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Sobre Iemanjá e o Ori
Essa versão aqui é mais antiga de 2012, veja a versão nova no link acima
Eu
considero que nesse tema abordo um dos grandes desvios do Candomblé.
Assim como o tema das pessoas associarem os Orixá (Òrìṣà) a
elementos da natureza (altamente polêmico) e a associação de
números a Odù (altamente popular). São 3 temas que merecem uma
abordagem de questionamento em relação a religião Yorùbá e a
tradição do Candomblé. Todos os 3 temas já foram abordados
por mim. Esta versão aqui é uma expansão do texto original e quero
usar essa questão de Oxalá (Òṣàlá) e Iemanjá para explorar um
tema mais amplo e necessário.
Esse
tema já foi abordado no Blog anteriormente de uma forma bem simples
e objetiva. Esse texto aqui é bem mais detalhado e fala sobre muito
mais coisas. Quem não quiser de dar ao trabalho de ler, pode ver a
primeira versão ou ficar apenas na minha afirmação que: Iemanjá
(Yemọjá) não é mãe de ori nenhum, essa coisa foi uma invenção
porque não existe nenhuma referência na religião ligando Iemanjá
(Yemọjá) a ser Iya Ori.
Quem
quiser mais informações basta seguir lendo.
Esse
BLOG pode ser lido por muita gente, mas não tenho como tratar do
tema cobrindo toda a matriz afro-brasileira e suas nuances, de
maneira que, o que digo aqui esta relacionado a raiz religiosa Yorùbá
e a tradição religiosa do Candomblé Ketu e pode não ser adequado
às demais tradições religiosas da matriz afro-brasileira.
Mas
acharei muito curioso se isso foi igual nas demais tradições
religiosas.
Antes
de abordar o tema preciso ressaltar uma coisa que falo sempre. O
Candomblé é uma tradição da diáspora e em função disso adotou
aspectos que o diferenciam da forma como a YTR conduz o culto na
Nigéria. É isso o que uma tradição faz em uma religião, assim a
YTR ou qualquer outra tradição que possa existir na Nigéria ou no
Benin, ou em outros lugares do novo mundo, podem adotar um formato
para o culto e mitos um pouco distintos, sem que isso estabeleça uma
religião distinta da nossa. Lá, fora daqui, eles fazem como querem
o culto deles e isso é problema deles e não nosso.
Não
existe subordinação do Candomblé ao culto Africano e à forma
africana de praticar a religião. Os africanos do golfo do Benin
fazem sua religião lá como eles querem e nós aqui o mesmo. O
Candomblé é uma tradição religiosa ligada à religião
africana do grupo Yorùbá, mas desenvolveu aqui no Brasil um
culto próprio. O Candomblé pertence à mesma religião Yorùbá mas
sua prática foi ajustada ao nosso povo e sociedade. O Candomblé não
é derivado do culto tradicional, ele está ligado à religião.
Esse
comentário é necessário para que ninguém pense que estou
sugerindo que o Candomblé ou qualquer outra tradição religiosa da
matriz afro-brasileira, esteja errado e deva mudar. Não tem que
mudar nada. Entretanto, sim existem alguns aspectos que podem ser
ajustados em função da religião, nunca do culto.
É claro que existe um processo de
reafricanização presente no Candomblé, que ajusta, ou ajustou, ao
longo tempo alguns entendimentos, mas isso, a reafricanização
positiva deve ser adotada com cuidado porque, de forma
alguma, pode interferir no processo de formação das nossas
tradições religiosas locais.
Eu denomino de reafricanização
positiva os ajustes que buscam corrigir desvios na teologia e
teogonia e não aqueles que buscam mudar práticas, cultos,
liturgias, ritos, formatos e elementos. O que procura mudar a
tradição é a reafricanização negativa e é promovida por quem
não entendeu o que é criar uma tradição religiosa ou o que
significa matriz religiosa afro-brasileira ou querem fixar aqui
tradições estrangeiras como Lukumi e YTR.
Por que ajustar a teologia e teogonia
são importantes?
A razão disso é prática, teologia e
teogonia contêm informações importantes que estão contidas na
religião e são úteis para saber como lidar com o supernatural e o
sentido da religião em nossas vidas. Essas 2 coisas, lidar com o
supernatural e trazer um sentido e compreensão maior da nossa vida e
do nosso relacionamento com as pessoas e a sociedade são duas
virtudes muito elevadas e importantes da religião e fazem parte da
minha definição moderna de religião.
Religião não se resume a adorar a um
deus, louvar ele 5 vezes ao dia e querer morrer para se encontrar com
ele. Nenhum deus precisa ser adorado o dia todo, o tempo todo ou
estabelecer a adoração como forma de se relacionar. Deus não
precisa disso e muito menos esse seria o sentido da vida das pessoas.
Se existem religiões que tomaram desvios foram essas que fazem isso,
possivelmente estão adorando a um demônio, de fato.
O tema aqui, deste texto diz respeito a
isso e eu estou usando essa questão de Oxalá (Òṣàlá), Iemanjá
e Orí para abordar isso.
A associação de Oxalá (Òṣàlá)
como pai de Orí e principalmente de Iemanjá como mãe de todas as
cabeças, a Iya Orí para muitos, é uma bobagem adotada no
Candomblé. A razão disso é que não existe base na religião para
isso e vou explicar aqui.
A causa deste desvio não é difícil de
entender e é baseada em dois fenômenos importantes de entender. O
primeiro é o que eu chamo de orixalização da teogonia e o segundo,
que em parte gerou o primeiro, foi não vinda para o Brasil de partes
da teologia, alguns conceitos da religião se perderam e criaram
lacunas bem como provocaram o processo de orixalização.
Antes de iniciar eu preciso dar 2
definições muito importantes porque estou me referindo a 2 termos
técnicos que tem que ser entendidos.
Teologia, tem várias definições:
Teologia
é o estudo crítico da natureza do divino,
seus atributos e sua relação com os homens
Teologia é
o estudo da existência de Deus, das questões referentes ao
conhecimento da divindade, assim como de sua relação com o mundo e
com os homens.
