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sexta-feira, julho 09, 2010

Rezando para Orí

Orí o guardião do nosso destino

Orientações e explicações de como entender, se equilibrar e viver melhor através de Orí



O que é Orí?



O objetivo deste texto não é explicar totalmente o que é Orí. Este é um conceito muito importante na religião Yorùbá e será abordado na sequência sobre o Cosmo Yorùbá. Ori é parte do conceito de individualização e é necessário explicar o que é isso. Não existe explicação decente sobre Ori sem falar sobre o seu humano na religião.

Desta forma este texto poderá ser um pouco hermético para muitos neófitos que estejam apenas acompanhando as publicações, mas, para pessoas que já sejam da religião, sem dúvida, elas já ouviram falar de Orí. Como muitas palavras Yorùbá esta também tem mais de um significado e uso o que as vezes torna ela complexa de ser entendida.

Ori é usado para se referenciar a 2 coisas principais. A primeira é a nossa cabeça. Cabeça é Ori. Os Yorùbá entendem que a cabeça é uma parte importante do corpo e nela reside aspectos marcantes de nossa vida. Nossa consciência esta na nossa cabeça bem como componentes adicionais e auxiliares também estão. A cabeça é o repositório de nossa axé (aṣẹ́), da ligação com o nosso orixá (Òrìṣà) e da ligação com nosso passado e ancestralidade.


O Ori é o repositório de nosso axé (aṣẹ́), da ligação com o nosso orixá (Òrìṣà) e da ligação com nosso passado e ancestralidade. Existe o que se chama o Ori exterior e o Ori interior. O Orí exterior não é nada demais é a cabeça que vemos. O Orí interior são essas virtudes e propriedades que carregamos na nossa vida vindos do Orun.

Ortodoxamente dizendo, o nosso Ori está ligado apenas a nossa capacidade de prosperar aqui no àiyé. Decepcionados? Pois é, é isso. Essa explicação está no Odu Ogunda Meji, na história de Afawupé, filho de Orunmila. Um bom Ori nos permitirá prosperar com mais facilidade e rapidez. Mas o sucesso de uma pessoa apenas se realiza de ela tiver Iwa Pele, um bom caráter, ou o axé da prosperidade. Essas 2 coisas, o Ori e o Iwa são selecionados por nós antes de nascermos. Se formos bem-sucedidos nesta escolha teremos uma vida-longa e próspera.

A escolha desses elementos deve ser feita de forma planejada no Orun. Para isso, no Orun consultamos Ifá. Além de escolhermos um bom Ori e Iwa também iremos fazer os sacrificios e oferendas que garantirão o nosso sucesso. Nem todas as pessoas que nascem fazem isso, muitas decidem vir para cá contando com a sorte.

Orí faz parte do contexto da nossa vida no aiye, mas esse contexto tem mais elementos. Isso começa quando definimos os objetivos para a nossa vida, para a encarnação que teremos. Vamos então a Olodumare pedir para viver com aqueles objetivos e duração. Olodumare nos concede e com isso vamos receber instrumentos que viabilizarão a nossa aventura no Aiye.


Sim, a vida é encarada como uma aventura, uma aventura de sentimos, experiência e sensações que somente aqui no Aiye teremos. Além disso vamos ter o convívio com nossa família. Baseado no objetivo de vida que escolhemos (ou nosso destino), nós vamos receber um Odù que é o axé de Olodumare para atingirmos esses objetivos,  vamos receber um Orixá que nos acompanhará no aiye e vamos receber elementos que comporão nosso axé.

A esse conjunto devemos somar o Ori escolhido junto a Ajalá, o Iwa e nosso Ipori que é nosso vínculo ancestral. 

Nós mesmos, nossa essência, se adiciona a este conjunto de coisas e nosso destino pedido e legado formando a nossa individualidade. Dessa forma Orí é apenas uma parte deste contexto. Oportunamente vou escrever explicando isso tudo.

No Candomblé o Orí ganha uma importante enorme, como se fosse tudo em nossa vida, mas não é bem assim....


Oops, antes tenho que fazer um alerta. Apesar de eu estar falando aqui de Candomblé, lembro que Candomblé não é homogêneo, é um conjunto heterogênio de 2 religiões, 2 cultos distintos e várias nações. Coisa que são aplicáveis a um segmento não são aplicáveis a outro.

Estou aqui, como sempre, falando do Candomblé da religião Yoruba, culto de orixá.

As nossas demais virtudes como o Ipori que é nossa ligação com a ancestralidade, o nosso orixá (Òrìṣà) e o nosso caráter, também fazem parte de nós e determinam nossa vida como um todo. Orí é importante mas não resume tudo, posso dizer que está muito mais ligado ao axé (aṣẹ́).

Entretanto, esses conceitos não são de muita utilidade. Apenas dizem como nossa alma é formada e como nos ligamos ao orun e a personalização de nossa vida. O que eu expliquei trata de elementos estáticos, a gente nasce com eles e eles nos explicam.

O segundo e mais importante significado da palavra Orí é quando nos referenciamos a nossa divindade pessoal, o nosso anjo da guarda ou guardião protetor. Os Yorùbá entendem que temos no Órun (ọ̀run) um duplo, um espirito protetor que nos protege e guia os nossos rumos. Esse espírito está acima das demais divindades no que diz respeito a nossa vida. Nada pode ocorrer com a gente sem a permissão de nosso Orí, nem mesmo o orixá (Òrìṣà) tem superioridade a ele.

Essa divindade pessoal é nosso maior bem espiritual e é para ela que rezamos. Assim quando rezamos não estamos rezando para nossa própria cabeça, estamos rezando para o nosso guardião no Órun (ọ̀run). Desta forma, quando falamos de Ori podemos estar nos referenciando ao que trazemos com a gente ou a nossa divindade pessoal. A maior parte de nossa atenção deve ser com a nossa divindade pessoal.

Esta é a parte dinâmica do conceito de Orí. Esta é a divindade que nos protege e nos orienta e é este vínculo que temos que cuidar. A cerimônia de Bori, a mais importante do Candomblé tem algumas finalidades. A primeira é a de repor axé. Axé é a energia da vida, é a quintessência que existe em todos os seres e que nos é dada apenas por deus, por olodumare. O Bori e as liturgias do Candomblé tratam de repor, equilibrar e transmitir axé. A segunda finalidade é criar ou melhorar a ligação entre orun-aiye do nosso Ori. Através do Bori nós melhoramo essa ligação e isso permite a nossa divindade protetora melhorar sua interação e influência em nossa vida.

O que nos ajuda na vida é o binômio Ori-Orixá, Nosso anjo guardião e nosso Orixá são as divindades que nos suportarão diretamente em nossa vida e sucesso. Nenhuma das duas deve ser ignorada e não se vai a lugar algum sem as duas. Temos apenas 1 Orixá, o Orixá de nascença, aquele que vem como parte de nosso Ori. Nosso orixá é dessa maneira tão importante como a divindade pessoal Orí. Orí nos dá proteção mas dá principalmente rumo e orientação. Nosso orixá é quem age na solução de nossos problemas. Isso está no odù Oxé-otuwa.

O que esta religião espera da gente é que sejamos pessoas dignas. O que esperamos da vida é que ele seja alegre, prazeiroza, desafiadora e aventureira. Ninguém nasce para ser infeliz. Não vivemos para a religião e sim vivemos com a religião.


Rezando para Orí



Como em qualquer religião os Yorùbá tem suas rezas. Elas são chamadas de igbàdúrà ou agbàdúrà. Essa é uma palavra derivada do verbo Gbàdúrà que significa rezar. O sentido é o mesmo, uma prece é um meio mecânico, através de repetição de palavras que usamos para nos conectar com o divino. Representam pedidos, agradecimentos ou simplesmente louvações.

