Explicando
o Candomblé para qualquer pessoa
O
Candomblé é um culto, isto é, é apenas uma parte de uma religião
maior e essa religião é a religião Yorùbá. Eu vou explicar aqui,
da maneira mais direta e simples possível como é essa religião,
suas crenças e suas práticas para que as pessoas possam gostar ou
desgostar do Candomblé pelo que ele é, e não pelo que ele não é.
Para
entender uma religião não podemos nos reter em olhar somente suas
práticas e ritualística. Isso não te explica nada de uma religião,
a prática ritual é o meio da religião atingir seus propósitos,
mas não é a religião.
O
que todo mundo tem que entender de cada religião é, qual é a
proposta da religião para a pessoa e para a sua vida e, além disso,
qual é o efeito dela, a religião, na sociedade, é isso o que
interessa, o que ela faz em prol do indivíduo e da sociedade. O
objetivo de uma religião não é adorar a deus com um fim, isso é
fé cega. Toda religião te dá conhecimento, entendimento e quer
fazer de você uma pessoa melhor.
Eu
espero com esse texto dar um instrumento efetivo para que as pessoas
do Candomblé e Ifá possam entender a verdadeira extensão de sua religião e explicar sua religião para as demais
pessoas, leigos e interessados.
RELIGIÕES
AFRO-BRASILEIRAS
Falar
de religiões da matriz afro-brasileira é bastante complexo. Eu
tenho um vídeo no canal do youtube e um texto no Blog tratando
exclusivamente deste tema que é bastante confuso porque existem
várias tradições religiosas no Brasil.
Aqui
vou tratar apenas do Candomblé e de Ifá.
Contudo,
o mesmo nome Candomblé, abrange 2 tradições religiosas
muito diferentes, uma chamada Candomblé Jeje, que está ligada a
raiz religiosa do Dahomey e outra chamada Candomblé Ketu que está
ligada a raiz religiosa Yorùbá. Apesar de terem o mesmo nome,
“Candomblé”, representam religiões diferentes.
Eu,
aqui, estou falando da religião que o Candomblé Ketu representa, de
raiz Yorùbá, que é a mesma que o Ifá brasileiro representa
também.
O
que eu vou falar, de forma geral, pode se aplicar as demais tradições
afro-brasileiras ligadas à raiz religiosa Yorùbá, que são o
Batuque e o Nagô, mas, eu não posso dar certeza disso.
Chamo
a atenção para a questão das famosas nações de Candomblé. No
meu texto sobre esse assunto, que está no Blog, eu esclareço isso
de uma vez por todas, mas, não quero aqui abordar isso. Assim
esqueçam a questão de nações, eu uso Candomblé Ketu para
representar todo o Candomblé ligado a raiz Yorùbá. As nações são
sub-grupos pouco relevantes para o assunto de religião.
Assim,
daqui para a frente vou me referir a tudo como somente RELIGIÃO.
Mas, como explicado estejam avisados que estou me referindo ao
Candomblé Ketu e a Ifá.
O
papel da religião na sociedade
A
primeira coisa para entender a religião, é entender qual era o
papel da religião na sociedade yorùbá. A religião yorùbá é
parte de uma séria de ações que a sociedade adotava no sentido de
promover a união e a harmonia. Os yorùbá em uma palavra para
descrever isso, chamam de ifogbontaayese,
isto significa
o desenvolvimento de estratégias para promover na comunidade, a paz,
a felicidade e a união entre eles.
Claro
que isso funcionou enquanto o europeu não apareceu lá para fazer o
escravagismo.
A
religião
na sociedade yorùbá era um instrumento de união e harmonia e
isso vai ficar mais claro à frente.
O
cosmo metafísico
A
religião estabelece como modelo para a nossa existência, de que
existe um mundo supernatural, o órun
(Ọ̀run). Esse é o nosso lar verdadeiro, é lá
que vivemos. Eles dizem que a passagem na terra, no chamado Àiyé,
é temporário, vivemos aqui para nos divertir, para amar, para ter
aventuras, para ter emoções, para sentir sabores e para viver em
família, principalmente.
