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sábado, novembro 08, 2008

A religiosidade Yorùbá no Candomblé e Ifá A questão das trocas entre o ọ̀run (órun) e o àiyé

A religiosidade Yorùbá no Candomblé e Ifá

A questão das trocas entre o ọ̀run (órun) e o àiyé

Existe uma questão que sempre me perseguiu e talvez aconteça o mesmo com outras pessoas que estejam preocupadas com a religiosidade em si, aquela que deve estar presente nas pessoas que praticam uma religião.
Essa questão é a capacidade que deve ter o crente (aquela pessoa que diz professar aquela religião e que frequenta uma casa, igreja, templo) de qualquer religião em poder responder a uma pergunta muito simples, talvez a coisa mais elementar que é: O que ele faz dentro da religião? Qual a finalidade dele na religião? O que a religião traz para sua vida? Como a religião se incorpora na sua rotina diária? Qual o benefício de ter uma religião.
Parece um coisa muito simples de ser respondida por uma pessoa que se diz sacerdote, seguidor ou crente de uma religião, principalmente quando essa pessoa tem o objetivo de explicar isso para uma pessoa que não faça parte desta mesma religião. Não se trata de proselitismo. Um crente tem que ter a capacidade de motivar ou de explicar as suas motivações para um não crente, não com a intenção de convencer o outro a adotar a sua religião, mas, pelo menos, conseguir explicar os seus motivos nessa religião.
É claro que vou apresentar aqui a minha versão para isso e basicamente, é esta a questão de fundo que motiva tudo o que eu estou escrevendo. Contudo, antes disso, gostaria de explorar um pouco mais esse drama. Sim, o drama, no qual se transforma essa questão.
Eu penso que é muito normal a uma pessoa que está dentro de uma religião ter a capacidade de se expressar sobre os motivos que a levam a estar lá e que benefícios a religião traz à sua vida de uma maneira que, não só a pessoa pode explicar sua opção, como também, convencer outras desse caminho.
Não considero que essa seja uma questão culta, acadêmica ou teórica. Pelo contrário, acredito que estamos lidando com a questão mais simples que uma pessoa religiosa pode se confrontar.
A minha decepção é observar que isso é algo muito simples quando lidamos com evangélicos, católicos e muçulmanos, mas, quando estamos lidando com o Candomblé e com a Umbanda isso se torna, sem exagero, um transtorno mental. Deixando de lado a boa vontade e simpatia e se concentrando na argumentação em si, eu, até hoje, ouvi muito poucas, raríssimas, pessoas, que podiam se explicar sem caírem em lugares comuns, frases decoradas que não convenciam nem elas mesmas do que estavam fazendo.
Por exemplo, no caso do Candomblé qualquer resposta depois de alguns segundos de silêncio, uma expressão perplexa e aquele olhar profundo e perdido.... resulta em umas frases como: Eu amo meu orixá (òrìṣà) ou meu orixá (òrìṣà) é tudo para mim, O orixá (òrìṣà) é quem me dá caminho, etc... Nada de errado com essa manifestação de fé e carinho muito apropriadas a uma religião iniciática onde o orixá (òrìṣà) deve desempenhar um papel muito exemplar no imaginário do seguidor, mas, de forma nenhuma serviriam para explicar a alguém o motivo daquilo tudo ou convencer a sim mesmo do que está fazendo na religião.
No caso da Umbanda, o mais comum é a velha definição de que ela está ali para ter uma evolução espiritual, mas, prosseguindo com mais perguntas sobre o mesmo tema, não se consegue que a pessoa defina com clareza o que é esta evolução espiritual para ela.
Responder a primeira pergunta sobre um assunto exige um muito pouco de conhecimento e muitas vezes serve como resposta, até mesmo uma embromação, mas responder 3 ou 4 perguntas sucessivas sobre o mesmo assunto, aprofundando o tema, exige saber de fato o que se está falando. Assim, me transtorna um pouco ver tanta fé nas pessoas, se dedicando dias e noites a uma religião sem que se pudesse perceber se elas sabiam o que as mantêm ali.