Ciência
ou estudo que se ocupa de Deus, de sua natureza e seus atributos e
de suas relações com o homem e com o universo. Conjunto
dos princípios de uma religião; doutrina.
Para entendermos uma religião temos que
entender sua teologia, que são seus princípios, seus dogmas e a
explicação de sua proposta para nos relacionarmos com deus.
As religiões abraâmicas adotaram esse
termos teologia como se fosse exclusivamente deles, muita gente
traduz isso assim, mas a teologia é a visão geral proposta pela
religião do nosso relacionamento com deus.
Entendam que deus existe sem as
religiões, eu faço parte dos que acreditam que deus é único, mas
é traduzido nos diversos povos através das religiões. Uma religião
esta sempre fortemente ligada a um povo e sua cultura, é a forma
daquele povo entender deus e sua relação com a gente e nossa vida.
Existem muito que questionam religiões
universais, dizendo, com razão que não é possível separar a
religião do povo que a criou. Isso é verdade, existem religiões
que somente existem no seu povo original, como o Judaísmo e o
Hinduísmo.
As religiões universais, que são
exportadas mundo afora carregam dentro de si os valores e a ética do
povo que a criou, isso não pode ser diferente. Algumas como o
catolicismo passaram ao longo dos séculos por um processo de
consolidação dessa universalização e criaram um conjunto próprio
de valores e ética voltados para aqueles que as adotarem.
Teogonia:
Teogonia significa "o
nascimento dos deuses". Ela constituía, com os poemas de
Homero, a cartilha na qual os gregos aprendiam a ler, a pensar, a
entender o mundo e a reverenciar o poder dos deuses. De certa
forma, a Teogonia é o mais antigo tratado de mitologia grega que
chegou até nós.
Theos, deus + genea, origem /
Refere-se a gêneses dos Deus e sobre a origem do mundo. É um
conjunto de deidades (conjunto de forças ou intenções que
materializam a divindade), que formam a mitologia (estudo das
lendas / história de uma cultura em particular), de um povo.
Claro que não estamos falando de
religião grega, aliás isso tem sido um enorme estorvo para qualquer
religião não abraâmica, o de ser sempre comparado a religião
politeísta grega, mas, em religiões que tem um conjunto mais rico
de divindades e que mesmo assim não são politeístas, o termo
teogonia é útil para delimitar uma área de conhecimento.
A teogonia se aplica a religiões que
tem o seu divino mais rico, não faz sentido junto às religiões
abraâmicas. Com a teogonia entendemos a proposta da religião para
nos relacionarmos com ela através de divindades menores ligadas ao
deus principal.
Existe alguma dificuldade em lidar com
esses termos porque as religiões abraamicas dominam o cenário
intelectual e tudo é feito em torno delas, assim, é bastante
difícil discutir e definir outras religiões sem recorrermos a
neologismos ou definições próprias.
Em religiões que lidam com o
supernatural e tem o compromisso de suportar a vida das pessoas no
mundo, o entendimento dessas 2 coisas adquire aspectos muito mais
importantes e práticos.
Eu quero lembrar a todos que enquanto as
religiões abraâmicas se preocupam em salvá-lo através da morte,
dizendo que somente após a morte você contra a paz e a tal “vida
eterna” ao lado de deus (…!) o Candomblé, religião Yorùbá, se
preocupa em salvar você aqui, em vida, em te dar uma vida melhor
para você usufruir. Existe de fato uma aliança entre deus e nós
pela nossa felicidade.
DIFERENÇAS
COM A PRÁTICA NO GOLFO DO BENIN
Antes de as pessoas ficarem preocupadas
com as variações que nossas tradições religiosas fizeram nos
cultos, devem saber que mesmo lá no golfo da guiné, os mitos e o
próprio culto religioso, são regionais e variações existem nos
formatos de como a religião é praticada dependo de se estar em Ifé
(Ilé Ifẹ̀), Óyó (Ọ̀yọ́),
Obeokuta, etc... Inclusive, até a Teogonia pode mudar. Cada lugar
destes dá maior ou menor importância a algum aspecto da religião e
importância a Orixás distintos. Vejam, por exemplo, a questão de
Odùduwà e Oxalá (Òṣàlá) em Ifé, onde o mito da
criação do mundo (cosmogonia) foi alterado parta incluir Odùduwà
no lugar de Oxalá (Òṣàlá) , uma alteração eminentemente
política (ver Idowu).
Essa
variação e multiplicidade de Orixá (Òrìṣà) é uma das
características
da religião. Orixá (Òrìṣà) podem ser muitos e distintos, com
alguns deles sendo comuns a
várias ou muitas áreas. A quantidade de orixá (Òrìṣà) não é
relevante à religião, o que é importante é a sua existência. É
por isso que dizem que tem 401 orixá (Òrìṣà) á direita. Os
Yorùbá
não tinham aritmética,
assim quando eles dizem 400 querem apenas dizer que é uma quantidade
muito grande (para ser contada). O número 1, em 401, dizem (J.
Elbein), significar que
sempre pode ter mais algum, assim, são muito e podem ser mais.
Não
existe essa fixação em 16 orixá (Òrìṣà), somente, como temos
aqui. Existe, aqui, uma convenção local que arredonda o número 16,
tipo conta de chegar, mas isso é aqui. A realidade é que não
existe número pré-determinado, nem 200, nem 400 e muito menos 16.
Creio que uma pergunta evidente pode vir
a todos: Por que muitos orixá (Òrìṣà)?
A resposta não é complicada e também
está ligada a questão de o que são os orixá (Òrìṣà).
Podemos responder: e por que não podem
ser muitos? Qual o problema?
O fato de termos muitos orixá (Òrìṣà)
não afeta a visão da religião de que existe um deus superior. Os
orixá (Òrìṣà) são ministros de deus, e ser ministros significa
que eles o representam e têm seus poderes para atuar junto à nossa
vida.
Na sociedade Yorùbá a característica
eminente dos orixá (Òrìṣà) é a regionalidade, lá tudo é
basicamente família, linhagem e aldeia. Os orixá (Òrìṣà) os
representam enquanto família e sociedade tribal, existe um enorme
aspecto de ancestralidade envolvido nos orixá (Òrìṣà), uma das
definições de orixá (Òrìṣà) é representar um ancestre comum.
