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quarta-feira, outubro 30, 2019

Avisos

Nesta manhã estará disponível mais um vídeo no canal do Youtube

Explica o surgimento dos Ikin e do Opele através de mitos de Ifá dos Odù Iwori Meji, Ogbe Meji e Obara Irosun.

Não perca!


segunda-feira, outubro 28, 2019

Avisos


Em relação a ultima postagem, o texto sobre Odù de Nascimento, apesar de já ter sido postado no blog este assunto essa nova postagem tem um conteúdo novo.

Não é a mesma postagem repetida.  Sugiro ler

Odù de Nascimento

Odù de Nascimento

O que é e como se determina o Odù de Nascimento



O candomblé desenvolveu um hábito, sem sentido, de determinar Odù de nascimento  através de números.

O processo é assim, a pessoa pega sua data de nascimento, faz umas contas com ela e determina um número entre 1 e 16. O número é associado a um Odù e assim você tem seu Odù de nascimento determinado por sua data de nascimento
Parece uma coisa conhecida? Sim, aplica o que chamamos de numerologia.

Contudo é uma prática sem nenhuma razão e que virou verdade apenas porque uma legião de pessoas, Babalorixás e Iyalorixás, que não entendem Ifá e, assim, não sabendo o que é um Odù, encontraram, ingenuamente, nessa numerologia uma forma de expressar o que não sabiam.

Mais ainda, não conhecem a teologia da religião.

Sim, na ausência de conhecimento e na falta de condições de buscar conhecimento se agarraram a uma coisa sem propósito (mais bem simples), que é traduzir um Odù através de uma operação aritmética. 

Isso é muito simples e conveniente, porque substitui conhecimento e aprendizado por algo que qualquer criança pode fazer. Mas não tem propósito real. As pessoas em vez de aprenderem de fato, substituíram conhecimento por invenção. Claro que havia dificuldade para aprender, o conhecimento não era facilmente disponível e essa aritmética assim como outras explicações bobas sobre Odù acabaram surgindo. 
 
Como todos passaram a adotar isso, essa aritmética idiota virou uma verdade. Sim, se todos repetem a mesma mentira, aquela mentira vira verdade no contexto daquelas pessoas. Foi isso o que ocorreu no Candomblé com essa questão de Odù.

Lembro a todos que o Candomblé inventou, sozinho um conhecimento que chamou de Ifá, incluindo Odù que é próprio dele, essa explicação estará bem detalhadas em um texto que está quase pronto.

Mas vamos ao que interessa que é a explicação de porque isso não faz sentido.

A primeira razão é teológica, Odù é um elemento que recebemos quando vamos a Olódùmarè tratar da nossa vida no Àiyé, nós estabelecemos objetivos e com isso Olódùmarè nos dá ferramentas para atingir a esses objetivos. Odù é parte dessas ferramentas, é a energia fundamental de Olódùmarè que recebemos, é o nosso axé (àṣẹ) pessoal. Esse axé (àṣẹ) que recebemos de Olódùmarè quando nos prostramos à sua frente é traduzido como um Odù.

Então atenção, o que é importante é a energia que recebemos e que é individual. Essa energia nos liga a Olódùmarè, todos nós seres vivos trazemos esta centelha divina dentro de nós que recebemos através de Olódùmarè, esta centelha divina, axé (àṣẹ), que recebemos de deus, Olódùmarè e que nos torna individuais e mais, que recebemos porque estabelecemos com ele os nossos objetivos com a nossa vinda ao Àiyé é traduzida na religião com o nome de Odù.

Tenho um texto neste blog que explica o que é Odù e quem quer entender melhor o conceito procure este texto.

Assim, vou repetir isso para ficar claro, Odù é o nome que, de alguma forma, traduz essa centelha divina que recebemos de Olódùmarè, o que é importante é que recebemos isso dele, individualmente. Essa energia nos dá capacidades diferentes em função de várias coisas, seja do nosso passado como futuro e, isso, é assim ajustado para o indivíduo que seremos no Àiyé e aos nossos objetivos.

Existe uma afirmação de que todos nascemos com um destino, mas, eu vejo de outra maneira. Não temos um destino estabelecido, temos objetivos estabelecidos, por nós mesmos e é isso que buscamos realizar na vida.

Os elementos que recebemos no órun (Ọ̀run) antes de virmos para o Àiyé são muito importantes e são consolidados no que a religião chama de Orí Inu, toscamente traduzido como nossa cabeça interior.

Não vou detalhar neste texto mais esse conceito de nascimento, o que ficará para o texto sobre a individualidade, mas, espero que fique claro que o entendimento nesta religião é que: somos indivíduos; que estabelecemos objetivos para cada vida que vivemos; que Olódùmarè nos dá elementos para essa vida; que entre estes elementos esta a ligação com um orixá (Òrìṣà); que outro elemento é sua centelha divina (axé (àṣẹ)) que é traduzida como Odù.

Assim nosso Odù de nascimento é isso, ele traduz aquilo que recebemos de Olódùmarè.
Por que ele é importante? E por que existe essa correlação entre essa energia e um Odù.
Porque no processo de nascimento nós perdemos a referência de nossas vidas anteriores e dos nossos objetivos. O processo de nascer de novo no Àiyé não permite que a gente traga isso do órun (Ọ̀run). Essa é a explicação mais simples que eu posso dar.

Observem que nós não somos apenas transportados do órun (Ọ̀run) para o Àiyé, são dimensões diferentes, não existe mais uma comunicação entre essas 2 dimensões e a forma que vir para o Àiyé é nascer de novo e esse processo não nos permite trazer junto todas as nossas lembranças e objetivos.

No Odù Ìworì Méjì existe uma explicação teológica (metafórica) para isso que um dia vou abordar. É uma história, como muitas e que requer uma análise para ser entendida, metáforas e parábolas traduzem uma ideia e não um fato literal. Mas ela justifica o seguinte: os 2 espaços são separados (órun (Ọ̀run) e Àiyé); não podemos ir e vir entre os 2 espaços; ao existir essa separação não foi possível trazermos do órun (Ọ̀run) conhecimentos prévios que tínhamos; nosso sucesso dependerá do nosso desempenho na vida sem essa ajuda.

A questão é processo de nascimento não permite carregarmos de forma explícita o conhecimento do que estabelecemos para esta nossa nova vida.

É neste momento que entra o oráculo de Ifá. Ele é o único elemento de comunicação entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. É através dele como informamos a Olódùmarè nossos problemas e através dele que recebemos ajuda, visto que Olódùmarè tem um compromisso, uma aliança com o nosso sucesso em nossa vida. O oráculo é parte desse compromisso.
Assim, apesar de não termos a capacidade de lembrar o que estabelecemos para a nossa vida, o oráculo de Ifá nos permite acessar isso e através deles obtermos orientação de como proceder.

A razão disso, teológica, é que Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) é a divindade que é testemunha de nossa conversa com Olódùmarè, antes de nascermos.

Os yorùbá tem uma figura de construção que o universo é uma grande cabaça com 2 metades. Uma das metades é o mundo espiritual, o órun (Ọ̀run) e a outra metade é o Àiyé o mundo físico. Muitos devem conhecer esse conceito relacionando eles a duas divindades, mas, esqueçam isso, entendam, é isso que eu estou explicando agora, o universo é composto de 2 espaços. No meio deles, ligando um ao outro fica o opon (Ọpọ́n Ifá), o instrumento do Bàbáláwo que liga e permite a comunicação entre eles.

Pode parecer uma ideia pretensiosa junto aos outros cultos, mas esse é o conceito teológico que Ifá estabelece. O universo é a cabaça, as 2 metades são separadas e unindo ela existe o opon (Ọpọ́n Ifá) que nos permite interagir.

Isso tudo faz todo o sentido teológico para mim, justifica o oráculo de ifá, seu objetivo e seus instrumentos. Mais do que apenas dogmas e mitos a religião tem que ter consistência no que propõe como modelo.

Então continuando nossa saga pelo Odù de nascimento, como o o que recebemos de Olódùmarè como centelha divina é uma energia que pode ser traduzida como um Odù, então o oráculo de Ifá pode nos ajudar a entender os nossos objetivos na vida porque ele tem a capacidade de se comunicar com a gente através de Odù.

Fica claro o conjunto?

De novo, recebemos de Olódùmarè uma centelha vital que vai ao encontro de nossos objetivos de vida, os objetivos que pedimos a ele. Essa centelha vital pode ser traduzida como um Odù. Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) é divindade no controle do oráculo de Ifá e foi testemunha desta conversa e o oráculo de ifá se comunica como Bàbáláwo através de Odù.

Assim, através de Ifá podemos saber que Odù recebemos para a nossa vida, o Odù de nascimento, e através do entendimento deste Odù podemos ter pistas dos objetivos que estabelecemos para a nossa vida.

A determinação do Odù de nascimento de uma pessoa SOMENTE pode ser feita entre o terceiro e o oitavo dia de nascimento. Ela é realizada por um Bàbáláwo porque é o único que pode usar o oráculo de Ifá. Não pode ser realizada depois disso.

Assim, somente neste período pode ser saber o Odù de nascimento. Quem não fez isso neste período nunca mais saberá o Odù de nascimento. Quem quiser saber o Odù de nascimento do seu filho que procure um Bàbáláwo neste período. Depois disso não é mais possível.

Por que um Babalorixá (Bàbálórìṣà) não pode fazer isso? Porque ele não tem o poder para trabalhar com os 256 Odù e o Odù de nascimento não é apenas um dos 16 principais e sim um dos 256 Odù.

Existem 2 cerimônias importantes que um recém-nascido deve passar através de Ifá que visam determinar o Odù de nascimento e também a ascendência daquela criança (se pelo lado da mãe ou do pai), seus orixá (Òrìṣà).

Uma vez entendido isso vamos a parte das negativas.

Não existe o menor sentido de associar o dia de nascimento ao Odù de nascimento. Isso não faz sentido TEOLÓGICO. Você recebe o Odù de Olódùmarè e isso não está associado a dia que você nasce.

Esta é uma coisa determinada previamente a sua vida, fase de planejamento da vida e não será determinada pelo acaso do dia de nascimento.

Baseado nas explicações que dei qual o sentido de o dia do nascimento determinar o seu Odù? No meu entender nenhuma.

Considerando que as pessoas não nascem mais de forma natural, qual o sentido de o dia de nascimento significar alguma coisa?

Quando eu aprendi Yorùbá e depois Ifá, entendi que aquela aritmética não tem o menor sentido para os yorùbá.

