Serão os Orixá (Òrìṣà) elementos da natureza ?
NÃO!
ELES NÃO SÃO!!
Este texto é um
pouco extenso, mas, trata de um assunto importante que principia o
entendimento desta religião. Apesar de extenso ele tem muita
informação, da forma como foi estruturado, quando mais você ler
mais você vai saber sobre o assunto, mas em qualquer ponto que parar
você já vai ter entendido a minha posição.
A motivação de eu
escrever sobre este assunto é que existe um conceito generalizado
que associa os òrìṣà (orixá) a elementos da natureza no sentido
literal (e não figurado) de forma que cada òrìṣà (orixá) é
dito ser um elemento da natureza.
Esta, é uma
bobagem que está sendo repetida milhares de vezes e que com isso
acabou virando uma verdade para muitos, principalmente aqui nas
tradições da diáspora. Estou aqui dando minha contribuição para
acabar com isso, porque, depois de me debruçar sobre esse assunto,
analisando referências teológicas e, mais ainda, versos de Odù, eu
tenho uma opinião completamente divergente e gostaria de apresentar
aqui.
Assim principiando,
pessoas quando questionadas sobre a religião ou mesmo sobre òrìṣà
(orixá) iniciam afirmando que o Candomblé é uma religião ligada
da natureza e que os òrìṣà (orixá) são a própria natureza ou,
elementos grandioso desta natureza, como água, terra, pedra, fogo,
trovão, vento, etc….
Isto
está errado. De fato não são muitas pessoas que
conhecem bem a religião e essa tem sido a saída mais fácil para as
pessoas responderem aquilo que não sabem. Não precisa fazer muito
esforço, vai ser muito fácil encontrar este ideário em livros
ruins e na internet em textos copiados e mal produzidos.
Assim, repetindo o
posicionamento deste texto, pessoas descrevem para outras que os
òrìṣà (orixá) são os elementos da natureza, mas, isso é um
engano. Esta é minha posição e vou explicar aqui neste texto.
A minha conclusão
após avaliar esta situação é que este erro ocorre por diversos
fatores. O principal é que é fruto de um sincretismo religioso,
equivocado, entre religiões que não guardam semelhança. É uma
forma equivocada de compara ou tornar equivalentes diferentes
religiões feito por pessoas levianas. Por fim, e mais importante
ainda, é uma parte do grande processo que houve, inclusive entre os
ditos estudiosos, de desprezar a religião Yorùbá e em função da
dificuldade ou do preconceito para entendê-la de fato.
Podemos encontrar e
ter que aceitar uma posição, por exemplo de que os òrìṣà
(orixá) seriam ancestres, pessoas que foram divinizadas e desta
forma pais da nação Yorùbá. Podemos também entender que mesmo em
vida eram pessoas poderosas dotadas de forte poder mágico e que os
permita manipular alguns elementos primários da natureza, mas,
jamais podemos confundir os òrìṣà (orixá) com elementos da
natureza.
Alguns podem neste
momento questionar: Por que estou eu aqui querendo questionar isso?
Minha resposta é simples, para que se possa de fato entender o que é
esta religião e entender a sua proposta para tornar melhor a vida
das pessoas.
Eu não tenho dúvida
que entendendo o cosmo Yorùbá esta compreensão fica muito mais
simples, assim como ficaria muito mais simples eu falar sobre esse
assunto, mas, não podemos transformar este assunto em uma novela, de
maneira que o Cosmo Yorùbá fica para outra oportunidade.
Mas, é importante
entenderem que na religião Yorùbá existe uma divindade suprema,
que esta acima de tudo e de quem vem toda a criação e manutenção
dos seres viventes, ela é Olodumarê, o deus Yorùbá. Abaixo dele
existe todo um mundo espiritual com divindades de diversos tipos e
hierarquias. Um tipo muito especial e que nos interessa são os òrìṣà
(orixá). Estas divindades têm como objetivo nos ajudar em nossa
vida no mundo natural.
Nossa ligação com
os òrìṣà (orixá) é muito íntima e todos temos na formação
do nosso corpo físico um pedaço de um òrìṣà (orixá) que se
torna então o nosso òrìṣà (orixá) e um dos nossos protetores.
Temos, todos, um protetor principal que é uma divindade pessoal, que
aqui no Candomblé chamamos de Ori. De fato, como muitas palavras
Yorùbá, Ori. serve para muitos significados, mas, entendamos que
um dos significados é de uma divindade pessoal e nossa protetora
maior.
Em relação aos
òrìṣà (orixá) existem 2 tipos principais. Existem os que são
os òrìṣà (orixá) da criação, que já existiam antes do mundo
natural ser criado por Olodumarê (da Gênese). Existem também os
òrìṣà (orixá) filho, ou eborá, que surgiram depois e que
normalmente são seres humanos divinizados. Sim, é muito importante
entender isso. O ser humano por suas obras e importância para
sociedade pode ser divinizado e se transformar em um òrìṣà
(orixá), com mesmo status dos òrìṣà (orixá) da criação.
Ao se transformar em
òrìṣà (orixá) ele irá também fazer parte do corpo das pessoas
que nascem no mundo natural.
Aqui temos mais um
conceito para entender, os Yorùbá entendem que existe um mundo
espiritual que é um reflexo no mundo natural. As pessoas vivem no
mundo espiritual e ciclicamente nascem (encarnam) no mundo natural.
Ao nascer aqui elas necessitam de um corpo, esse corpo é produzido
por um òrìṣà (orixá) e recebe elementos que vai
individualizá-lo tornando cada indivíduo único.
Nesse processo de
individualização o òrìṣà (orixá) fará parte. Assim, nosso
espírito vive no mundo espiritual de forma independente de òrìṣà
(orixá), mas, quando nascemos aqui no mundo natural um deles fará
parte íntima de nossa existência e de nossa proteção para que
possamos viver e atingir os nossos objetivos para essa vida.
Esses elementos que
são agregados ao nosso corpo físico (orixá, Odù, Ori, alma,
caráter e ancestralidade) nos transformam na pessoa que somos.
Nesta concepção
errada que fazem de òrìṣà (orixá), Xangô virou o fogo e o
trovão. Oyá virou o vento e o raio. Óxun virou a água. Os demais
não sei bem o que viraram, essa criatividade sem pé nem cabeça
para mais ou menos por ai. Mas a correspondência que esses malucos
fazem de òrìṣà (orixá) e elemento da natureza é falha e
confusa por si só.
