Pesquisar este blog

quarta-feira, abril 23, 2014

O Babalawo e a Teologia

O Babalawo e a Teologia


Vocês devem notar que gosto de trilogias, pois é, nas 2 últimas postagem critiquei primeiro os cursos de Ifá que tem surgido e no segundo critiquei o uso de tratados por pessoas que não fazem parte do culto, não são Babalawo ou awo, como instrumento de aprendizado de Ifá.

Revisando um pouco, e adicionando umas pitadas, a minha crítica aos cursos é que eles são apenas um caça-níquel, a mesma coisa que já ocorre ( e ocorreu ) com o candomblé. Aprender Ifá através de cursos ministrados por terceiros, não é o processo de uma pessoa aprender ou entender Ifá. Se a pessoa que ministra é de fato um Babalawo, como muitos dizem que são, ela deveria praticar o que aprendeu e não se dedicando a ensinar terceiros. Se não está exercendo a sua função de Babalawo é porque não é Babalawo ou porque não teve habilidade para tal e por isso não deveria ensinar nada a ninguém.

A indústria de iniciações é muito lucrativa, muito mais lucrativa do que trabalhar com consultas a Ifá e ebós. Só que o Babalawo ajuda as pessoas quando faz jogos e ebós e não quando inicia outros, Ifá é sacerdócio, não uma pirâmide financeira. As pessoas que querem ganhar dinheiro percebem rapidamente que nunca estarão bem de vida através de Ifá exercendo a função de Babalawo. Uauuu! Que novidade!

Essas pessoas veem que o caminho para isso, ganhar dinheiro de fato, são as iniciações, essas sim, pouco trabalho e muito dinheiro. Hoje em dia (como aliás sempre foi) existem muito mais pessoas interessadas em atender sua vaidade do que realmente saber se podem, ou melhor, se deveriam, ser iniciados. Dessa maneira, iniciações é um mercado prospero, alimentado pela vaidade e com nenhuma cobrança de resultado, o que importa é o título para ela pendurar no pescoço.

Este mercado de iniciações tem uma vantagem adicional, que é o fato de que a pessoa iniciada vai dar ao seu iniciador uma receita recorrente de jogos, ebós e cerimonias. Iniciar é um excelente negócio. Difícil mesmo é a pessoa ser um Babalawo de fato.

Esses cursos são, então, um bom caminho para isso: A pessoa tem curiosidade, acha que tudo pode desde que faca um curso ou leia um livro, então se escreve nesses cursos. Em pouco tempo vai estar querendo se iniciar.

Não se iludam, a indústria de iniciações é muito poderosa. Ela mexe com a vaidade das pessoas, com o seu ego. Todos querem se achar como os escolhidos, os predestinados e as iniciações são um caminho fácil para a pessoa encontrar isso. Sempre foi assim, seja no candomblé como na umbanda e Ifá não fica para trás.

Volto a repetir, lugar de Babalawo é atrás de um opon, ajudando pessoas e não promovendo cursos.

As pessoas sempre preferem a visão maniqueísta, simplista, de sim ou não e certo ou errado para definir os assuntos. Mas esse não é o modelo do mundo real. O mundo real, o que vivemos é uma realidade bastante complexa, cheia de sutilezas e de tons de cinza entre o branco e o preto. As pessoas é que por limitação delas tentam sempre reduzir os assuntos a sim ou não, branco ou preto.


Desta maneira, curso de teologia ou ifá sao enganações oferecidas a leigos, pessoas comuns e laicas. O trabalho do Babalawo não é dar cursos e sim ajudar as pessoas. O que as pessoas buscam em uma religião não é aprender teologia e Ifá. Elas querem viver a sua Fé que não estão sozinhas no mundo e que deus e todo o divino as ajuda na sua vida, eles querem ser pessoas melhores e querem ver a vida delas em um contexto maior, nao apenas em uma existência breve e mundana.


Para encontrar isso elas não precisam de aprender teologia ou aprender Ifá. Elas buscam em uma religião esse caminho e no sacerdote uma pessoa que as conduza por este caminho. Essas pessoas não merecem encontrar um fazedor de ebós, uma pessoa que esteja somente a fim do dinheiro delas ou uma pessoa que as queira iniciar em qualquer coisa.

Mas, aprender teologia é sim importante para os sacerdotes e membros ativos da religião. Isso hoje é bem complicado, livros são uma opção e cursos, bem estruturados seriam uma ótima opção. Minha crítica diz respeito ao uso equivocado disso, com segundas intenções ou intenção nenhuma, não ao objetivo de ensinar ou aprender teologia para quem de fato necessita ou mesmo aqueles que tem curiosidade disso. 