Essa definição errada, que fazem aqui,
de associar orixá (Òrìṣà) a elemento da natureza, lá no golfo,
não cabe, orixá (Òrìṣà) está muito mais para ser um ancestre
do que um elemento, a natureza pertence a Olódùmarè,
o deus maior.
O que os orixá (Òrìṣà) têm como
ministros de Olódùmarè são suas
forças, poderes de domínios, alguns se especializam em determinadas
funções genéricas, como cuidar de crianças (orixá (Òrìṣà)
das águas em geral), prosperidade (idem), vitórias (os guerreiros),
colheitas, ética e moral (Xangô (Ṣàngó)), etc… Mas muitos
fazem de tudo para as pessoas deles. De fato eles têm preferências
de oferendas (comidas) ou poderes exclusivos, lembrando que orixá
(Òrìṣà) é o aspecto humano de deus com o qual nós nos
identificamos, eles fazem parte do se chama de analogia entis.
A individualidade também é parte dos orixá (Òrìṣà) assim eles
tem poderes diferentes e personalidade diferentes, os orixá (Òrìṣà)
refletem muito a nossa própria humanidade.
Essa visão de que orixá (Òrìṣà) é
natureza e uma bobagem mal copiada do modelo grego, lembram que eu já
disse que todas as religiões não abraâmicas acabam sendo
traduzidas como iguais a religião grega, sem terem nada haver com
aquele modelo.
O
candomblé, em sua formação, por exigência das características
locais, realizou um processo de concentração dos cultos de diversos
orixá (Òrìṣà) em uma única tradição religiosa e
centralizados em uma única casa e sacerdote. Esse modelo nada tinha
haver com o modelo Yorùbá do culto, altamente especializado. Devido
à formação da população (de escravizados) aqui foi necessário
configurar uma nova forma de culto, diferindo enormemente de como era
a prática na origem.
O
modelo que adotamos aqui levou naturalmente a desenvolver uma outra
dinâmica na prática do culto e também foi altamente influenciado
por um sincretismos interno entre grupos e entre raízes religiosas
diferentes. Sem dúvida o Candomblé Jeje que já tinha esse modelo
“familiar” com casas com várias divindades influenciou muito na
formatação do Candomblé Yorùbá no Brasil.
De outro lado os ritos dos Candomblé
Yorùbá também influenciaram a forma de como Candomblé Jeje se
organizou localmente.
A realidade é que as tradições
afro-brasileira do culto de Orixá (Òrìṣà) e Vodun, tiveram que
se reorganizar totalmente, adaptando a religião a sociedade,
valores, locais e materiais disponíveis. A religião em sua base
continuou a mesma, mas, o culto foi ajustado à nossa população.
Esse processo de forma natural teve que
ajustar os mitos da tradição oral e até mesmo a criar mitos e
relações para poder estabelecer as bases da tradição
afro-brasileira.
Neste processo pesou esta adaptação
mas também em grande parte o distanciamento da origem com aspectos e
cultos que não foram lembrados e dessa forma não trazidos e
implantados aqui. Não houve um processo altamente organizado de
importar exatamente o que havia entre os Yorùbá, foi implantado o
que as pessoas lembravam ou o que era mais relevante.
Lembro que o grupo do Candomblé Ketu se
tornou muito relevante na matriz e influenciou os demais porque como
parte do processo de reorganização da religião, pessoas libertas
voltaram ao golfo da guiné para revisitar a religião e voltaram
inclusive com pessoas para ajudar a formatação e adaptação da
religião através da tradição de orixá (Òrìṣà). Esse
trabalho, bem feito, influenciou outras tradições religiosas que
copiaram muito do que o Candomblé ketu fazia.
Para ficar claro, o estabelecimento do
Candomblé no Brasil é bem tardio em relação ao processo de vindas
de pessoas escravizadas. O fluxo de escravização iniciou no século
XVI indo até o século XIX, mas o registro da primeira casa de
Candomblé na Bahia está em 1830. Antes disso o que haviam eram
calundus que eram basicamente uma estrutura Bantu, familiar e voltada
para curandeirismo e feitiçaria.
Como a escravidão somente acabou em
1889, durante todo o século XIX houve um fluxo de escravos libertos
indo e vindo do golfo da guiné trazendo elementos, informações e
pessoas para constituir a tradição de Orixá (Òrìṣà) aqui no
Brasil, dessa forma as coisas não foram feitas de improviso, nem de
memória, foram estruturadas.
É ilusório achar que a religião aqui
foi organizada apenas baseada no que os escravizados lembravam, isso
seria impossível, somente os mais jovens e inexperientes na religião
eram trazidos como escravos.
Processo similar ocorreu em Cuba com o
culto de Orixá (Òrìṣà), mas lá as mudanças foram muito mais
profundas em relação a origem e as mudanças e criações que os
cubanos fizeram foram muito maiores abrangendo os mitos, teogonia e
até a musicalidade. Lá em Cuba devido a uma lei que obrigava a uma
responsabilidade contínua com o escravizado independente da idade
(velhos), somente pessoas muito jovens foram escravizadas, não eram
levados pessoas experientes de maneira que o conhecimento da religião
entre os escravizados era de pouco a nenhum.
Dessa maneira não é verdade a estória
que cubanos contam aqui de que foram para Cuba, milhares de Bàbáláwo
e que estes estabeleceram o culto de Ifá lá. Isso de fato é
mentira, só foi para Cuba gente muito nova e isso explica porque a
tradição religiosa de lá ficou tão diferente. Os Bàbáláwo
foram também uma introdução bastante tardia.
No Brasil, apesar de tudo, o culto a
orixá (Òrìṣà) se estabeleceu com sucesso em formato e prática.
Foi um estabelecimento pleno, em toda sua plenitude e conservamos
razoavelmente bem a ligação com a religião e melhoramos
eficientemente o culto. As casas integrando todos os orixá (Òrìṣà),
o Xirê, a organização, estética, limpeza e até a musicalidade
que temos são muito superiores a forma como o culto é feito no
golfo da guiné pelas tradições locais de orixá (Òrìṣà)
(RTY).