Os Yorùbá acreditam que além desse sentido de sintonia da alma com o divino, as palavras têm poder. Devemos sempre ter cuidado com o que sai de nossa boca. As orações são encantamentos e as palavras tem o efeito de despertar e ativar energias. Dessa maneira as orações devem ser faladas e não pensadas.

Pode-se rezar para Orí a qualquer hora do dia e em qualquer lugar. Orí é a nossa divindade pessoal e quem nos protege de tudo na vida e no mundo. Antes de qualquer Orixá (Òrìṣà) e acima de qualquer Orixá (Òrìṣà) esta Orí. Rezar de manhã quando se acorda é a melhor opção.

A seguir existem uma relação de rezas para Orí. Elas devem ser entendidas e decoradas, recomendo que rezem em Yorùbá, mas quem tiver extrema dificuldade que o faça como quiser. De fato, como em qualquer religião as palavras devem vir da alma e isso é o principal.

No texto a seguir, existe a linha com as palavras em Yorùbá, a fonética das palavras em português e a sua tradução. Quando uma palavra tem mais de um acento significa que deve ser usado a forma aguda em cada sílaba acentuada, ou seja, pronuncie cada sílaba com a acentuação indicada. Atenção especial para alguns casos.

Quando aparece GB deve ser pronunciadas as 2 consoantes. Assim GB não é a mesma coisa de B. Por exemplo Gbo pronuncia-se diferente de Bo. Da mesma maneira o P Yorùbá é pronunciado como KP. Não existe letra muda, toda letra e sílaba deve ser pronunciada. As palavras Yorùbá geralmente são oxítonas, com sílaba tônica no fim.


Rezas de Ori

Para quando acordar de manhã

Reza 1

èmi ma jí loní o
emi má jí loni ô

eu acabo de acordar hoje

mo fi orí balẹ̀ fún ọlọ́run
mo fí orí balé fun olórún

eu coloco minha cabeça no chão para ọlọ́run

orí mi dá ẹ̀mí dá àiyé
orí mi dá émí dá aiiê

meu ori me de vida de de longevidade

Ngo kú ìmọ̀
ungô kú imón

eu saldarei o conhecimento

gbogbo ire ni ti èmi
gbogbo ire ni ti êmi

todas as benção para mim

imolẹ ni ti àmakisi
imolé ni ti ámákisi

os Orixá (Òrìṣà) pertencem a àmakisi


Reza 2

Orí awo màá tọ́ ni awè
orí auô ma a to ni auê

O mistério do Orí nascerá no jejum

Orí awo màá tọ́ ni awè
orí auô ma a to ni auê

O mistério do Orí nascerá no jejum

Orí awo màá gbó ni awẹ̀
orí auô ma a gbô ni auê

O mistério do Orí amadurecerá no jejum

Orí awo màá gbó ni awẹ̀
orí auô ma a gbô ni auê
O mistério do Orí amadurecerá no jejum

Orí awo màá mọ̀ ni awè
orí auô ma a món ni auê

O mistério do Orí trará conhecimento no jejum

Orí awo màá mọ̀ ni awè
orí auô ma a món ni auê

O mistério do Orí trará conhecimento no jejum

ìbà á ṣẹ Òtúwà-kan
ibá a xé otu ua can


Reza 3

orí sán mi, orí sán mi
orí san mi, ori san mi

ori me torne melhor

orí sán igbédè, orí sán igbédè
orí san igbêdê, orí san igbêdê,

ori me torne mais inteligente

orí tánsan mi ki èmi ni owó lọwọ
orí tan san mi qui êmi ni ôuô lóuó

ori me faça brilhar e que eu tenha dinheiro nas mãos

orí tánsan mi ki èmi ni aya
orí tan san mi qui êmi ni áiá
ori me faça brilhar e que eu tenha esposa

orí tánsan mi ki èmi bímo rere
orí tan san mi qui êmi bimô rerê
ori me faça brilhar e que eu tenha bons filhos

orí tánsan mi ki èmi mọlé
orí tan san mi qui êmi mólê

ori me faça brilhar e que eu construa uma casa

orí sán mi, orí sán mi, orí sán mi
orí san mi, ori san mi

ori me torne melhor

Olúwa mi ajiki
olu ua mi ajiqui

ìwà mi a dúpẹ́
iuá mi á dukpé

meu caráter, eu agradeço


Reza 4

Orí mi yẹ́ o Já fún mi
orí mi ié o já fun mí

meu orí esteja atento lute por mim

ẹlẹ́da mi yẹ́ o! Já fún mi
élédá mi ié o já fun mí

meu criador esteja atento lute por mim


Reza 5

Bi o ba fífẹ lowó, bèèrè kan orí
bi o bá fifé louô, beere kan orí

se você quer ter dinheiro, pergunte primeiro a orí

Bi o ba fífẹ sowó, bèèrè kan orí wò fún o
bi o bá fifé xouô, beere kan ori fun ô

se você quer ter trabalho, pergunte primeiro para orí olhar para você

Bi o ba fífẹ kólé, bèèrè kan orí
bi o bá fifé colê, beere kan orí

se você quer conrtuir uma casa pergunte primeiro a ori

Bi o Ba fífẹ laya , bèèrè kan orí wò fún o
bi o bá fifé laiá, beere kan orí uô fun o
se você quer ter uma esposa, pergunte primeiro para or”i ver para você

Orí máse pẹ̀kun dé
orí máse kpé kun dê

orí não deixe de vir para cá

Lọ̀dọ̀ rẹ èmi nbọ̀
lódó ré emí unbó

é para a sua presença que eu estou indo

Wá saye mi di rere
uá xaiê mi di rerê

Venha e faça minha vida ser melhor


Retirado de ògúndá méjì

ori pẹ̀lẹ́!
Orí kpélé
 Ori!

Atètè ni rán
atete ni ran
aquele que atende rapidamente

atètè gbà mi
atete gbá mi
aquele que rapidamente me socorre

Ẹ súre fún mi níwájú àwọn Orixá (Òrìṣà)
é surê fun mi niuajú auón orixá
Você me abençoa antes de todos os Orixá (Òrìṣà)

Kò sí Orixá (Òrìṣà) le yín emi bi ori ba kó jẹ́
kô si orixá le i in emi bi ori bá kô jé
nenhum Orixá (Òrìṣà) pode me abençoar se orí não permitir.

ori pẹ̀lẹ́!
Orí kpélé

Ori!

Orí àìkú
orí aikú
ori imortal

ẹni tí orí rẹ gbà bọ rẹ ó jú yọ̀
éni ti rí ré gbá bó ré ô ju ió
aquele que o ori aceitar a a oferenda estará muito agradecido


Para lavar a cabeça

Lọwọ Ọtún awo ẹ̀gbá
lóuó ótun auô égbá
Na mão direita o adivinho de egba

Lọwọ òsì awo igbara
lóuó osi auo igbárá
Na mão esquerda o adivinho de igbara

awa máṣàì ìmọ̀
auá máxáí ímón
nós não podemos falhar em saber

bọ́ ọtún fi ọtún
bó ótun fi ótún
lavar o lado direito da cabeça com a direirta

tabi bọ́ òsì fi òsì
tábi bó osí fi osí
e lavar o lado esquerdo com a esquerda

A Difá fún Awun ni ọjọ́ ó ti lọ bọ́ orí rẹ
a difá fun au un ni ójó ô ti ló bó orí ré
Ifa foi consultado no dia que Awun foi lavar sua cabeça

lodó fún ó kó ire ọ̀pọ̀
lodô fun ô kô irê ókpó
no rio para que reunir as bençãos da fartura

Ki iwẹ́ fà wá ire owó
ki iu é fá uá irê ouô
que a limpeza traga as bem;ãos da prosperidade

Ki iwẹ́ fà wá ire ọ̀rọ̀
ki iu é fá uá irê óró
que a limpeza traga as bençãos da saúde



O sentido de “alimentar” o seu Orí


Alimento é vida. Uma refeição é uma dádiva e uma festa. Os Yorùbá são um povo do campo, fazendeiros e dão muito valor a vida a ao alimento e a água que são tão difícil de serem obtidos. Cada povo dá valor ao que lhe é importante e caro. Para os Yorùbá, a água e o alimento são muito importantes.