Como eu disse o mundo é complexo. Falar sobre alguns assuntos é as vezes complexo.
No segundo texto eu critiquei o uso de tratados cubanos de ifa por curiosos e interessados em Ifá como fonte de aprendizado. Como expliquei, não se trata de segredo porque no ifa cubano só o quarto de Ifá tem algum segredo, o resto está em papel. Trata-se de desordenamento, não se aprende Ifá em tratados, eles são um manual de trabalho do Babalawo, um guia de referência.


Acredito que esse assunto já foi suficientemente abordado e que ainda não entendeu, lamento.

Neste texto aqui, vou comentar sobre o conhecimento de teologia. 

Por mais que o Babalawo seja proficiente em Ifá, é necessário conhecer muito bem a teologia e a teogonia da religião. Esse conhecimento é necessário para entender as histórias e interpretar as informações que o jogo traz através dos Odù e orientar as pessoas sobre a religião que elas procuram. Se o Babalawo não compreende corretamente a metafísica das relações entre o mundo espiritual e natural, as divindades, suas relações com as pessoas, se não entende a natureza e comportamento dos orixá, os diversos tipos de espíritos, os limites de ajé e egun, as questões ligadas a ori, ou mesmo, se tem uma compreensão equivocada desta teogonia, enfrentará problemas na sua atividade.

O que observo muito é o Babalawo que aprende uma coisa ou outra de forma irregular, assim tudo para ele é uma coisa ou outra. Desta forma aparecem aqueles que falam que tudo é ori. Outros nem entende o que é ori de fato. Outros dizem que tudo é egun, esses são os mais comuns, alguns acham que sabem fazer coisas para Ajé, mas, esses nem sabem com o que estão lidando.
 

Isso é como foi a onda dos abikus no candomblé (que ainda existe, o coisa fora de moda). Os babalorixa viam abikus em todo mundo, alguns faziam isso de safadeza mesmo, outros porque não sabiam mesmo. Até hoje isso ainda existe e basta ter um irmão morto para o seguinte virar abiku.

Tudo isso que estou falando pode parecer meio estranho a vocês, mas são coisas bem distintas na formação de um sacerdote. Uma coisa é a pessoa aprender o que um Babalawo precisa saber para lidar com o seu oráculo. Este conhecimento é obtido nos tratados de Odù e com o iniciador dele, porque existe muito conhecimento adicional, oral e explicativo, como eu já disse, o tratado não representa IFÁ, é apenas um guia de referência. O Babalawo tem que estudar o tratado e cada Odù, aprender como se usa isso, o significado das coisas e as cerimonias associadas. Isso vai lhes dar conhecimento importante, mas, restrito ao significado e histórias que cada Odù tem e ao ofício do Babalawo.

Este é um tipo de conhecimento que o Babalawo deve adquirir. É importante, mas, é um tipo. Não é automático ou mesmo natural que o Babalawo, por aprender ifá e os odù, estará automaticamente aprendendo a teologia, teogonia e a metafísica da religião, não é assim. Estas coisas fazem parte de outro conhecimento. Não confunda um conhecimento com o outro.

Eu já vi pessoas que são iniciadas com 15 anos, as vezes menos. Outras que nunca tiveram qualquer contato com a religião yoruba, somente conheceram ifá e foram habilmente convencidas a se iniciarem.

O que estas pessoas, sem nenhuma ou pouca experiência de vida vão poder adicionar a seus consulentes? O que essas pessoas sabem de religião ou da religião que estão? O que elas terão aprendido da religião? O que saberão de orixá? Qual a experiência ou contato que terão? O que suas experiências de vida adicionarão a elas no seu trabalho como Babalawo?

Aprender a religião em si, a teologia e teogonia é outra coisa. Requer outras fontes e principalmente muito mais estudo adicional e dedicação. Sem um bom conhecimento da teogonia, a própria interpretação do Babalawo ficará um pouco prejudicada em alguns casos. O iniciador dele pode até ter um bom domínio da religião, mas terá tempo e disponibilidade para ensinar tudo o que sabe? Acho difícil, nem o iniciador e muito menos o iniciado vai ter tempo de disponibilidade para isso. O iniciador pode ser uma pessoa para discutir assuntos mas estará disponível para ensinar de cátedra?


Se, neste contexto, estamos falando de uma pessoa iniciada dentro da tradição cubana então é caso complicado. Os cubanos tem uma visão própria da teologia e teogonia, muito afastada da visão yoruba, tão afastada que existem cubanos que gritam aos 4 cantos que IFÁ nasceu em cuba, ou que somente o ifá cubano preserva o verdadeiro ifá e que os yoruba não sabem mais nada de ifá. Eu achava que isso era apenas ufanismo e arrogância, coisas bem típicas de cubanos, mas, hoje acredito que esta é uma avaliação ingênua de minha parte, possivelmente isto é uma forma deles justificarem esses grandes desvios.