Minha opinião é que o Brasil teve e
tem muito a ensinar, os africanos têm é que aprender como fazemos
aqui o culto de orixá (Òrìṣà) e copiar o que fazemos. Isso já
ocorre de fato, o Candomblé exporta para outras tradições o seu
formato de culto. Os cubanos vieram aqui para aprender sobre Orí, um
culto que eles não sabiam nada. Os africanos vieram aqui copiar o
nosso formato de Xirê, de casas com mais de um orixá (Òrìṣà),
entre outras coisas. A escritora Stephania Capone, se dedicou a
estudar e a documentar isso nos seus livros, a África que veio se
encontrar no Brasil.
A
religião tradicional Yorùbá (RTY),
que tem um culto diferente do nosso e
tem na verdade
que aprender e copiar o que nossas
tradições desenvolveram. Eles
tem que copiar desde aspectos estéticos como também ritos e padrões
de limpeza. Digo mais, nós não temos nada a aprender com eles, só
eles tem que aprender com a gente e a presença da RTY aqui é
inadequada.
Lembro a todos que o culto de Orixá
(Òrìṣà) no golfo da guiné não é majoritário na população,
hoje, na melhor hipótese e nas melhores regiões não deve passar de
30% da população e existem lugares onde foi superado pelas
religiões abraâmicas. A religião ressurge lá muito mais para
atender ao comércio religioso com o novo mundo do que através da fé
real do povo nos orixá (Òrìṣà).
É relevante a quantidade de pessoas que
são muçulmanas de fato e se apresentam como sacerdotes da RTY ou de
Ifá apenas para poder fazer comércio de religião. Não existe fé
de fato por trás de parte da prática religiosa nas regiões do
golfo da guiné (Benin e Nigéria).
Desta maneira achar que o que é
praticado na África é um modelo para nós é uma enorme bobagem.
É neste contexto é que devemos
entender a reafricanização, também como uma forma de evolução do
que já temos.
RESUMO
PARCIAL
Para não nos
perdermos vamos fazer uma “freada de arrumação”.
O que eu disse
até aqui é que uma coisa é a religião Yorùbá, a visão
metafísica de deus e do divino e outra coisa são os cultos e
tradições religiosas que estabelecem como a religião é praticada.
Existem uma
tradição religiosa no golfo do Benin e temos as tradições
religiosas da Diáspora. A prática da religião está longe de ser
uniforme na pequena área Yorùbá da Nigéria e Benin e as tradições
da diáspora adotaram uma prática adequada à localização em cada
local.
Não existe
ligação, dependência ou referência entre a RTY e o Candomblé,
são práticas religiosas diferentes de uma mesma religião.
ORIXALIZAÇÃO
Mas, apesar de todo esse histórico da
preparação do estabelecimento da tradição de religiosa do
Candomblé Ketu, não foi possível trazer para cá todos os cultos
ou mesmo tudo da religião. A religião Yorùbá não é simples, ela
é bem completa e sofisticada e é composta de vários cultos
separados que lidam com especializações diferentes da religião e
além disso eles estão bastante integrados com a cultura e
sociedade.
Algumas coisas foram impossíveis de vir
e o que se estabeleceu aqui no Brasil, foi a tradição de orixá
(Òrìṣà). Não quero com isso, mais uma vez, dizer que existe
qualquer prejuízo na nossa prática e muito menos que a prática no
golfo do Benin seja a mais completa, como já disse, lá é tudo
regional e a prática não é uniforme, ainda mais hoje em dia no
qual a religião tradicional é absolutamente minoritária. O que é
feito no golfo está muito longe de ser referência para qualquer um.
Para entendermos o que eu digo, como
partes que não vieram, em termos de culto, teríamos que falar
extensivamente sobre isso e, mesmo assim, podemos chegar à conclusão
de que, essas diferenças, não tem relevância real por serem
práticas específicas ou outras que somente têm sentido naquela
sociedade e não na nossa.
Eu acredito que houve um sentido real na
tradição ter se estabelecido no Brasil da forma e formato como foi.
As pessoas tiveram muito tempo para fazer isso e certamente
discutiram o que fazer e decidiram fazer da maneira como foi.
Como eu já falei, as sociedades são
diferentes, os valores são diferentes a ética é diferente, não se
traz cultura de um povo, não se leva cultura de um povo para nenhum
outro lugar.
Na criação da tradição religiosa
afro-brasileira ocorreu um processo que eu chamo de orixalização da
teologia e teogonia, no qual partes desses conceitos religiosas que
foram omitidos, esquecidos ou apenas não trazidos foram substituídos
por orixá (Òrìṣà) na função que seriam de um outro Inrumolé
(Irúnmọlẹ̀).
Inrumolé (Irúnmọlẹ̀) é o nome
Yorùbá para espíritos e divindades é um nome geral. Orixá
(Òrìṣà) é um tipo específico de divindade, um tipo que está
ligado às pessoas, são os protetores das pessoas (ver isso no Odù
oxéotuwa) e Inrumolé (Irúnmọlẹ̀) é o nome geral das
divindades, principalmente aquelas que não tem a função de ser um
orixá (Òrìṣà).
O contexto metafísico Yorùbá não é
composto apenas de orixá (Òrìṣà) existem muitas outras
divindades com atribuições diferentes e que compõe e rico contexto
religioso. No processo de introdução da religião aqui ocorreu uma
simplificação desse contexto e praticamente tudo ficou relacionado
aos orixá (Òrìṣà). Estes que tem a missão específica de
suportar nossa vida no Àiyé como ministros de Olódùmarè,
acabaram resumindo nele todo o contexto metafísico da religião, a
própria figura de Olódùmarè
somente foi introduzida tardiamente.
Essa orixalização foi, dessa forma, um
processo massivo de simplificação da teogonia, com efeitos sobre a
teologia. As divindades se resumiram a orixá (Òrìṣà) e estes
assumiram funções que seriam de outros criando assim, no orixá
(Òrìṣà) uma concentração de poder e atribuições.