Mesmo para nós, quando queremos receber bem alguém sempre fazemos isso com alimento e bebida. A religião deles e sua teologia não é artificial, não foi criada em um concílio, ela existe permeando toda a sua vida e existência, assim, os Yorùbá agradam seu deus e todos os seus ministros e representantes com alimento. Flores não são uma opção para eles, alimento sim, é seu bem maior.

Eles comemoram a vida com alimento, dando, dividindo e compartilhando.

De acordo com a religião Yorùbá, axé (aṣẹ́) é a força vital de Olódùmarè que existe em todos os seres. Todos possuímos axé (aṣẹ́) e é o axé (aṣẹ́) que nos move. Mas esta força é consumida. Com o tempo e em função de atividades que fazemos ela se reduz e nos desequilibramos. Naturalmente, com o próprio tempo ela será regenerada, mas enquanto estiver fraca ou em desequilíbrio nós ficamos vulneráveis.

Um bom Orí é aquele que preserva e mantêm o axé (aṣẹ́), é aquele que usa apenas o necessário sem desperdício. Um mau Orí é aquele que não conserva e acumula o axé (aṣẹ́). Infelizmente, como vamos ver no Cosmo Yorùbá, existe um fator de aleatoriedade na escolha do Ori no Órun (ọ̀run). Isso também está explicado no Odù Ogunda Meji na história de Afawupé. Dessa maneira podemos vir com um Orí ruim e necessitamos de repor esse axé (aṣẹ́).

Contudo um bom Orí não resume uma boa pessoa. Somente pessoas que tenham um bom Orí e um bom caráter serão bem sucedidas na sua vida.

Mas mesmo para os que tem um bom Orí pode ser necessário em determinado momento alimentar o seu Orí com axé (aṣẹ́). Também por vezes é necessário melhorar o vínculo entre nós e nossa divindade Orí que esta no Órun (ọ̀run). A liturgia que realiza isso chama-se bórí (bọ́rí) palavra que é composta pelo verbo bọ́ com orí, ou seja alimentar o ori. Existe uma outra palavra Yorùbá, bórí (bôrí) que significa cobrir a cabeça. Bori, que significa alimentar o Orí.

O orí deve ser “alimentado” (na verdade, com axé (aṣẹ́)) para que possa influenciar positivamente a nossa vida. O sentido é a reposição do axé, a energia vital que usamos para fazer tudo. Com o axé (àṣẹ) nós nos conectamos com o Orí divino, nosso “anjo” guardião, que esta no órun (Ọ̀run). O alimento ao Orí vai então repor o axé (àṣẹ) e facilitar a comunicação e influencia do Orí do órun (Ọ̀run) com o nosso Orí no Aiyé.

O longo de nossa vida devemos fazer bórí (bọ́rí) muitas vezes. Algumas pessoa podem precisar disso uma vez por ano, outras em intervalo de anos, entre 2 e quatro anos.

A dificuldade disso é o maldito mercantilismo religioso do Candomblé. No Candomblé nada é de graça e pais de santo cobram pequenas fortunas para fazer algo que deveria ser obrigação deles, principalmente para as pessoas que pertencem a uma casa.

Eu, considero um absurdo os Babalorixás (pais de santo) cobrarem para os membros de uma casa como cobram para seus clientes. Eu acho um absurdo o conceito de clientela no Candomblé. Este conceito existe e não se pode negar, mas é um pejorativo para a religião.

Se quer ter acesso ao Candomblé, a religião dos orixá (Òrìṣà), então adote ela como religião. Entre para uma casa. Mas os pais de santo tratam suas casas como balcão de padaria, atendendo pessoas para jogos de búzios, ebós e Boris como se isso fosse uma coisa para ser vendida, como um pãozinho. Bom, de fato como uma picanha, uma M.Chandom....

Os pais de santo tratam seus seguidores como clientes. Na realidade eles transformam clientes em seguidores, membros da casa apenas para terem uma fonte estável de receita.

O Bori virou então a “obrigação” da moda, sofrendo todo o tipo de distorções. Um bori não tem que ser nada caro e nem nada exagerado, tem que ser algo que as pessoas possam fazer.

Os Bàbáláwo também estão fazendo Bori, mas, é uma cerimonia muito pobre. Eu nem considero o que eles fazem um Bori e nem perderia tempo com aquilo. 


Como “alimentar” o seu Orí


Existem variações em relação a cerimônia de alimentar o Ori. Temos procedimentos mais simples e um procedimento mais elaborado.

Antes disso devo fazer um comentário sobre a perspectiva de Ori dentro do Candomblé. Orí é um conceito Yorùbá, da religião Yorùbá. O Candomblé é heterogêneo, sendo formado por nações da religião Yorùbá, como o Ketu e o Efon, nações da religião Jeje e nações da religião angola.

O conceito de ori pertence a religião Yorùbá e foi copiado ou imitado pelas outras. Assim, o modelo original Yorùbá é o que é a referência. Possivelmente você encontrará gente que diz que no Jeje não é assim ou não se faz assim, o mesmo com o angola. Claro, essas nações copiaram uma coisa que eles não tinham. Dessa forma é perda de tempo querer discutir Orí entre o modelo Yorùbá e os demais, os outros são cópias.

Cada um copiou do seu jeito. O Angola copiou tudo do Ketu. Eles não tinham nenhum Candomblé, nunca tiveram, angola é Bantu e bantu tinha a macumba e a quimbanda. O que existe de Candomblé de angola aqui no Brasil só existe aqui, na África não tem nada parecido. O Jeje tem um hábito comum de agregar coisas dos outros do culto deles, assim adicionaram Orixás que não tinha (as iyagbas), Orí, Ifá, etc...

Voltando ao Ori, as cerimônias mais simples são aquelas que lidam apenas com o Orí no Aiye. Ela são feitas exclusivamente na cabeça da pessoa. Estas cerimônias menores  podem incluir apenas lavar a cabeça com ervas e as que você oferece mais alguns ítens ao seu Ori, como Obi, karité, acaça, orogbo, etc.. e até mesmo realizar sacrifícios no Ori, notadamente pombos, mas outros podem ser incluídos. Mas esta cerimônia é feita apenas na sua cabeça, não envolve a ligação Orun-Aiye. É útil para diversos casos, pode ser o suficiente mas não é um Bori. 

Essas cerimonias, são legítimas, determinadas em Oráculo e quando feitas somente com o Orí do Aiye tem um efeito restrito. São muito eficientes e mais simples de serem realizadas. 

Outras tradições da diáspora como a Santeria e até mesmo Ifá fazem somente dessa forma. É natural, essas tradições nunca souberam lidar com Ori, não entendem de fato o culto a Orí, elas apenas copiaram o que outros faziam sem entender completamente.

Dessa forma a cerimônia de Bori feita pelos Bàbáláwo de rama cubana, usando ou não pombos, são um Bori. Mas um Bori simples, de poucas horas, não se comparam minimamente com um Bori completo como feito no Candomblé Yorùbá.