Então, a primeira informação para quem quer aprender: NÃO se determina Odù através de números. A segunda informação: não existe relação entre Odù e números.

Em Ifá, que é o oráculo original, não se usam números, apenas símbolos gráficos. Sem dúvida Odù envolve alguma complexidade. Não é um significado simples, é um contexto, com um significado complexo, mas, não é complicado, entretanto não vamos tratar desse significado aqui, apenas da forma como se apresenta.

Em Ifá, um Odù é determinado usando-se somente 2 tipos de instrumentos sagrados: o opele (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) e os ikins. A manipulação destes instrumentos de Ifá vai materializar a representação de um Odù no Aiye, e esta representação se traduz por uma marca gráfica, composta por 2 colunas. Cada coluna tem 4 elementos e esses elementos podem ser 1 traço vertical sozinho ( I ) ou 2 traços juntos ( II ). No total, 8 elementos gráficos, em 2 colunas, lado a lado, formam um Odù.

Essa é a representação de um Odù.

O processo para determinar isso é manual. Feito pelo Bàbáláwo e por seus instrumentos. A manipulação do instrumento gera uma figura e esta figura recebe uma representação gráfica.

Não existe dentro de Ifá, seja com o ikin ou com o Opele nenhuma correspondência de número com Odù. Não existe nenhuma forma de se determinar um Odù através de um número. O Odù nasce, sempre, como uma marca gráfica composta. Se existe um número associado a Odù, estes seriam 1 e 2, usados para contar os ikins... e estariam associados a todos os Odù, mas isso apenas para criar as marcas gráficas.

Sob o ponto de vista da sociedade Yorùbá, não existe aritmética decimal. Números são substantivos, palavras.

Em nenhum momento, qualquer Odù, é associado e um número.

Essa relação foi inventada fora de Ifá, fora da religião Yorùbá, provavelmente no novo mundo (ilação minha). Isso é apenas uma prática de numerologia. Eu não tenho como entrar no mérito ou não dos que acreditam ou praticam numerologia, pelo contrário, existe uma mística sobre números enquanto símbolos. Mas no que diz respeito à religião Yorùbá isso não ocorre.

Os números são palavras, substantivos e a aritmética é coisa de árabes.

Em algum momento da história alguém associou uma coisa a outra, tenho quase certeza que isso é bem recente e está ligado ao uso dos búzios uma vez que em Ifá não existe como se associar número a Odù. Por isso que eu digo que deve ter surgido no novo mundo. Aqui nas tradições da diáspora, os jogos de búzios são muito populares.

Dessa maneira, concluindo essa abordagem de números: não existe nenhuma relação entre um Odù e um número; os yorùbá não tinham aritimética, elas não faziam contas de somar; um Odù é uma representação gráfica e os instrumentos do Bàbáláwo não usam números.

Desta forma não existe nenhuma possibilidade de os yorùbá terem criado uma ligação com data de nascimento de um calendário gregoriano, que eles nunca conheceram, com um Odù através de uma aritmética criativa.

Como explicado anteriormente não existe base teológica que justifique que o Odù de nascimento seja determinado somente na hora do nascimento.
Vamos para o próximo passo nesta explicação.

A determinação do Odù de nascimento somente pode ser feita em uma data específica e pelo Bàbáláwo porque são eles que usam Odù no oráculo de Ifá.

Existe uma cerimônia para isso e pouca gente conhece. Assim tenha certeza que a pessoa sabe do assunto, seja ele cubano ou africano.

Quem lida como os 256 Odù é o Bàbáláwo. Assim Babalorixá (Bàbálórìṣà) e Iyalorixá (Ìyálòrìṣà) não tem iniciação para lidar com os 256 Odù e muito menos determinar Odù de nascimento seja através de continhas como de jogo de búzios.

Se essas pessoas estão fazendo isso por ai é porque elas são ou estão mal informadas, não entendem corretamente a teologia da religião. Podem ter aprendido que isso era possível de ser feito assim e estão seguindo com isso.

Mas cuidado, tem Bàbáláwo que diz que determina o Odù de nascimento em consulta comum de ifá, mas, está apenas enganado ou enganando. Vamos entender que se ele diz que faz isso ele não entendo sobre o que está falando.

Da mesma forma não acredite também em Bàbáláwo que determina seu orixá em jogo. Isso é uma idiotice tão grande quanto os Babalorixás que fazem a mesma coisa com búzios.

Lembrem-se, Babalorixá (Bàbálórìṣà) ou Iyalorixá (Ìyálòrìṣà) não determinam Odù e dessa forma não podem determinar o Odù de nascimento. Como o Odù de nascimento só pode ser determinado no nascimento, qualquer pessoa que diz que faz isso depois do nascimento através de jogo de búzios ou mesmo de Ifá está mentindo.




domingo, outubro 20, 2019

A quantidade de orixás em Cuba

A quantidade de orixás em Cuba


Não é objetivo deste blog falar sobre os Lukumi (santeria) uma vez que falta propriedade, pesquisa e objetivo para isso. Mas, existem alguns aspectos colaterais que podem ser abordados.

Em sequência ao texto sobre orixalização do panteão  (não gosto desta palavra, panteão,  mas, uso) Yoruba, tenho alguns poucos comentários a fazer sobre os Santeros.

Cubanos apareceram aqui com uma profusão de Orixás em contraponto com os nosso meros 16 e suas qualidades e isso pode impressionar algumas pessoas a caírem no canto da sereia deles. Também misturam tudo com Odù como se fossem especialistas nisso e o mais comum é ver santero falando mais de Odù do que os próprios Babalawo de lá.

Aliás nada mais justo, apesar de os Babalawo cubanos falarem que Ifá em cuba tinha milhares de Babalawo vindos da África e que eles sempre tiveram Ifá, basta gastar 10 minutos de estudo e descobrir que:  Somente iam para cuba pessoas muitos jovens (adolescentes); Adesina foi quem primeiro fez a primeira consulta de Ifá; os Lukumi )de orixá) foi quem mandaram alguns cubanos para a África para aprenderem o Ifá, já no século XX; o primeiro tratado cubano de Ifá foi escrito por um Santero, Pedro Arango na década de 50.

E nós, aqui, com nosso culto de Orixá tradicional e quase não falando nada sobre nada.

Em relação a quantidade de Orixás, de fato os cubanos impressionam, como um ilha tão pequena (do tamanho do estado do Rio de Janeiro), com um povo tão pequeno (equivalente a cidade do Rio de janeiro), conseguiu arrumar tanto Orixá assim para cultuar?

As melhores fontes para se falar dos cubanos são eles mesmos.

O índice de analfabetismo entre os cubanos era enorme, não sei hoje, dizem que lá é um paraíso, mas até a década de 50 e e 60, os principais dirigentes do culto Lukumi eram completamente analfabetos, aliás um panorama não muito diferente do nosso. O grupo de letrados na ilha não era grande e dentro da religião deles, bem restrito.

O acesso a informação na ilha estava concentrado em poucas pessoas que mantinham uma biblioteca e acesso a obra de pesquisadores, essas pessoas eram os donos do conhecimento e respeitados pela posição que tinham na sociedade e por saberem ler.

Nesse período houve uma produção de livros e textos assinados por dirigentes Lukumi que nem sabiam ler, isso foi produzido por esses, menos famosos, que usavam o nome dos conhecidos para publicar material.

Nesse período também vários aspectos da teologia dos Lukumi foram incrementados com informações estrangeiras. Foram adicionadas ao culto coisas externas obtidas em livros de pesquisadores. Pelo que entendi faltava bastante coisa la no culto deles....

Um exemplo de uma coisa RUIM, foi o culto de oduduwa, que claramente foi copiado de um livro ruim feito por um pesquisador Evangélico, que ou não entendeu o que viu ou fez de propósito e depois isso foi reproduzido por outros. Oduduwa em cuba esta associado ao obscuro. Isso é uma enorme bobagem, Verger fez essa pesquisa e mostrou isso, eu já escrevi sobre isso aqui.

O erro sobre Oduduwa

Assim como isso ocorreu com Oduduwa que foi incorporado ao conjunto de "orisha" que os cubanos cultuam várias outras coisas foram inseridas tardiamente para "completar"  o culto deles e ficar mais consistentes.

Vai dizer que Oduduwa já era cultuado antes? A tá, e ficou igual ao descrito no livro ruim do pesquisador evangélico?

Isso ocorreu aqui? Sim, mas em escala bem menor, visto que temos um conjunto compacto de orixá e, na maior parte da vezes, com finalidade específica de conceituar o que já se fazia e mesmo assim com muita reação.

Observem que os Lukumi tem inclusive uma denominação diferente de "osha" e "orisha". De fato eles pouco se entendem. Vejam 2 fontes:

Fonte 1

"La diferencia entre "Oosha" y "Orisha" es que se le llama "Oosha" a la "Deidad" en su estado de existencia en el comienzo de la "Creacion-Iwade" y cuando esa "Deidad" es coronada en sus "Hijos o Seguidores" en nuestras cabezas se le llama "Orisha", devido que ya esta puesta en nuestra maquina de creacion "La Cabeza" que fue la encargada de Organizar y repartiles las tierras y seguidores a estos."


Fonte 2

Los Orishas son las Entidades o Deidades pertenecientes a La Tierra de Ifá; en tal sentido, queda claramente dicho que esas Entidades o Deidades son las que pueden ser fundamentadas y consagradas por Los Babalawos.

Los Oshas, por consiguiente, son aquellas Entidades o Deidades de la Religión de la Osha, y evidentemente son consagradas por Los Iworos, Iyaloshas y Babaloshas.

Los Oshas son las Entidades que pueden ser “Asentadas” o “Coronadas”, es decir, aquellas entidades que tienen Ceremonia de Kari-Osha o Yoko-Osha.



(observem aqui, a enorme necessidade de separar o que o Babalawo faz e o que o Babalosha faz, isso é uma constante no culto cubano, existe uma separação de mercado lá, a tal "regla" define o que cada um faz e como)


Vejam que com essa confusão toda como é que eles vão chegar aqui e entender e comentar sobre o Candomblé e as demais tradições religiosas afro-brasileiras?

Esse é meu ponto aqui.

Não existe nenhuma condição dessas pessoas falarem sobre o que veem porque lá é tudo diferente. Muito diferente do que é aqui e muito diferente dos Yoruba também. Vejam por exemplo a parte musical. A tradição religiosa afro-cubana seguiu rumos muito próprios dela mesma.