Em termos de orixá, a visão deles tem pouco haver com a nossa do candomblé. Para uma pessoa como eu, que aprende a teologia e teogonia buscando fontes confiáveis yoruba e conhece orixá a partir da visão prática e teórica do candomblé, eu vejo os cubanos com uma parte desta religião, sem duvida, mas uma variante que tomou caminhos diferentes. Eles desconhecem aspectos importantes da teologia e orixá é teoria apenas, quase não tem incorporação. Esse assunto será tema de um próximo texto que infelizmente vai provocar a ira dos cubanos.


Mas voltando ao nosso tema, e sendo objetivo, o conhecimento consistente da teologia permite ao Babalawo responder e entender de forma mais extensiva o seu oraculo. Sei que é um pouco complicado entender isso que estou colocando, mas conhecer bem a sua religião através da teologia e teogonia permite ao Babalawo melhor compreender as metáforas que existem nos versos de odù bem como possibilitam que ele faça uma melhor dosimetria do que recomendará ao consulente. Acima de tudo vai permitir a ele desenvolver melhor o aconselhamento.

Estou adicionando mais informação de maneira, que vamos a mais explicações. A consulta a Ifá tem 2 aspectos. O primeiro é que a partir do odù sacado você determina o ebó a ser feito e o executa. Isso é bem simples, não precisa ser um Babalawo brilhante e altamente experiente. Se o Babalawo for honesto ( vou explicar em outro texto ) chega-se facilmente a um resultado padrão que, em princípio atende bem ao problema do consulente.

Existem Babalawo que fazem isso bem rápido e mecanicamente.


A segunda parte é que a partir do odù que saiu para a pessoa, o Babalawo deve ter a capacidade de juntar tudo e aconselhar o consulente. Isso é bem mais difícil. Requer muito mais do que conhecer o odù, entre os Babalawo é dito que somente aqueles realmente inspirados conseguem fazer isso é a hora em que ELA se manifesta através deles e eles conseguem "falar ifá". Isso é muito diferente de falar o que se decorou lendo os tratados de odù.

Mas, com ou sem Ela, o aconselhamento é uma parte importante da consulta, possivelmente a parte mais importante. Neste processo, como citei, o Babalawo une o entendimento das mensagens de odù, combinando os diversos odus que são relevantes à consulta, mais a teologia e sua experiência de vida e como Babalawo. 

Isso é Ifá. Ifá não é apenas fazer ebós e transmitir uma mensagem simples e objetivo do problema que trouxe a pessoa ao oráculo, a consulta. Ifá é perceber o que orunmila tem como mensagem de vida para aquela pessoa, Ifá é uma oportunidade para a pessoa revisar sua vida, afinal orunmila é o eleri ipin, o testemunho do nosso destino. Se a consulta a ifa servir apenas para resolver coisas mundanas e ordinárias de nossa vida, qual a diferença entre uma Babalawo e um vidente qualquer? Qual a distinção entre você ser o sacerdote do eleri ipin?

Este aconselhamento é a soma de conhecimento de ifá mais o conhecimento da religião. O Babalawo fala como um sacerdote da religião, não como uma pessoa qualquer. Não se trata de usar apenas bom senso e experiência. Trata-se de se dirigir às pessoas como um representante de uma religião. Para isso o Babalawo tem que conhecer a teologia da sua religião.

Existe um fator complicador. Se ele estiver lidando aqui no Brasil com um iniciado, um iyawo, egbon ou ogan, por exemplo, e não conhecer a teologia, orixá e o candomblé, sua atuação terá que ser restrita e cuidadosa. Em primeiro lugar, ao lidar com uma pessoa ligada a uma casa religiosa ele tem que ser extremamente ético e atento para não causar problema. Tem muita gente que é muito perturbada e se confunde com muita coisa.

Em segundo lugar, se ele não tiver aprendido a teologia e a prática do candomblé, se conhecer apenas o que ensinaram a ele sobre a visão lukumi então não deve falar nada. Saber pouco e ainda saber uma tradição que é completamente diferente do candomblé não vai ajudar ninguém. Existirão situações que ele não conhece e não saberá tratar com os consulentes.

Cubanos que foram formados no lukumi e esses brasileiros que aprenderam com eles, ou seja, que sabem muito menos do que eles, recomendarão ações erradas e podem causar problemas. O mesmo vale para pessoas com formação em candomblé e que se deparem com alguma pessoa iniciada no lukumi ou na YTR. Nesses casos, o conhecimento de teologia não vai ajudar muito. O Babalawo terá que ser muito cuidadoso e tratar da vida da pessoa sem se envolver nos seus assuntos religiosos.