Então veja, quem
entende alguma coisa de òrìṣà (orixá), sabe que Ṣàngó
(Xango) é um eborá, um òrìṣà (orixá) divinizado e não um dos
òrìṣà (orixá) originais assim. Como ele poderia ser o fogo, o
trovão ou um vulcão, que são elementos que existem desde o início
dos tempos? O vento é ọya (óia) ? Mas ela também é divinizada,
assim, o vento já existia antes dela ela, e ela não poderia ser o
vento, uma força da natureza. Na Nigéria a sua história esta
associada com um Rio. Ọ̀Ṣun (Oxun) é uma irúnmalẹ̀
(irunmalé) um òrìṣà (orixá) original da criação e poderia
sim estar ligada com a água, mas ser a água? Jamais, ele está na
realidade intimamente ligada com outras qualidades. Por fim, sem
exaurir o estoque de bobagens, as pessoas dizem que Ọ̀Ṣàlá
(Oxalá) é o ar, por que?
Nunca encontrei isso
nos versos de Odu. Não existe nenhum lugar em versos que eu tenha
lido, e já li muitos que faça uma mínima correlação disso.
Isso mais parece uma
brincadeira de ligar coisas da coluna da direita com a da esquerda,
assim coloque os òrìṣà (orixá) que você conhece na esquerda e
os elementos da natureza que você conhece na direita, ligue agora um
com o outro. Provavelmente vão faltar coisas de um lado e de outro
ou mais de um estará ligado a mesma coisa. O que estou dizendo em
palavras bem simples é, isso é uma bobagem.
Uma outra forma de
ver òrìṣà (orixá) é através de uma divisão no qual existe
401 orixás da direita, que são forças boas e 201 da esquerda que
seriam forças malévolas. O que significa essa frase? Vamos em
partes. Primeiro entender Yorùbá não é apenas pegar um dicionário
e traduzir. Existem muitas expressões e situações que fazem parte
do povo e da cultura e que não se traduz, se explica.
Yorùbás não tem
aritmética, números são substantivos. Para eles 200 não significa
o número 200. O número 200 nesta frase significa o mesmo que “muita
coisa” isso porque 200 é uma quantidade muito grande de coisas
para se ter ou contar. Os Yorùbá não estão dizendo que existem
200 òrìṣà (orixá), eles estão dizendo que são muitos.
O número 400 quer
dizer que existem muito mais divindades do bem do que do mal. Dessa
forma, repetindo eles querem dizer que existem muitas “da esquerda”
e muito mais ainda “da direita”.
E o número 1? O que
significa? Ele quer dizer que esta quantidade não é precisa e que
sempre está aumentando, sempre pode ter mais um, pelo
processo de divinização.
Feita essa introdução
vou ao ponto de dizer que na religião Yorùbá não existe um
“Panteão” de deuses. Não é igual à religião grega que
existem uma quantidade e qualidade específica de deuses com
finalidades definidas. A quantidade de òrìṣà (orixá) varia e
mais, é indefinida. O número é indeterminado pela simples razão
que não faz a menor diferença a quantidade ou quais são.
Não existe esta
definição usada aqui no Brasil de seriam 16. Por algum motivo
histórico qualquer se estabeleceu que seriam 16, o que não é
verdade, e que eles seriam fixos, todas as pessoas estariam
relacionadas a um desses 16.
Isso não é uma
verdade nesta religião! Não existe esta regra ou dogma.
Eu sempre tento
separar muito bem o que seja a religião Yorùbá e o Candomblé,
respeitando que nossa tradição pode ter tomado rumos distintos na
sua prática e formato, mas, existe uma teogonia e teologia básica e
dogmas que devem ser respeitados, senão isso não é uma religião é
uma coisa qualquer.
Não existe no modelo
religioso Yorùbá uma predefinição de quem são ou quantos são os
òrìṣà (orixá). Podem ser mais ou menos, cada região que
defina.
O Verger, que não
era antropólogo e sim um fotógrafo francês rico fez um grande
trabalho para nós quando mostrou o que havia na África de fato e
jogou por terra um monte de literatura ruim. Ele estudou e documentou
muita coisa mas não quer dizer que tivesse a maior propriedade de
tratar de todos os temas. Ele disse que a religião Yorùbá era um
politeísmo. Estava errado. Ele poderia ter usados várias
classificações, essa, sem dúvida, era muito ruim e ajudou essa
questão de panteão.
Pesquisadores
observaram que o modelo adotada na região Yorùbá era mais próximo
do que se pode chamar de um “monoteísmo justaposto”. Luis
Nicolau Parés no seu ótimo livro “A formação do Candomblé”,
coloca que “baseado na análise de Orikis dos òrìṣà (orixá) e
dos versos de Ifá, Mckenzie concluiu que, fora o caso de Xango,
Obatalá e a tríade de Ifá (Esu-Orunmila-olodumare), os cultos de
òrìṣà (orixá) não apresentam quase nenhuma alusão verbal a
outras divindades, sugerindo um relativo separatismo entre eles e a
ausência de um panteão fixo ou estabelecido”.
Bingo!
Assim cada região ou
aldeia praticamente tratava do culto de apenas 1 divindade, isso
caracterizava um modelo quase de monoteísmos justapostos no qual
vários “monoteísmos” se sucediam à medida que se caminhava
pela geografia. Esta e uma explicação complexa e não definitiva,
mas, serve para mostrar o tipo de prática que se encontrava lá.
Mckenzie foi muito
preciso na sua observação, bem como na de que era Ifá quem trazia
em seu corpo e prática a teogonia e teologia que dava estrutura à
religião. O culto diário, a prática das pessoas era de fato a
prática da religião de òrìṣà (orixá) e o modelo Yorùbá não
se estruturava como montamos a nossa diáspora.
Quando buscamos
outros autores sérios como Baba Tundelawal podemos ver que apesar de
diferenças nas práticas regionais, nos nomes e na forma a estrutura
religiosa Yorùbá se espalhava igualmente por toda a região Yorùbá.
Cultos mudavam de nome, òrìṣà (orixá) trocavam de nome mas o
espírito da coisa, a finalidade era a mesma e havia o Ifá unindo
tudo isso.
Luiz Marins,
pesquisador brasileiro fez sua tese classificando a religião de
Orixaísmo evitando assim enquadrar a religião Yorùbá em uma das
denominações existentes. Eu mesmo já abordei esse tema antes de
ver essa definição de Mckenzie, fiquei feliz em ver que minhas
observações e ilações não eram únicas e também divergentes do
Verger e de outros que se somam chamando a religião de politeísta,
considero que essa é a pior definição. Não cheguei ao ponto do
Luiz Marins mas coloquei minha visão.
O processo de
agregação de òrìṣà (orixá) foi tardio, foi feito pela
diáspora e retornou para a origem. Aqui no Brasil certamente houve
uma grande influência do Jeje para esse modelo. O Jeje diferente do
modelo Yorùbá possuía um panteão, ou melhor alguns panteões.