Atenção, de novo, isso não pode ser um paradigma. Não podemos dizer que é complicado demais para as pessoas sem cultura ou formação, como as que eram e ainda são encontradas no Candomblé (isso tem mudado muito). Isso é apenas um estereótipo preconceituoso, e uma simplificação grosseira para justificar comportamentos inexplicáveis. Os evangélicos são uma população equivalente, em termos de classe social e educação (aliás muito piores porque para exercer uma religião daquelas só sendo muito idiota) e, estes, tem um domínio muito grande da sua religiosidade e também da sua teologia.
Vocês podem estar imaginando: e daí?
Qual a significância em se saber definir isso em palavras se o que importa é o que está no coração? Claro, essa é uma boa fuga para essa questão, mas, se fosse assim mesmo, só uma questão de se expressar oralmente, eu tenho certeza que a gente não veria tanta gente deixando o Candomblé e a Umbanda para se transformar em Evangélicos, deixando anos de dedicação para trás, sem significado nenhum e acreditando de fato que na Igreja conseguiu se encontrar com Deus, como já ouvi e li o relato de muitos. Sério, não estou exagerando. Não estava buscando definições acadêmicas ou formais, estava buscando apenas uma explicação que me convencesse de fato.
E mais, conversei com várias pessoas para entender como era a vida religiosa dela depois da sua iniciação ou mesmo para aquelas não iniciadas e que apenas frequentam um terreiro. Para meu espanto, fora a presença em obrigações aquilo era sempre um grande vazio interno sem explicações ou entendimentos. Aquela rotina de prática religiosa, se transformava em significado final da religião.
Vejam, estar presente em obrigações ou no seu terreiro fazendo tarefas domésticas não significa necessariamente que se está tendo uma vida religiosa. Existem muitos religiosos que vivem enclausurados em igrejas e conventos, mas, o trabalho doméstico é apenas uma necessidade em relação vida em comunidade, elas dedicam muito do seu tempo a religiosidade pessoal ou coletiva. A maior parte a rotina que envolve a presença em terreiros se traduz apenas em suporte às tarefas domésticas de uma casa compartilhada e não em prática religiosa.
Mas o que eu esperava obter?
Como já disse resposta simples, sinceras e que refletissem o envolvimento da alma daquela pessoa com a religião que ela adotou, que fosse uma coisa tão simples e natural e ao mesmo tempo calorosa que desse a quem ouvia a vontade de também participar daquela vida e crença religiosa. Que me permitisse compartilhar uma visão otimista da religião tornando as pessoas em seres humanos melhores.
Mas porque essa decepção?
A falta de orientação religiosa
Olha muitos motivos existem. O primeiro deles, sem dúvida, é a falta de formação e orientação religiosa dos ditos “sacerdotes” de Candomblé. De Umbanda então nem pensar. Eles abrem a boca para se auto nomearem sacerdotes de uma religião sem ao menos terem uma conduta consistente que justifique o emprego desses termos, seja o de sacerdote, seja o de religião.
Além disso, apesar de nossos inúmeros esforços em caracterizar de forma diferente, o Candomblé está hoje muito mais para uma religião de magia ou uma prática de magia do que uma religião. Como religião a sua prioridade são os ritos e liturgias e esse tema domina a formação e a preocupação das pessoas. Só o rito importa, só a forma e fazer melhor do que outro e saber mais ritos e segredos litúrgicos transforma aqueles pseudo-sacerdotes em pessoas melhores.
A qualificação de um sacerdote virou apenas o seu domínio por ritos e estes nem sempre podem ser totalmente associados a ritos religiosos. O dia a dia é dominado pela prática da magia para a obtenção de favores, para a correção de erros sem um questionamento do mérito de quem pede ou da moral do que é feito.