As vezes isso é difícil porque as pessoas podem procurar um Babalawo para confrontar alguma situação sua. O Babalawo deve ter maturidade para não se envolver desnecessariamente em problemas que poderiam ser evitados. Ética é muito importante.
A última coisa que pode envolver o conhecimento ou não conhecimento de teologia, são os casos em que as coisas são feitas e não funcionam ou não são de efeito permanente.

Podem existir situação nas quais as ações do babalawo terão curta duração, não vão resolver o problema, os ebós vão se suceder sem que exista uma resposta adequada. Não estou falando nenhuma novidade, muitos já devem ter visto isso ocorrer. Também ocorre em Ifá.

Isto geralmente esta associado a um conhecimento oh interpretação equivocada da teologia e teogonia.A coisa mais comum e besta que eu vejo são aqueles idiotas que em face de um problema ou situação dizem que: tudo é Ori. Não diga! E o que mais? Fica todo mundo fazendo aquela cara de "ah é?" sem entender e sem saber o que fazer com essa frase idiota. Claro que tem ainda os que dizem que tudo é egun, ou encosto ou feitiço.

A realidade é que aquela pessoa que está ali consultando Ifá para outra pode não compreender plenamente sua religião, não como quem está consultando imagina, não compreende de fato como aquelas energias do supernatural se manifestam e influenciam a vida da pessoa, podem também não distinguir qual o melhor caminho a trilhar para buscar uma solução.


Existem problemas simples, mas, existem também os complicados, que lidam com coisas mais inéditas e que saem do lugar comum. Pode ser uma comparação besta, mas você pode ter aqueles médicos de SUS para os quais tudo é virose e os especialistas de fato. Quando coincide você estar com virose mesmo o médico do SUS vai acertar, será ótimo para você, mas, nem tudo é virose não?


Se o babalawo não entende o contexto geral não vai saber também o que fazer objetivamente para ajudar quem o procura. Isso é o que resulta nos casos onde os ebós nao fazem efeito, o consulente retorna recursivamente ao oraculo, os ebós e oferendas aumentam de tamanho, o consulente procura muitas pessoas.

Isso também o resultado da falta de conhecimento da teologia e teogonia.


Não deixe de comentar o blog sobre as postagens e sugestões. Em breve mais postagens com conteúdo sobre a religião, além dessas sobre comportamentos.



quinta-feira, abril 17, 2014

O Uso de tratados para estudar Ifá

O Uso de tratados para estudar Ifá




É muito comum que neófitos e pessoas interessadas usem tratados de Ifá para estudar Ifá. Também é comum eu observar essas mesmas pessoas, que não fazem parte do culto, citarem Odùs e histórias de Odù, para mostrarem conhecimento e intimidade com o tema. Isso é um erro, apenas mostra que a pessoa não pertence ao culto e não entende dos instrumentos do culto.

Não tem nada mais bobo que essas pessoas que inserem nas suas conversas um pseudo conhecimento de Odù ou então aquelas frases perolares sobre Orí e como tudo é Orí (tudo o que a pessoa sabe fazer é repetir isso para não ter que falar aquilo o que não sabe).

Vamos com uma coisa de cada vez. Primeiro ao estudo de Ifá com tratados. Faz parte da tradição cubana escrever tudo sobre tudo. Muito diferente do candomblé onde o segredo do culto esta acima de tudo, talvez até em desmedido excesso porque muitos confundem segredo litúrgico com teologia. Os cubanos, por sua vez, escrevem e vendem tudo o que fazem, sempre foi assim. Iniciou com a confecção e comércio de libretas e chegou aos tratados e livros, em espanhol e inglês. Acredito que foi o ávido mercado americano que motivou isso.

Neste escopo também se situam os tratados de ifá, com a descrição do significado dos 256 odu e suas histórias. Eu nunca achei um material equivalente a um tratado cubano para a tradição nigeriana. Neste aspecto, como em inúmeros outros, a tradição religiosa do Brasil é muito próxima da nigeriana, onde ainda existe alguma tradição de manter o segredo, reserva e tradição oral (apesar de isso também estar sendo quebrado sistematicamente). Algum material pode ser obtido em trabalhos de antropólogos e no caso de ifá o que encontramos é a transcrição dos versos de Odù, mas nada se compara ao nível de detalhamento e exposição dos tratados cubanos.

Do seu lado, a tradição cubana se afastou completamente deste referencial de reserva do culto. Mais ainda, o afastamento foi também teológico e teogônico. Tanto o ifá cubano como a tradição de orixá se baseiam em uma teologia muito própria, uma criação cubana, fortemente influenciada pelo sincretismo católico, com interpretações particulares da teologia, histórias próprias e personagens próprios. Tudo isso desenvolvido na sua ilha. Houve uma influência tardia nesse processo de obras de antropólogos na metade do século passado para fechar lacunas que eles tinham, mas isso será tema de outro texto.