Esses panteões se combinavam, uniam e incluíam divindades de fora.
Uma casa combinavam muitos Voduns. Ortodoxia nunca foi o forte no
Jeje mesmo na África.
Na verdade era um
modelo religioso bem menos consistente, mais disperso e mais
primitivo do que o modelo Yorùbá. O modelo Yorùbá foi importado
no início do século XVIII e enxertou a religião deles com Ifá,
com a divindade suprema e com egungun, tudo isso ausente da religião
jeje e estabelecida tardiamente como parte do modelo.
Aqui no Brasil o
modelo Jeje só se manteve porque ficou à sombrada teogonia e do
modelo litúrgico Yorùbá, dificilmente iria ter uma relevância
maior sozinho.
A junção e
agregação de várias divindades foi fruto da diáspora e da
convivência com o Jeje que tinha uma abordagem completamente
anárquica para tratar essa questão de divindades.
Na teogonia Yorùbá,
quem traz a tríade Olodumarê-orunmila-esu é Ifá. É através dele
que essa tríade passa a ser conhecida. No âmbito da vida das
pessoas o que você via lá eram òrìṣà (orixá). Para se
entender o modelo religioso tem que se olhar o conjunto, iniciando
com a visão de Ifá que é quem estrutura o cosmo e a religião e
buscando os cultos como de orixá e egungun, além de manifestações
adicionais como Gelede e Ajé com aspectos colaterais.
Esta visão de
conjunto monta o entendimento da religião, mas, se você analisa
apenas o dia a dia das pessoas e comunidade, como Verger o fez
poderia entender que é um politeísmo. Mas essa é a apenas uma
visão fragmentada do todo, Verger nunca viu o conjunto como uma
religião.
Dessa forma o modelo
Yorùbá não tem panteão e não suporta de forma alguma a
designação de òrìṣà (orixá) como elementos da natureza. O
agrupamento dos òrìṣà (orixá) em um mesmo espaço foi um
fenômeno da diáspora e da formação da nossa tradição religiosa,
o Candomblé.
Essa é uma visão
muito onírica dos òrìṣà (orixá), um sincretismo com a religião
greco-romana e com religiões europeias, como a bruxaria tradicional,
wicca, etc….
O preconceito é a
raiz disso tudo. As pessoas não esperavam encontrar uma religião
complexa junto a um povo simples, como os Yòrúbas, assim, elas
avaliaram superficialmente a religião e fizeram associações dela
com outras que eles conheciam.
Essa ligação de uma
divindade com os elementos da natureza existe em algumas tradições
religiosas, muitas delas politeístas puras de fato, que não é o
caso da religião Yorùbá. A mim parece mais uma forma de
sincretizar a religião africana com formas politeístas e animistas
seja por preguiça ou preconceito.
Por esta razão,
dizer que os òrìṣà (orixá) são as forças da natureza como eu
canso de ouvir é o mesmo que dizer que Ṣàngó (Xango) é São
Jerônimo, Ọya é Santa Barbara, Ògún é São jorge. É o mesmo
que ouvir babalorixá explicando a vida e a reencarnação usando a
doutrina espírita.
Além desta
explicação inicial que já pode ser suficiente para muitas pessoas
vamos aprofundar a análise desta questão dividindo o assunto em
partes e explicando cada uma delas.
Primeiro vamos falar
sobre a responsabilidade do sincretismo nesse processo. Depois vamos
tratar da influência do entendimento incorreto da cosmogonia da
religião. Vamos comentar um pouco sobre o problema gerado por
estudos ruins feitos por antropólogos e estudiosos e, por fim, vamos
falar um pouco do cosmo Yorùbá para situar o entendimento de todos
no modelo que eu considero adequado.
Como sempre lembro
que tudo o que é escrito aqui representa a minha opinião,
representa a minha análise sobre o que eu estudei e vivencio e estou
muito longe de me considerar o dono da verdade ou mesmo infalível.
A ORIGEM DOS ORIXÁ
(òrìṣà) SEGUNDA A RELIGIÃO YORUBA
Eu vou fazer uma
abordagem tradicional e bem direta sem rodeios e nem invenções.
Minha referência são os versos do Odù oxétuwa.
Esta religião tem um
corpo literário que não é muito conhecido aqui no Brasil e no
Candomblé. O conhecimento religioso esta registrado em versos que
são divididos em 16 capítulos. Cada capítulo corresponde a um Odù.
Assim são 16 Odù e cada Odù tem um conjunto variável de histórias
contadas em versos. Podemos dizer que cada Odù pode ter até 16
histórias, em versos e tamanhos diferentes que podem ir de poucas
linhas até páginas.
Isso é o corpo
literário de Ifá (Ifá didivination poetry ou Ifá LiLiterary
corpus). Esses versos contêm as informações sobre a religião.
Tudo o que se diz da religião deve ter referência em um verso e
Odù.
Como eu disse para
vocês algumas palavras em Yorùbá tem vários significados. Este, o
de serem os capítulos do corpo literário de Ifá é um dos
significados para Odù.
O grande problema
Yorùbá era que eles não tinham língua escrita. Foram os europeus
que criaram uma representação escrita para o muito simples e por
isso complicado idioma tonal Yorùbá. Por esta razão o corpo
literário de Ifá era guardado por pessoas, Babalawo que dedicavam
sua vida a decorar esses versos. Somente no século XX é que houve
um intenso trabalho voltado para registrar esse corpo poético em
gravações e em registro escrito, para evitar que se perdesse, mas,
em função da colonização e escravagismo, muito já se perdeu.
A referência que
usarei para explicar porque os Orixá não são elementos da natureza
porque não tem esta função é um verso do Odù Oxétuwa. Eu não
vou registrar aqui o texto, é bem extenso mas está no blog no link
a seguir.
LINK
Eu recomendo que seja
lido, ele contêm inúmeros conceitos e fundamentos importantes. Este
texto foi extraído originalmente do livro Os Nago e a Morte, mas,
existe em outras obras de autores diferentes, incluindo o Nigeriano
Wande Abimbola. Essa é uma versão que está no Blog é completa com
inserções de outras versões que eu li.
Dessa maneira, este
texto é confiável.
A história narrada
se temporiza após a gênese. O mundo já estava criado e sendo
populado por Olódùmarè, a alta divindade suprema Yorùbá. Em
outra oportunidade abordamos a Gênese segundo a religião Yorùbá.
Neste Odù fica claro
que Olódùmarè criou o mundo, populou-o com os homens e enviou os
òrìṣà (orixá) para poderem ajudar os homens na sua vida, na
superação das dificuldades.