Para
viver aqui, recebemos um corpo que será o receptáculo temporário
de nossa alma. A morte é o preço que pagamos para viver, quando o
receptáculo se esgota, morremos e nossa alma volta para o mundo
espiritual.
Esse
ciclo se repetirá várias vezes.
Este
cosmo foi criado e é controlado por um deus superior, um deus único,
chamado Olódùmarè. Este é o nome de
deus para os yorùbá, contudo, como no judaísmo existem outros
nomes para deus.
Além
de Olódùmarè existem outras
divindades criadas por Olódùmarè para
o representar e atuar por ele, seja no órun
(Ọ̀run) como no Àiyé. O nome geral
dados as divindades que existem no órun
(Ọ̀run), ministros de Olódùmarè,
é inrumolé (Irúnmọlẹ̀).
É
Olódùmarè quem controla o
funcionamento da natureza, é dele que vem o poder, mas, são os
inrumolé (Irúnmọlẹ̀) que atuam em seu nome.
Neste
conjunto de divindades, chamadas inrumolé (Irúnmọlẹ̀), existem
um tipo especial chamado de orixá (Òrìṣà). Dessa maneira os
orixá (Òrìṣà) são uma parte do conjunto total de divindades.
O
modelo da religião é desta maneira, composto de um deus maior e
superior a tudo, Olódùmarè e
divindades que o representam, mas, com restrições, somente
Olódùmarè pode tudo e tem o controle
sobre tudo e não divide isso com ninguém.
Contudo
não temos acesso direto a Olódùmarè.
Nosso acesso é através das divindades que ele criou. Essas
divindades não são deuses menores, são ministros de Olódùmarè e
o representam nas suas ações.
Esse
modelo cósmico é todo voltado para a vida no Àiyé, apesar
de, como eu disse aqui, ser uma aventura temporária. Nos versos de
Ifá não existem descrições de situações e aventuras no órun
(Ọ̀run). Não existe descrição de atividades
das divindades no órun
(Ọ̀run), mas é bem claro que, no órun
(Ọ̀run), existimos nós, as divindades e
Olódùmarè. O órun
(Ọ̀run) deve ser um lugar tranquilo e pacato.
Toda
a ação existe para manter o Àiyé.
Renascimento
É
uma religião reencarnacionista, nós renascemos várias vezes, mas
não existe nenhum objetivo maior nisso.
Nós
renascemos porque queremos, porque gostamos, porque a vida é uma
aventura e porque gostamos de vivê-la aqui em família.
Acima
de tudo, vivemos para sermos felizes. Nascemos para ser feliz. Existe
um compromisso, uma aliança de deus com a gente, por nossa
felicidade, aqui, nesta vida. Lembrem-se disso que acabei de
falar, porque, essa aliança, domina tudo o que se faz nessa
religião.
Não
existe nessa religião a ideia de que a vida é um sofrimento ou que
temos karmas para superar, não existe esse conceito de karma que é
tão popular entre os espíritas, aliás, não existe nenhum vínculo
entre o Candomblé e o espiritismo.
É
um erro crasso chamar o Candomblé de religião espírita. Isso é
uma bobagem sem fim.
O
bom caráter
A
religião diz que devemos ser pessoas de caráter, e que o caráter é
a beleza interior das pessoas. Uma pessoa só é bela se tem beleza
interior. Dessa maneira, a religião trabalha o indivíduo para que
ele seja uma pessoa virtuosa e de caráter.
Fazendo
isso a religião está entregando para a sociedade uma pessoa melhor
que contribuirá com sua união e harmonia.
São
falsas as afirmações de que o Candomblé seria uma religião sem
ética e sem pecado.
É
o contrário disso. Vou falar sobre esse tema em um vídeo
complementar, nesse momento, peço que acreditem que no que estou
dizendo.
Assim,
para entendermos o ciclo e as relações, a religião é uma ação
pela união e harmonia da sociedade e para isso ela trabalha os
indivíduos para que estes sejam pessoas melhores e úteis, através
da aquisição do bom caráter, que é chamado ÌwÀ e possam, então,
trabalhar pela sociedade.