Certamente essa não é uma opinião
unânime e muita gente pode
entender diferente, mas, é o que penso.
A partir principalmente da década de 90
a religião passou por um ciclo de aquisição de novas informações,
que não foi por acaso. Juntou a abertura da sociedade para o
Candomblé e deste para a sociedade com a entrada de pessoas com
educação formal de mais alto nível e também o acesso dessas
pessoas a literatura internacional com mais informações sobre a
religião.
A qualidade da informação em geral
mudou, com Verger e outros autores de língua estrangeiras e com a
redução da importância dos primeiros pesquisadores nacionais, como
Nina Rodrigues, que não adicionavam qualidade ao contexto religioso.
Hoje em dia, os versos e mitos Yorùbá
são mais conhecidos, assim como, o entendimento da teologia e da
teogonia devido a mais pessoas terem estudado a religião com mais
intimidade e esse conhecimento ter chegado até nós. Verger foi um
dos precursores disso, da informação de boa qualidade já que muito
porcaria foi e está sendo produzida.
Dessa maneira, um dos aspectos positivos
da reafricanização é quando desfazemos o processo de orixalização
que a religião sofreu e restauramos a teologia com os personagens
originais, seja através de adotarmos a narrativa correta como também
o Inrumolé (Irúnmọlẹ̀) correto.
Um
exemplo do processo de orixalização é Olókun. Este orixá
(Òrìṣà) é muito importante na religião e seu culto não foi
trazido ao novo mundo. Mesmo lá no golfo do Benin, ele assume uma
sobreposição de funções no culto religioso em relação a outros
orixá (Òrìṣà). Em Ifé é um orixá (Òrìṣà) feminino mas
no restante da região Yorùbá é masculino. É considerado o orixá
(Òrìṣà) primordial das águas, de todas as águas do mundo e sua
origem e importância vêm a teogonia dos Bini, um povo distinto dos
Yorùbá. É possível que tenha sido um culto “importado” pelos
Yorùbá dos Bini.
Olókun esta, absolutamente,
ligado a fartura e prosperidade. No Odù Ìworì Méjì no
verso que narra a partida de Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà) do mundo, o
verso diz que ele atravessa o domínio de Olókun (o oceano)
para chegar ao órun
(Ọ̀run).
Aqui
no Candomblé o seu culto não foi trazido. Ele é orixá (Òrìṣà)
e não faz parte das divindades do Candomblé. Ele não é
desconhecido, as pessoas sabem quem é, mas isso não as faz
localizar no dia a dia do seu culto.
Aqui
suas forças e domínios (mar) se confundem com Iemanjá (Yemọjá),
por exemplo que é um orixá (Òrìṣà) predominante em Obeokuta.
Para acomodar essa superposição com Iemanjá (Yemọjá) foi
estabelecido que Olókun seria o domínio do mar profundo e de
Iemanjá (Yemọjá) a costa, as águas rasas, mas isso é
absolutamente uma acomodação local.
Essa
acomodação de Iemanjá (Yemọjá) com a beira do mar possivelmente
esta ligada a necessidade de conviver com Óxun (Ọ̀ṣun) que aqui
no Candomblé ficou com as águas doces dos rios. Mas lá no golfo
Iemanjá (Yemọjá) é também um orixá (Òrìṣà) de água e de
rio.
Vale
alertar que estudando essa questão de orixá (Òrìṣà) de água
ela não é de forma alguma simples, vários orixá (Òrìṣà)
feminino estão ligados a água na região Yorùbá e são
normalmente cultuados em locais diferentes. Existe uma palavra yorùbá
para generalizar esse tipo de orixá (Òrìṣà), porque são
vários, eles são chamados de ọlọ́mọwẹ́wẹ́.
Como eu disse antes e afirmo, existem
muitos orixá (Òrìṣà). Na diáspora houve essa concentração e
simplificação, reconheço que foi útil, mas, trouxe consigo esse
processo de orixalização. Quando a gente se aprofunda na religião
verifica que:
Existem muitos orixá (Òrìṣà).
Existem inrumolé (Irúnmọlẹ̀)
que não são orixá (Òrìṣà).
Os mitos com os inrumolé
(Irúnmọlẹ̀) são um pouco diferentes.
No
processo de formação de nossas tradições, Óxun (Ọ̀ṣun)
recebeu alta relevância (que de fato têm) e sua ligação foi
estabelecida com as águas e com o Rio e Iemanjá (Yemọjá) foi
designada para ter uma ligação com o mar. Olhando para a origem
Yorùbá isso lá não é assim, Iemanjá (Yemọjá) é ligada com
águas de Rio também, mas Iemanjá (Yemọjá) e Óxun (Ọ̀ṣun)
têm cultos principais em regiões diferentes. O mar é considerado
como ligado a Olókun, que na verdade domina todas as
águas e não somente o mar profundo.
Neste
caldo poderia incluir ainda Oya que lá nos Yorùbá também é
associada com um Rio, mas em regiões distintas de Óxun (Ọ̀ṣun)
e Iemanjá (Yemọjá) e, aqui, essa referência aquática, não
existe. Nanã foi outro orixá (Òrìṣà) possivelmente importado
dos Jeje, Dahomey, que aqui coube as águas barrentas, a água
primordial que em princípio é de Olókun , o orixá (Òrìṣà)
da água primordial.
Aqui,
depois da orixalização, Olókun é conhecido e lembrado e
tem ligação com o alto-mar, Óxun (Ọ̀ṣun) ficou ligada às
águas doces e rios, sobrou para Iemanjá (Yemọjá) o mar costeiro,
perto da praia. Creio que as lagoas ficaram com Nanã, não lembro se
tem isso, mas as águas barrentas sem dúvida nenhuma.
Como podem ver é muita especialização
para uma água só!
Não
podemos também desprezar que mesmo aqui a importância dos orixá
(Òrìṣà) é distinta, assim na Bahia Iemanjá (Yemọjá) assume
uma importância maior, tudo lá é Iemanjá (Yemọjá), e aqui no
Rio, outro centro importante do Candomblé a pedominância é de Óxun
(Ọ̀ṣun), que é o orixá (Òrìṣà) mais importante e mais aqui
no Rio as pessoas querem ser de Oxun mas não de Iemanjá (Yemọjá).