O Bori completo é feito com um Igba Ori, que é a representação no Aiye do Ori do Órun. Esse Bori estabelece a ligação plena do Orun-Aiye. A cabeça da pessoa é seu Ori no Aiye e o igba Ori constitui a representação do Ori do orun no aiye. Os sacrifícios são dobrados, tudo o que é dado ao Orí da pessoa também é dado ao Igba Ori. O Igba Orí pode ser guardado ou não, mas, ele tem que existir durante a cerimônia.

A Cerimônia completa, o Bori em sí é um ritual que pode durar entre 3 a 7 dias e envolve várias pessoas na sua preparação e execução. É composto de ebós de limpeza, oferendas preparatórias, o Bori e por fim o despacho de tudo isso nas águas. Essa cerimônia envolve você e também a ligação com o seu duplo no Orun.

Essas cerimonias exigem um sacerdote, a pessoa não pode fazer nela mesma.

Se você estiver pagando por um Bori, não adianta comparar banana com maça. A cerimônia de Ifá dos Bàbáláwo cubano é muito simples e restrita na questão de reposição de axé (aṣẹ́). Ela é indicada para muitos casos mas não dá para comparar com um Bori completo de Candomblé.

Vou a seguir dar uma receita muito simples que pode ser feita por qualquer pessoa, não é um Bori, é uma cerimônia do tipo simples que envolve apenas você e não a ligação Orun-Aiye. Muitos podem reagir considerando uma idiotice ou marmotagem minha ensinar pessoas a alimentarem o seu Ori porque isso exige um sacerdote.

Não exige.

Sem dúvida exitem muitas liturgias que exigem um sacerdote, principalmente aquelas que requerem a manipulação de axé (aṣẹ́). A presença de uma pessoa preparada é necessária quando se tem que receber axé (aṣẹ́) transmitido por outras pessoas, ou quando se vai fazer um Ebó (Ẹbọ) de limpeza, por exemplo. O sacerdote é um “operador” qualificado para esta operação.

Contudo se você vai fazer uma oferenda ou mesmo alguns tipos de ebós pode até mesmo fazer sozinho. Nem tudo depende de ter um sacerdote.

No caso do Bori, como estamos lidando com um processo de reposição de axé (aṣẹ́) e muito íntimo de sua individualidade não vejo porque não tentar fazê-lo. Claro que receber o Bori feito por outra pessoa é muito bom, principalmente se feito com cuidado e preparação. Uma cerimonia de Bori exige pelo menos 24 horas de permanência no Ile Axé, desde o início até o fim. Não é raro que sejam feitos em 3 ou 7 dias. Essas liturgias são reposições intensivas de axé, “axé na veia”.

Mas, mesmo sem toda essa complexidade você pode fazer isso para você. Algumas restrições se aplicam. Isso é para ser feito por pessoas que sejam iniciadas ou que já tenham recebido Bori, de preferência que no mínimo sejam ou tenham sido abians de alguma casa. Tem que haver intimidade com os procedimentos e com o orixá (Òrìṣà).

Não faça isso em outras pessoas ou ajude outras pessoas se você não é um sacerdote qualificado para tal. Uma coisa é a própria pessoa fazer em si mesmo outra é você, despreparado participar disso.

É claro que fazer isso através de um sacerdote é muito melhor por ser uma pessoa que recebeu orientação e axé (àṣẹ) para isso, mas a religião também é para todos. Contudo de fato fazer isso requer alguma prática e pessoas que nunca viram ou fizeram esse tipo de comida podem ter dificuldade. Infelizmente é assim mesmo.

Tudo nessa religião tem significado, assim, não ignore materiais e indicações de uso.

Material necessário:

Esteira baiana

pano de cabeça com capuz

manteiga de karité

obi de 4 gomos (rosado)

2 lençóis

coco verde

água mineral

2 bacias de ágata

ervas frescas: manjericão, elevante, saião, colônia, macaçá


Preparação:

Lave as ervas frescas, separe as folhas e quine as folhas com agua até que sobre apenas uma “massa” de folhas masseradas. Faça isso em uma bacia branca de ágata. De fato, isso requer alguma prática. Separe 4 folhas de saião inteiras e coloque em uma vasilha com água.

Deixe o banho nessa bacia por algum tempo. Depois coe todas as folhas deixando somente a água. As folhas devem ser despachadas no mato.

Separe um lugar para fazer isso que seja limpo, isolado e tranquilo.

Coloque a esteira baiana e cubra com lençol branco. Coloque o Obi dentro de uma vasilha com água. Deixe ao alcance a manteiga de karité e as folhas de saião. Coloque a bacia não usada na sua frente e se ajoelhe diante dela. Reze para Ori.

Lave primeiro a sua cabeça com água mineral. Apenas jogue a água por toda a cabeça e deixe escorrer para a bacia que fica abaixo deu sua cabeça (você está ajoelhado, em cima da esteira com a bacia a sua frente, abaixo de sua cabeça.).

Abra o coco verde e faça a mesma coisa, deixe a água do coco escorrer por toda a cabeça lavando-a. Por fim derrame o banho de ervas vagarosamente, escorrendo o banho com as mãos e lavando toda a cabeça. Use a reza de lavar a cabeça, reze ela enquanto faz isso.

Espera a água escorrer toda, limpe o excesso em seu rosto e pescoço com uma toalha, mas não enxugue sua cabeça.

Abra o obi de 4 gomos, separando todos os gomos. Retire o “olho” que fica nos gomos. Pegue a manteiga de Karité e faça um montinho em cima sua cabeça. Afaste o cabelo e coloque ela em contato com o couro cabeludo. Coloque os gomos do Obi em cima da manteiga, um gomo em cada lado. Cubra isso tudo com a 4 folhas de saião e coloque o pano de cabeça com capuz por cima disso tudo tampando a sua cabeça. Prenda o pano de cabeça (isso também requer alguma prática....).

Observe você deve fazer isso sozinho.

Durma na esteira (pode usar um travesseiro) por pelo menos 3 horas mas recomendo passar toda a noite. Quando levantar retire o pano com tudo o que está na sua cabeça. Esse material deve ser despachado em agua limpa, de rio, nunca jogue na rua, no lixo ou no mar.

Pode tomar banho normal lavando a cabeça. Não tome sol na cabeça até o meio dia. Na noite que fizer isso você não sai de casa.

Observem que este é o procedimento mais simplificado possível. Somente faça quem se sentir à vontade para isso. É claro que quem sabe e tem prática consegue fazer com facilidade e um sacerdote faz isso com mais complexidade, adicionando comidas para o Orí.

Mas eu apenas quis mostrar que não precisa ser complicado, por ser simples.


quarta-feira, julho 07, 2010

O sincretismo entre Umbanda e o Candomblé

O sincretismo entre Umbanda e o Candomblé
O ovo da serpente

Este texto é parte de um material maior que será publicado em 4 partes. Esta é a parte I

O texto completo é encontrado em
http://www.4shared.com/document/HBgl1hB4/sincretismos_entre_umbanda_e_c.html
 

Necessárias explicações inicias sobre o tema

Este é talvez um dos temas mais antigos e ao mesmo tempo mais atual, sempre esteve na pauta de discussões e deverá continuar a estar por um bom tempo. Ele muda, se transforma e se atualiza, mas no fundo é sempre o mesmo. Estamos falando do problema gerado pela mistura entre os ritos de Umbanda e o Candomblé processo que ocorre em ambos os sentidos, mas, é conduzido em todos os casos por Umbandistas.