Pós
vida
Em
relação as nossas realizações, a religião diz que, seremos
julgados por Olódùmarè depois
que morremos e voltamos ao órun
(Ọ̀run). Assim prestaremos conta do que
fizemos em nossa vida e, Olódùmarè,
nos avaliará pelo conjunto de nossa obra.
Podemos
nesse momento sofrer punições temporárias, mas, as almas são
perenes e não são condenadas ao fim de sua existência, em qualquer
coisa que se assemelhe a um inferno. Não existe a figura do demônio
ou do inferno, ou nada parecido com isso.
No
pós-vida cabe a nós, também, cuidar de nossos familiares que ainda
estão vivendo no Àiyé. Nossos familiares vivos, pedem e
esperam nossa ajuda a partir do órun
(Ọ̀run).
O
destino
Vou
falar agora sobre um conceito muito importante na religião.
A
religião tem foco no indivíduo e na realização dos objetivos da
sua vida. Esse é um dos principais atrativos que cativam as pessoas
que a conhecem, mas, apesar disso, a religião exige o suporte de uma
coletividade para ser praticada, não se pode praticar sozinho.
Antes
de nascermos nós estabelecemos objetivos para a vida, o que queremos
realizar, isso é similar ao conceito chamado Dharma, que existe no
induísmo.
Com
os nossos objetivos, vamos a deus, antes de renascermos, e pedimos
para ele para realizá-los. Essa entrevista com deus, Olódùmarè,
é muito importante. Deus concordará com nossos pedidos, como sempre
faz, e também vai nos dar os instrumentos necessários para podermos
realizar nossos objetivos.
Mas,
além dos nossos próprios objetivos também recebemos outros que
são dados por deus e que estão relacionados com quem somos, nossa
família e outras vidas. Este é uma parte de nossa individualidade e
ancestralidade. Isso seria, mais ou menos, similar ao conceito do
Karma, do induísmo, mas, atenção o entendimento de Karma do
induísmo é distinto do que fazem aqui os espíritas.
Um
dos instrumentos que deus nos dá, nesse momento é uma anjo guardião
pessoal, que é chamado de enikeji, mais comumente denominado no
Candomblé de, Orí. Infelizmente o conceito de Orí é um muito
amplo, ele envolve vários aspectos distintos e complementares e,
tudo isso, é chamado indistintamente de Ori.
Enikeji,
o nosso anjo guardião é o nosso primeiro instrumento dado por
Olódùmarè, ele é considerado nosso
duplo. Enikeji existe no Órun (Ọ̀run) que é o mundo espiritual e
nós vivemos no Àiyé
Além
do enikeji, deus, ou Olódùmarè, nos
dá um axé (àṣẹ) pessoal. Axé (àṣẹ) é a energia vital
que somente Olódùmarè tem, é a
centelha de vida, o poder vital e espiritual que cada pessoa têm e é
distinto. Olódùmarè dá um poder para
cada pessoa, baseado no que essa pessoa conversou com ele na
entrevista para o seu renascimento.
Na
religião esse poder de Olódùmarè é
identificado
através do nome de Odù. Odù é apenas o nome geral que é usado
para classificar o
que Olódùmarè
nos dá ou o que
ele usa para influenciar o mundo.
Um
parêntese aqui, Odù tem um significado complexo na religião, eu
estou aqui fazendo uma absoluta simplificação, didática, quando
resumo o poder que Olódùmarè
nos dá com o nome de Odù, isso é quase uma licença poética.
Infelizmente,
os yorùbá, cometeram o erro de ter uma linguagem muito simples e
sem registro escrito, não existia
grafia para a linguagem, isso foi uma das causas do seu
enfraquecimento como povo e civilização. Em yorùbá,
um mesmo nome adquire vários significados dependendo do contexto.
Assim é com Orí, como eu já disse,
que requer uma explicação complexa, assim é com axé
(àṣẹ) e assim é com Odù. Quem
quer entender isso, procure o meu blog, lá
tem textos explicando isso.
