo para a sociedade. É Orò que executas as mulheres feiticeiras, ajé (Àjẹ́) que usam seu poder para o malefício.

Ilé (Ilẹ̀), a grande mãe Ògbóni em seu aspecto sombrio, se transforma em Ọ̀gẹ́rẹ́, a manifestação irascível e vitimizadora, que traz morte a seus filhos. Esta é a visão ambivalente da sociedade frente a terra. Ela mostra o potencial explosivo da relação homem-mulher em uma sociedade masculina e a necessidade de exercer a diplomacia.

Geledé (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) surge da visão Ògbóni de omón iya (Ọmọ ìyá), os filhos da mesma mãe e tem o objetivo de sensibilizar a mãe natureza Ìyá Nlá aos problemas dos filhos e da sua responsabilidade maternal.

O objetivo é fazer os membros da comunidade a amarem e interagirem um com o outro como filhos da mesma mãe. A manifestação de Geledé (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) através do seu festival é feita para pedir saúde, vida-longa, prosperidade, muitos filhos, evitar doenças, mortalidade infantil e evitar desastres. O objetivo do culto que pode ser através de uma grande festival ou de eventos menores e até mesmo para apenas uma família, tem a finalidade de promover a paz e o bem-estar social. Pessoas de todos os cultos de orixá (Òrìṣà) participam.

Os cultos de Ògbóni e Geledé (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) são assim mais uma manifestação do equilíbrio dos poderes masculino e feminino.

Muitos aqui se questionam porque as pessoas dos cultos de orixá (Òrìṣà) e demais segmentos desta religião não são unidas. A razão é que trouxeram apenas o culto de divindades e não o entendimento de equilíbrio da sociedade integrado coma religião.

Ninguém entende aqui o que é ajé (Àjẹ́) porque para entende ajé (Àjẹ́) tem que se compreender uma dimensão muito maior de sua atuação. Não se trata apenas de feiticeiras e sim do poder feminino no equilíbrio do mundo.

A feitiçaria em sí, o malefício é combatido pela sociedade.

Para finalizar isso eu digo que não existe sentido no culto de Ifá na presença da mulher. Essa posição de mulher sacerdote é uma violação do princípio básico de equilíbrio da religião. A Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) foi dado o poder do oráculo e à sua união com Odù foi trazido o poder feminino.

Não se trata apenas de ficar interpretando versos ou aceitar a história que está em Orangun méjì. Trata-se de entender que não é possível sob o ponto de vista teológico se reunir em uma única pessoa as duas coisas, uma mulher em atividade fértil feminina não pode ser detentora de 2 poderes isso é romper com os princípios da religião e da própria sociedade.

Para aceitar a iniciação de mulheres um Bàbáláwo teria que fazer 2 coisas. A primeira é jogar no lixo o que está escrito em Orangun Méjì. A segunda é ignorar um princípio que norteia a sociedade e a religião. Entender o equilíbrio masculino e feminino é tão importante quanto entender o que é axé (àṣẹ).