O tema desperta muitos sentimentos antagônicos. O motivo de estar sendo abordado aqui é que isso tomou uma proporção maléfica muito grande, incontrolável e traz consigo prejuízos para ambos os cultos. De fato é o caminho para a destruição das duas tradições, o que vai beneficiar apenas os intolerantes. Mas, o fato é que a realidade esta sendo reescrita de tal maneira que em pouco tempo já não se saberá o que é o certo ou o errado.

Existe um movimento de pessoas de Umbanda para o Candomblé, a maior parte dessas pessoas jamais entendeu o seu culto ou sua pratica espiritual como um religião e se perdiam em uma profusão de sincretismos incompreensíveis. Com a quebra de preconceitos para o Candomblé na sociedade, essas pessoas que na pratica não entendem o que fazem na Umbanda, se transportam para o Candomblé de maneira igualmente superficial e confusa, sem ainda entender este como religião e trazem ainda para o universo do Candomblé os mesmos guias e incorporações que deveriam ter deixado para trás em vista da incompatibilidade entre um pratica e outra. O comportamento indica que elas entendem que estão adicionando mais alguma “coisa” a sua já confusa prática ao invés de entenderam que deveriam estar substituindo completamente o que faziam.

De outra via, esse tipo de pessoa pode não mudar de culto mas traz para a Umbanda liturgia e formatos que não pertencem a Umbanda. Assim vestimentas, adereços, cantigas e ritos de iniciação são grosseiramente copiados apenas para trazer uma novidade ou glamour que a Umbanda não necessita. 

Dá-se o nome a esta mistura pejorativamente de Umbandomblé, mas, no dia a dia são as chamadas casas de Omoloko. A palavra não significa nada apenas é usada para justificar essa mistura. No lado do Candomblé proliferam as casas ditas de Candomblé de Angola nas quais poderia haver essa mistura, mas, nem sempre se usa essa nação, as pessoas estão sincretizando de tal forma e naturalidade que em algum tempo talvez nem saibam mais a falta de sentido do que fazem.

Esse processo sempre existiu mas o o quantitativo relativo e absoluto era menor. Agora esta de tal modo disseminado que em pouco tempo a referência do Candomblé como era e como deveria ser vai se perder. O objetivo aqui é explicar porque essas duas tradições são como água e azeite, coisas que não se misturam.

Falar sobre o Candomblé é um dos assuntos preferidos de antropólogos, infelizmente não o de teólogos. Pior ainda, muitos dos acadêmicos que de dispõe a escrever sobre o tema e acabam criando alguma referência sem seus trabalhos fazem um material que mistura de maneira muito ruim uma abordagem étnica como tema, confundindo a suas aspirações pessoais de se manifestar contra discriminações ou o processo histórico de escravidão e lutas sociais em torno disso com o tema de abordar a manifestação religiosa. 

O mesmo ocorre em relação a Umbanda. Esses trabalhos ruins de pessoas mal preparadas só contribuiu para tornar o tema sempre mais obscuro. A constatação disso é muito simples e na busca por referências bibliográficas sobre o tema que pudessem ser acessadas livremente pela Internet me deparei com esses casos e alguns fiz questão de listar.

O assunto Candomblé, também, possui dezenas de variações para ser abordado e podemos nos aprofundar em inúmeras coisas diferentes ligadas à religião, história, etnias, origens e pessoas. Todas abordagens são muitos fascinantes e ricas porque lidamos com uma complexidade que vamos deixar clara mais à frente. Assim, qualquer abordagem ao tema é razoavelmente complexa porque temos que lidar com uma grande diversidade. Eu tenho que reconhecer, inclusive, que esse texto foi revisto e reescrito inúmeras vezes na busca do melhor entendimento e da maior simplificação possível. 

Na busca dessa objetividade primeiramente vamos estabelecer que o foco aqui será religioso, vamos ignorar aspectos históricos, étnicos e outros que fazem parte da riqueza do Candomblé mas não servem para o tema.

Um outro fator importante que todos devem entender é que as duas tradições, Umbanda e Candomblé, são muito distintas entre si e não tem a mesma origem e natureza. O Candomblé é uma religião completa e autônoma, a Umbanda é bem difícil de ser classificada, mas, não é uma religião e fica melhor classificada como um culto, que tem que estar ligado a alguma religião. Historicamente tem sido a católica, juntado conceitos da sua seita espírita kardecista (que também não é religião, no máximo também uma seita), mas, abordaremos isso mais tarde.

A religião africana

O Candomblé é uma tradição religiosa derivada principalmente de religiões africanas existentes na Nigéria, terras Yorùbá (grupo Nagô), e no Daomé (grupo Jeje), veremos o motivo disso mais à frente. O grupo Banto, que representava os primeiros negros a chegarem no Brasil em nada influenciaram a formação do Candomblé. Hoje em dia esse conjunto de religiões africanas é chamada de African Traditional Religion – ATR (Religião Tradicional Africana), por falta de um nome próprio. A África tem muitas religiões ou cultos, mas a base do Candomblé está no culto de Orixás e Voduns que se desenvolvem em uma região delimitada e próxima, terras Yorùbá e do Daomé (Benin), e foram trazidas para cá pelos escravos durante a diáspora negra.

Citar a origem religiosa mista do Candomblé como sendo Nagô e Jeje é apenas uma elegância que termina aqui nesse reconhecimento e citação. Na prática a religião que é a base do Candomblé é a religião Yorùbá, que é de onde vem os Orixá. Orixá é sinônimo de Candomblé e vice-versa. Intencionalmente vou ignorar a origem Jeje, quando comentar sobre nações o motivo ficará claro, mas, deixando bem claro, agora, toda a abordagem religiosa tem como base e modelo de referência a religião Yorùbá.

A religião Yorùbá, como prática religiosa é muito rica e sofisticada para os padrões africanos. Entendo que é bastante completa e equivalente a outras manifestações religiosas considerando para isso padrões ocidentais. De forma global, ela se impõe facilmente como um religião própria e distinta, não devendo nada para qualquer outra religião. Possui teogonia, cosmogonia, teodócia e metafísica próprias e bem desenvolvidas. Possui uma base teológica consistente e também um oráculo completo. A relação homem-divino é bem definida e os conceitos éticos e morais bem estabelecidos seja pela religião seja pela sociedade civil.

Historicamente o entendimento disso não foi fácil assim. Os primeiros explorados europeus (católicos, anglicanos e protestantes), seja por pouco entenderem o que os africanos falavam, queriam dizer e faziam, sejam por sua própria formação restrita e preconceituosa, classificaram o que viam de muitas formas, na maior parte delas como um animismo ou fetichismo, basicamente por não entenderem ou quererem entender o que viam. O animismo faz parte de qualquer religião em algum grau. A religião católica pode facilmente ser entendida por muitos como animista. Desta forma a religião Yorùbá também tem alguns aspectos animistas, mas, jamais pode ser classificada como sendo uma religião animista.

Essa abordagem, então, impediu que a religião Yorùbá por muitos anos fosse classificada como religião. Esse desrespeito se refletia aqui no Brasil na forma como a nossa tradição era encarada, como um folclore de negros. Só mais recentemente, fins do século XX com o surgimento de alguns africanos buscando uma abordagem mais teológica para o tema, buscando resgatar a sua religião perdida no meio dos inúmeros esforços de catequização é que esse tema tomou essa abordagem de lutar pelo reconhecimento da religião africana como tal.

Mesmo assim, não é simples, a formação bastante cristã de muitos desses teólogos, dificultou a aceitação de suas teses e construções. Muitos reagiram como mais um esforço da comunidade cristã de absorver uma religião infundindo nela seus conceitos de forma a facilitar a migração gradual para o cristianismo. 