Além
desse poder pessoal que posteriormente será traduzido para nós
através da denominação chamada Odù,
Olódùmarè
designa para nós uma divindade que irá nos influenciar, porque fará
parte da formação de nossa personalidade e
dos nossos “poderes”. Essa divindade
é o orixá (Òrìṣà).
Os
orixá (Òrìṣà)
Orixá
(Òrìṣà) são ministros de Olódùmarè.
O conceito de ministro significa o de uma divindade que o representa
e ao mesmo tempo tem seus poderes.
Os
orixá (Òrìṣà) são divindades que existem para cuidar de nossa
vida na terra. Esse é o sentido de sua existência.
Os
orixá (Òrìṣà) não são as forças da natureza.
Quando
nascemos temos uma ligação física e espiritual com um orixá
(Òrìṣà) e isso influencia nossa personalidade de alguma forma e,
esse orixá (Òrìṣà), será mais um guardião em nossa vida.
Contudo, orixá (Òrìṣà), é um guardião coletivo, cuida de
muitas pessoas, diferente de enikeji que é único.
Somos
ligados diretamente a
mais de um orixá (Òrìṣà) através do nosso nascimento e
isso faz parte da constituição de
nossa individualidade no Àiyé,
o mundo natural, mas, todos os orixá (Òrìṣà), que
têm
poderes um pouco diferentes dados por Olódùmarè,
estão prontos a nos ajudar.
Os
orixá (Òrìṣà) são parte da aliança de deus com a nossa vida,
parte do compromisso dele com nossa felicidade. A vida no mundo é
cheia de perigos e temos os nossos objetivos para alcançar e nossas
obrigações enquanto membros da sociedade. Os orixá (Òrìṣà)
são o elemento de ligação entre nós e deus e
aqueles a quem
Olódùmarè
deu a missão de nos orientar e suportar em nossa vida.
Não
existe nesta religião o conceito de que lidamos diretamente com deus
e muito menos de que ele seja onisciente e onipresente.
O
controle do supernatural
Na
vida na terra, no Àiyé,
o mundo natural, nós contamos com o
poder das divindades orixá (Òrìṣà). O supernatural tem energias
e poderes que podem
influenciar as coisas do mundo natural.
Isso
é o que é traduzido pela palavra, magia, que é a capacidade de
alterar coisas do mundo natural com energias supernaturais.
A
base dessa energia é o axé (àṣẹ),
a energia de Olódùmarè.
O
axé (àṣẹ)
é o conceito mais importante para a vida no Àiyé,
no mundo natural.
A
religião, também, faz parte do compromisso de Olódùmarè
com o nosso sucesso e, assim, ela nos ensina e nos suporta para que
através do uso dessa energia supernatural, do axé
(àṣẹ), possamos fazer correções
no rumo de nossas vidas, eliminando problemas, ameaças e ajudando
com a nossa
saúde.
Principalmente,
essa energia, essa manipulação do supernatural, existe para
corrigir o nosso comportamento e ações que nos levam a erros.
Além
de nos ensinar e nos suportar no uso das energias do supernatural, a
religião deve nos conduzir para que tenhamos um bom caráter ou o
caráter ideal, o Ìwà.
A religião transforma e muda as pessoas para que elas tenham o bom
caráter e somente através desse bom caráter teremos sucesso e
realização na vida.
O
sucesso na vida não significa riqueza,
significa realização de nossos objetivos. Vamos atingir a isso com
Ìwà
e com o nosso Orí.
O
Axé (àṣẹ), o
ebó (Ẹbọ)
e o
equilíbrio
Se
existe uma palavra de define essa religião essa palavra é
EQUILÍBRIO. Esta é a religião do equilíbrio.
A
religião possui liturgias
especiais para podermos
manipular o axé (àṣẹ) e,
através disso, nos
ajudar na
nossa vida. Essas liturgias recebem
o nome genérico de ebó (Ẹbọ).