O
objetivo não é detalhar isso, apenas mostrar que isso existe. Isso
é apenas uma amostra do resultado na nossa tradição de termos
reunido e concentrado em um mesmo culto orixá (Òrìṣà) que lá
nos yorùbá são cultuados em regiões diferentes. Lá eles tem
muitos orixá (Òrìṣà) e são regionais assim eles separam isso
naturalmente. Nós unimos tudo isso e, além disso, acomodamos
influências externas e sincretismos internos com outras tradições
religiosas como a do Candomblé Jeje, que apesar de distinto
influenciou e foi influenciado pelo Candomblé Ketu.
Nosso
processo de consolidação teve que lidar com isso e acomodar essas
junções e diferenças. Por essa razão que digo que não podemos
comparar e questionar as nossas tradições versus a tradição
religiosa Yorùbá.
Esse
pessoal que vai na África fazer turismo religioso e volta de lá
cheio de especialidade e conhecimento criando canal e rádio no
Youtube para aparecer de especialista sem ter conhecimento e
experiência para isso e fica dizendo como os cultos são feitos na
África, são apenas uns ignorantes em fraldas e que não tem ideia
do que foi o processo de formação da nossa tradição religiosa
própria e o que fizemos para acomodar em um mesmo culto influências
de várias regiões e etnias.
Ai
eu afirmo, que porcaria de RTY é essa que aqui adota um formato de
culto de vários orixá (Òrìṣà) em uma mesma casa? Imitando o
que nossas tradições desenvolveram ao longo de anos? A RTY é acima
lá? Duvido só se também copiaram a diáspora.
RESUMO
PARCIAL
Como parte do
processo de formação da tradição local, uma casa reuniu orixá
(Òrìṣà) de diferentes regiões e que no golfo do Benin tinham
importância diferente em regiões diferentes. Muitos deles, lá no
golfo, tem similaridades em relação ao objetivo do culto e
finalidade de ser recorrer a eles.
Essa acomodação
levou a necessidade de mudar as especialidades e domínios de cada um
para acomodá-los no mesmo culto e mesmo assim existem sobreposições
evidentes.
No geral a
acomodação levou a pequenas alterações no entendimento dos orixá
(Òrìṣà) que pode ter incluído transformar orixá (Òrìṣà)
em qualidade de outro orixá (Òrìṣà) aqui.
Outro
aspecto da orixalização
que temos que abordar é
que a religião tem em sua teogonia mais divindades do que somente
orixá (Òrìṣà), como
já falei, orixá (Òrìṣà) é um tipo especial de divindade, as
divindades gerais são os inrumolé
(Irúnmọlẹ̀).
Os inrumolé
(Irúnmọlẹ̀)
assumem na teologia e
teogonia funções específicas não ligadas a cuidar das pessoas,
dessa forma, como
repito sempre, orixá (Òrìṣà) cuida das pessoas.
Aqui
no Brasil (como em outros países) os orixá (Òrìṣà) assumiram a
predominância em tudo e substituíram, em
geral, os inrumolé
(Irúnmọlẹ̀). Esse é o principal processo de
orixalização, houve uma redução de orixá (Òrìṣà), houve uma
concentração deles em uma mesma casa e eles substituíram os
inrumolé (Irúnmọlẹ̀), eles passaram a ser os “atores” de
toda a teologia.
Essa
orixalização foi acompanhada de uma revisão
de mitos para acomodar a participação do orixá (Òrìṣà) e não
do inrumolé
(Irúnmọlẹ̀)
original, dessa forma, algumas interpretações mudaram.
Cabe
aqui comentar uma diferença bastante significativa nas tradições
do Brasil e de Cuba, isso é minha observação. Não sei exato o
aspecto histórico, apenas posso deduzir por poucas referências,
mas, o Lukumi de Cuva se caraterziou por ter muitos orixá (Òrìṣà)
de “comida”, orixá (Òrìṣà) que eles não tinham culto e
iniciação e mantiveram a referência e a presença em oferendas.
Dessa maneira os lukumi parecem ter implantado uma teogonia maior,
mas, isso é ilusório, eles apenas mantiveram referências sem ter
informações melhores, mais profundas e precisas do culto a esse
orixá (Òrìṣà). Mesmo a parte de oferenda é uma adaptação aos
recursos deles.
Um
autor cubano é muito direto em dizer que em Cuba eles fazem bem, ou
de fato, é Iemanjá
(Yemọjá) e erinlé
(ou oxossi) e que, todos,
os demais que eles
iniciam tem processos muito “parecidos” com esses.
O
Candomblé, por sua vez, com pequenas exceções estabeleceu o
culto dos orixás que de fato inicia, com ritos próprios e
diferenciados e não tem essa figura de orixá (Òrìṣà) “de
mesa”. Existem alguns orixá (Òrìṣà) que são conhecidos,
falados e citados, mas isso não os inclui nos ritos, basicamente
existe a informação, mas se as pessoas não têm “as folhas”
elas não os incluem.
Isso
é uma diferença importante e relevante, muita gente não entende
isso e acha que os cubanos do Lukumi tem mais variedade do que nós,
na verdade é o contrário, tudo deles é muito menor, menos
detalhado e mais distante do original Yorùbá.
Acredito
que o processo de criação do Candomblé, com as idas e vindas dos
libertos contribuiu enormemente para essa questão de qualidade e
aproximação com os Yorùbá. Veja por exemplo a parte oral, rezas e
cantigas. Nos cubanos tudo parece uma rumba.
O
processo de
reafricanização positiva que eu mencionei é quele que restaura as
partes da teologia e teogonia da religião original, adicionando
informação e conteúdo e sem afetar a forma como o culto e a nossa
tradição religiosa foram construídas.
É
um processo de informação, enriquecimento e restauração sem
afetar a nossa própria construção prática.