Outro ponto, já comentado, é a dificuldade em se estabelecer o reconhecimento de uma unidade ou de um aspecto comum, entre as diversas manifestações religiosas dos africanos. O culto é fortemente regionalizado e isso gera a percepção de formas distintas. 

Muitos estudioso e observadores viram e ainda vêem nesses cultos distintos e regionais uma significativa distinção e não aceitam que esse conjunto seja designado como uma unidade, como uma religião Africana. Esse aspecto em particular foi então abordado por autores, teólogos ou pesquisadores de origem africana, como Idowu, Mbit, Sato e mesmo alguns ocidentais como Parrinder. Não vou retomar essa longa discussão aqui, e quem quiser se aprofundar que procure ler o que eles escreveram, mas, no que pese a existência de variações regionais esses autores entenderam que existe sim um contexto religioso que unifica na base todas a variações. 

Vale a pena comentar que a atenção de acadêmicos e antropólogos para questões africanas sempre foi muito distante. O continente negro, ou como chamavam Dark continent, era visto como tribal, atrasado e apenas quintal das nações européias. Demorou muito tempo para esse continente “obscuro” ser analisado de forma mais séria, não preconceituosa e finalmente por pesquisadores e estudiosos africanos natos.

O entendimento que eu parto após minhas próprias pesquisas e análises, é que existe uma religião africana que deu origem ao Candomblé. Uma religião bem estruturada e consistente que originou os Orixá, Orunmila e Olodumare e toda o meta universo em que se baseia o Candomblé. A nossa base, no Candomblé, é a religião que se manifesta na região Yorùbá e ela é muita clara e bem definida, assim não esta em questão se toda a África tem a mesma religião ou não. Esse é assunto para os autores que citei. 

Apesar de toda a dificuldade em se unificar e documentar essa base religiosa devido a problemas muito elementares como a falta da escrita para a língua dele (introduzida somente na primeira metade do século 20 por europeus) e a falta de pessoas para transmitir esse conhecimento teológico devido a diáspora e o assalto religioso feito por mulçumanos e cristãos, muito do que é necessário foi documentado ao longo dos anos e é nisso que nos baseamos.

O Candomblé como religião

O Candomblé não é a manifestação original e exata dessa religião, é uma tradição religiosa originada dessa religião depois do processo da diáspora negra. Como tradição religiosa, representa uma evolução da religião original, uma especialização que estabeleceu a religião africana no Brasil. Esse mesmo processo ocorreu em outros lugares do novo mundo e temos tradições distintas para o Candomblé, para o Lukumi (santeria cubana) e para o Voodoo (Haitiano). São tradições similares, mas não iguais, variando na forma como preservaram aspectos da sua origem africana e no formato como se apresentam na sua prática, mas sem dúvida, todas elas, são muito próximas uma das outras. 

O conceito de “tradição religiosa” suporta perfeitamente esse processo e, desta maneira, estamos tratando então, no novo mundo, de religiões e não apenas seitas e cultos, como pejorativamente as religiões não abraamicas são classificadas. O candomblé é assim uma religião completa como a Yorùbá, usa a mesma base teogônica e cosmogônica, mas, sofreu modificações, adaptações e modernizações, seja pela seu estabelecimento aqui como também devidos a distância da África e necessidade de integrar em uma só tradição correntes de cultos de regiões distintas.

Para ficar bem claro esse ponto da tradição brasileira, a religião mantêm os mesmos mitos, ritos, liturgias, cantos, objetos sacros e materiais litúrgicos. A língua Yorùbá é preservada através de orações e cantigas. As liturgias de iniciação são as mesmas ou equivalentes. As mudanças que se fizeram necessárias foram principalmente em tipos de folhas, animais e alimentos que devem ser associados à disponibilidade local. Outras alterações dizem respeito ao conjunto de divindades cultuadas. A cosmogonia foi basicamente respeitada, mas houve simultaneamente uma simplificação, uma padronização e uma unificação no conjunto de divindades que são cultuadas.

Contudo, essas não foram alterações aleatórias, houve um processo estruturado de africanização e localização conduzido pela nação ketu com a ida para África e também a vinda de pessoas com o objetivo de estruturar isso.

Apesar disso, a nossa tradição de fato não reflete exatamente a religião africana, como já foi afirmado. Alguns cultos não vieram na diáspora e só tardiamente foram trazidos e introduzidos, não necessariamente integrados ao Candomblé (que se desenvolveu sem eles), como por exemplo o culto de egungun e Ifá. Outro caso é Gélédé que não existe aqui e acho muito difícil existir, porque ele esta baseado em uma natureza social e ancestral que não não faz parte da nossa sociedade. Vemos práticas ou cultos relacionados a Ajé mas de maneira muito comercial e não como parte da estrutura metafísica de forças.

Alguns tipos de divindades como Ikú e os Ajogun são vagamente compreendidos mas não estão de fato incorporados dentro do culto, as funções de muitas dessas divindades da teogonia foram substituídas por Orixás, que é um tipo especial de divindade. Assim no Candomblé quase tudo é Orixá.

Existem conceitos éticos e morais que não foram incorporados sendo usados uma mistura pouco clara de africanismo, catolicismo e até mesmo de libertinismo (ausência de ética e moral). Esse conteúdo ético e moral foi a maior perda da religião na medida em que não se estabeleceu um padrão que refletisse a base moral da religião original. O que ficou foi uma bagunça com margem para qualquer tipo de interpretação. Dessa maneira a ética e a moral existem na religião, mas, são pobre ou confusamente representados na tradição brasileira, isso é um problema real.

A aceitação africana da nossa tradição bem como das demais tradições do novo mundo também não foi fácil. Podemos dizer que hoje o Candomblé se impõe, mas, inicialmente, a questão de ancestralidade pesou em uma visão cética dos africanos em relação a nossa capacidade de representar um culto real aos Orixás.

Nesse ponto façamos uma revisão do que já foi aqui colocado até aqui. Em primeiro lugar existe uma religião completa, rica e estruturada na África que serviu de base para o Candomblé. Essa religião tem origem na região Yorùbá e esta muito longe de ser apenas um animismo, sendo uma religião completa até mesmo para os padrões ocidentais, comparável ou superior a formas abraamicas.

O Candomblé é uma tradição dessa religião, que sofreu modificações mas preservou a religião em si, assim, o Candomblé, é uma religião independente e completa sem nenhum vínculo, ligação ou dependência com as religiões abraamicas. O Candomblé é uma religião afro-brasileira porque, se originou de uma religião africana mas desenvolveu padrões locais para o seu culto.

O Candomblé e suas nações

Contudo, depois da questão da religião africana de referência nos deparamos com a própria diversidade do Candomblé. Não podemos nos referir ao Candomblé como uma coisa única, quando falamos Candomblé, infelizmente não estamos nos referindo a uma tradição religiosa homogênea e isso sempre torna complexo o assunto. Chamar o complexo Jeje-Nago como Candomblé é de fato uma grande simplificação.

O Candomblé tem uma origem bastante diversa e esta longe de representar uma unidade, sendo chamado de culto de “Nação”. O termo esta relativamente sendo pouco usado hoje em dia para nomear o Candomblé, mas ele significa o reconhecimento de que o Candomblé é de fato uma tradição composta por várias nações diferentes e que cada uma dela preservava uma identidade étnica com uma distinta origem africana. Esse conjunto é coberto aqui no Brasil pela denominação comum “Candomblé”. 