Ebó (Ẹbọ)
na verdade significa muitas coisas, essa
é mais uma palavra com vários significados contextuais, mas,
essencialmente, é a ação que provoca a manipulação do axé
(àṣẹ) para nos ajudar.
Tudo
na religião gira em torno do equilíbrio do axé
(àṣẹ) e, até mais ainda, no
equilíbrio do comportamento.
O
órun
(Ọ̀run) e o Àiyé
estão em dimensões diferentes, assim a comunicação entre os dois
é bastante restrita. Para se obter axé
(àṣẹ) no Àiyé,
de modo a usá-lo para ajudar as pessoas a se equilibrarem temos que
recorrer a coisas vivas que estão no Àiyé.
Assim as folhas e alimentos são fontes de axé
(àṣẹ), essa é uma das razões de
porque as liturgias são baseadas em oferendas.
Os
orixás não comem nada que é oferecido! O que eles fazem é retirar
do material usado o axé (àṣẹ)
que será
usado na própria pessoa que ofereceu.
As
folhas como fonte de terapia
É
muito importante dizer que o principal elemento litúrgico na
religião são as folhas.
Nós
acreditamos que Olódùmarè,
quando criou as folhas, deu a elas propriedades especiais através do
seu axé (àṣẹ).
Elas são usadas em magias e principalmente em terapias.
O
Àiyé
é um lugar complicado, com perigos e doenças. Olódùmarè
em seu compromisso com nossa vida colocou as plantas para que
possamos obter delas o axé (àṣẹ)
para curar todo o tipo de doença e mal que nos aflige.
O
uso das folhas é um dos principais conhecimentos da religião e é
mais um dos elementos da aliança entre deus e nós.
Como
eu disse e reforço, não estamos sozinhos, deus nos assiste o tempo
todo.
Oráculo
Além
disso, a religião possui um oráculo, que é o instrumento que temos
para nos comunicar com deus, com nosso anjo guardião e com nosso
orixá (Òrìṣà), para pedir ajuda e buscar orientação. Não
existe receita pronta, tudo que é feito é precedido de uma consulta
oracular.
Orixás
não falam e não falamos com deus em nossas rezas. Orixás nos ouvem
mas o oráculo é o instrumento sacro para podermos interagir com o
divino, tudo que se faz liturgicamente nessa religião passa pelo
oráculo.
O
oráculo também pode ser usado para orientar as pessoas a tomar as
melhores decisões da vida.
No
Candomblé o oráculo usado é o Jogo de Búzios. Já no culto de Ifá
o oráculo tem o mesmo nome do culto, Oráculo de Ifá.
Essa
religião tem o compromisso de nos ajudar continuamente e
constantemente. O oráculo é também parte da aliança de deus com
nossa vida.
A
religião como fator de união
A
religião existe para atingir vários objetivos nesse contexto
metafísico.
Ela
nos ensina a manipular o supernatural para nos ajudar.
Ela
nos fornece as orientações através do oráculo
Ela
deve nos orientar a ter um bom Ìwà,
o caráter.
Contudo,
para atingir isso tudo ela exige muitas pessoas. Essa religião não
pode ser praticada sozinha e requer pessoas com
diferentes formações e especialidades, por exemplo:
-
Pessoas que se preparam
para ser os elementos de ligação com os orixá (Òrìṣà),
permitindo a presença dos orixá
(Òrìṣà) no Àiyé
para nos trazer axé (àṣẹ),
os chamados
elégùn.
-
Os
olhadores de oráculo, os Bàbáláwo.
-
Os
invocadores do ambiente de ligação com o órun
(Ọ̀run), os ogans.
-
Os
manipuladores
do axé (àṣẹ)
que são os sacerdotes, os Babalorixá
(Bàbálórìṣà) e Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà).
Dentro
de uma casa existem outras especialidades, pessoas que dedicaram a
vida a aprender e exercer uma função na religião. É
necessária uma grande comunidade especializada para a prática
efetiva da religião e uma pessoa sozinha não consegue fazer isso.