Falta ao cubanos, propriedade, conhecimento e auto-crítica para falar de Candomblé. Eles fazem uma coisa lá que não tem paralelo aqui. O que fazemos de Orixá não é igual ao que eles fazem e entendem. É igual a uma pessoa, aqui, de Umbanda dizer que sabe de Orixá.

Mas isso é apenas um aspecto para destacar que a falta de entendimento vem da inserção tardia disso no culto deles. É muito fácil entender o que ocorreu em Cuba, os cubanos são as melhores fontes para tudo.

Voltando ao início, os cubanos de fato tem um amplo conjunto de "orisha" (já nem sei mais como que dizer).

Contudo, uma pequena parte disso são que eles chamam de orixá de cabeça. Um grande número desses orixá que eles cultuam só aparecem nas mesas (comida) ou em "assentamentos" feitos mas que nunca vão ter resposta de orixá para aquilo. Tipo eles fazem uma sopeira e dizem, pronto, o orixá tal esta aqui (??!?).

Não custa lembrar a todos que a iniciação deles é de 7 dias e que não existem nenhuma necessidade de incorporação de orixá neles, iniciação é iniciação e ponto, aliás isso lá é raro e já vi muito cubano, no início, criticando incorporação aqui, pelo motivo de que as de lá são fajutas, assim eles não acreditam nas daqui.

De fato isso enriquece muito o enorme comércio de assentamentos de orixá que eles tem. Para quem não sabe, como resultado de um jogo os cubanos distribuem assentamentos para todo mundo, é um comércio próspero.

Um autor cubano explica que lá eles sabem fazer bem Iemanjá e Oxossi e o resto que ainda é feito é muito parecido. Uma Iyalorixá que eu conheci e que participou dos quartos de santo cubanos disse que o processo de feitura deles, comparado com o nosso é parcial, eles começam a coisa mas não sabem terminar, vão até uma parte.

Aqui no Candomblé isso tudo é muito diferente, o conjunto de orixá que cultuamos é o que temos os ritos para fazer nas pessoas, alguns orixá foram, sim, transformados em qualidade, mas, mesmo assim tem cuidado muito especial na sua feitura. Essa discussão de orixá é qualidade é idiota, nada acrescenta.

Veja o exemplo a Aganju, aqui uma qualidade de Xangô, lá um orixá diferente, associados a vulcões. É não tem nenhum vulcão perto de Cuba. La na região Yoruba também não tem nenhum vulcão, assim, quem afinal criou um orixá associado a uma coisa que nunca viu ???

No Candomblé, os orixás que não temos "folha" para fazer perdem a nossa atenção, viram um referência e nós aqui não distribuímos assentamentos para ninguém, orixá aqui é em casa de orixá e se é orixá tem que virar e ser testado.

Dessa maneira essa é a diferença fundamental, eles lá inseriram orixá para colocar em mesa e vender assentamento, aqui a gente não vê sentido nisso, orixá é aquele que se faz na cabeça dos iniciados e se não temos a folha para fazer não vira culto.

Não se impressionem com essa diferença da quantidade de orixá, isso não significa qualidade.

E, mais importante, lá é muito, mas muito diferente daqui. Não vejo como um cubano entender o que ocorre no Candomblé.

Acho o culto afro-cubano bem bacana, aprendi coisas bastante interessantes com eles e o culto deles é bastante integrado a história deles e ao povo de lá, os cubanos, mas, sem nenhuma referência possível com o que fazemos aqui.

sábado, outubro 19, 2019

PRÓXIMAS POSTAGENS

PRÓXIMAS POSTAGENS


Fiquem atentos ao Blog que algumas postagens importantes estão sendo preparadas. O próximo texto será sobre o orixá OLOKUN.

Eu tive que procurar informações sobre ele e muito pouca coisa encontrei em sites, Youtube ou livros. O que existe em alguns sites é o mesmíssimo texto que é copiado infinitamente, assim vou produzir um texto novo sobre o assunto.

Vou também publicar um conto bastante antigo sobre o culto de egungun. Não é meu, mas vou reproduzir aqui o conto, bastante interessante. Publicarei em partes para facilitar a leitura e depois publico o texto integral.

O plano é publicar o texto de Olokun primeiro, mas se demorar eu vou publicando o conto.

sexta-feira, outubro 18, 2019

Como Ifá pode ajudar as pessoas

Como Ifá pode ajudar as pessoas


Uma questão que sempre deve ser pensada sobre uma religião é sobre o SEU envolvimento com a religião. A pergunta é: O que ela está fazendo por mim, como pessoa.

Assim, não se procura uma religião porque se quer dinheiro, emprego, mulher dos outros, emprego dos outros, casa própria, etc.. Isso cada um tem que conseguir nessa vida com o próprio trabalho e com seus próprios erros e acertos, ou então procurar um feiticeiro...

Não nascemos santos e nem para ser santos, como prega o Cristianismo, também não nascemos pecadores e nem vivemos para não pecar. A gente nasceu para viver e fazer isso com dignidade, primeiro com nós próprios, depois com nossa família e por fim com a sociedade em que vivemos.

A religião é a ética e o conhecimento que está acima das leis e da ciência, e que procura a qualquer tempo localizar na nossa alma e espírito o nosso sentido de viver, e fazendo nós entendermos o que devemos fazer ou como devemos ser nessa vida.

Qual o sentido de vivermos e como devemos fazer isso?

Baseado nessa opinião eu nunca vejo sentido naquelas frases de ignorância perolar: sou católico mas não sou praticante - Qual o sentido de se dizer como parte de uma religião que não se segue???

Essa relação conflituosa das pessoas com as religiões eu não entendo. Qual o problema de seguir regras? Qual o problema de sentir culpa? Qual o problema em crer em dogmas?

Religião não é deus, religião organiza o entendimento da nossa relação com deus e o divino complementar. Crer em deu não adiciona NADA a sua vida. Seguir uma religião adiciona conhecimento, valores, ética, motivação e um sentido maior. Mais ainda nos ensina a lidar com o supernatural.
Assim entendam da seguinte forma: Religião nos explica como é a relação com deus.

Essas pessoas que enchem o peito para dizer que não tem religião mais acreditam em deus, não significam nada para mim. Não vejo nada de especial ou de nobre na atitude delas, são apenas pessoas desinformadas, ignorantes.

Mas eu igualmente considero um idiota as pessoas iniciadas em Candomblé, que rezam para anjo da guarda, rezam o pai nosso, citam Jesus e não conseguem explicar qual a rotina pessoal delas ligada a prática religiosa que tem.

Cada religião propõe uma forma diferente de encarar as mesmas perguntas e desafios. Assim religião é atemporal. Independente da época que estamos ela será sempre a mesma bússola para o nosso caminho. Independente das leis e do regime político ela ira propor sempre a mesma ética de conduta.

As leis civis zelam para que o homem viva em sociedade, ser justo com os próximos e viva de acordo com valores que a sociedade em que vive preza. Assim leis mudam de sociedade para sociedade. A religião busca nos fazer ser melhor com a gente mesmo, em primeiro lugar, como um passo básico para que nossa vida em sociedade seja brilhante.

O resto cabe a nós fazer. A base e os instrumentos que nos possibilitam sermos boas pessoas são oferecidos, mas, cada a cada um decidir o que fará da sua existência.
Ifá por sua vez faz parte de um sistema religioso, complexo e incompleto ao mesmo tempo, mas que como parte disse também tem que servir para responder a essa mesma questão.

Mas, as religiões, têm um papel um pouco maior, existe um divino e um supernatural, nisso até os católicos acreditam, no supernatural. A religião é a forma de você aprender a usar isso. Como eu sempre digo existe de fato uma aliança entre deus e nós e é pelo nosso sucesso e felicidade na vida.

O cristianismo e o Islã tem um problema sério que é o de propor para nós uma morte boa. Eles dizem que depois que morremos vamos para o paraíso, não existe na visão deles da relação com deus compromisso com essa vida, tudo deles apontam que a gente deve morrer para ser feliz.

Mas a nossa questão é: O que Ifá vai dar para as pessoas para que ela vivam melhores? Por que uma pessoa quer ir para Ifá?

Essa é uma pergunta importante e deve ser feitas por todos, independente da corrente religiosa em que estejam.

Se você está na Umbanda, se pergunte: O que eu estou fazendo aqui? O que esse culto traz para a minha vida? Como vivo diariamente com a minha religião? O que eu contribuo para minha vida, para minha família e para a sociedade quando não estou incorporando algum guia? O que pretendo eu estando aqui?

Se você está no Candomblé, se pergunte: Para que eu faço essas obrigações? Que objetivo tenho para minha vida com isso? O que estou aprendendo em relação ao último ano e para onde isso vai me levar? Como pratico minha religião quando não estou com uma vassoura no terreiro ou com um balde?

E por ai vai, em cada religião existem perguntas chaves que podem ser feitas a cada participante.

Ifá não é como toda a religião, mas um culto muito específico de uma religião. Assim a primeira obrigação de uma pessoa que está ou quer ir para Ifá é entender a religião onde este culto está inserido para que consiga localizar em todo esse mundo metafísico o sentido do que se faz em Ifá, porque tanta dedicação e estudo? O que se espera de um sacerdote?

Sim, a religião vem em primeiro lugar ela é o que envolve e dá sentido em todos os atos que se pratica.

É claro que uma pessoa pode ser de uma religião sem ser um sacerdote. Isso ocorre em todas as religiões.

Em Ifá é o mesmo, você não pode ir a Ifá para ser um sacerdote, isso será para muito poucos, você deve ir a Ifá para obter ajuda de deus. Lembrem-se, deus tem um compromisso com nossa felicidade. Ifá, o oráculo religioso em geral, é a forma de você requerer isso.

Essa conversa de que deus é onipresente e sabe de tudo é conversa fiada. Você tem que pedir ajuda.

Se ao contrário, o objetivo de uma pessoa é ser um sacerdote de Ifá, ótimo, mas minha opinião é que uma pessoa para ira para Ifá tem que primeiro conhecer muito bem a religião que escolheu. Tem que ter Fé nos orixás, tem que entender a cosmogonia e teologia envolvidas. A pessoa já tem que estar na religião dos Orixás. Existem várias tradições para isso. Temos o Candomblé, a melhor delas, O Lukumi cubano, a tradicional religião Yorùbá (YTR ou ATR) e até o Voodoo Haitiano.