Eram 16 e havia
somente uma mulher entre eles, Óxun, que representa o poder feminino
original.
Desta forma, se os
òrìṣà (orixá) foram enviados para suportar os homens de
calamidades naturais, os Ajogun, não poderiam eles mesmos serem os
próprios elementos da natureza, conforme a visão das religiões
pagãs europeias.
Este Odù estabelece
uma distinção muito clara entre as divindades de Olódùmarè, suas
funções e a natureza, desvinculando um de outro.
Na religião Yorùbá
as divindades são chamadas de Irunmole. Um subgrupo dos Irunmole
são os òrìṣà (orixá). Os òrìṣà (orixá) estão ligados a
nós, mas, existem divindade, Irunmoles que não estão ligados a
nós.
Dentro do grupo dos
òrìṣà (orixá), existe ainda a divisão deles em 2 tipos de
orixás. O primeiro grupo são os orixás originais, divindades da
criação, que já existiam na Gênese e faziam parte do grupo de 16
que foi enviado por Olódùmarè. O outro grupo são os ancestres
divinizados, pessoas, homens, que ganharam muita importância e
relevância junto ao povo de foram divinizados, se transformaram em
Orixás.
É importante
entender que as pessoas humanas, homens e mulheres podem ser
divinizados e se transformarem em òrìṣà (orixá). Por essa razão
as pessoas fazem parte de um grupo privilegiado no cosmo Yorùbá,
como vocês vão ver quando eu explicar isso.
Assim, vamos fazer
uma revisão do que eu disse até o momento. No texto do Odù
Oxétuwa, que vocês DEVEM ler, está claro que Olódùmarè enviou
os òrìṣà (orixá) para suportar a vida humana na terra, devido
às muitas dificuldades que as pessoas iam encontrar aqui. Esta
abordagem, documentada em versos de Odù completamente confiáveis,
desvincula completamente os òrìṣà (orixá) de serem elementos da
natureza, porque o mundo já estava criado e eles foram enviados
depois, junto com a humanidade.
Além disso o
conjunto de divindade Yorùbá não é formado por um grupo fixo,
pré-determinado e cada um com funções específicas. Existiram os
primeiros 16 que foram enviados para criar o mundo, mas, existem
muito mais Irunmoles do que esses 16. Os òrìṣà (orixá)
representam um subconjunto dos Irunmole e eles são vinculados a nos
suportar.
O conjunto de òrìṣà
(orixá) não é finito. Ele pode ser composto por divindades
originais mas, também, por humanos que devido a sua relevância se
divinizam e se tornam òrìṣà (orixá).
Tomemos por exemplo
as divindades femininas que tiveram uma origem comum somente em um
Orixá, Óxun, a única que estava na criação. Oya que muitos
consideram como sendo o vento não poderia o sê-lo porque ela é
claramente um ancestre divinizado, e o vento já existia antes dela.
Antes de Oya ser divinizada junto com Xangô o vento da existe a
milhares de anos e nunca prescindiu de Oya que era apenas uma
mulher.
Oya (Ọya), bem como
todas as divindades femininas são cultuadas e associadas com o
elemento água. Assim Óya esta ligada ao Rio Ògún e Óxun ao rio
com seu nome, Yemanja, outra divindade bem conhecida, também está
ligada a um rio, Olokun ao mar, as ajé são as que possuíam os 7
rios da terra na sua criação, Iyewa também a água e até Nana que
nem é Yorùbá esta ligada a água. Observe então que existe uma
tendência dos Yorùbá associarem divindades femininas a rios, não
necessariamente a água.
O elemento água,
especialmente esta ligado a Oxun, é o único elemento que sozinho
pode gerar e sustentar a vida e está associado sempre a existência
de vida. Tudo isso tem origem em Oxun.
Se a água é um
Orixá, qual ele será? Não a água não é um orixá.
Ṣàngó (Xango) é
dito ser o fogo, mas a real ligação dele com o fogo foi a
capacidade que adquiriu de manipulá-lo, o que também foi feito por
Ọya segundo um mito conhecido por todos no Candomblé. Ṣàngó
(Xango) também está associado com trovões e raios, sim, mas por
manipulá-los porque ele é considerado a justiça de Olódùmarè,
ou a sua ira, e joga os raios contra pessoas que de tão ruim que
foram não merecem mais viver. Igualmente após a sua morte o mito
diz que ele jogou raios contra as pessoas que diziam que ele tinha se
enforcado.
No mito da criação,
a terra foi criada por Olódùmarè e só havia a água. Ele deu a
bolsa da existência contendo os elementos que seriam plantados e
depois espalhado para formar a terra. Depois de tudo criado, conforme
o Odù oxetuwa os òrìṣà (orixá) foram enviados para suportar a
vida ensinando os homens a se relacionar com o divino.
Os elementos, a
terra, a vegetação, foram trazidos do Órun pelos Orixás da
criação.
Assim sendo o que
ocorre é que os òrìṣà (orixá) como representantes ou
intermediários de Olódùmarè e os homens passaram a ter poderes
sobre determinados elementos da natureza, que eles trouxeram, que vão
desde a água a doenças, mas, isso na sua forma controlada e
organizada e não na sua forma violenta.
Uma coisa é ter
controle sobre uma coisa na sua forma suave outra é ser ou ter
controle total. Assim por mais que se faça uma oferenda um furacão,
um tsunami, um terremoto e uma seca não poderão ser evitados. Essa
é uma manifestação descontrolada da força da natureza, os òrìṣà
(orixá) ajudará os homens a se prevenir ou superar as consequências
disso.
Isto está descrito
no texto do Odu Oxétuwa e coloca um ponto final nesta relação.
A ORIGEM DO
PROBLEMA NO SINCRETISMO RELIGIOSO
Uma das principais
fontes para essa interpretação é o sempre danoso sincretismo
religioso. É assim, as pessoas não querem pensar, não querem
estudar, não querem entender, então simplificam comparando com
alguma coisa que conhecem.
Este capítulo aqui é
um pouco extenso e denso em informações, mas, é muito importante
para entenderem de onde veio alguns preconceitos sobre a religião
Yorùbá.
Podem acreditar que,
não existe nada que eu tenha lido ou ouvido, de autentico da
religião, e quando digo isso me refiro a versos de Ifá, que remeta
a ligação de òrìṣà (orixá) como sendo um elemento da
natureza.