Uma
casa de Candomblé é composta de vários especialistas em várias
áreas, desde cozinhar até a rezar. Temos ai ,então, o
elemento de união da comunidade, é uma prática coletiva. A
religião promove a união da comunidade em torno dela mesma, sem
união e sem comunidade não existe prática da religião.
Voltando
a questão do ciclo:
-
nascemos com objetivos de vida, não temos um destino pré-fixado
-
Olódùmarè
nos dá os instrumentos para realizar os objetivos e termos sucesso e
felicidade na vida
-
Olódùmarè
criou enikeji e os orixá (Òrìṣà) para suportar o nosso sucesso
-
a religião desenvolve o nosso bom caráter e nos faz pessoas
melhores para a vida em sociedade.
-
a comunidade através da religião e de sua união suporta os seus
membros na sua vida para que sejam felizes.
Esta
é a síntese da tríade indivíduo-religião-comunidade.
A
prática da religião
Essa
deve ser a parte que as pessoas têm mais visibilidade, mais isso é
apenas uns 10 a 20% do que é feito na religião, sem conhecer os
conceitos que eu expliquei, até aqui, o entendimento da prática é
impossível.
A
religião é praticada intra-muros, ou seja, dentro dos muros da casa
de Candomblé. A religião não é praticada na rua e as oferendas
não são feitas na rua, isso é coisa da Umbanda.
Uma
casa, terreiro ou templo de Candomblé é um local preparado para a
prática da religião, no aspecto espacial e ritual. A casa tem os
elementos sagrados necessários a prática da religião dentro dela.
Não
existe possibilidade de uma casa de Candomblé ser pequena e sem um
terreno amplo. Os famosos becos, são apenas isso mesmo, um beco, não
são uma casa de Candomblé. Uma casa de Candomblé precisa de
espaço, além disso tem que ser próxima a mananciais da natureza,
como rios, florestas e mar.
A
prática da religião na casa estabelece continuamente a ligação
das pessoas com o divino, através de liturgias.
A
principal liturgia do Candomblé é a realização do Xirê,
que é uma prática festiva de integração entre nós e as
divindades. O Xirê dura entre 3 e 4 horas e é composto por danças
e música.
Esse
formato visa a união da comunidade e uma integração alegre e
festiva das divindades, orixá (Òrìṣà) com as pessoas. Através
dessas músicas e toques (os tambores são considerados sagrados) se
estabelece uma zona cinzenta entre o órun
(Ọ̀run) e o Àiyé e as divindades
orixá (Òrìṣà) (somente essas) podem se manifestar no mundo
natural, através dos elégùn,
interagindo com os presentes através da dança e através dessa
mesma dança eles espalham o seu axé (àṣẹ) para as pessoas.
O
objetivo dessa interação é, dessa maneira, os orixá (Òrìṣà)
trazerem o axé (àṣẹ) de Olódùmarè
para as pessoas. Participar de uma Xirê tem a finalidade de receber
o axé (àṣẹ). Um Xirê é normalmente dedicado a um orixá
(Òrìṣà) em especial, mas sempre contará com a presença de
vários deles. É no Xirê que as pessoas podem receber as melhores
bençãos dos orixá (Òrìṣà) para a sua vida e fazer pedidos. Os
orixá (Òrìṣà) nos entendem mas não falam com a gente.
Ao
fim do Xirê, existe quase sempre o oferecimento de uma refeição
gratuita aos presentes, o Xirê é uma festa e confraternização. O
Xirê é uma liturgia pública, como uma missa, mas, devido a sua
complexidade e custo é feito com menor periodicidade.
Mais
frequentemente existem, apenas para os membros da casa as rezas. As
pessoas se reúnem em dias especiais para rezar para algum
orixá (Òrìṣà). É uma prática devocional e tem a mesma
finalidade do xirê, mas é apenas interna e normalmente não envolve
nem música e nem dança, são rezas mesmo.
Adicionalmente,
dependendo da quantidade de pessoas que existem na casa, existe um
calendário de realização de liturgias para iniciação (a
feitura), para complementar a iniciação (as obrigações)
e para não iniciados e frequentadores (os Boris).