Vejo muita dificuldade de uma pessoa ir para Ifá sem primeiro não ter se envolvido e apaixonado pelos Orixá, que são o centro de nossa vida junto com nosso Orí.

Após isso Ifá se abre como um caminho para pessoas que se identificarem com a possibilidade de serem mensageiros de Ọ̀rúnmìlà. Para você ser um bom mensageiro de Ọ̀rúnmìlà tem que primeiro já ser uma pessoa equilibrada e pronta para transmitir axé para os outros, através das suas palavras. Como diz os poemas do Odù Oxéotuwa, a palavra do sacerdote é que tem a força, é que tem a magia é que tem o poder.

O sacerdote de Ifá, o Awo, não é um passador de ebó. É uma pessoa que transmite axé através de sua palavra, oral ou escrita ;-)

Ifá tem uma enorme parcela de contribuição na vida das pessoas. Ifá está intimamente ligado com o compromisso que o Orí de cada pessoa fez com Olódùmarè, com o seu objetivo de vida e com tudo o que motivou a sua vinda do orun para o Àiyé. Entenda que Orí é nossa imagem no órun, o espaço espiritual. A religião Yorùbá acredita que somos um duplo, vivemos no mundo terreno, o aiye, mas temos no órun, o mundo espiritual um duplo que é nossa imagem e que nos protege e tem a chave da nossa vida. O nosso Orí conhece os nossos planos para essa vida, nós aqui perdemos esse conhecimento, como descrito nos poemas do Odù Iwori meji.

Assim quando uma pessoa enfrenta dificuldades demais, quando os caminhos ficam por demais tortuosos quando a prosperidade falta ou ameaça a sua subsistência, quando a doença e a perda sempre ronda sua porta é a Ifá que as pessoas podem recorrer.

Ifá ira então socorrer essas pessoas para que eles possam retomar a sua vida e seus objetivos, sejam com reposição de axé ou mesmo com sabedoria. Ọ̀rúnmìlà não é apenas o testemunho do nosso destino, aquele que estava junto de cada um de nós quando pedimos para Olódùmarè um destino nessa terra. Ele é também o Orixás da sabedoria, o que traz o conhecimento e as mensagens de outros orixás.

Assim um Bàbáláwo, mais do que fazer ebós também é uma pessoa que deverá ter a inteligência, a percepção e a sensibilidade para orientar as pessoas que o procuram, porque muitas vezes as pessoas precisam de palavras, estimulo e orientação.

Assim Ifá é um longo caminho para quem o adota, Ifá é um culto de sacerdotes, mas também é o caminho para que as pessoas tomem contato com a religião e com tudo o que a religião pode fazer pelas pessoas.

Quem vai para Ifá não pode cair na viela comum que outras correntes caíram onde para se falar com o sacerdote tem que se pagar uma consulta e ele sempre com aquela peneira entre os dois se traduz em ebós, obrigações, feituras, sacrifícios e um arsenal de termos, mistérios e frases incompletas.

A pessoa de Ifá um Bàbáláwo de fato não tem meias palavras para explicar sua religião. Não se esconde atrás de falsos segredos ou de informações incompletas. Um Bàbáláwo é a pessoa que tem axé na sua palavra e que representa a sabedoria. Uma pessoa de Ifá não esconde informações e conhecimento.

Eu acho muito complicado a decisão de uma pessoa se tornar sacerdote de alguma, coisa, tem que ter muita fé e acima de tudo abrir mão da sua vida de prazeres e diversão. É muito sem graça ser um sacerdote, em qualquer religião.

Ifá tem a capacidade de ajudar a todas as pessoas a viverem melhor. Esta é a sua virtude viceral e para isso que ele existe. O objetivo de Ifá é tornar melhor a vida das pessoas em relação a sua missão, as suas possibilidades e a sua capacidade, lembrando que durante a vida, com nossos próprios atos e opções nós criamos as próprias condições para vivermos bem e Ifá não poderá dar a ninguém aquilo o que ela não pode possuir.

Aos habitantes desse mundo, seja de que religião forem Ifá irá ajudá-los a viver. Aqueles que desejarem conhecer a religião Ifá conterá o seu significado e aqueles que desejarem ajudar outras pessoas com seu próprio temo e axé Ifá lhes dará a infinita possibilidade de fazerem isso à exaustão.

Ifá não vai prometer que vocês ganhem na loteria ou dar um novo emprego ou um novo amante. Ifá vai ajudá-los a viver a vida.

Atenção Ifá não tem o objetivo de fazer a vida do Bàbáláwo melhor. Pelo contrário. Significa menos lazer, menos ociosidade, menos prazeres, menos tempo discricionário, mais preocupações, mais responsabilidades. ser um sacerdote é pouco divertido e sem qualquer glamour.

segunda-feira, outubro 14, 2019

SOBRE O BLOG

SOBRE O BLOG


Sei que é um pouco tarde mas nunca é tarde demais para alguns posicionamentos.

Os textos desse blog são produções originais, não faço copiar e colar de outros sites, blogs ou livros.

Os textos refletem minha opinião e são resultado de minhas pesquisas e análises. Podem corresponder a informações de outros autores, experiência ou conversas com pessoas.

Sempre que for possível as informações terão referências de origem, assim, se eu usar informação de um outro autor, procuro sempre citar, se isso não ocorre não é intencional.

Não incluo bibliografia, isso é apenas um blog.

Nem toda a informação que forneço tem referência anterior citável, como existe muita informação o conhecimento é agregado as coisas são produzidas com a soma de tudo junto.

O Blog trata da raiz religiosa Yoruba e da tradição religiosa do Candomblé, mas, não é um blog sobre o Candomblé, é sobre a religião Yoruba. Existem detalhes que podem variar em relação a outras tradições da matriz afro-brasileira.

Os comentários são abertos e não sofrem edição ou seleção. O email de contato é ogbeogunda@gmail.com.

Iemanjá (Yemọjá), Oxalá (Òṣàlá), o Orì e o processo de orixalização da religião no Brasil

Iemanjá (Yemọjá), Oxalá (Òṣàlá), o Orì e o processo de orixalização da religião no Brasil


Eu considero que nesse tema abordo um dos grandes desvios do Candomblé. Assim como o tema das pessoas associarem os Orixá (Òrìṣà) a elementos da natureza (altamente polêmico) e a associação de números a Odù (altamente popular). São 3 temas que merecem uma abordagem de questionamento em relação a religião Yorùbá e a tradição do Candomblé. Todos os 3 temas já foram abordados por mim. Esta versão aqui é uma expansão do texto original e quero usar essa questão de Oxalá (Òṣàlá) e Iemanjá para explorar um tema mais amplo e necessário.

Esse tema já foi abordado no Blog anteriormente de uma forma bem simples e objetiva. Esse texto aqui é bem mais detalhado e fala sobre muito mais coisas. Quem não quiser de dar ao trabalho de ler, pode ver a primeira versão ou ficar apenas na minha afirmação que: Iemanjá (Yemọjá) não é mãe de ori nenhum, essa coisa foi uma invenção porque não existe nenhuma referência na religião ligando Iemanjá (Yemọjá) a ser Iya Ori.

Quem quiser mais informações basta seguir lendo.

Esse BLOG pode ser lido por muita gente, mas não tenho como tratar do tema cobrindo toda a matriz afro-brasileira e suas nuances, de maneira que, o que digo aqui esta relacionado a raiz religiosa Yorùbá e a tradição religiosa do Candomblé Ketu e pode não ser adequado às demais tradições religiosas da matriz afro-brasileira.

Mas acharei muito curioso se isso foi igual nas demais tradições religiosas.

Antes de abordar o tema preciso ressaltar uma coisa que falo sempre. O Candomblé é uma tradição da diáspora e em função disso adotou aspectos que o diferenciam da forma como a YTR conduz o culto na Nigéria. É isso o que uma tradição faz em uma religião, assim a YTR ou qualquer outra tradição que possa existir na Nigéria ou no Benin, ou em outros lugares do novo mundo, podem adotar um formato para o culto e mitos um pouco distintos, sem que isso estabeleça uma religião distinta da nossa. Lá, fora daqui, eles fazem como querem o culto deles e isso é problema deles e não nosso.

Não existe subordinação do Candomblé ao culto Africano e à forma africana de praticar a religião. Os africanos do golfo do Benin fazem sua religião lá como eles querem e nós aqui o mesmo. O Candomblé é uma tradição religiosa ligada à religião africana do grupo Yorùbá, mas desenvolveu aqui no Brasil um culto próprio. O Candomblé pertence à mesma religião Yorùbá mas sua prática foi ajustada ao nosso povo e sociedade. O Candomblé não é derivado do culto tradicional, ele está ligado à religião.

Esse comentário é necessário para que ninguém pense que estou sugerindo que o Candomblé ou qualquer outra tradição religiosa da matriz afro-brasileira, esteja errado e deva mudar. Não tem que mudar nada. Entretanto, sim existem alguns aspectos que podem ser ajustados em função da religião, nunca do culto.

É claro que existe um processo de reafricanização presente no Candomblé, que ajusta, ou ajustou, ao longo tempo alguns entendimentos, mas isso, a reafricanização positiva deve ser adotada com cuidado porque, de forma alguma, pode interferir no processo de formação das nossas tradições religiosas locais.

Eu denomino de reafricanização positiva os ajustes que buscam corrigir desvios na teologia e teogonia e não aqueles que buscam mudar práticas, cultos, liturgias, ritos, formatos e elementos. O que procura mudar a tradição é a reafricanização negativa e é promovida por quem não entendeu o que é criar uma tradição religiosa ou o que significa matriz religiosa afro-brasileira ou querem fixar aqui tradições estrangeiras como Lukumi e YTR. 

Por que ajustar a teologia e teogonia são importantes?

A razão disso é prática, teologia e teogonia contêm informações importantes que estão contidas na religião e são úteis para saber como lidar com o supernatural e o sentido da religião em nossas vidas. Essas 2 coisas, lidar com o supernatural e trazer um sentido e compreensão maior da nossa vida e do nosso relacionamento com as pessoas e a sociedade são duas virtudes muito elevadas e importantes da religião e fazem parte da minha definição moderna de religião. 

Religião não se resume a adorar a um deus, louvar ele 5 vezes ao dia e querer morrer para se encontrar com ele. Nenhum deus precisa ser adorado o dia todo, o tempo todo ou estabelecer a adoração como forma de se relacionar. Deus não precisa disso e muito menos esse seria o sentido da vida das pessoas. Se existem religiões que tomaram desvios foram essas que fazem isso, possivelmente estão adorando a um demônio, de fato.