Essa diversidade já foi muito forte, hoje em dia, lamentavelmente essas manifestações distintas da tradição que refletiam características também distintas de cultos de acordo com a nação original dos negros esta muito perdida. Houve um sincretismo interno e as práticas da nação Nago Ketu, que foram melhor estruturadas, documentadas e divulgadas tem se tornado um padrão de referência, fazendo desaparecer as características próprias das demais nações. É o que a gente chama de “ketunização”. 

Com o passar dos anos, as pessoas antigas de cada nação vão falecendo e são substituídas por outras sem apego a essa distinção. A liturgia e ritos do Ketu, tão conhecidos, complexo e vistoso, acaba sendo absorvido e adotado. Um exemplo clássico disso é a liturgia de raspar a cabeça, que sempre foi padrão no Ketu mas não em todas as demais nações. Hoje em dia é difícil uma casa que não raspe.

Devido a esse processo, por um lado, o Candomblé perde um pouco a sua riqueza cultural e, por outro, se unifica. Podemos definir que existem 3 grandes grupos de nações, o Nagô, o Jeje e o Angola. Muito pode ser dito sobre as suas distinções e variações mas como mencionei no início, isso não interessa aqui, de maneira que quando estivermos falando de Candomblé estamos nos referindo ao Candomblé Nago e as Nações que compartilham a mesma teologia. Entretanto não custa deixar um comentário polêmico sobre esses grupos.

O Candomblé de Angola parece apenas uma cópia do Candomblé Nago no qual houve uma mudança de língua, substituindo o Yorùbá por alguma forma de Bantu. Mas a estrutura da religião é equivalente. Trocar os nomes não cria uma nova religião. Se o Candomblé de Angola for aceito como um referência autêntica (o que acho questionável) então a tese dos africanos que existe uma única base para a religião africana estará comprovada. A região do Congo-Angola é bem distante da Yorùbá para ter um culto tão similar. Outro ponto é que alguns pesquisadores não encontraram no Congo-Angola qualquer manifestação similar a essa aqui, nem mesmo as divindades. Dessa maneira o Angola parece longe de ser um manifestação autêntica e original e eu nem considero ela em qualquer abordagem religiosa.

No caso do Grupo Jeje é distinto. A gente vai encontrar, contudo e principalmente no norte-nordeste do Pais, e no recôncavo bahiano, manifestações Jeje muito originais e distintas do Ketu. As práticas litúrgicas são bem diferenciadas apesar de conservar uma estrutura similar. A teogonia e cosmogonia são bem distintas de maneira que o Jeje se parece mesmo como um grupo distinto e autêntico. Contudo, no sudeste, existe uma manifestação de que é como a de Angola, apenas um traço do jeje de fato e uma cópia de Ketu. Geralmente é formado por pessoas que eram de Ketu e depois mudam de nação. Não conseguem aprender de fato como é o Jeje e passam a praticar uma mistura maluca.

Concluindo esse assunto, o que foi explicado é que a denominação Candomblé para a nossa tradição religiosa na realidade é um guarda-chuva para diversos grupos distintos, as nações o que tornava bastante complicado falar sobre Candomblé porque alguns desses grupos como o Jeje e Nago são bastante distintos. 

Os antropólogos dividem as nações da seguinte maneira, No grupo Nago ou Yorùbá de nações encontramos: Ketu, Efon, Ijexá, Egba, Batuqte e Xambá. No grupo jeje ou Daomeano temos: Fon, Ewe, Mina, Fanti e ashanti. No grupo islamizado temos: Fulas, Mandingas, Hauça, Tapa, Bomu e outros menores. O grupo Angola é composto por um agrupamento de nações congo-bantu-Angola

Mas o objetivo aqui não é abordar os grupos étnicos e sim a religião de maneira que o foco de interesse é somente as que adotam a teologia Yorùbá, o grupo dito Nago. Na nossa abordagem não vamos entrar em aspectos práticos e litúrgicos 

Teogonia Yorùbá
 
O Candomblé pode ser classificada como uma religião Henoteísta, na qual existe um Deus supremo, regulador e originador de tudo e outras divindades e espíritos que são aspectos de sua manifestação. Essa denominação difere muito do termo politeísta mas nesse texto aqui não vamos abordar a comparação com monoteísmo, essa é outra discussão.

A divindade suprema tem várias denominação, basicamente títulos para o mesmo e por isso mesmo foi confundido pelos invasores ocidentais como se fossem muitos. Olodumare é o seu nome mais clássico. Abaixo dele temos todo o resto teogonia, na qual temos que destacar Exu, como uma força positiva, portador da energia de olodumare (axé) e fiscalizados da retidão com o culto; Orunmila a divindade do oráculo que conhece o destino das pessoas; Os Orixás que são as divindades que protegem a vida dos homens e são sempre positivas; os ancestres que também protegem as suas linhagens e são uma força positiva; As ajé que são uma força neutra podendo ser usadas para o bem e para o mal e os ajogun que são uma força negativa de equilíbrio.

A religião é re-encarnacionista, acreditando que vivemos e voltamos a viver de novo. O mundo físicos em que vivemos, o Àiyé é o reflexo de um mundo espiritual, o Òrun. Tudo o que existe no mundo físico possui um duplo no mundo espiritual. Como toda a religião ele se centra na figura humana, o divino existe para suportar a sua existência no mundo físico e para essa pessoa atingir os seus objetivos na vida que encarnou. Alguns consideram esses objetivos como seu destino, mas não creio que possamos atribuir esse um caráter tem determinista, considero que toda a existência tem um objetivo a ser alcançado.

Cada pessoa possui um duplo no Òrun que zela por sua vida e esta acima de qualquer outra divindade. As divindades Orixá existem para apoiar e ajudar as pessoas na vida no Àiyé sendo que cada um possui um Orixá que faz parte íntima da sua vida, ele e seu Orixá são feitos dos mesmos elementos, mas permanece o caráter que a determinação desse Orixá é feita para apoiar no destino que ele escolheu para si. Entretanto, apesar da pessoa ter apenas um Orixá próprio, com elementos comuns, todos os Orixá podem ser chamados para ajudá-lo ou podem espontaneamente se prontificar para ajudá-lo.

O oráculo de Ifá existe para estabelecer a comunicação entre o homem e o divino entre o homem e o seu destino. O sentido do uso do oráculo é para a pessoa se orientar em relação ao seu destino e pedir ajudar quando esta tendo dificuldades. Quando isso ocorrer ela recebe ajuda do próprio olodumare através da divindade do Oráculo, Orunmila e de Exu.
Não existe o conceito de Karma e a re-encarnação é feita dentro da mesma família. A linhagem familiar é a coisa mais importante e a pessoa vive para sempre através de seus filhos e netos.

Os Orixá não são elementos da natureza, mas se identificam e usam forças e elementos que estão na natureza. Essa imagem enganosa de que Orixá são elementos da natureza é um desconhecimento e parte do sincretismo negativo, uma associação com cultos europeus ou mesmo o politeísmo greco-romano. Esse engano é inadvertidamente adotado pelos candomblecistas descompreendidos de plantão.

Os Orixás para se manifestarem em terra ajudando as pessoas precisam de médiuns, de “montarias” como os africanos dizem. O Orixá monta do seu elegun. A pessoa para poder incorporar um Orixá passa por um longo processo de preparação e limpeza espiritual e física. A iniciação é uma mudança profunda na vida da pessoa com rituais e liturgias complexas.
Os Orixá se manifestam no Àiyé somente através dos seus Elegun, pessoas especialmente preparadas para isso. É a presença deles aqui que viabiliza a transmissão e transformação da energia vital de olodumare para nosso benefício (o axé). As palavras são muito importantes para os Yorùbá. As rezas e pedidos devem ser ditas e não pensadas. A palavra tem energia e conduz o que precisamos. Os tambores do Candomblé, usados nos chamados Xire são os elementos que criam uma zona cinzenta entre o Òrun e o Àiyé permitindo o transito dos Orixás entre os 2 mundos espirituais.