Essas
liturgias são profundas e envolvem uma grande população para a sua
realização. Algumas duram alguns dias e são também momentos de
reunião, rezas e conciliação com os orixá (Òrìṣà).
Cada
pessoa ao longo dos anos faz poucas dessas liturgias. A vida do
iniciado ou do não iniciado (o abian) não é dominado por essas
liturgias, em média faz uma dessas a cada 3 ou 4 anos, talvez mais.
Como
uma casa às vezes tem muitas pessoas, ela pode ter uma atividade
constante de liturgias, mas, cada vez, é uma pessoa diferente, que
precisa de muita gente ajudando para ser realizada.
A
atividade do oráculo é a que domina o dia a dia de uma casa. Como
citei, tudo é feito a partir da orientação do oráculo e, dessa
maneira, essa é a atividade que mais ocorre. O oráculo é uma
atividade contínua e viva na religião.
Como
resultado do oráculo são indicados a realização dos ebós e
oferendas. Não vou explicar aqui sobre isso, mas entendam que ebós
são liturgias que envolvem materiais e o ato de usá-los por uma
pessoa habilitada, um ebó (Ẹbọ) é sempre uma manipulação
de axé (àṣẹ) por um operador e através dos elementos. Eles são
necessários para tirar negatividade ou atrair positividade.
As
oferendas são uma oferta sacra de materiais, normalmente, comidas
cozidas e que tem a finalidade de trazer bençãos e energias
positivas para a pessoa. Uma oferenda é sempre algo que dá energia
a quem oferece.
Como
podem ver, uma casa de candomblé tem motivos para ter uma atividade
constante.
O
clero do candomblé
Esse
é um assunto complexo, mas vou fazer o possível aqui.
Uma
casa de Candomblé é composta por um dirigente, que será a
Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà) ou o Babalorixá
(Bàbálórìṣà). Somente haverá um deles, ou é um ou é
outro.
Eles
são os responsáveis pelo conhecimento e por fazer as liturgias na
casa.
A
casa também pode ter frequentadores iniciados, que serão os Iyawo,
enquanto em formação, ou os Egbon quando completam sua formação.
Além
desses tem os Ogans, que são homens e as Ekeji, que são mulheres.
Essas pessoas são escolhidas por orixá (Òrìṣà) para essas
funções e estão no alto da hierarquia da casa.
O
outro grupo que complementa são os Abians, frequentadores não
iniciados, são parte da casa mas não passaram pelos ritos de
iniciação.
Fora
esse grupo o que existe são os simpatizantes e frequentadores dos
Xirês.
O
Bàbáláwo é
um sacerdote dirigente, do mesmo nível de um Babalorixá
(Bàbálórìṣà) ou Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà) mas pertence ao culto de Ifá, não
pertence ao Candomblé.
Candomblé,
imagens e o ato de rezar
O
Candomblé não tem imagens com finalidade sacra ou litúrgica. Não
existe a representação de deus ou de orixá (Òrìṣà) através
de imagens, no culto normal, não existe nenhum ritual ou culto
baseado ou feito com imagens.
Imagens
pertencem ao catolicismo e a Umbanda.
Se
você encontrar uma imagem ou gravura em uma casa de Candomblé isso
é apenas arte sacra, são itens decorativos.
Eu
já pesquisei em diversos livros sobre arte yorùbá e
definitivamente, imagens de orixá (Òrìṣà) não fazem parte da
religião. Aqui, também, no Brasil, isso não existe. Como já citei
o que existe é arte sacra, não existe o uso sacro de imagens.
Isso
quer dizer que, no Candomblé, você não se ajoelha em frente a uma
imagem para rezar, você não monta altares com imagens em casa ou
nos terreiros.
O
ato de rezar é feito em qualquer lugar, normalmente os devotos
deitam no chão de barriga para baixo, rosto no chão e rezam para
qualquer orixá (Òrìṣà) do mesmo jeito.