O tema aqui, deste texto diz respeito a isso e eu estou usando essa questão de Oxalá (Òṣàlá), Iemanjá e Orí para abordar isso.

A associação de Oxalá (Òṣàlá) como pai de Orí e principalmente de Iemanjá como mãe de todas as cabeças, a Iya Orí para muitos, é uma bobagem adotada no Candomblé. A razão disso é que não existe base na religião para isso e vou explicar aqui.

A causa deste desvio não é difícil de entender e é baseada em dois fenômenos importantes de entender. O primeiro é o que eu chamo de orixalização da teogonia e o segundo, que em parte gerou o primeiro, foi não vinda para o Brasil de partes da teologia, alguns conceitos da religião se perderam e criaram lacunas bem como provocaram o processo de orixalização.

Antes de iniciar eu preciso dar 2 definições muito importantes porque estou me referindo a 2 termos técnicos que tem que ser entendidos.

Teologia, tem várias definições:
  1. Teologia é o estudo crítico da natureza do divino, seus atributos e sua relação com os homens
  2. Teologia é o estudo da existência de Deus, das questões referentes ao conhecimento da divindade, assim como de sua relação com o mundo e com os homens.
  3. Ciência ou estudo que se ocupa de Deus, de sua natureza e seus atributos e de suas relações com o homem e com o universo. Conjunto dos princípios de uma religião; doutrina.
Para entendermos uma religião temos que entender sua teologia, que são seus princípios, seus dogmas e a explicação de sua proposta para nos relacionarmos com deus.
As religiões abraâmicas adotaram esse termos teologia como se fosse exclusivamente deles, muita gente traduz isso assim, mas a teologia é a visão geral proposta pela religião do nosso relacionamento com deus.

Entendam que deus existe sem as religiões, eu faço parte dos que acreditam que deus é único, mas é traduzido nos diversos povos através das religiões. Uma religião esta sempre fortemente ligada a um povo e sua cultura, é a forma daquele povo entender deus e sua relação com a gente e nossa vida.

Existem muito que questionam religiões universais, dizendo, com razão que não é possível separar a religião do povo que a criou. Isso é verdade, existem religiões que somente existem no seu povo original, como o Judaísmo e o Hinduísmo.

As religiões universais, que são exportadas mundo afora carregam dentro de si os valores e a ética do povo que a criou, isso não pode ser diferente. Algumas como o catolicismo passaram ao longo dos séculos por um processo de consolidação dessa universalização e criaram um conjunto próprio de valores e ética voltados para aqueles que as adotarem.

Teogonia:
      1. Teogonia significa "o nascimento dos deuses". Ela constituía, com os poemas de Homero, a cartilha na qual os gregos aprendiam a ler, a pensar, a entender o mundo e a reverenciar o poder dos deuses. De certa forma, a Teogonia é o mais antigo tratado de mitologia grega que chegou até nós.
      2. Theos, deus + genea, origem / Refere-se a gêneses dos Deus e sobre a origem do mundo. É um conjunto de deidades (conjunto de forças ou intenções que materializam a divindade), que formam a mitologia (estudo das lendas / história de uma cultura em particular), de um povo.
Claro que não estamos falando de religião grega, aliás isso tem sido um enorme estorvo para qualquer religião não abraâmica, o de ser sempre comparado a religião politeísta grega, mas, em religiões que tem um conjunto mais rico de divindades e que mesmo assim não são politeístas, o termo teogonia é útil para delimitar uma área de conhecimento.

A teogonia se aplica a religiões que tem o seu divino mais rico, não faz sentido junto às religiões abraâmicas. Com a teogonia entendemos a proposta da religião para nos relacionarmos com ela através de divindades menores ligadas ao deus principal.

Existe alguma dificuldade em lidar com esses termos porque as religiões abraamicas dominam o cenário intelectual e tudo é feito em torno delas, assim, é bastante difícil discutir e definir outras religiões sem recorrermos a neologismos ou definições próprias.
Em religiões que lidam com o supernatural e tem o compromisso de suportar a vida das pessoas no mundo, o entendimento dessas 2 coisas adquire aspectos muito mais importantes e práticos.

Eu quero lembrar a todos que enquanto as religiões abraâmicas se preocupam em salvá-lo através da morte, dizendo que somente após a morte você contra a paz e a tal “vida eterna” ao lado de deus (…!) o Candomblé, religião Yorùbá, se preocupa em salvar você aqui, em vida, em te dar uma vida melhor para você usufruir. Existe de fato uma aliança entre deus e nós pela nossa felicidade.

DIFERENÇAS COM A PRÁTICA NO GOLFO DO BENIN


Antes de as pessoas ficarem preocupadas com as variações que nossas tradições religiosas fizeram nos cultos, devem saber que mesmo lá no golfo da guiné, os mitos e o próprio culto religioso, são regionais e variações existem nos formatos de como a religião é praticada dependo de se estar em Ifé (Ilé Ifẹ̀), Óyó (Ọ̀yọ́), Obeokuta, etc... Inclusive, até a Teogonia pode mudar. Cada lugar destes dá maior ou menor importância a algum aspecto da religião e importância a Orixás distintos. Vejam, por exemplo, a questão de Odùduwà e Oxalá (Òṣàlá) em Ifé, onde o mito da criação do mundo (cosmogonia) foi alterado parta incluir Odùduwà no lugar de Oxalá (Òṣàlá) , uma alteração eminentemente política (ver Idowu).

Essa variação e multiplicidade de Orixá (Òrìṣà) é uma das características da religião. Orixá (Òrìṣà) podem ser muitos e distintos, com alguns deles sendo comuns a várias ou muitas áreas. A quantidade de orixá (Òrìṣà) não é relevante à religião, o que é importante é a sua existência. É por isso que dizem que tem 401 orixá (Òrìṣà) á direita. Os Yorùbá não tinham aritmética, assim quando eles dizem 400 querem apenas dizer que é uma quantidade muito grande (para ser contada). O número 1, em 401, dizem (J. Elbein), significar que sempre pode ter mais algum, assim, são muito e podem ser mais.

Não existe essa fixação em 16 orixá (Òrìṣà), somente, como temos aqui. Existe, aqui, uma convenção local que arredonda o número 16, tipo conta de chegar, mas isso é aqui. A realidade é que não existe número pré-determinado, nem 200, nem 400 e muito menos 16.

Creio que uma pergunta evidente pode vir a todos: Por que muitos orixá (Òrìṣà)?

A resposta não é complicada e também está ligada a questão de o que são os orixá (Òrìṣà).
Podemos responder: e por que não podem ser muitos? Qual o problema?

O fato de termos muitos orixá (Òrìṣà) não afeta a visão da religião de que existe um deus superior. Os orixá (Òrìṣà) são ministros de deus, e ser ministros significa que eles o representam e têm seus poderes para atuar junto à nossa vida.

Na sociedade Yorùbá a característica eminente dos orixá (Òrìṣà) é a regionalidade, lá tudo é basicamente família, linhagem e aldeia. Os orixá (Òrìṣà) os representam enquanto família e sociedade tribal, existe um enorme aspecto de ancestralidade envolvido nos orixá (Òrìṣà), uma das definições de orixá (Òrìṣà) é representar um ancestre comum.

Essa definição errada, que fazem aqui, de associar orixá (Òrìṣà) a elemento da natureza, lá no golfo, não cabe, orixá (Òrìṣà) está muito mais para ser um ancestre do que um elemento, a natureza pertence a Olódùmarè, o deus maior. 

O que os orixá (Òrìṣà) têm como ministros de Olódùmarè são suas forças, poderes de domínios, alguns se especializam em determinadas funções genéricas, como cuidar de crianças (orixá (Òrìṣà) das águas em geral), prosperidade (idem), vitórias (os guerreiros), colheitas, ética e moral (Xangô (Ṣàngó)), etc… Mas muitos fazem de tudo para as pessoas deles. De fato eles têm preferências de oferendas (comidas) ou poderes exclusivos, lembrando que orixá (Òrìṣà) é o aspecto humano de deus com o qual nós nos identificamos, eles fazem parte do se chama de analogia entis. A individualidade também é parte dos orixá (Òrìṣà) assim eles tem poderes diferentes e personalidade diferentes, os orixá (Òrìṣà) refletem muito a nossa própria humanidade.

Essa visão de que orixá (Òrìṣà) é natureza e uma bobagem mal copiada do modelo grego, lembram que eu já disse que todas as religiões não abraâmicas acabam sendo traduzidas como iguais a religião grega, sem terem nada haver com aquele modelo.

O candomblé, em sua formação, por exigência das características locais, realizou um processo de concentração dos cultos de diversos orixá (Òrìṣà) em uma única tradição religiosa e centralizados em uma única casa e sacerdote. Esse modelo nada tinha haver com o modelo Yorùbá do culto, altamente especializado. Devido à formação da população (de escravizados) aqui foi necessário configurar uma nova forma de culto, diferindo enormemente de como era a prática na origem.

O modelo que adotamos aqui levou naturalmente a desenvolver uma outra dinâmica na prática do culto e também foi altamente influenciado por um sincretismos interno entre grupos e entre raízes religiosas diferentes. Sem dúvida o Candomblé Jeje que já tinha esse modelo “familiar” com casas com várias divindades influenciou muito na formatação do Candomblé Yorùbá no Brasil.

De outro lado os ritos dos Candomblé Yorùbá também influenciaram a forma de como Candomblé Jeje se organizou localmente.

A realidade é que as tradições afro-brasileira do culto de Orixá (Òrìṣà) e Vodun, tiveram que se reorganizar totalmente, adaptando a religião a sociedade, valores, locais e materiais disponíveis. A religião em sua base continuou a mesma, mas, o culto foi ajustado à nossa população.

Esse processo de forma natural teve que ajustar os mitos da tradição oral e até mesmo a criar mitos e relações para poder estabelecer as bases da tradição afro-brasileira. 

Neste processo pesou esta adaptação mas também em grande parte o distanciamento da origem com aspectos e cultos que não foram lembrados e dessa forma não trazidos e implantados aqui. Não houve um processo altamente organizado de importar exatamente o que havia entre os Yorùbá, foi implantado o que as pessoas lembravam ou o que era mais relevante.

Lembro que o grupo do Candomblé Ketu se tornou muito relevante na matriz e influenciou os demais porque como parte do processo de reorganização da religião, pessoas libertas voltaram ao golfo da guiné para revisitar a religião e voltaram inclusive com pessoas para ajudar a formatação e adaptação da religião através da tradição de orixá (Òrìṣà). Esse trabalho, bem feito, influenciou outras tradições religiosas que copiaram muito do que o Candomblé ketu fazia.

