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quinta-feira, maio 31, 2012

Qual a finalidade de um Xirê?

Qual a finalidade de um Xirê?

Antes de abordar o tema, eu não posso deixar de comentar o que me motivou a escrever esse pequeno texto. Tenho um livro chamado, o Candomblé bem explicado, creio que bastante conhecido. Quando comprei eu gostei bastante, até recomendei, mas, lendo direito todo ele, a gente vê que é apenas o “Candomblé mal explicado”.

Você compra o livro entendendo que as coisas serão explicadas e você se decepciona, a dúvida é se a pessoa sabe ou se não quer explicar de fato. Eu imagino que seja a segunda hipótese, porque quem escreveu tem que conhecer bastante.

Um dos temas abordados foi o caso do Xirê.

O Xirê é o nome que se dá ao procedimento de se tocar e dançar para todos os Orixá (Òrìṣà) que compõe o grupo dos mais cultuados. É um movimento muito plástico e alegre porque cada Orixá tem danças próprias. Ele ocorre em um Candomblé, que, além do nome da religião, ou melhor, da tradição religiosa, é o nome dado a ocasião festiva quando uma casa recebe pessoas de fora e toca para os Orixás fazendo o Xirê. Assim fazer o Candomblé é realizar o Xirê.

Assim temos as duas coisas. O Candomblé que é a ocasião ou a festa e o Xirê é a sequência de danças feitas pelo corpo de membros da casa e que vai de Exú (Èṣù) a Oxalá (Òṣàlá), como a gente costuma falar. De fato uma é quase um sinônimo do outro. “vou tocar um candomblé” ou “vou fazer um xirê” são expressões equivalentes.

No Candomblé cada Orixá (Òrìṣà) tem cantigas especiais para ele. Também tem toques de atabaque especiais para essas cantigas dele, normalmente mais de um tipo de toque, apesar de alguns toques serem mais característicos de um do que de outro. Além disso, tem danças associadas a cada orixá (Òrìṣà) e algumas específicas de algumas cantigas.

É muito rica a liturgia do Candomblé. Os toques dos atabaques são maravilhosos e harmônicos e a vocalidade das cantigas são maravilhosas, além do formato de canto e resposta. Essa riqueza musical e estética do Candomblé, na minha opinião é muito superior à dos lukumi de Cuba e mesmo dos Nigerianos. Sei que é uma afirmação difícil porque o que os lukumi fazem reflete as preferências da sociedade deles e da mesma forma a forma de tocar atabaques dos nigerianos reflete o que eles gostam lá. Mas existem aspectos de estética que são universais, o bom gosto é universal. Se mão fosse assim a gente não consumiria música, dança e arte de outros povos e países.

Desta maneira, minha opinião é que a estética, apresentação, organização e limpeza do Candomblé são muito superiores ao que conheço dos outros lugares.

Com toda essa riqueza cultural, conhecer as cantigas, toques e danças é uma arte ou mesmo ciência nesta religião, é conhecimento teológico. Isso inclui saber quando usá-las. Cada movimento, cantiga ou reza tem a sua forma e hora de ser empregada. Um xirê dura entre 3 a 4 horas dependendo a boa vontade de quem faz. É um pouco cansativo para quem assiste mas se bem executado é um momento muito bonito, porque as cantigas são simples, mas muito bonitas, os atabaques de candomblé são um espetáculo especial e claro as danças são um momento mágico.

Eu tive a sorte de conhecer um pouco das danças Hawaianas no Hawaii, são sem dúvidas muito especiais e lembram muito o candomblé. Cada dança no Hawaii é uma história ou conta uma história. A letra, a música e a dança se harmonizam e certos aspectos da religião deles também lembra muito o Candomblé.

O xirê é parte do que se chama Ìfọgbọ́ntáayéṣe, que são as ações para trazer paz e harmonia para a sociedade e comunidade. O Xirê é um momento plástico e alegre, mas, além de ser isso, bonito, têm um sentido litúrgico e filosófico.

