A Composição do Candomblé
As estrutura e formação das nações do Candomblé
O tema das nações de candomblé não é necessário para a definição e entendimento da religião, mas, é um assunto complementar importante e por isso está sendo abordado como um texto complementar.
Antes de me estender neste tópico tenho que reconhecer que este assunto de nações, como muitos outros no candomblé, representam um desafio a uma abordagem racional e cartesiana. As pessoas adoram simplificações, maniqueísmos e cartesianismo. Mas o mundo real não é assim. A teoria do caos é o que explica o mundo, não a de newton ou o método de descartes.
Eu já mostrei em outro texto o quanto o candomblé é diversificado e por isso é complexo. De certa forma, é injusto chamar toda essa riqueza cultural e religiosa de apenas “candomblé”, mas, é assim que fazem. A heterogeneidade é o que traz esta complexidade, fazendo com que seja, para muitos uma coisa difícil de ser aprendido ou entendido, aliás, é mesmo dificil.
Além disso, o contexto afro-brasileiro é muito maior. O candomblé é apenas uma das tradições. Existem outras tradições. Aqui tratamos de candomblé, e especificamente de uma parte dele.
Como eu disse, não existe um candomblé, existe o candomblé, formado por religiões, cultos e nações. É este contexto que o torna complexo. O assunto é tão simples ou tão complicado como qualquer religião. No caso do candomblé temos apenas que entender esta heterogeneidade para evitar falar de tudo ao mesmo tempo como se fosse apenas uma coisa.
Se a pessoa não entende que existe uma diversidade e também qual é essa diversidade ela vai se tornar ininteligível, como aliás muitos são. Ai está então a chave do principal problema que o candomblé enfrenta, a ignorância.
Digo isso não no sentido pejorativo da palavra, mas no sentido literal. As pessoas não compreendem de fato sobre o que estão falando e transformam qualquer conversa ou explicação em um pesadelo. Piora muito quando essas pessoas misturam ainda catolicismo e umbanda na mesma conversa.
Este texto aqui procura mostrar como é composta a diversidade do candomblé, para permitir que o assunto seja mais simples. Parece um paradoxo, não? Mas não é. A chave da simplicidade, da clareza e da objetividade está na pessoa focar o seu assunto no pedaço que pertence ou conhece. Na minha opinião, sob o ponto de vista religioso, não existe sentido em alguém adotar uma abordagem diferente. Falar sobre muitas coisas ao mesmo tempo ou comparativamente é coisa para antropólogo ou idiota mesmo, ou seja, os dois extremos.
Aqueles que não leram o texto sobre a composição do candomblé devem fazê-lo. Este texto aqui complementa este primeiro.
Agora, enfim, vamos ao que interessa.
No texto anterior, eu fiz 3 referências de divisões do candomblé que são importantes. A primeira é a religião base, existem duas, a Yoruba e a do Dahomey. Uma casa somente pertence a uma dessas religiões.
Eu não conheço a religião do Dahomey de forma que não posso falar sobre ela. Eu falo apenas do candomblé ligado a religião Yoruba.
A segunda referência, foram os cultos. As casas da religião Yoruba se dividem exclusivamente entre 1 de 3 cultos, o de Orixá, que é o principal e mais importante, o de Egungun e o de Ifá, este último é o mais recente e vagarosamente vai se integrar com o candomblé.
A seguir uma casa pertence a uma nação, que é uma especialização dentro da religião e também do culto, sendo que cada nação tem apenas um culto. Dentro da nação vamos ter, ainda, o conceito de “Axé” que liga a casa a uma das casas matrizes da sua nação.
Esta hierarquia vale para o culto de orixá. Para o culto de egungum e Ifá existe uma outra estrutura hierárquica própria a cada um deles e que é muito mais simples porque esses cultos não passaram pelo processo histórico de crescer junto com a nação brasileira, eles não formaram uma tradição religiosa.
Esta estrutura que eu comentei, parece bem natural, não? Religião, culto, nação e axé. Pois é assim mesmo e é desta forma que as casas devem ser entendidas, tomando-se, claro, a casa como o elemento de referência na formação e prática da religião.
Vamos de baixo para cima iniciando no elemento básico da prática da religião que é a casa. O individuo pertence a uma casa e somente a uma casa. Esta casa está ligado a somente um dos culto citados. Ou a casa é de orixá ou de Egungun ou de ifá. O culto está ligado somente a uma religião, assim, por exemplo, ele será o culto de orixá Yoruba ou culto de Vodun jeje.