O
que o Candomblé tem para o uso sacro são as relíquias sagradas,
símbolos e objetos que tem função no culto. A representação do
Orixá (Òrìṣà) é um símbolo sacro, mas é feita na forma de um
conjunto de louças, normalmente bem bonitas. Esses símbolos, ficam
em lugares reservados, fora dos olhares de visitantes e de acesso
reservado.
O
Candomblé não tem ídolos.
A
feitiçaria
Uma
das crenças importantes que a religião tem é a feitiçaria.
A
religião acredita que o mal pode ser feito contra as pessoas e entre
as pessoas através do supernatural.
Não
existe pessoa imune a isso, o supernatural é fonte da bondade e da
maldade, das bençãos e do malefício.
A
religião preza por formar pessoas com caráter, com Ìwà
e dessa maneira ela trabalhar para criar pessoas boas, mas, o mundo
tem todo o tipo de pessoas.
O
principal mal que existe é o que fazemos entre nós, é o malefício.
O supernatural é como a “força” do filme Star Wars, você pode
estar no lado de luz da força ou no lado negro, tudo é a “força”,
no nosso caso tudo é o supernatural.
A
religião desenvolve recursos para você combater a feitiçaria e,
como eu disse, não existe ninguém que seja imune a feitiçaria e
não esperem que deus interfira nisso, a vida no Àiyé cabe a
nós.
Esta
religião não ensina feitiçaria, não ensina a fazer feitiços, não
ensina a fazer o malefício. Ao contrário, ela diz que as pessoas
devem ter bom caráter.
O
mal, a feitiçaria, os feiticeiros, sempre existiram no mundo. O
supernatural é uma faca de dois gumes.
Se
você encontrar uma casa onde se faça a feitiçaria e onde se venda
o malefício, terá encontrado um lugar que não representa essa
religião.
Os
cultos da religião
A
religião yorùbá é composta na verdade de 3 cultos distintos.
O
mais importante e conhecido é o culto de orixá (Òrìṣà). O
Candomblé é parte do culto de orixá (Òrìṣà). É esse o culto
que abrange todas as pessoas, que nos assiste continuamente e cuida
do nosso dia a dia.
O
segundo culto é o de Ifá. Esse culto é muito novo no Brasil,
iniciou aqui a partir do século XXI, com poucas iniciativas na
última década do século XX.
Esse
culto cuida apenas do oráculo e é feito pelo Bàbáláwo.
Diferente do Candomblé que cuida das pessoas em tempo integral, da
devoção e do desenvolvimento do Ìwà,
o culto de Ifá especializa as pessoas que lidarão com o oráculo.
O
terceiro culto é o de egungun, dos ancestres. Através deles,
ancestres que já morreram voltam ao Àiyé para cuidar de
assuntos relativos a comunidade. Esse culto foi trazido tardiamente
ao Brasil e tem prática bastante restrita.
CONCLUSÃO
De
forma geral essa é a religião e a prática do candomblé.
Nascemos
muitas vezes e em cada vida temos objetivos.
A
vida no mundo natural é cheio de perigos e deus criou nosso anjo da
guarda, os orixá (Òrìṣà) e deu poder às folhas para nos ajudar
nessa jornada.
Além
disso criou o oráculo para nos comunicarmos com ele.
A
religião é onde aprendemos a lidar com o supernatural para ajudar
as pessoas no mundo a viverem a atingirem seus objetivos.
Uma
casa prepara os sacerdotes da religião para lidar com os vários
aspectos do supernatural e a casa além de ajudar a seus membros têm
a missão de ajudar a humanidade.
Não
é verdade que todo mundo tenha que ser iniciado, o que deus quer é
que vivamos bem e sejamos úteis uns aos outros. Algumas pessoas
precisam ser preparadas para lidar com o supernatural e orientar as
pessoas na vida, mas, o que devemos é apenas viver.
É
claro que vários temas foram simplificados mas o conjunto é isso
mesmo que eu descrevi.
Se
você quiser entender isso com mais detalhe leia o meu Blog e aguarde
o livro Kindle que estará na amazon.com.br.
Se
alguém tem dúvida ou curiosidade sobre o Candomblé e Ifá passe
para essa pessoa este texto.