Espero
que essa longa introdução tenha servido para nivelar o conhecimento
dos processos que estão envolvidos nessa explicação. Falar que
Iemanjá (Yemọjá) não é e nunca foi Iya Orí é fácil, mas,
compreender baseado no que faço essa afirmação é mais difícil.
RELAÇÃO DE ORIXÁ COM ORÍ
Quando
buscamos na teologia que está documentada atualmente a construção
de Orí, não existe nenhuma menção a orixá (Òrìṣà), muito
menos a Iemanjá (Yemọjá).
Antes
de seguir, mais um parêntese é necessário. É claro que pessoas
podem questionar a literatura que documenta a teologia, sim, tudo
pode ser questionado, ainda mais se você não concorda.
As
referências que uso são de autores conhecidos, muitos deles da
religião, que na minha avaliação tem conteúdo consistente com o
que eu sei e lógica intrínseca nas afirmações que fazem, cujas as
informações são confirmadas por outros autores e estes não me
pareçam estar diretamente ligados entre sí e usem como referências
versos e não apenas afirmações que dependam apenas de acreditar
neles.
Mesmo
assim, claro, tem gente que poderá concordar, de forma que não tem
jeito, a unanimidade pode ser impossível e cada um faça sua
avaliação.
Em
primeiro lugar eu procurei entender a teologia em torno de Orí,
consultando muitas referências e isso me permitiu construir um
modelo baseado em versos documentados. Nenhum
verso de Ifá liga Iemanjá a Ori. Ori é Ori. Uma
consulta também a relatos de tradição oral, feitos por Nigerianos
e Beninenses, não mostra nenhum tipo de ligação de Iemanjá com
Orí.
Os
mitos de Ori são claros em relação a origem e o processo de
criação, o envolvimento de Olódùmarè,
de oxalá e de Ajalá.
Eu lamento
muito que muita gente hoje em dia fale sobre Orí sem saber nada
disso, sem ter obtido informações mínimas ou ter conseguido
entender o que leu.
O
Candomblé foi muito pródigo e ter mantido o culto de Orí e
disponibilizado para todos os seus seguidores, é possivelmente a
principal cerimônia do Candomblé, mais importante do que a própria
iniciação.
O
culto a Orí não existia no Lukumi cubano, eu constatei isso no
início deste século, ninguém la sabia nada disso. Eles vieram aqui
aprender para reproduzir e vender a cerimônia. Mesmo os africanos do
golfo do Benin, pouco sabiam e o culto lá era muito restrito. Orí é
uma coisa que as pessoas vêm atrás do Candomblé para fazer
direito. Quem quiser acreditar que acredite, ninguém falou isso para
mim, eu vi isso.
Apesar
de bem equacionada a liturgia do Bori, aqui no Candomblé se
desenvolveu uma relação com Iemanjá (Yemọjá) e com Oxalá
(Òṣàlá). As duas são resultados dos processos que eu citei
anteriormente, de que os inrumolé (Irúnmọlẹ̀) foram
substituídos por orixá (Òrìṣà) e que mitos foram alterados ou
criados para acomodar isso.
Essa
acomodação não prejudicou a liturgia e nem a sua aplicabilidade,
apenas era uma referência inadequada. O que abunda não prejudica,
na maior parte dos casos. Com o processo de reafricanização
positiva, pudemos entender isso e corrigir o entendimento com os
mitos corretos, mas, mesmo assim, mesmo sabendo dos mitos de Orí as
pessoas ainda insistem com essa ligação e chamam Iemanjá (Yemọjá)
de Iya Orí.
Vejam
isso é um erro, Iemanjá (Yemọjá) não tem nada a ver com Orí.
Mas as pessoas que falam isso apenas seguem o que a orixalização
introduziu.
Reginaldo
Prandi relata explicitamente esse processo que eu chamei de
orixalização do culto. Ele diz “Ajàlá está esquecido no
Brasil, tendo sido substituído por Iemanjá, a dona das cabeças, a
quem se canta, no xirê, quando os iniciados tocam a cabeça com as
mãos para lembrar esse domínio, e na cerimônia de sacrifício à
cabeça (Bori), rito que precede a iniciação daquela pessoa”
Existe um mito regional do culto de
orixá (Òrìṣà) que diz o seguinte:
"Quando
Yemoja veio do orun [mundo ancestral] para o aiye [planeta Terra], ao
chegar descobriu que cada Òrìsà já tinha seu domínio na terra
dos homens, e nada havia sobrado para ela. Queixou-se a Olodumare
[deus criador], que disse a ela ser seu dever cuidar da casa de seu
marido Obàtálá [rei das roupas brancas], de sua comida, de sua
roupa, de seus filhos. Yemoja se revoltou. Ela não tinha vindo do
Orun para o aiye para ser dona de casa e doméstica. E tanto falou,
tanto reclamou, que Obàtálá foi ficando perturbado, até que
finalmente enlouqueceu. Ao ver seu marido[nb 9] nesse estado, Yemoja
pensou na atitude que Olodumare iria ter com ela quando chegasse do
Orun. E procurou os melhores frutos, o óleo mais claro e encorpado,
o peixe mais fresco, o iyan mais bem pilado, um arroz bem branco, os
maiores pombos brancos, o obi mais novo, o melhor atare, ekuru
acabado de cozinhar, ori muito bom, os igbin mais claros, orógbó
macio, água muito fria, e com isso tratou a cabeça de Obàtálá.
Ele foi melhorando com os ebós, e um dia ficou completamente curado.
Olodumare chegou do Orun para visitar Obàtálá. Falou à Yemoja que
havia visto tudo o que acontecera, e deu-lhe os parabéns por ter
curado tão bem a cabeça de seu marido. Dali para frente, Yemoja
iria ajudar os homens que fizessem más escolhas de ori [destino,
força vital], a melhorar suas cabeças, com uma oferenda determinada
pelo oráculo de Ifá, através de Orunmilá [deus do destino dos
homens].
Como
eu falei, sempre deve existir muito cuidado com fontes. A origem
deste mito é da região de Obeokuta e nessa região o culto a
Iemanjá (Yemọjá) é proeminente. Pessoas dessa região, como o
excelente autor Baba Tunde Lawal, nos seus textos atribuem enorme
importância a Iemanjá (Yemọjá) sobrepondo-a a outros orixá
(Òrìṣà) em função e importância.