Cabe lembrar que os cubanos são normalmente muito grossos e agressivos em seu posicionamento quando tratam deste assunto de teologia e interpretação deles. Agindo desta maneira eles afastam qualquer pessoa que tenta dialogar com eles. Isso apenas reflete um enorme problema de autoestima que eles tem em relação a tradição deles versus as demais.
Mas este não é o tema aqui. A questão é que os cubanos tem tratados que documentam o ifá como eles praticam. Isso é muito bom, sem dúvida para quem esta no culto. Contudo estes tratados podem ser livremente comprados ou baixados na internet. Não é requerido nada, qualquer um tem acesso a tudo. Com isso, uma enorme quantidade de pessoas sem vinculo com o culto ou orientação passam a ter acesso a muita informação de Ifá. Essas pessoas passam então a estudar e citar o conteúdo desses documentos procurando mostrar conhecimento, entre outras coisas.

Mas deixando de lado este aspecto exibicionista, que existe mas não é o principal, em função da farta documentação, as pessoas que tem algum interesse, conseguem encontrar informações sobre Ifá e utilizam o que existe para estudar Ifá. Vamos lembrar que existe uma carência de obras que seja didáticas e explicativas, o que existe fartamente disponível são tratados que deveriam ser usados por um Babalawo. Acredito, até, que isso valoriza o estudo desses tratados, afinal a pessoa esta tendo acesso a informação "reservada".

O que essas pessoas não entendem é que aquilo que elas estão usando para estudar é apenas conhecimento bruto, sem real utilidade.

Os tratados não foram feitos para serem lidos em sequência, odu a odu. Tratados não foram feitos para ensinar Ifá a ninguém. A pessoa não aprende Ifá lendo tratado.Saber Odù a Odù não vai fazer a pessoa saber Ifá ou mesmo entender o culto e a religião. Não existe nos tratados uma história contínua a ser contada. O conhecimento contido nos tratados não é expresso desta forma.

Os Odù representam histórias e mensagens para todo o tipo de pessoa e situação. Um Odù vai dizer que o certo é uma coisa e outro pode dizer que o certo é o contrário. Cada um deles será adequado para uma situação e momento. O tratado não se equivale a uma bíblia. Alguns Odù contêm o que eu chamo de histórias estruturais, aquelas que de fato representam uma parte da teologia, mas, majoritariamente as histórias dos Odù são feitas para lidar com situações humanas, decisões e orientações para pessoas.

Você aprende medicina lendo bula de remédios? Você aprende medicina lendo dicionário de doenças? Se você não aprende medicina lendo isso não vai aprender Ifá também lendo tratado de Odù. O conhecimento necessário para Ifá vai além disso.O Babalawo sabe disso e sabe como usar este instrumento. Principalmente ele sabe que o importante são as histórias e não a parte interpretada. O curioso não entende nada disso e se debruça sobre um tratado como se fosse um livro.Se a pessoa tem interesse em entender o que é Ifá, não vai encontrar nada de útil em tratados. Ifá é apenas parte de uma religião. A pessoa deve se interessar pela religião em si, o todo, ai vai entender o papel de ifá nesta religião.

Dessa forma, terminando a primeira afirmação, tratados não são o meio para se estudar Ifá e muito, muito menos mesmo, conhecer a religião.

Indo para a segunda parte, quem faz isso e fica citando odu como se fossem salmos, passagens como se fosse a bíblia, não tem a menor ideia do que é Ifá. Não é assim, São muitas mensagens. Ifá é contextual. Para aquela pessoa naquele momento a mensagem é aquela e ainda tem que ser interpretada.

Não existe essa coisa de dizer que se tal coisa esta escrita em Ifá então é um dogma da religião. O Babalawo, de fato, sabe disso e não fica falando bobagens. Ele fala com quem precisa aquilo que a pessoa precisa. É claro que como conhecimento que ele tem dos Odù e histórias ele pode em algum momento observar uma situação com uma pessoa que o remete a um Odù ou história o qual ele acha que é útil para aquela pessoa naquela situação. Ai, então, ele pode citar a história como uma orientação a esta pessoa.

Mas, vejam, isso é direcionada, particularizado e ele usa isso com o seu conhecimento e exercendo o fato de ser um Babalawo. Pessoas que tem conhecimento e inteligência não ficam citando Ifá como pastores evangélicos citando a bíblia. Não se transcreve o conteúdo de Odù como se estivesse citando um salmo, não se usa a referência do Odù como se fosse um versículo. Isso é coisa de noviço.

Desta forma, esqueçam tratados. Se querem aprender Ifá aprendam sobre a religião e onde Ifá se insere no contexto de sua vida.