Para ficar claro, o estabelecimento do Candomblé no Brasil é bem tardio em relação ao processo de vindas de pessoas escravizadas. O fluxo de escravização iniciou no século XVI indo até o século XIX, mas o registro da primeira casa de Candomblé na Bahia está em 1830. Antes disso o que haviam eram calundus que eram basicamente uma estrutura Bantu, familiar e voltada para curandeirismo e feitiçaria.

Como a escravidão somente acabou em 1889, durante todo o século XIX houve um fluxo de escravos libertos indo e vindo do golfo da guiné trazendo elementos, informações e pessoas para constituir a tradição de Orixá (Òrìṣà) aqui no Brasil, dessa forma as coisas não foram feitas de improviso, nem de memória, foram estruturadas.

É ilusório achar que a religião aqui foi organizada apenas baseada no que os escravizados lembravam, isso seria impossível, somente os mais jovens e inexperientes na religião eram trazidos como escravos.

Processo similar ocorreu em Cuba com o culto de Orixá (Òrìṣà), mas lá as mudanças foram muito mais profundas em relação a origem e as mudanças e criações que os cubanos fizeram foram muito maiores abrangendo os mitos, teogonia e até a musicalidade. Lá em Cuba devido a uma lei que obrigava a uma responsabilidade contínua com o escravizado independente da idade (velhos), somente pessoas muito jovens foram escravizadas, não eram levados pessoas experientes de maneira que o conhecimento da religião entre os escravizados era de pouco a nenhum.

Dessa maneira não é verdade a estória que cubanos contam aqui de que foram para Cuba, milhares de Bàbáláwo e que estes estabeleceram o culto de Ifá lá. Isso de fato é mentira, só foi para Cuba gente muito nova e isso explica porque a tradição religiosa de lá ficou tão diferente. Os Bàbáláwo foram também uma introdução bastante tardia.

No Brasil, apesar de tudo, o culto a orixá (Òrìṣà) se estabeleceu com sucesso em formato e prática. Foi um estabelecimento pleno, em toda sua plenitude e conservamos razoavelmente bem a ligação com a religião e melhoramos eficientemente o culto. As casas integrando todos os orixá (Òrìṣà), o Xirê, a organização, estética, limpeza e até a musicalidade que temos são muito superiores a forma como o culto é feito no golfo da guiné pelas tradições locais de orixá (Òrìṣà) (RTY). 

Minha opinião é que o Brasil teve e tem muito a ensinar, os africanos têm é que aprender como fazemos aqui o culto de orixá (Òrìṣà) e copiar o que fazemos. Isso já ocorre de fato, o Candomblé exporta para outras tradições o seu formato de culto. Os cubanos vieram aqui para aprender sobre Orí, um culto que eles não sabiam nada. Os africanos vieram aqui copiar o nosso formato de Xirê, de casas com mais de um orixá (Òrìṣà), entre outras coisas. A escritora Stephania Capone, se dedicou a estudar e a documentar isso nos seus livros, a África que veio se encontrar no Brasil.

A religião tradicional Yorùbá (RTY), que tem um culto diferente do nosso e tem na verdade que aprender e copiar o que nossas tradições desenvolveram. Eles tem que copiar desde aspectos estéticos como também ritos e padrões de limpeza. Digo mais, nós não temos nada a aprender com eles, só eles tem que aprender com a gente e a presença da RTY aqui é inadequada.

Lembro a todos que o culto de Orixá (Òrìṣà) no golfo da guiné não é majoritário na população, hoje, na melhor hipótese e nas melhores regiões não deve passar de 30% da população e existem lugares onde foi superado pelas religiões abraâmicas. A religião ressurge lá muito mais para atender ao comércio religioso com o novo mundo do que através da fé real do povo nos orixá (Òrìṣà).

É relevante a quantidade de pessoas que são muçulmanas de fato e se apresentam como sacerdotes da RTY ou de Ifá apenas para poder fazer comércio de religião. Não existe fé de fato por trás de parte da prática religiosa nas regiões do golfo da guiné (Benin e Nigéria).

Desta maneira achar que o que é praticado na África é um modelo para nós é uma enorme bobagem.

É neste contexto é que devemos entender a reafricanização, também como uma forma de evolução do que já temos.

RESUMO PARCIAL
Para não nos perdermos vamos fazer uma “freada de arrumação”.
O que eu disse até aqui é que uma coisa é a religião Yorùbá, a visão metafísica de deus e do divino e outra coisa são os cultos e tradições religiosas que estabelecem como a religião é praticada.
Existem uma tradição religiosa no golfo do Benin e temos as tradições religiosas da Diáspora. A prática da religião está longe de ser uniforme na pequena área Yorùbá da Nigéria e Benin e as tradições da diáspora adotaram uma prática adequada à localização em cada local.
Não existe ligação, dependência ou referência entre a RTY e o Candomblé, são práticas religiosas diferentes de uma mesma religião.

ORIXALIZAÇÃO


Mas, apesar de todo esse histórico da preparação do estabelecimento da tradição de religiosa do Candomblé Ketu, não foi possível trazer para cá todos os cultos ou mesmo tudo da religião. A religião Yorùbá não é simples, ela é bem completa e sofisticada e é composta de vários cultos separados que lidam com especializações diferentes da religião e além disso eles estão bastante integrados com a cultura e sociedade.

Algumas coisas foram impossíveis de vir e o que se estabeleceu aqui no Brasil, foi a tradição de orixá (Òrìṣà). Não quero com isso, mais uma vez, dizer que existe qualquer prejuízo na nossa prática e muito menos que a prática no golfo do Benin seja a mais completa, como já disse, lá é tudo regional e a prática não é uniforme, ainda mais hoje em dia no qual a religião tradicional é absolutamente minoritária. O que é feito no golfo está muito longe de ser referência para qualquer um.

Para entendermos o que eu digo, como partes que não vieram, em termos de culto, teríamos que falar extensivamente sobre isso e, mesmo assim, podemos chegar à conclusão de que, essas diferenças, não tem relevância real por serem práticas específicas ou outras que somente têm sentido naquela sociedade e não na nossa.
Eu acredito que houve um sentido real na tradição ter se estabelecido no Brasil da forma e formato como foi. As pessoas tiveram muito tempo para fazer isso e certamente discutiram o que fazer e decidiram fazer da maneira como foi.

Como eu já falei, as sociedades são diferentes, os valores são diferentes a ética é diferente, não se traz cultura de um povo, não se leva cultura de um povo para nenhum outro lugar.

Na criação da tradição religiosa afro-brasileira ocorreu um processo que eu chamo de orixalização da teologia e teogonia, no qual partes desses conceitos religiosas que foram omitidos, esquecidos ou apenas não trazidos foram substituídos por orixá (Òrìṣà) na função que seriam de um outro Inrumolé (Irúnmọlẹ̀). 

Inrumolé (Irúnmọlẹ̀) é o nome Yorùbá para espíritos e divindades é um nome geral. Orixá (Òrìṣà) é um tipo específico de divindade, um tipo que está ligado às pessoas, são os protetores das pessoas (ver isso no Odù oxéotuwa) e Inrumolé (Irúnmọlẹ̀) é o nome geral das divindades, principalmente aquelas que não tem a função de ser um orixá (Òrìṣà).

O contexto metafísico Yorùbá não é composto apenas de orixá (Òrìṣà) existem muitas outras divindades com atribuições diferentes e que compõe e rico contexto religioso. No processo de introdução da religião aqui ocorreu uma simplificação desse contexto e praticamente tudo ficou relacionado aos orixá (Òrìṣà). Estes que tem a missão específica de suportar nossa vida no Àiyé como ministros de Olódùmarè, acabaram resumindo nele todo o contexto metafísico da religião, a própria figura de Olódùmarè somente foi introduzida tardiamente.

Essa orixalização foi, dessa forma, um processo massivo de simplificação da teogonia, com efeitos sobre a teologia. As divindades se resumiram a orixá (Òrìṣà) e estes assumiram funções que seriam de outros criando assim, no orixá (Òrìṣà) uma concentração de poder e atribuições.

Certamente essa não é uma opinião unânime e muita gente pode entender diferente, mas, é o que penso.

A partir principalmente da década de 90 a religião passou por um ciclo de aquisição de novas informações, que não foi por acaso. Juntou a abertura da sociedade para o Candomblé e deste para a sociedade com a entrada de pessoas com educação formal de mais alto nível e também o acesso dessas pessoas a literatura internacional com mais informações sobre a religião.

A qualidade da informação em geral mudou, com Verger e outros autores de língua estrangeiras e com a redução da importância dos primeiros pesquisadores nacionais, como Nina Rodrigues, que não adicionavam qualidade ao contexto religioso.

Hoje em dia, os versos e mitos Yorùbá são mais conhecidos, assim como, o entendimento da teologia e da teogonia devido a mais pessoas terem estudado a religião com mais intimidade e esse conhecimento ter chegado até nós. Verger foi um dos precursores disso, da informação de boa qualidade já que muito porcaria foi e está sendo produzida. 

Dessa maneira, um dos aspectos positivos da reafricanização é quando desfazemos o processo de orixalização que a religião sofreu e restauramos a teologia com os personagens originais, seja através de adotarmos a narrativa correta como também o Inrumolé (Irúnmọlẹ̀) correto.

Um exemplo do processo de orixalização é Olókun. Este orixá (Òrìṣà) é muito importante na religião e seu culto não foi trazido ao novo mundo. Mesmo lá no golfo do Benin, ele assume uma sobreposição de funções no culto religioso em relação a outros orixá (Òrìṣà). Em Ifé é um orixá (Òrìṣà) feminino mas no restante da região Yorùbá é masculino. É considerado o orixá (Òrìṣà) primordial das águas, de todas as águas do mundo e sua origem e importância vêm a teogonia dos Bini, um povo distinto dos Yorùbá. É possível que tenha sido um culto “importado” pelos Yorùbá dos Bini.

Olókun esta, absolutamente, ligado a fartura e prosperidade. No Odù Ìworì Méjì no verso que narra a partida de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) do mundo, o verso diz que ele atravessa o domínio de Olókun (o oceano) para chegar ao órun (Ọ̀run).