Eu
comentei sobre isso no início deste texto e é por esta razão que
toda aquela introdução é necessária, vocês tem que entender os
diversos processos que existem em torno da religião.
Diferente
daqui onde temos um padrão no entendimento dos orixá (Òrìṣà)
em todos o país independente da tradição, lá o culto é muito
regional e, em cada região, as pessoas dão relevância ao orixá
(Òrìṣà) da região, não existe como aqui orixá (Òrìṣà)
nacional.
Da
mesma forma como em Ifé (Ilé Ifẹ̀)
o mito da CRIAÇÃO mundo foi
acomodado (alterado) para incluir a participação de Odùduwà
é
natural que as pessoas busquem um papel mais relevante para o orixá
(Òrìṣà) principal da sua regia da teologia.
O
mito
é bem mal feito. Iemanjá
(Yemọjá)
nunca foi esposa de Oxalá (Òṣàlá). Olódùmarè
não vêm ao Àiyé.
Iemanjá
(Yemọjá)
enche o saco de Obatalá até esse enlouquecer (?!) e depois ela o
cura e fica assim sendo cuidadora das cabeças? Só se fosse uma
psicopata. Aliás a fama de Iemanjá
(Yemọjá)
é estar ligada a pessoas de cabeça ruim, doidas, deve ser por isso
que ninguém quer ser de Iemanjá
(Yemọjá).
Eu
desconsidero esse mito citado. É
muito ruim.
A
ligação com Oxalá (Òṣàlá) também é em substituição a
Ajalá. Oxalá (Òṣàlá) molda o corpo humano completa, com cabeça
inclusive, mas o Orí Inú é feito por Ajalá, um inrumolé
(Irúnmọlẹ̀).
Ao
entender corretamente a teologia, conforme está em versos de Ifá
documentados por Wande Abimbola, uma vez feita a escolha do Orí o
papel de Ajala se encerra. Ele não faz outro Orí e muito menos
corrige o que foi feito. O processo de correção é feito no Àiyé
através do oráculo e de oferendas, o Bori, é o Bori que corrige as
imperfeições.
A
menção de Ajalá e Oxalá (Òṣàlá) no Bori é apenas um
respeito a eles que participaram da nossa criação.
Eu
já ouvi Babalorixa, mal informado, dizendo em cama de Bori: “que
ajala lhe molde um bom ori...” Infelizmente isso é apenas
desconhecimento dele, não tem nada de grave. Está fazendo uma
liturgia, muitas das vezes corretamente, sem entender os dogmas. Como
esta no Odù Ogbe Ogunda, Ajalá já moldou e o acaso ou a falta de
preparação podem levá-lo a escolher um Orí ruim.
Uma
vez moldado o Ori, Ajala não vai mais fazer nada com o Ori. Acabou.
O cuidado deve ser antes de escolher o Ori como está no Odù Ogbe
ogunda.
Não
quero abalar as crenças de todos, mas, um pouco de calma em
generalizações.
Uma delas é a de que
Oxalá (Òṣàlá) seria pai de todos e Iemanjá
(Yemọjá) mãe de
todos.
A
referência a Oxalá (Òṣàlá) pode ser justificada pelo fato dele
ser o criador do corpo de todos, mas, é só isso. Cada pessoa esta
ligada a um orixá (Òrìṣà) e é esse o orixá (Òrìṣà)
importante na vida dela. Na verdade a gente está ligado a esse orixá
(Òrìṣà) e ao nosso Orí, que é o nosso anjo da guarda. Orí é
uma definição um pouco complexa, enquanto divindade pessoal, o anjo
da guarda pessoal, Enikeji,
junto com o orixá (Òrìṣà) são os que são significativos na
nossa vida.
Esse
conceito de pai de todo e mãe de todos é absolutamente sem qualquer
referência real. Não existe vínculo de Iemanjá
(Yemọjá) com Oxalá
(Òṣàlá) e muito menos nosso com Iemanjá
(Yemọjá) a menos que
ela faça, de fato, parte de nossa vida.
Igualmente o Candomblé, pelo
menos o Ketu, não tem o conceito de termos Pai e Mâe espiritual.
Nós temos o nosso Orí, nosso Orixá (Òrìṣà) e um orixá
(Òrìṣà) ajuntó, um segundo orixá (Òrìṣà) principal que
nos acompanha. Contudo não existe divisão de gênero e ambos pode
ser do mesmo gênero. Assim
sendo não existe o conceito de orixá (Òrìṣà) pai e orixá
(Òrìṣà) mãe, isso é inexistente.
No
caso do Candomblé Ketu temos ainda o chamado “enredo” que são
outros orixá (Òrìṣà) ligado a pessoa devido a laços dela e de
qualidades. Não sei como isso é tratado em outras tradições
religiosas da matriz afro-brasileira (jeje, Batuque, Xangô
(Ṣàngó),
etc..), mas no Ketu que está ligada a raiz religiosa Yorùbá é
assim como eu disse. Não existe Pai e Mãe.
Nossa
relação é com nosso orixá (Òrìṣà), com Orí, com o Ajuntó e
em bem menor grau com o “enredo”.
Uma
pequena pesquisa na internet vai retornar dezenas de resultados
ligando a Umbanda a esta questão de Pai e Mãe espiritual e até
mesmo, pasmem, orixá
(Òrìṣà) de frente e juntó. Em se tratando de Umbanda isso tudo
ai é absolutamente impensável, infelizmente a Umbanda tem um
problema sério de identidade e fica querendo imitar o Candomblé sem
ter nenhum vínculo com ele.
Na
Umbanda existe essa consideração de Oxalá ser pai de todos e
Iemanjá ser mãe de todos. Mas a Umbanda nada tem haver com o
Candomblé e com Orixá (Òrìṣà).
Como
curiosidade, informo que o Lukumi entende que cada pessoa tem um orixá
pai e um orixá mãe. É por isso e por outras que quem já viu diz que eles
parecem uma Umbanda