Se a pessoa se interessa pelo culto e quer se iniciar, isso é um longo caminho, mas longo mesmo, de pré destinação, vocação, prática, experiencia e estudo. Esse caminho não passa apenas por vontade e estudo. Em termos de estudos, a pessoa deve primeiro conhecer religião, sua teogonia e teologia. Deve entender o que é um orixá, na prática, sem teoria. Por fim vai se aprofundar especificamente em Ifá. Assim, em qualquer caso, se debruçar sobre um tratado de odu é a última coisa que se faz.

Se preocupe com a religião e com o significado dela para sua vida. Isso é que é o importante, dê valor a todos os cultos da religião, não tem culto curinga ou superior. Encontre o seu caminho na religião como uma foma de harmonizar sua vida e objetivos.

Existem pessoas que acham que Ifá contém e resume a religião. Não é verdade. Você pode encontrar em versos NIGERIANOS, algumas historias, na forma de versos que são estruturas da teologia, mas nem tudo está ali. Tem muita teologia e fundamentação por fora disso. Além disso acesso a versos é complicado, a maior parte da teologia vem da interpretação dos versos e de tradição oral que corre entre os membros, lembrando que não é habito de nigerianos, assim como dos brasileiros de documentar tudo o que sabem.

Existem também pessoas principalmente sociopatas, que acham que o Babalawo é o sacerdote supremo da religião e que esta acima de tudo. Essas pessoas pregam que tudo é ou passa por Ifá e que berço do Ifá é Cuba. Vejam, Ifá é importante nesta religião, assim como o é o culto de orixá. O culto de Ifá é um culto bem especializado da religião, o de orixá é bem mais amplo e útil para as pessoas na vida normal delas.

Entender Ifá não é entender toda a religião. Posso dizer com certeza que os Babalawo cubanos e os brasileiros, iniciados nesta tradição, e que somente apenderam a religião através desta tradição de Ifá, isto é, não tiveram contato com a religião através do candomblé ou de outro culto de orixá, são as pessoas que menos conhecem de teologia e teogonia da religião que eu conheço. Alguns conceitos deles chegam a ser primários. Não estou fazendo uma colocação pejorativa ou tendo como objetivo atacar ninguém. Isso é uma constatação de minhas observações, baseado em uma amostra restrita de pessoas que convivi pessoalmente e em redes sociais, claro, mas não deixa de ser uma amostra. O que quero exemplificar é que apesar dessas pessoas serem bons ou excelentes Babalawos, concentrarem no seu mundo de Ifá e tratados, não os ajudou com a religião como um todo.

Não sei como isso funciona no lado da tradição nigeriana, mas, ja vi videos, no youtube, de brasileiros desta tradição ou nessas rádios de web, que são péssimos, de chorar. Evidentemente, são pessoas que aprenderam a religião por um viés único e limitado. Não devemos esquecer que tudo é relativo, assim, essa minha avaliação de bom ou ruim é baseada no meu conhecimento, contudo, eu pelo menos tenho certeza que perco bastante tempo estudando teologia e teogonia.





sábado, abril 12, 2014

Os cursos de Ifá e teologia Yoruba

Os cursos de Ifá e teologia Yoruba


Atualmente podemos observar muitas, ou algumas, depende do ponto de vista, iniciativas de pessoas, promovendo cursos para ensinar Ifá ou mais ambiciosamente teologia. Tenho certeza que muitos vão estar tentados a procurar esses cursos ou apostilas.

São promovidas por Babalawos, todos com pomposos nomes em Yoruba, e que posam em vistosos alakas. Como resistir a isso se Ifá desperta a sua curiosidade?  

Fácil responder a isso: Ignorando.

Essas coisas não levam a lugar algum. Isso sempre existiu nesta religião, principalmente no Candomblé. São programadores de rádio que se anunciam, vendendo o seu produto, prometendo ensinar tudo. A web agora é um campo vasto para isso, tem rádios, programas via streaming e YouTube. O produto sempre é o mesmo: conhecimento. Sim, aquele conhecimento que você busca da religião que já esta ou que quer estar e que é difícil obter. Ai surge uma boa alma oferecendo a solução dos seus problemas.

O que esta ocorrendo em Ifá é o mesmo que já aconteceu com o Candomblé, repito isso, não se trata de nenhuma novidade.

Todos devem imaginar a esta altura: sou contra? Eu que escrevo um blog sou contra quem quer ensinar a religião, a teologia?

Sim, claro. Isso não tem nenhuma utilidade a não ser captar o seu dinheiro.

Vejam esse blog aqui é livre. Não tem nem propaganda. Não ofereço nada, não vendo nada. Dessa maneira posso falar isso confortavelmente. Vou explicar com calma minha posição, depois disso cada um faça sua avaliação.