O sincretismo do passado entre o Candomblé e o Catolicismo

Como ocorreu com outras tradições da diáspora, o Candomblé foi obrigado a realizar um sincretismo de imagens com a Igreja católica. Os motivos históricos são muitos simples, proibidos de praticar sua religião ou provavelmente de ter o seu espaço religioso e ritos, as imagens de santos católicos foram sincretizados com seus deuses.

O mito diz que o Negro fazia o seu altar, colocava o santo em cima e debaixo do santo coloca o igba ou apenas o okuta do seu Orixá. Assim pensavam que ele estava ali rezando para São Jerônimo mas ele estava rezando para Xango. Acho essa visão bastante romântica e simples mas útil para explicar o motivo do sincretismo. Imagens católica sincretizavam Orixás que não são representados por imagens, mesmo na África.

Referenciando ao início o objetivo aqui não é antropológico de maneira que não vou desenvolver o assunto com suas dezenas de variações, mas, sob o ponto de vista religioso, o processo de sincretismo sempre foi historicamente incentivado pela igreja católica como parte do processo de substituição dos cultos religiosos da população. No caso do Candomblé a origem esta ligada a um interesse dos africanos e descendentes de ter objetos sacro aceitáveis, mas como em todos os casos com o tempo, as gerações seguintes iam perdendo esse sentido e acabavam de fato misturando as coisas.

No século XX, já com escravos libertos a organização do Candomblé como religião ainda enfrentava obstáculos terríveis. Não era aceito como uma religião e sim enquadrado como folclore ficando então sob o âmbito de controle da polícia civil. Os terreiros tinham muita dificuldade para funcionar buscando ficar o mais afastado que podiam da zona urbana, mas mesmo assim, com o crescimento da cidade isso ficou anulado e não se pode simplesmente mover um terreiro.

De novo se recorreu ao sincretismo se espalhando imagens católicas pelos terreiros para descaracterizar uma religião africana e sim um culto católico inibindo assim uma ação direta contra o seu funcionamento. Todos os terreiros tinham nomes de Santos católicos.
Mas esse tempo acabou e hoje em dia existe um movimento muito claro de de-sincretização. Somente pessoas mais antigas que passaram a vida cultuando aquele sincretismo ainda o mantêm mas a grande maioria entende que esse sincretismo não tem utilidade e não tem motivo para existir. É falha qualquer abordagem que suponha que o Candomblé se sincretizou com o catolicismo ou que tenha evoluído dessa maneira. O Candomblé não é a consagração do sincretismo, isso foi, temporário, para uma utilidade específica e já plenamente superado. Quem pensa assim ou repete isso é acima tudo tudo um idiota. Em mais alguns anos com a passagem das pessoas mais antigas é provável que não exista mais nenhum lugar de Candomblé com imagens católica ou referências sincréticas.

O único motivo que pode levar a continuidade dessas imagens ligadas ao Candomblé são pessoas da Umbanda que vem de um culto completamente confuso no que diz respeito a sincretismo, trazerem de volta isso. Mas esse movimento nocivo não representa nada a não ser ignorância e estupidez.

A prática do candomblé

O Candomblé não possui nos seus ritos a pratica de incorporação como método ou rotina. Pelos padrões Nago (Ketu) e que são usados por quase todos as demais variações (nações), os Orixás quando no Àiyé pouco se comunicam verbalmente. A presença deles é feita junto com os cânticos e um Orixá se manifesta através de sua dança quando da realização de um Xire, que é quando eles fazem o seu trabalho de transporte de transformação de axé. Mas Orixás não são mudos, se comunicam com o babalorixá quando necessário.

Os Orixá podem falar, dar orientações e conselhos, isso é feito em algumas nações, principalmente Jeje e afins. Mas, como o modelo de referência usado nesse trabalho é o Yorùbá onde os padrões Nago são os mais adotados e copiados, não vou considerar mais a condição de Orixá falante para simplificar a linha de pensamento evitando assim ter que citar exceções junto com cada consideração que for feita. Normalmente no Nago um Orixá se comunica com as pessoas e a comunidade através do seu Ere. Assim encerrada aqui a não relevância para o nosso tema de Orixás falantes.

A comunicação entre o divino e as pessoas no Candomblé é através do Oráculo. A religião entende que devemos viver nossa vida por nós mesmo, com ética e caráter, o Oráculo nos orienta e nos ajuda mas não interfere no que queremos fazer. Traz as mensagens e orientação de nosso Ori, nosso guardião ancestral que fica no Orun e é o nosso duplo, e nos trás a ajuda de Olodumare através de Orunmila ou dos Orixá. Não existe então no Candomblé o procedimento de pessoas baterem na porta de uma casa para se consultarem com um Orixá. Não vão sentar em uma assistência e receber fichas.

A forma de se comunicar é através do Oráculo e a palavra é sempre do Babalorixá da casa. Ele transmite as mensagens e o conhecimento. É ele que ensina, orienta, dirige as casas, trabalhos e transmite as mensagens do Orun através do seu oráculo. Não existe casa de Candomblé sem Oráculo, assim como o que o Babalorixá diz representa o que é dito naquela casa, seja isso para o bom ou para o mal. Um Babalorixá deve então se preparar para a função, ser uma pessoa escolhida pelo Orixá para isso.

Nenhum Orixá vai aparecer para substituir a palavra do Babalorixá ou falar por ele, é justamente o contrário, o Babalorixá fala pelo Orixá.

É senso comum que a incorporação do Orixá é bem mais sutil do que em outros cultos, é uma incorporação de expressão e não de dominação, mas esse entendimento e práticas podem variar. Contudo o que não varia é que o dirigente de uma casa, o Babalorixá ou Iyalorixá são as pessoas que diretamente se comunicam, agem e transmitem a sua comunidade o que deve ser feito. Fora dentro de um Xire o trabalho em uma casa de Candomblé, seja no oráculo ou seja nos trabalhos determinados pelo Oráculo, é feito com as pessoas não incorporadas. O dirigente deve ter conhecimento do que tem que transmitir, orientar e ensinar às pessoas que frequentam a casa.

Como é o dia a dia de uma casa de Candomblé, já que não existem seções diárias ou semanais para consulta com os Orixás? Bom, bem chata para muitos. Um terreiro reúne seus Orixá quando faz o seu Xire, é nesse dia em que o Axé circula na casa. Fora dessa data as atividades se concentram na manutenção normal da casa, suporte a obrigações de iniciados (membros da casa) que estejam em andamento, atendimento pelo babalorixá à pessoas que o procurem, etc...

Uma casa de Candomblé se movimenta através do trabalho de obrigações dos seus membros, dos Xires periódicos e nos ebós e oferendas designados pelo Oráculo.

Adicionalmente, existe um dito que onde tem Orixá não tem egun, ou seja, em casa Lésé Orixá não pode ou deve existir a presença de eguns, espíritos de pessoas passadas, ara orun. A manifestação do Orixá no Àiyé exclui a manifestação de espíritos ancestres ou mesmo dos guias de Umbanda. Uma casa de Orixá é preparada e cultuadas para manter esses espíritos em uma área delimitada e fora de seus espaço principal. Não se trata de um impedimento verbal e sim espiritual. A energia de uma casa de Lésé Orixá mantêm a casa preservada para os Orixá e afasta os demais espíritos. Em uma casa Lésé Orixá em pleno funcionamento não haverá condições de Guias de Umbanda se manifestarem.