Vou me explicar
adiante quando falar diretamente sobre isso, mas uma das origens
disso, sem dúvida é o sincretismo, mal feito, com as tradições
pagans da Europa, em geral, incluindo a Grécia, religiões
politeístas, na qual o panteão dos deuses dessas tradições era
associado com comportamento, especialidades e elementos. A própria
palavra “panteão” que, hoje em dia, é ainda largamente usada
para o caso Yorùbá é uma palavra que se aplica a religiões
politeísticas, o que não é o caso da religião Yorùbá.
Estas religiões, de
fato politeístas, tinham uma característica comum que era a de
dedicar cada um dos seus deuses a uma especialidade. Isto era
necessário porque os deuses representavam o mundo que viviam e não
uma divindade transcendente. Nas tradições politeístas, não
existe uma divindade maior que origina ou controla o todo com poder
superior às demais, cada divindade ou deus tinha que ser responsável
por um aspecto do universo. Assim a unidade era, na verdade, formada
pelo conjunto de todos.
Essas religiões ou
cultos criavam uma divinização que representava o mundo em que
viviam. De uma maneira bem lúdica, o mundo era o divino e assim cada
coisa dele em vez de ter uma ordenação natural ou científica era
regido pela vontade de um deus. Este modelo onírico substituía a
ciência na explicação dos fatos que nos cercavam e requeria
bastante trabalho das pessoas no culto a muitas divindades para terem
uma vida tranquila. Você tinha que agradar a um exército de deuses
para evitar problemas, uma vez que você não tinha um protetor
próprio nem uma hierarquia, qualquer deus, uma força da natureza
poderia interferir no ambiente, inclusive contrariando outro.
Isso fazia da vida
das pessoas uma coisa muito trabalhosa, ainda mais porque a natureza
era bastante imprevisível. Dessam forma poderia sempre haver um
deus-natureza insatisfeito ou ofendido com qualquer coisa e trazendo
prejuízos a você ou a sua comunidade. Não é a toa que esse modelo
foi facilmente superado pelo modelo das religiões atuais, com um
divino unificado e transcendente.
O poder dos
deus-natureza era dividido e não havia preponderância de uma
divindade sobre a outra, exatamente como na natureza, onde uma força
conflita com outra. Uma poderia fazer ou desfazer o que outra fez e o
homem devia prestar algum tributo a todas se quisesse ter paz na sua
vida. O modelo também não integrava o homem ao divino.
Este é o modo da
natureza, as forças se equilibram pela harmonia ou pelo conflito.
Claro que a existência de cada deus estava associado a necessidade
de alguém controlar alguma coisa e por isso a necessidade de muitos
deuses. O sentido da palavra panteão, que é usado incorretamente
para a religião Yorùbá, é este, esta vasto conjunto de deuses
controladores da ordem.
Este modelo de
religião, politeísta, bastante ancestral e lúdico, é bastante
ultrapassado no contexto da civilização humana, tanto que foi
abandonado sendo trocado não por uma religião em especial mas por
muitas outras que ofereceram um modelo muito mais humanista, centrado
na figura do homem.
O modelo politeísta
é superficialmente conhecido por todos. As pessoas de fato não
entendem as suas implicações. Conhecem suas histórias e narrativas
mas não se aprofundam de fato na questão da relação divino-homem.
Por esta razão não compreendem porque ele não se aplica religião
Yorùbá.
Existe também a
simplificação que as pessoas fazem sobre o conhecimento. O mundo é
complexo, são muitas forças atuando, pensamentos diferentes,
filosofias conflitantes ou complementares. Entender o meio que
vivemos, sejam as pessoas ou a sociedade é bastante complexo.
Contudo as pessoas fingem que são inteligentes e buscam
simplificações para que possam se passar como cultas.
A maior parte das
pessoas só consegue lidar com conceitos binários ou ternários e
dessa forma fazem uma similaridade estúpida de uma religião com
outras baseadas em 2 ou 3 características. Infelizmente as coisas
são mais complexas que isso e é muito reduzido a quantidade de
pessoas que consegue trabalhar com modelos conceituais e filosóficos.
Classificar a
religião Yorùbá dentro deste modelo, politeísta, somente porque
existem muitas divindade (e não apenas uma) e entender que essas
divindades são forças da natureza porque a religião é exercida na
natureza, é desprezar a sua complexidade e atualidade.
Claro que algumas
coisas, além da ignorância e da preguiça mental aceleraram esse
sincretismo da religião Yorùbá com as antigas correntes
politeístas. Na África eles observavam o povo colocando oferendas
em pedras, árvores ou em rios e conduzindo ritos em rios, morros e
florestas. Então, a conclusão de muitos foi bastante óbvia, esses
africanos cultuam pedras e rios..... As divindades que eram
homenageadas ficaram então associadas com aqueles elementos ou como
se fossem os deuses-natureza.
Poucos se deram ao
trabalho de fato de entender porque aquilo era feito e qual o
significado daquilo. Somem nisso o desprezo por uma sociedade tribal
e a impossibilidade de entender uma língua estranha. Junte isso
ainda ao uso de métodos e ética científica inadequada e teremos
como resultado o que foi feito. Simples e ao mesmo tempo bastante
estúpido. Isso levou os europeus a taxarem as religiões de
animistas e de politeístas.
Mas, estamos no
século XXI e não mais no século XIX.
Como eu tenho
repetido é uma forma de preconceito com o povo e a sociedade
africana, desprezando a sua capacidade de gerar uma religião
equivalente às demais ocidentais e orientais. O modelo politeísta
dos deuses-forças-da-natureza, não se aplica a religião Yorùbá.
OS CATÓLICOS E O
PAGANISMO
Uma das coisas que
complicou bastante o entendimento das pessoas a cerca das religiões
foi a hegemonia do modelo cristão no ocidente, com a extinção de
outras religiões, não pela supremacia de um modelo teológico mais
confortável para as pessoas e sim pela perseguição da espada.
Para tornar as coisas
mais complicadas, como parte deste processo e emburrecimento, a
igreja católica criou uma denominação genérica e sem nenhum
significado real, de PAGÃO, para qualquer outra religião que não
fosse Abraâmica, ou seja, que tivesse origem em Abraão o patriarca
que gerou as correntes do Judaísmo, cristianismo e islamismo. Estas
3 religiões competem pela posse do mesmo deus e tem a mesma origem.
Os Judeus não reconhecem mais ninguém, afinal eles é que são os
escolhidos. Os cristãos, que nasceram judeus, reconhecem uma das
partes do judaísmo que é o antigo testamento e por fim, os
muçulmanos, os mais recentes, século VII, reconhecem tudo das
anteriores, inclusive Jesus, mas não a trindade católica.
Dessa maneira ao
longos dos últimos séculos, eles tem se matado e a outros
inocentes, sempre em nome do mesmo deus sanguinolento, Jeová.