Aqui no Candomblé o seu culto não foi trazido. Ele é orixá (Òrìṣà) e não faz parte das divindades do Candomblé. Ele não é desconhecido, as pessoas sabem quem é, mas isso não as faz localizar no dia a dia do seu culto.

Aqui suas forças e domínios (mar) se confundem com Iemanjá (Yemọjá), por exemplo que é um orixá (Òrìṣà) predominante em Obeokuta. Para acomodar essa superposição com Iemanjá (Yemọjá) foi estabelecido que Olókun seria o domínio do mar profundo e de Iemanjá (Yemọjá) a costa, as águas rasas, mas isso é absolutamente uma acomodação local.

Essa acomodação de Iemanjá (Yemọjá) com a beira do mar possivelmente esta ligada a necessidade de conviver com Óxun (Ọ̀ṣun) que aqui no Candomblé ficou com as águas doces dos rios. Mas lá no golfo Iemanjá (Yemọjá) é também um orixá (Òrìṣà) de água e de rio. 
 
Vale alertar que estudando essa questão de orixá (Òrìṣà) de água ela não é de forma alguma simples, vários orixá (Òrìṣà) feminino estão ligados a água na região Yorùbá e são normalmente cultuados em locais diferentes. Existe uma palavra yorùbá para generalizar esse tipo de orixá (Òrìṣà), porque são vários, eles são chamados de ọlọ́mọwẹ́wẹ́.

Como eu disse antes e afirmo, existem muitos orixá (Òrìṣà). Na diáspora houve essa concentração e simplificação, reconheço que foi útil, mas, trouxe consigo esse processo de orixalização. Quando a gente se aprofunda na religião verifica que:
  • Existem muitos orixá (Òrìṣà).
  • Existem inrumolé (Irúnmọlẹ̀) que não são orixá (Òrìṣà).
  • Os mitos com os inrumolé (Irúnmọlẹ̀) são um pouco diferentes.
No processo de formação de nossas tradições, Óxun (Ọ̀ṣun) recebeu alta relevância (que de fato têm) e sua ligação foi estabelecida com as águas e com o Rio e Iemanjá (Yemọjá) foi designada para ter uma ligação com o mar. Olhando para a origem Yorùbá isso lá não é assim, Iemanjá (Yemọjá) é ligada com águas de Rio também, mas Iemanjá (Yemọjá) e Óxun (Ọ̀ṣun) têm cultos principais em regiões diferentes. O mar é considerado como ligado a Olókun, que na verdade domina todas as águas e não somente o mar profundo.

Neste caldo poderia incluir ainda Oya que lá nos Yorùbá também é associada com um Rio, mas em regiões distintas de Óxun (Ọ̀ṣun) e Iemanjá (Yemọjá) e, aqui, essa referência aquática, não existe. Nanã foi outro orixá (Òrìṣà) possivelmente importado dos Jeje, Dahomey, que aqui coube as águas barrentas, a água primordial que em princípio é de Olókun , o orixá (Òrìṣà) da água primordial.

Aqui, depois da orixalização, Olókun é conhecido e lembrado e tem ligação com o alto-mar, Óxun (Ọ̀ṣun) ficou ligada às águas doces e rios, sobrou para Iemanjá (Yemọjá) o mar costeiro, perto da praia. Creio que as lagoas ficaram com Nanã, não lembro se tem isso, mas as águas barrentas sem dúvida nenhuma.

Como podem ver é muita especialização para uma água só!
Não podemos também desprezar que mesmo aqui a importância dos orixá (Òrìṣà) é distinta, assim na Bahia Iemanjá (Yemọjá) assume uma importância maior, tudo lá é Iemanjá (Yemọjá), e aqui no Rio, outro centro importante do Candomblé a pedominância é de Óxun (Ọ̀ṣun), que é o orixá (Òrìṣà) mais importante e mais aqui no Rio as pessoas querem ser de Oxun mas não de Iemanjá (Yemọjá).

O objetivo não é detalhar isso, apenas mostrar que isso existe. Isso é apenas uma amostra do resultado na nossa tradição de termos reunido e concentrado em um mesmo culto orixá (Òrìṣà) que lá nos yorùbá são cultuados em regiões diferentes. Lá eles tem muitos orixá (Òrìṣà) e são regionais assim eles separam isso naturalmente. Nós unimos tudo isso e, além disso, acomodamos influências externas e sincretismos internos com outras tradições religiosas como a do Candomblé Jeje, que apesar de distinto influenciou e foi influenciado pelo Candomblé Ketu.

Nosso processo de consolidação teve que lidar com isso e acomodar essas junções e diferenças. Por essa razão que digo que não podemos comparar e questionar as nossas tradições versus a tradição religiosa Yorùbá. 
 
Esse pessoal que vai na África fazer turismo religioso e volta de lá cheio de especialidade e conhecimento criando canal e rádio no Youtube para aparecer de especialista sem ter conhecimento e experiência para isso e fica dizendo como os cultos são feitos na África, são apenas uns ignorantes em fraldas e que não tem ideia do que foi o processo de formação da nossa tradição religiosa própria e o que fizemos para acomodar em um mesmo culto influências de várias regiões e etnias.

Ai eu afirmo, que porcaria de RTY é essa que aqui adota um formato de culto de vários orixá (Òrìṣà) em uma mesma casa? Imitando o que nossas tradições desenvolveram ao longo de anos? A RTY é acima lá? Duvido só se também copiaram a diáspora.

RESUMO PARCIAL
Como parte do processo de formação da tradição local, uma casa reuniu orixá (Òrìṣà) de diferentes regiões e que no golfo do Benin tinham importância diferente em regiões diferentes. Muitos deles, lá no golfo, tem similaridades em relação ao objetivo do culto e finalidade de ser recorrer a eles.
Essa acomodação levou a necessidade de mudar as especialidades e domínios de cada um para acomodá-los no mesmo culto e mesmo assim existem sobreposições evidentes.
No geral a acomodação levou a pequenas alterações no entendimento dos orixá (Òrìṣà) que pode ter incluído transformar orixá (Òrìṣà) em qualidade de outro orixá (Òrìṣà) aqui.

Outro aspecto da orixalização que temos que abordar é que a religião tem em sua teogonia mais divindades do que somente orixá (Òrìṣà), como já falei, orixá (Òrìṣà) é um tipo especial de divindade, as divindades gerais são os inrumolé (Irúnmọlẹ̀). Os inrumolé (Irúnmọlẹ̀) assumem na teologia e teogonia funções específicas não ligadas a cuidar das pessoas, dessa forma, como repito sempre, orixá (Òrìṣà) cuida das pessoas.

Aqui no Brasil (como em outros países) os orixá (Òrìṣà) assumiram a predominância em tudo e substituíram, em geral, os inrumolé (Irúnmọlẹ̀). Esse é o principal processo de orixalização, houve uma redução de orixá (Òrìṣà), houve uma concentração deles em uma mesma casa e eles substituíram os inrumolé (Irúnmọlẹ̀), eles passaram a ser os “atores” de toda a teologia. 

Essa orixalização foi acompanhada de uma revisão de mitos para acomodar a participação do orixá (Òrìṣà) e não do inrumolé (Irúnmọlẹ̀) original, dessa forma, algumas interpretações mudaram. 
 
Cabe aqui comentar uma diferença bastante significativa nas tradições do Brasil e de Cuba, isso é minha observação. Não sei exato o aspecto histórico, apenas posso deduzir por poucas referências, mas, o Lukumi de Cuva se caraterziou por ter muitos orixá (Òrìṣà) de “comida”, orixá (Òrìṣà) que eles não tinham culto e iniciação e mantiveram a referência e a presença em oferendas. Dessa maneira os lukumi parecem ter implantado uma teogonia maior, mas, isso é ilusório, eles apenas mantiveram referências sem ter informações melhores, mais profundas e precisas do culto a esse orixá (Òrìṣà). Mesmo a parte de oferenda é uma adaptação aos recursos deles.

Um autor cubano é muito direto em dizer que em Cuba eles fazem bem, ou de fato, é Iemanjá (Yemọjá) e erinlé (ou oxossi) e que, todos, os demais que eles iniciam tem processos muito “parecidos” com esses.

O Candomblé, por sua vez, com pequenas exceções estabeleceu o culto dos orixás que de fato inicia, com ritos próprios e diferenciados e não tem essa figura de orixá (Òrìṣà) “de mesa”. Existem alguns orixá (Òrìṣà) que são conhecidos, falados e citados, mas isso não os inclui nos ritos, basicamente existe a informação, mas se as pessoas não têm “as folhas” elas não os incluem.

Isso é uma diferença importante e relevante, muita gente não entende isso e acha que os cubanos do Lukumi tem mais variedade do que nós, na verdade é o contrário, tudo deles é muito menor, menos detalhado e mais distante do original Yorùbá.

Acredito que o processo de criação do Candomblé, com as idas e vindas dos libertos contribuiu enormemente para essa questão de qualidade e aproximação com os Yorùbá. Veja por exemplo a parte oral, rezas e cantigas. Nos cubanos tudo parece uma rumba.
O processo de reafricanização positiva que eu mencionei é quele que restaura as partes da teologia e teogonia da religião original, adicionando informação e conteúdo e sem afetar a forma como o culto e a nossa tradição religiosa foram construídas.

É um processo de informação, enriquecimento e restauração sem afetar a nossa própria construção prática.

Espero que essa longa introdução tenha servido para nivelar o conhecimento dos processos que estão envolvidos nessa explicação. Falar que Iemanjá (Yemọjá) não é e nunca foi Iya Orí é fácil, mas, compreender baseado no que faço essa afirmação é mais difícil.

RELAÇÃO DE ORIXÁ COM ORÍ


Quando buscamos na teologia que está documentada atualmente a construção de Orí, não existe nenhuma menção a orixá (Òrìṣà), muito menos a Iemanjá (Yemọjá).

Antes de seguir, mais um parêntese é necessário. É claro que pessoas podem questionar a literatura que documenta a teologia, sim, tudo pode ser questionado, ainda mais se você não concorda. 
 
As referências que uso são de autores conhecidos, muitos deles da religião, que na minha avaliação tem conteúdo consistente com o que eu sei e lógica intrínseca nas afirmações que fazem, cujas as informações são confirmadas por outros autores e estes não me pareçam estar diretamente ligados entre sí e usem como referências versos e não apenas afirmações que dependam apenas de acreditar neles.

Mesmo assim, claro, tem gente que poderá concordar, de forma que não tem jeito, a unanimidade pode ser impossível e cada um faça sua avaliação.