O sentido de uma religião


A primeira coisa que todos devem ter atenção é para a base disso tudo. Para que as pessoas precisam de uma religião? O que as pessoas esperam de uma religião ou em uma religião?


O que as pessoas procuram quando vão ao Candomblé ou a Ifá é uma busca muito simples, elas querem uma religião. Uma religião é o que todos precisam na sua vida. A religiosidade não é uma invenção humana, ela é real, nasce de dentro de nós. O motivo disso é que apesar de termos milênios de civilização humana, a religiosidade sempre se renova. As religiões se sucedem, abrem-se alternativas, algumas desaparecem, mas, a religiosidade esta SEMPRE presente com a natureza humana.

Ela nasce de dentro das pessoas, naturalmente. O mundo já teve muitos modismos e hábitos. Todos começam e acabam. A religiosidade se mantêm perene. Mesmo a pessoa mais afastada, mais incrédula, em seu momento de aflição busca à deus, sob alguma forma.

A religião é o meio ou método que nos leva a deus. Mas, mais do que isso ela também traz junto de si uma visão para a forma como devemos viver, como devemos ser e como devemos conduzir nossa existência na terra. A religião não é apenas uma formatação de deus, não é apenas a ligação com do homem com deus é, também, a mensagem de deus para que os homens possam viver bem.

Acreditar em deus é simples. Estar aberto para, além de reconhecer que ele existe, adotar um modo de vida com valores, ética e moral voltados para a vida em sociedade é outra coisa.

Temos que reconhecer que existem muitas opções para se exercer a religiosidade através da religião, varias delas são muito boas outras nem tanto, mas, não tem propósito eu declarar aqui que qualquer uma delas seja a definitiva ou soberana. Essa afirmação é idiota demais.

A religião tem como objetivo nos fazer pessoas melhores. SIM, É ISSO MESMO!

Muito mais do que nos ligar com deus, ela nos da uma visão da vida baseada em valores individuais e coletivos que devem ser harmonizados, ela nos oferece uma filosofia de vida que nos guia para felicidade comunitaria e uma visao de continuidade e consequencia de nossas ações que nos motivam a sermos pessoas boas.

São esses valores e ética, contido dentro das religiões, que nos motivam a sermos pessoas boas para com a sociedade que nos cerca. Não tenho a pretensão de afirmar que sem a religião as pessoas não desenvolverão boas qualidades. O que eu digo é que a religião é uma fonte de inspiração, exemplo e orientação para também se atingir a esses benefícios.

O que torna a religião uma fonte poderosa é a inspiração divina, a associação com a fé e com deus. A nossa fé em deus nos conforta e nos motiva. Fazemos o que fazemos na religião inspirados na Fé de que deus e seus ministros nos assistem e protegem.

É isso o que as pessoas procuram em uma religião. Elas não querem se sentir sozinhas no mundo. Justamente é isso o que a religião deve oferecer para as pessoas.

A religião, no contexto da Fé, é o meio que contem essa filosofia. Ela nos dá a visão da proteção de deus para nós, nos dá uma filosofia para guiar nossos passos desde o dia em nascemos até o dia em morremos e nos transmite valores para que sejamos pessoas boas com a gente mesmo, com nossa família e com a sociedade que nos cerca. A religião não poda a vida das pessoas, ela não limita a forma como vivemos, pelo contrário, ela dá uma dimensão muito maior para isso.

É o contexto global, a visão do todo, da continuidade, do propósito maior que nos motiva a viver sendo uma pessoa exemplar.

Muitas pessoas criticam as religiões pelos motivos errados. Seria mais produtivo elas analisarem o que uma religião deve fazer. Eu vejo em redes sociais pessoa publicando frases de pessoas que dizem que uma pessoa não pode precisar de uma religião para ser melhor. São 2 idiotas, a pessoa que falou a frase e a que publicou.


A mera crença na existência de deus não torna as pessoas mais solidárias, caridosas, tolerantes, comunitárias, etc.. Isso é uma idiotice, uma estupidez. Pelo contrario, a crença em um deus pessoal pode levar as pessoas a desenvolverem um padrão ético que apenas sirva para justifica-las para confortá-la. A pessoa quer apenas a parte de deus que protege ela, seja ela como for. Ela não esta disposta a conhecer novos valores e ser crítica consigo mesma.

Essa é a diferença em apenas crer em deus, do seu jeito como muitos dizem de boca cheia, como se isso fosse o melhor, e seguir uma religião. Quem segue uma religião, além de deus, ganha uma filosofia para viver e também ganha valores e ética para seguir. Essa opção de ter um deus pessoal e uma religião própria, a mim é uma completa sandice, apenas um exercício de egoísmo.