Para os Cristão, que
dominaram o mundo à força da espada, aliás como também o fizeram
os judeus no seu tempo, o que não era católico era Pagão.
Eles só não tiveram coragem de chamar os Judeus de Pagãos, mas
criaram o termo herético, para aqueles que divergissem da
interpretação teológica oficial de Roma... Assim, pagão, não tem
significado religioso, significa tudo o que não e católico.
Os abraâmicos
consideram o seu deus, Jeová, o único, e defenestram qualquer outro
tipo de manifestação religiosa. A partir do século XV a igreja
católica baniu toda as praticas que mostrassem similaridades com
simpatias, encantamentos e feitiços. A igreja medieval era
totalmente esotérica, mas para se afastar disso eles baniram
completamente essas práticas, de modo a poderem a partir do século
XV dominar os seus fiéis através do temor ao mal, ao diabo e a
perseguição ao pecado.
Estudiosos do aspecto
do Mal na religião correlacionam o surgimento da força do diabo com
a necessidade de um controle mais rigoroso da sociedade pela forma
política, uma vez que, esse temor (ao diabo) e domínio (o pecado),
não existiam anteriormente. Igualmente isso coincidiu com os papas
generais, guerreiros que literalmente com a espada na mão
construíram a Igreja que conhecemos hoje.
O próprio celibato,
que não havia, dizem, foi devido a igreja passar a ter posses. Eles
não queriam se envolver em disputas judiciais com esposas de padres,
bispos e papas. Enfim, a força da reforma, de Lutero e Calvino,
obrigou a igreja a mudar sua posição e adotar políticas mais
ativas e restritivas ao seu clero.
No centro de todo
este conflito ficaram outras religiões, politeístas ou não, que
tinham uma interpretação diferente da divindade e dos seus poderes
e de outras que não eram politeístas, mas, não eram abraâmicas.
Essas religiões, todas em um mesmo saco, passaram a ser então a
tradução da palavra paganismo.
A igreja, usando o
princípio, que já expliquei, da estupidez humana, simplificou
bastante a forma de entender as religiões. O que não era monoteísta
era politeísta, e mais, somente estes 2 modelos se aplicam a uma
religião. Além disso, como as religiões não são iguais e
apresentam variações sutis no seu divino, basicamente as únicas
religiões monoteístas existentes são as abraâmicas, as três que
tem origem no mesmo deus. Neste critério de classificação todas as
demais são politeístas, pagans e por isso mesmo atrasadas.
No ponto de vista
católico, Pagão é sinônimo de ruim, atrasado, politeísta e
monoteísta é sinônimo de bom, de puro, de elevado.
Essa simplificação
teológica foi ótima. Se encaixou nos objetivos políticos do papado
e na estupidez das pessoas.
O REFLEXO DISSO NO
BRASIL E NO CANDOMBLÉ
Em função deste
contexto a religião africana, no geral, e no nosso caso o Candomblé,
ganhou o cunho de paganismo e seus Deuses, tipicamente ancestres
na sua origem, viraram forças da natureza.
Entretanto, não
existe nada que de valor a isso. No caso do Brasil, para piorar, o
kardecismo francês criou toda uma visão espiritual própria que
posteriormente a Umbanda se ligou a ela. Como a Umbanda erroneamente
(tão errada como usa nomes de santos para seus guias ela usa nome de
Orixás do Candomblé. Ambos sem nenhuma relação) se ligou a
Orixás, essa mistura confundiu mais ainda as pessoas.
Assim, o Candomblé
virou pagão e politeísta. A Umbanda que é uma religião brasileira
e não tem vínculo nenhum com a religião Yorùbá, virou parte da
tal matriz africana e misturou o kardecismo na sua bagunça
teológica. Por fim o Candomblé passou a ser tratado pelas próprias
Iyalorixás como uma seita enquanto elas passavam a pertencer a
irmandades católicas, a religião verdadeira.
O mal entendimento do
Candomblé passou por essa associação histórica de coisas malucas,
e, também, por pessoas como Nina Rodrigues que nada sabiam de
Candomblé e que passaram a escrever como se tivessem alguma
autoridade sobre o assunto. Tudo isso acabou colocando as religiões
não cristãs, no Brasil, em um mesmo saco, furado, de ideologia
espírita.
Em função da
lastimável e miserável formação religiosa dentro do Candomblé,
estes conceitos de força da natureza, espiritismo e seita, se
estabeleceram dentro do próprio Candomblé. Os Babalorixá e
Iyalorixás, apesar de terem a propriedade para falar, mas, sem
qualquer capacitação passaram a repetir esses conceitos que lhes
eram impingidos pela sociedade culta.
Os que não gostam de
ver eu dizer que a formação religiosa do Candomblé é deficiente
devem observar que o acesso a mitos ou poemas de Ifa é restrito ou
inexistente. O hábito de discutir teologia no Candomblé não
existe. Você não consegue juntar 3 babalòrìṣà (babalorixá)
sem que seja para eles rasgarem seda entre eles ou brigarem entre si.
Poucos estão dispostos a colocar em questão o que sabem ou o que
pensam, exceto se for uma cátedra onde ele fala e outros ouvem.
Essas pessoas
normalmente não são preparadas para, falar em público, discutir
suas teses, dirigir pessoas, lidar com desafios verbais e até mesmo
orientar o aprendizado de pessoas. São muitas vezes pessoas muito
boas, agradáveis e com conhecimento das suas liturgias.
Existe uma
dificuldade na formação de sucessores. Pior, as pessoas não se
preparam e se capacitam para ter uma casa. Existe uma legião de
pessoas com pouco ou nenhum acesso a conhecimento que mesmo assim,
sem legitimidade ou capacidade abrem casas e passam a ser
autointitular de sacerdotes e representantes da religião.
É claro que essas
pessoas, sem terem aprendidos com os seus mais velhos, tem que se
virar com algo ou com o que tem. É neste campo que essas concepções
idiotas florescem. O que mais vemos é pai de santo, metido a besta,
que responde perguntas usando os conceitos do kardecismo-espirita.
Mas, afinal, eles vão dizer o que? Que não sabem?
É claro que a
vertente conhecimento não é o forte do Candomblé. A vertente forte
é a devocional, a fé. Para isso você não precisa saber o que é,
você sente o que é e você também acredita porque sente e vê. A
resposta mais comum para quando se pergunta uma coisa do tipo o que é
o Candomblé ou o que é o òrìṣà (orixá) ou qualquer coisa de
aspecto mais teológico será algo que começa com “eu amo meu
òrìṣà (orixá)...” e por ai vai uma torrente de expressões de
sentimento e fé. Isso reflete o que ela sabem, e elas sabem o que
sentem.