Em primeiro lugar eu procurei entender a teologia em torno de Orí, consultando muitas referências e isso me permitiu construir um modelo baseado em versos documentados. Nenhum verso de Ifá liga Iemanjá a Ori. Ori é Ori. Uma consulta também a relatos de tradição oral, feitos por Nigerianos e Beninenses, não mostra nenhum tipo de ligação de Iemanjá com Orí. 
 
Os mitos de Ori são claros em relação a origem e o processo de criação, o envolvimento de Olódùmarè, de oxalá e de Ajalá. Eu lamento muito que muita gente hoje em dia fale sobre Orí sem saber nada disso, sem ter obtido informações mínimas ou ter conseguido entender o que leu.

O Candomblé foi muito pródigo e ter mantido o culto de Orí e disponibilizado para todos os seus seguidores, é possivelmente a principal cerimônia do Candomblé, mais importante do que a própria iniciação. 
 
O culto a Orí não existia no Lukumi cubano, eu constatei isso no início deste século, ninguém la sabia nada disso. Eles vieram aqui aprender para reproduzir e vender a cerimônia. Mesmo os africanos do golfo do Benin, pouco sabiam e o culto lá era muito restrito. Orí é uma coisa que as pessoas vêm atrás do Candomblé para fazer direito. Quem quiser acreditar que acredite, ninguém falou isso para mim, eu vi isso.

Apesar de bem equacionada a liturgia do Bori, aqui no Candomblé se desenvolveu uma relação com Iemanjá (Yemọjá) e com Oxalá (Òṣàlá). As duas são resultados dos processos que eu citei anteriormente, de que os inrumolé (Irúnmọlẹ̀) foram substituídos por orixá (Òrìṣà) e que mitos foram alterados ou criados para acomodar isso.

Essa acomodação não prejudicou a liturgia e nem a sua aplicabilidade, apenas era uma referência inadequada. O que abunda não prejudica, na maior parte dos casos. Com o processo de reafricanização positiva, pudemos entender isso e corrigir o entendimento com os mitos corretos, mas, mesmo assim, mesmo sabendo dos mitos de Orí as pessoas ainda insistem com essa ligação e chamam Iemanjá (Yemọjá) de Iya Orí.

Vejam isso é um erro, Iemanjá (Yemọjá) não tem nada a ver com Orí. Mas as pessoas que falam isso apenas seguem o que a orixalização introduziu.

Reginaldo Prandi relata explicitamente esse processo que eu chamei de orixalização do culto. Ele diz “Ajàlá está esquecido no Brasil, tendo sido substituído por Iemanjá, a dona das cabeças, a quem se canta, no xirê, quando os iniciados tocam a cabeça com as mãos para lembrar esse domínio, e na cerimônia de sacrifício à cabeça (Bori), rito que precede a iniciação daquela pessoa”

Existe um mito regional do culto de orixá (Òrìṣà) que diz o seguinte:

"Quando Yemoja veio do orun [mundo ancestral] para o aiye [planeta Terra], ao chegar descobriu que cada Òrìsà já tinha seu domínio na terra dos homens, e nada havia sobrado para ela. Queixou-se a Olodumare [deus criador], que disse a ela ser seu dever cuidar da casa de seu marido Obàtálá [rei das roupas brancas], de sua comida, de sua roupa, de seus filhos. Yemoja se revoltou. Ela não tinha vindo do Orun para o aiye para ser dona de casa e doméstica. E tanto falou, tanto reclamou, que Obàtálá foi ficando perturbado, até que finalmente enlouqueceu. Ao ver seu marido[nb 9] nesse estado, Yemoja pensou na atitude que Olodumare iria ter com ela quando chegasse do Orun. E procurou os melhores frutos, o óleo mais claro e encorpado, o peixe mais fresco, o iyan mais bem pilado, um arroz bem branco, os maiores pombos brancos, o obi mais novo, o melhor atare, ekuru acabado de cozinhar, ori muito bom, os igbin mais claros, orógbó macio, água muito fria, e com isso tratou a cabeça de Obàtálá. Ele foi melhorando com os ebós, e um dia ficou completamente curado. Olodumare chegou do Orun para visitar Obàtálá. Falou à Yemoja que havia visto tudo o que acontecera, e deu-lhe os parabéns por ter curado tão bem a cabeça de seu marido. Dali para frente, Yemoja iria ajudar os homens que fizessem más escolhas de ori [destino, força vital], a melhorar suas cabeças, com uma oferenda determinada pelo oráculo de Ifá, através de Orunmilá [deus do destino dos homens].

Como eu falei, sempre deve existir muito cuidado com fontes. A origem deste mito é da região de Obeokuta e nessa região o culto a Iemanjá (Yemọjá) é proeminente. Pessoas dessa região, como o excelente autor Baba Tunde Lawal, nos seus textos atribuem enorme importância a Iemanjá (Yemọjá) sobrepondo-a a outros orixá (Òrìṣà) em função e importância.

Eu comentei sobre isso no início deste texto e é por esta razão que toda aquela introdução é necessária, vocês tem que entender os diversos processos que existem em torno da religião. 
 
Diferente daqui onde temos um padrão no entendimento dos orixá (Òrìṣà) em todos o país independente da tradição, lá o culto é muito regional e, em cada região, as pessoas dão relevância ao orixá (Òrìṣà) da região, não existe como aqui orixá (Òrìṣà) nacional.

Da mesma forma como em Ifé (Ilé Ifẹ̀) o mito da CRIAÇÃO mundo foi acomodado (alterado) para incluir a participação de Odùduwà é natural que as pessoas busquem um papel mais relevante para o orixá (Òrìṣà) principal da sua regia da teologia.

O mito é bem mal feito. Iemanjá (Yemọjá) nunca foi esposa de Oxalá (Òṣàlá). Olódùmarè não vêm ao Àiyé. Iemanjá (Yemọjá) enche o saco de Obatalá até esse enlouquecer (?!) e depois ela o cura e fica assim sendo cuidadora das cabeças? Só se fosse uma psicopata. Aliás a fama de Iemanjá (Yemọjá) é estar ligada a pessoas de cabeça ruim, doidas, deve ser por isso que ninguém quer ser de Iemanjá (Yemọjá).

Eu desconsidero esse mito citado. É muito ruim.

A ligação com Oxalá (Òṣàlá) também é em substituição a Ajalá. Oxalá (Òṣàlá) molda o corpo humano completa, com cabeça inclusive, mas o Orí Inú é feito por Ajalá, um inrumolé (Irúnmọlẹ̀).

Ao entender corretamente a teologia, conforme está em versos de Ifá documentados por Wande Abimbola, uma vez feita a escolha do Orí o papel de Ajala se encerra. Ele não faz outro Orí e muito menos corrige o que foi feito. O processo de correção é feito no Àiyé através do oráculo e de oferendas, o Bori, é o Bori que corrige as imperfeições.

A menção de Ajalá e Oxalá (Òṣàlá) no Bori é apenas um respeito a eles que participaram da nossa criação.

Eu já ouvi Babalorixa, mal informado, dizendo em cama de Bori: “que ajala lhe molde um bom ori...” Infelizmente isso é apenas desconhecimento dele, não tem nada de grave. Está fazendo uma liturgia, muitas das vezes corretamente, sem entender os dogmas. Como esta no Odù Ogbe Ogunda, Ajalá já moldou e o acaso ou a falta de preparação podem levá-lo a escolher um Orí ruim.

Uma vez moldado o Ori, Ajala não vai mais fazer nada com o Ori. Acabou. O cuidado deve ser antes de escolher o Ori como está no Odù Ogbe ogunda.

Não quero abalar as crenças de todos, mas, um pouco de calma em generalizações. Uma delas é a de que Oxalá (Òṣàlá) seria pai de todos e Iemanjá (Yemọjá) mãe de todos.

A referência a Oxalá (Òṣàlá) pode ser justificada pelo fato dele ser o criador do corpo de todos, mas, é só isso. Cada pessoa esta ligada a um orixá (Òrìṣà) e é esse o orixá (Òrìṣà) importante na vida dela. Na verdade a gente está ligado a esse orixá (Òrìṣà) e ao nosso Orí, que é o nosso anjo da guarda. Orí é uma definição um pouco complexa, enquanto divindade pessoal, o anjo da guarda pessoal, Enikeji, junto com o orixá (Òrìṣà) são os que são significativos na nossa vida.

Esse conceito de pai de todo e mãe de todos é absolutamente sem qualquer referência real. Não existe vínculo de Iemanjá (Yemọjá) com Oxalá (Òṣàlá) e muito menos nosso com Iemanjá (Yemọjá) a menos que ela faça, de fato, parte de nossa vida.

Igualmente o Candomblé, pelo menos o Ketu, não tem o conceito de termos Pai e Mâe espiritual. Nós temos o nosso Orí, nosso Orixá (Òrìṣà) e um orixá (Òrìṣà) ajuntó, um segundo orixá (Òrìṣà) principal que nos acompanha. Contudo não existe divisão de gênero e ambos pode ser do mesmo gênero. Assim sendo não existe o conceito de orixá (Òrìṣà) pai e orixá (Òrìṣà) mãe, isso é inexistente.

No caso do Candomblé Ketu temos ainda o chamado “enredo” que são outros orixá (Òrìṣà) ligado a pessoa devido a laços dela e de qualidades. Não sei como isso é tratado em outras tradições religiosas da matriz afro-brasileira (jeje, Batuque, Xangô (Ṣàngó), etc..), mas no Ketu que está ligada a raiz religiosa Yorùbá é assim como eu disse. Não existe Pai e Mãe.
Nossa relação é com nosso orixá (Òrìṣà), com Orí, com o Ajuntó e em bem menor grau com o “enredo”.

Uma pequena pesquisa na internet vai retornar dezenas de resultados ligando a Umbanda a esta questão de Pai e Mãe espiritual e até mesmo, pasmem, orixá (Òrìṣà) de frente e juntó. Em se tratando de Umbanda isso tudo ai é absolutamente impensável, infelizmente a Umbanda tem um problema sério de identidade e fica querendo imitar o Candomblé sem ter nenhum vínculo com ele.

Na Umbanda existe essa consideração de Oxalá ser pai de todos e Iemanjá ser mãe de todos. Mas a Umbanda nada tem haver com o Candomblé e com Orixá (Òrìṣà).

Como curiosidade, informo que o Lukumi entende que cada pessoa tem um orixá pai e um orixá mãe. É por isso e por outras que quem já viu diz que eles parecem uma Umbanda