O sacerdote de uma religião é aquele que tem a capacidade de dar as pessoas esta visão religiosa, a visão filosófica que a religião a que ele pertence propõe para a vida das pessoas. Ele é a pessoa que deverá ajudá-las a, elas mesmos, modificarem suas vidas e de acompanhar seu crescimento, esperando elas evoluírem.

O ensino e teologia e Ifá


A teologia é um instrumento do sacerdote para isso ela tem filosofia que a religião transmite às pessoas. O culto a que ele pertence lhe da o método e fazer e exercer isso.


Não é minha opinião que cobrar para ensinar teologia vai resolver a necessidade das pessoas ao buscarem uma religião. Teologia é conhecimento bruto, como eu disse um instrumento de trabalho para o sacerdote. Será usando a teologia que o sacerdote poderá conduzir as pessoas nessa busca por elas mesmas, pela identificação do papel delas no mundo e a absorverem os valores que aquela religião propõe.


O papel do sacerdote é junto à pessoas, é um papel de ensinamento e orientação. É principalmente um papel de respeito às individualidades e a busca da integração da individualidade ao coletivo.


Não é minha opinião que ensinar Ifá vá trazer nenhum benefício às pessoas. Não acho ensinar teologia a pessoas comuns seja o caminho para essa integração, seja o caminho da religião. O papel do sacerdote é necessário. Não penso também que todos querem ser sacerdortes, muito menos que estão todos preparados para serem sacerdotes. Qualquer pessoa pode ser um sacerdote, mas, todas as pessoas não nasceram ou tem a capacidade de ser um sacerdote.

Nao acho de fato que ensinar Ifá seja ensinsar religião, isso não vai ajudar a ninguém. As pessoas não vão chegar a lugar algum através disso. Voltem ao início deste texto, revisem o que as pessoas procuram em uma religião.

Esses cursos de teologia são aquilo o que sempre foram, um caça-níquel. Pessoas que se declaram sacerdortes sem entender de fato a religião e seu sentido na vida das pessoas, que não estão dispostas a se doarem para ninguém se alimentam da curiosidade das pessoas para fazer dinheiro. Não vou entrar no mérito do conteúdo ensinado, teria que conhecer os tais cursos, apenas me atenho ao aspecto de que esse não é o caminho do sacerdócio.

O caminho do mercador é simples, identifica uma demanda e a atende com um produto. É o que essas pessoas fazem. Elas não estão contribuindo com nada.

A pessoas também devem entender que o caminho da religião não é o caminho solitário, é um caminho comunitário. Ela tem que se integrar, aprender pela transmissão, pelo exemplo. A busca de conhecimento religioso, por pessoas comuns, em livros, tratados e cursos é somente um exercício da individualidade. É o mesmo que a pessoa dizer que ela acredita em deus do jeito dela. Ela busca então o conhecimento para formatar essa sua religião pessoal.

O caminho do sacerdócio esta aberto a todos. É um caminho muito longo. Serão muitos anos de estudo, acompanhados de uma grande capacidade de compreensão e também de uma enorme prática na relação com as pessoas. É um processo empírico de aprendizado e com muitas tentativas e erros.

Se você busca uma religião para sua vida, não é através dessa falta de honestidade que você vai encontrar.

O papel do sacerdote


Por fim e mais importante. Um sacerdote não é uma pessoa que rezas missas, faz batizados e casamentos, faz jogos e ebós. Isso é o que muitos fazem para ganhar dinheiro.

Ser um sacerdote é conduzir as pessoas pela religião, é ajudá-las e se encontrarem. Sacerdote é aquele que transmite a religião e não aquele que vive da Fé de quem os procura.

Existem muitas pessoas que enchem a boca para se dizer sacerdotes de uma religião. É muitos são de fato, mas, eles transmitem algo para alguém? No caso de Ifá e Candomblé certamente todos eles estão ai para ganhar dinheiro com você. Prometem uma vida melhor e solução de problemas.

Eles vendem axé.

Quantos de fato estão comprometidos com transmitir a religião de uma forma que as pessoas possam entender aquela religião?

Só é sacerdote de fato, no sentido que as pessoas esperam, aqueles que se dedicam a isso ou também a isso. O jogo, os ebós e oferendas fazem parte da religião, são a ajuda de deus para a vida de vocês. Mas esta religião não se resume a comprar axé.

Assim tenham cuidado com quem vocês se envolvem. Não olhem uma pessoa como representante de uma religião, de deus se ele apenas quer trocar axé por dinheiro.

Não existe nenhum problema você procurar as pessoas que vendem axé. Muitas vezes isso é bem vindo e necessário. Apenas cuidado com o envolvimento que vocês vão ter com essas pessoas.