Esse é o jeito pelo
qual esse tipo de sincretismo é aceito e prolifera. Assim como os
africanos fizeram no passado com os antropólogos, as pessoas sabem o
que é, elas sentem o que é, e se esta definição, de elemento da
natureza satisfaz o inquisidor, que o seja. Isso não impede
entretanto que em espaços ou oportunidades como essa a gente possa
visitar ou revisitar questões como essa, ou a reencarnação ou o
conceito de nascimento e destino, as proibições, etc... evitando
assim que da nossa própria boca saia coisas como o Karma.
É claro que saber ou
não o que parece certo não faz uma pessoa fazer melhor um santo do
que outro. àṣẹ (axé) e roncó é outra coisa, mas, não tem
nada demais a gente poder tratar dos assuntos com outra base.
A questão do
POLITEÍSMO e do MONOTEÍSMO
Em termos de
definição para uma religião ser politeísta, segundo Paul Tillich
(systematic Thelogy, Vol. I):
Politeísmo
é um conceito qualitativo e não quantitativo. Não é uma crença
em uma pluralidade de divindades e sim a falta de uma instância
unificadora e transcendente é que determina a sua característica.
Não importa a
quantidade de divindades e sim a qualidade delas e de sua relação.
Em uma religião politeísta não existe uma divindade superior as
demais, todas tem o mesmo poder e não existe assim uma força
reguladora do conjunto.
O Candomblé, como
muitas outras, não é politeísta porque existe uma relação bem
clara de hierarquia entre Olódùmarè e as demais divindades. Assim,
possuir divindades, originais ou divinizadas não transforma uma
religião em politeísta, senão, o catolicismo com seus santos e sua
trindade também o seriam, mas ninguém ousa fazer isso.
Em função de
preconceito, conforme eu já me expliquei anteriormente, as religiões
abraâmicas tem esse interesse histórico em diminuir e marginalizar
as demais religiões. Como eu já expliquei e estou apenas lembrando,
todas as religiões que não são cristãs, são denominadas pagãs.
Assim, eles, de forma ignorante, simplificam essa discussão a um
modelo muito singelo. Tudo ou é monoteísta ou é politeísta,
baseado no modelo de referência deles. Se é igual ao modelo deles,
é monoteísta. Se é diferente então é politeísta. É o binário
burro.
O maior problema ao
tratar do assunto religião na sociedade é que o preconceito domina
essa a conversa toda a ponto de as pessoas que não gostam da
abordagem cristã, elas mesmas, sem saber o que dizem, afirmam que
não fazem parte de uma religião monoteísta.
Claro, porque o
modelo de escolha que é imposto deixa pouca margem para discutir. As
religiões cristãs querem apenas dar prosseguimento ao preconceito
histórico contra as outras correntes religiosas e chamam todas as
demais de politeístas.
Isso não é correto.
Mas também não é uma ofensa como essas pessoas querem afirmar.
Sim, na visão delas, uma religião "boa" é a monoteísta.
O politeísta não é colocado como um atributo e sim um defeito.
Mas existe um outro
aspecto também tão ruim quanto esse. A maior parte das pessoas,
ignorantes no assunto, prefere aceitar sua religião ser chamada de
seita e dizer que é politeísta. Duas coisas menores na visão dos
cristãos.
Para os cristãos,
seita é uma coisa menor um pedaço da religião verdadeira, e isto
está correto uma vez que o termo nasceu do judaísmo onde as seitas
são tradições que divergem da interpretação tradicional das suas
escrituras.
Politeísmo remete ao
velho testamento, quando os próprios judeus adoravam deuses
zoomórficos, na forma de animais como o carneiro. Isso, para eles,
era um episódio negro e assim politeísmo é um pejorativo.
As pessoas do
Candomblé devem entender que ao aceitarem serem chamados de seita ou
de politeísta pelos cristãos não estão apenas sendo classificados
erradamente. Estão sendo ofendidos e diminuídos.
O Candomblé e a
religião africana não são politeístas. São Henoteístas, mas,
isso não importa. O que estou dizendo aqui é que entender religiões
é coisa complexa, mas, o que é feito hoje em dia com essa dualismo
monoteísmo-politeísmo que foi imposto pelos cristãos é apenas
preconceito. Não existe respeito ou inteligência nesta discussão.
As pessoas não sabem o que estão falando e isso também não
interessa.
As religiões
abraâmicas são as únicas monoteístas e nem por isso são melhores
do que outras religiões. Existem muitas formas de classificar uma
religião, politeísta é apenas uma delas e se aplica a um grupo
muito restrito.
As pessoas foram
induzidas a achar que uma religião é monoteísta (boa) ou
politeísta (ruim, atrasada). Isso serve a objetivos políticos e a
sua estupidez. Assim toda a vez que alguém pergunta se a religião
africana, ou qualquer outra, é monoteísta ou politeísta, isso
significa que:
- essa pessoa é idiota
- ela já sabe a resposta
- o objetivo é de praticar o puro preconceito
Eu recomendo
responder a essa pergunta dizendo que é monoteísta, que tem um deus
maior chamado Olodumare que tem divindades auxiliares que podem ser
equivalentes a anjos, arcanjos, e santos. Assim se ter anjo é
politeísmo então a deles também é.
Claro que isso é uma
grande imprecisão, mas, a pergunta não é honesta e esta resposta
vai deixar o interlocutor perdido sem saber o que falar à seguir.
Vamos combater fogo com fogo.
Pessoas que pertencem
a uma outra religião devem primeiro se informar para poderem
primeiro entenderem a si mesmo e também poderem discutir com
elementos de outras religiões, ao invés de aceitarem tacitamente
rótulos inadequados, seja pelo aspecto que é um uso inadequado de
conhecimento seja porque a finalidade é de fato ofender. Assim temos
uma dupla ignorância.
AS SEMPRE
CONTROVERSAS FONTES DE INFORMAÇÃO RELIGIOSA
Os antropólogos que
estudaram a África ao longo do século passado e talvez no anterior,
não ajudaram muito. Eles em seus estudos se preocupavam muito mais
com a sociedade do que com a religião. Eles não tinham a
formulação religiosa como um fim, mas, entendiam que não poderiam
falar sobre o povo sem falar sobre a religião uma vez que uma coisa
permeava a outra.
É como hoje em dia a
gente estudar um país muçulmano. Não dá para falar da sociedade
sem falar da religião. Contudo as enormes dificuldades de
comunicação e a preocupação dos africanos estudados em agradar
aqueles que os pagavam levaram a respostas e interpretações
equivocadas. Os próprios Yorubas foram em parte responsáveis pela
visão errada que se criou da religião deles.