É um dança circular, como as que existem em muitas religiões. Liturgicamente falando o Xirê é o momento em que uma casa capta e distribui o seu axé por entre todos os presentes. Uma casa de candomblé tem muitas atividades que geram axé através da transmutação de matéria em energia. Normalmente quando se vai fazer um Xire existe uma preparação litúrgica que gera mais axé ainda. Assim, durante o xirê, através do movimento, da dança e dos atabaques os Orixás se fazem presente e distribuem o axé da casa por todos os presentes.

O primeiro sentido do Xirê é o da reunião festiva trazer as pessoas para junto e ter horas de alegria com elas. Isso é uma ação de Ìfọgbọ́ntáayéṣe. Além das danças e as cantigas que todos os presentes cantam juntos, ao final é servido uma refeição para todos reforçando assim a questão de integração e recepção festiva.

Contudo, ele vai mais além de apenas isso.

Ao participar de um Candomblé mesmo como “assistência” você tem a oportunidade para você ser abençoado, ser atendido em seus pedidos e necessidades pelos orixá (Òrìṣà) e de repor o axé que perdeu no dia a dia. Os orixá (Òrìṣà) vão levar suas mazelas, sua negatividade e te repor com energia positiva. Este é o sentido da presença dos Orixá na terra.

Não existe xirê sem orixá (Òrìṣà) manifestado. Pode ser que nas outras tradições religiosas estrangeiras, isso não seja assim, mas, aqui, no Candomblé é assim.

O Xirê abre o portal que traz os orixá (Òrìṣà) ao Àiyé através dos elegun e que permite que eles distribuam axé para as pessoas que lhes são caras.

Outro aspecto é que esta religião tem como dogma que a nossa presença nesta vida é para sermos felizes! Não nascemos para sofrer e nem para ser infelizes. Não estamos aqui com culpa ou pagando por erros, vivemos para ser felizes com as pessoas que gostamos.

Os Orixás são enviados de Olódùmarè, o deus supremo Yorùbá, para nos ajudar a ser felizes. Os Orixá (Òrìṣà) estão na terra para nos ajudar nas nossas dificuldades e para que nossa vida seja uma vida próspera e saudável. Eles não estão aqui para serem cultuados, é o contrário.

Olódùmarè é um deus distante. Ele não é nosso deus exclusivo, é deus de tudo o que existe na terra de todas as criaturas. Para nos socorrer ele colocou os Orixás e é a eles que recorremos.

Para que o culto de nossa religião fosse um momento de felicidade e alegria e não um momento de sisudez e reclusão, Olódùmarè estabeleceu no odu Oxé-otuwa que o culto fosse repleto de felicidade e alegria. Desta forma as oferendas são comidas votivas que são feitas e divididas com toda a comunidade. Comida é vida e comer é, em toda a humanidade, um dos maiores lazer das pessoas.

Igualmente esta festa se complementa com canto e dança. Os Orixás querem ser louvados com alegria e não com a cabeça baixa, os olhos fechados e a cara triste.

Desta maneira um Xirê é como uma missa, é o ponto alto da louvação aos Orixá (Òrìṣà), a Olódùmarè e à vida. Normalmente após dias ou semanas de liturgias internas em uma casa, sempre tudo se conclui com o Xirê, com a alegria e a distribuição de axé.

Uma das estratégias do Ìfọgbọ́ntáayéṣe, as ações para trazer paz e harmonia a comunidade, é distribuir o axé (àṣẹ) através do xirê.

Os católicos fazem missa, nós fazemos o Xirê. Ninguém vai a um Xirê para bater palma para malucos, você vai para ficar feliz, receber axé (àṣẹ) e sair feliz.

É assim que os Orixas querem ser lembrados e cultuados para que isso nunca seja um peso para nós. Louvar os Orixás nos traz alegria e comunhão e, assim, não temos motivos para não fazer isso sempre. O conceito de felicidade nesta vida é completo e o Xirê é parte disso.



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