Pausa para respirar.
Orixá e Vodun são divindades diferentes. Elas pertencem a RELIGIÕES diferentes!
Teologicamente falando, não se pode fazer comparações ou incluir na mesma conversa essas divindades como se fossem paralelos, separações linguísticas. Eu gostaria muito de conhecer a religião do Dahomey para poder falar mais desse tema, da mistura que pessoas desinformadas fazem dessas 2 divindades. Mas não tenho tempo agora para isso.
Assim uso uma lógica mais simples para minhas afirmações. São 2 religiões diferentes, ou seja, 2 teogonias, 2 metafísicas, 2 teologias, 2 cosmogonias, etc... Não dá para fazer equivalência de de-para. A realidade de as pessoas misturarem na sua casa tratamentos de Orixá e Vodun não pode se tornar uma regra. As pessoas podem chamar urubu de meu louro e cachorro de gato, isso não vai mudar a natureza deles. Cachorro será cachorro e papagaio será papagaio.
A mistura de Orixá e Vodun necessita de muito espaço para ser explicada, mas, no fim passa apenas por conversa misturada ou sincretismo litúrgico. A maior parte das pessoas fala sobre o que não sabe ou faz Orixá e chama de Vodun.
Mas, voltando ao nosso tema, as ligações de culto e religião, são suficientes para situar a casa no contexto teológico, contudo, em termos de formatação da prática da religião adiciona-se mais dois elementos que é a nação e raiz de axé.
Conforme eu citei, a nação é uma especialização do culto, que desenvolveu ritos e liturgias específicos para a sua prática religiosa. A nação não muda a religião ou culto e sim dá formato a prática disso no dia a dia. O agrupamento das nações seguiu uma origem étnica como também outros critérios menos claros de socialização.
Como exemplos de nações ligados à religião Yoruba podemos citar a mais conhecida a influente, o Ketu, mas também, o Efon, o Ijexa, o candomblé de caboclo, o xambá, o angola.
O angola pensa que é diferente. Dá nome diferente as suas divindades, usa uma língua diferente e usa os atabaques de forma diferente. Mas isso é só casca, basicamente copiaram o modelo ketu e fizeram uma “etnização”. Essa religião que eles praticam aqui não existe na África
O agrupamento da Nação é o primeiro nível de estruturação da prática religiosa e litúrgica. Ele dá os principais formatos litúrgicos na prática da religião e associa a casa às origens histórica dos povos africanos que vieram na diáspora. Com a difusão e dispersão do candomblé na sociedade, a nação tem apenas o sentido de ser o nível principal de estruturação da prática, perdendo o sentido de diferenciar e agrupar etnias
Nos aprofundando um pouco mais nesse microcosmo das nações encontramos o conceito de raiz de axé ou apenas “axé” que é uma especialização da nação e o conceito mais importante na qualificação das casas, mais relevante mesmo que o de nação.
Dentro das nações existem algumas casas matrizes principais que foram as fundadoras da nação e da própria religião. Dessas casas chamadas de matrizes saíram as pessoas que abriram as casas filhas ou descendentes, dessas casas filhas saíram outras pessoas que abriram outras casas e assim sucessivamente gerando uma grande árvore de descendência.
Nesse processo de ramificação, surgiram novas casas matrizes. Por cisão interpessoal, quebra da relação de descendência por falecimento ou mesmo origem histórica independente, como a separação entre Salvador e o Recôncavo, ou questões de Orixá mesmo, houve uma formação de raízes de axé. Grandes ou pequenos, não importa, existe uma diversidade nas raízes de axé.
Não falo aqui sobre as coisas erradas da prática da religião, senão teria que escrever uma enciclopédia, mas, não posso deixar de lembrar que um dos motivos que também pode gerar uma nova raiz de axé é a desonestidade teológica, a “marmotagem” como se diz no meio. Pessoas sem direito a abrir casas abrem e criam uma nova raiz sem estar ligados a ninguém, ou dizendo que estão ligados a uma casa que já acabou.
A regra diz que todas as casas de um mesmo “axé” devem seguir as mesmas regras, os mesmos ritos e mesma liturgia. Esses "axés" formam a espinha dorsal do candomblé. A casa, sem dúvida, é o elemento principal, aquele que é percebido pelas pessoas, mas o axé é o que, na ponta, dá formato a prática, aglutinando toda a teologia porque é o ponto de convergência da religião, do culto e da prática da religião. O axé define o padrão da prática litúrgica e também estabelece a cadeia hierárquica entre os sacerdotes.