Posteriormente na
medida em que africanos foram sendo educados na Europa e tiveram
acesso as ciências humanas e sociais e ao que foi escrito sobre
eles, eles voltaram a Africa para fazer os seus próprios estudos.
Idowu em seu livro "African Traditional Religion" descreve
que houve 3 fases nos estudos sobre os africanos.
A primeira, a da
ignorância, a segunda, onde quem escreve já passa a respeitar que
existe uma diferença cultural e que existe de fato uma cultura não
conhecida mas comparável a deles no lado "nativo" e, a
terceira, onde finalmente entram em cena os escritores africanos.
Hoje em dia melhorou
muito, mas, ainda temos pessoas se referenciando em obras antigas e
bastante distorcidas. É importante que se entenda que nem tudo o que
esta escrito em um livro tem valor e nem todo mundo que escreve sobre
algo sabe o que esta falando. Tomem cuidado com autores que repetem o
erro de outros.
Verger foi muito
perspicaz quando percebeu isso e escreveu sobre esse processo. Ele
verificou uma sequencia de autores que se repetem e em muitos casos
que repetem coisas ruins. Fez um bom artigo sobre o assunto, chamado
Etnografia religiosa Yorùbá e probidade científica, no qual ele
cita erros grosseiros que foram repetidos, um deles que compromete
seriamente a tradição Lukumi e também aproveita para criticar
Juana Elbein e seu livro os Nago e a Morte. Vale a pena ser lido.
Não gosto dessa
crítica a Juana, acho que a resposta dela a Verger foi muito boa,
mas tirando essa fogueira de vaidades o artigo do Verger ilustra
muito bem isso o que estou explicando aqui.
Eu mesmo, buscando
referência sobre um assunto, o sistema de crenças Yorùbá
encontrei pelos menos 3 autores diferente que para um mesmo assunto
repetem as mesmas palavras. Incrível! Um primeiro se deu ao trabalho
de escrever sobre o tema, Parrinder se não me engano, nem o fez de
forma brilhante e outros apenas o copiaram.
Tomem cuidado aqui no
Brasil com autores que podem estar repetindo bobagens. Nina Rodrigues
que durante algum tempo foi uma referencia em Candomblé só escreveu
lixo por exemplo. Mas, é comum pessoas engordarem suas páginas com
conteúdo de outros.
FINALIZANDO
Para quem chegou até
aqui, como eu disse e repeti várias vezes a religião é composta de
elementos muito importantes, alguns intangíveis como o iwa pele e o
nosso destino, outros lembrados mais indiretamente atualmente que é
a ancestralidade. Este ultimo se perde um pouco devido a que nem
todos de uma mesma família seguem a religião e uma casa de santo
esta longe de representar uma família espiritual, mas, mesmo que a
gente não se lembre a ancestralidade é uma das bases da nossa vida.
A religião que a
gente adota é complexa em parte porque existem de fato conceitos
pouco claros, na origem, ou que se tornaram complexo devido a junção
aqui no Brasil de várias correntes religiosas e regionais distintas.
Infelizmente só
recentemente surge um esforço de teologizar a religião e mesmo este
esbarra na polêmica e no preconceito. Outras correntes religiosas,
as cristãs contam com linhas filosóficas que procuram aprofundar as
questões teológicas e sua interpretação. Infelizmente esta
religião aqui não contou com isso na Africa e no novo mundo esbarra
em uma babel pior ainda.
Eu acho que não cabe
discutir liturgias, mas, não podemos em função disso nos abster de
discutir todo o resto independente de sabermos ou não as respostas.
... sem querer ser
chato, mas enfatizando, assim, na formo que eu vejo o cosmo yoruba,
baseado em textos de odù que eu consegui ler até hoje, em mitos que
eu li ou ouvi ao longo de anos, o òrìṣà (orixá) não faz parte
da ordenação das forças naturais do mundo em que vivemos. Este
ordenamento é atribuído a Olódùmarè que como o deus distante (ou
tornado distante) faz com que a natureza e o mundo funcione.
Os òrìṣà (orixá)
conforme aparecem nas histórias e explicitamente no odù óxéotuwa
e Ogbe Meji, são os braços e mãos de Olódùmarè no aiye. Sofrem
aqui com os mesmos fonomenos naturais que sofremos e não demonstram
nunca controlar a natureza.
Eles primariamente
são a sua ligação do divino com nós, para nos ajudar e proteger.
Nosso ori é feito com nosso òrìṣà (orixá). Os òrìṣà
(orixá) surgem em todas as histórias representando papéis comuns
como se fossem pessoas comuns, com as mesmas perfeições e
imperfeições que temos de modo a que possamos nos espelhar e
entender o conhecimento que passam.
São também a
instância direta, junto com o ori e a ancestralidade, que recorremos
para resolver nossos problemas, ligados ao nosso sucesso na nossa
vida como a necessidade de termos saúde, de termos família, mulher,
filhos, oportunidades, trabalho, dinheiro e podermos com nossa
prosperidade darmos seguinto a nossa vida e atingir o destino que
estabelecemos antes de iniciar essa nova encarnação.
Como braços e mãos
de Olódùmarè os òrìṣà (orixá), conforme eu comentei no
início disso tudo, alguns deles tem algum controle sobre elementos
da natureza. Mas como elementos podemos considerar um todo, de
vegetais, minerais, doenças, até fenômenos da natureza, e estes
sao usados não de uma forma reguladora, mas como instrumentos de sua
necessidade e ação em exercer a sua missão junto a nós.
Eu não consigo ver
um òrìṣà (orixá) sem o mesmo estar relacionado com nossa vida,
ficando longe do significado que tem os deuses naturais das tradições
europeias e greco-romanas (não tenho conhecimento suficiente para
citar outras).
O entendimento da
metafísica desse cosmo deve passar pela lembrança que temos vários
entidades e espiritos além dos òrìṣà (orixá). Este conjunto
está longe de ser perfeito e complementar, existem coisas que
parecem redundantes ou que não são complemente racionais, mas, como
sabemos é um povo muito simples, agrário e que não teve unidade,
continuidade e pensamento filosófico próprio para poder explorar e
documentar cada faceta da rica cultura e religião.
Por todos os
argumentos que longamente descrevi a introdução desta visão de
Orixá elemento da natureza não se adapta a religião Yoruba. Foi
colocada por estrangeiros. A Religião Yoruba tem poucos elementos
ligando a religião e a natureza. Sol, lua e estrelas nem fazem parte
de mitos.
A religião é
complexa, mas, o povo é bem mais simples. Os estranhos é que tem
preguiça de aprender, preferem inventar.