Tenham em mente que a prática do Candomblé envolve de fato as consultas ao oráculo, as liturgias posteriores a essa consulta e a realização de ritos e liturgias nos membros (obrigações) mas a vida em uma religião ou casa religiosa (terreiro) não pode ser resumir a isso. Antes de seguir vou explicar isso.
É um fundamento desta religião que a aliança que temos com deus, a nossa arca da aliança, é que deus nos ajuda e suporta em nossa vida. Antes de nascermos vamos a deus que pedimos para nascer de novo e explicamos qual será o nosso objetivo nessa vida. Olódùmarè, deus, nos concede a vida e nos dá instrumentos para vivermos e atingirmos nossos objetivos. Ele criou também os orixá (òrìṣà) para nos suportarem e serem o elemento de ligação com ele.
A aliança que temos com deus, Olódùmarè, é que vivemos para sermos felizes e que temos que ser pessoas boas, corretas e honradas, temos que ter um caráter exemplar e sermos úteis para a sociedade que vivemos.
Dessa forma a religião nos ensina e serve como esse elemento de reunião entre nós e os orixá (òrìṣà) e além disso existe um oráculo para que possamos nos comunicar com deus, com as divindades, com nosso anjo da guarda e ancestres para obter orientações e pedir ajuda. A existência de um oráculo e dos orixá (òrìṣà) deixa claro que nesta religião não existe essa visão de onisciência e onipresença de deus, como outras pregam.
Como parte da aliança de deus com a nossa vida feliz, o oráculo serve de instrumento para recebermos as bençãos de deus e ele indica que tipo de manipulações mágicas do supernatural devem ser feitas para podermos ter ajuda em nossos problemas. Essas manipulações das forças do supernatural são os ebós, trabalhos e liturgias que são feitos nos terreiros como consequência da consulta aos oráculos (búzios ou ifá).
Dessa maneira um terreiro é um lugar onde, como expliquei, podemos nos reunir com os orixá (òrìṣà) através dos Xirês, quando eles vem ao àiyé e podemos “vêlos” manifestados e ter contato com eles e receber suas bençãos (axé (aṣẹ́)). Também é onde podemos consultar o oráculo e fazer as manipulações mágicas do supernatural.
Um terreiro é deste forma um local com muito mais atividade religiosa do que um templo ou igreja e a razão disso está fundamentada nos princípios da religião. O terreiro faz o que faz porque a religião assim a demanda.
Tenho que lembrar a todos que uma das coisas que torna essa religião tão mais atrativa é esse sentido que temos nela contato com o divino, nós interagimos com os Orixá (Òrìṣà). As divindades não são figuras remotas que vemos em imagens ricamente decoradas, o Candomblé não tem imagens para representar Orixá (Òrìṣà). Imagens não fazem parte do nosso relicário, se alguma casa coloca imagens é apenas porque quer, as imagens de Orixá (Òrìṣà) não fazem parte de uma casa. Eles são representados por seus símbolos uma vez que eles estão constantemente presentes no nosso meio.
As preces que fazemos não são falas que se perdem no silêncio sem nenhuma resposta. Nós nos comunicamos com o nosso divino e somos atendidos. Nós temos o oráculo e a presença de Orixá (Òrìṣà), que no candomblé de raiz yorùbá não fala mas gesticula.
Dessa maneira os terreiros são lugares simples, mas, sob o ponto de vista religioso são um ponto de encontro real e efetivo do crente com a sua religião e tem funções muitos maiores do que outros templos, tem uma utilidade prática muito maior e muitos mais atividades litúrgicas.
Explicado isso fica mais fácil de entender um dos objetivos de uma religião que é o de nos ensinar a usar o supernatural e nos conectar com o divino. O Candomblé e seus terreiros dão pleno significado a essa definição, fica bem evidente entender porque a religião é necessária e porque não basta apenas acreditar em deus. Você precisa de todo o conhecimento da religião para primeiro, entender a proposta de sentido de vida que ela te oferece, isto é, o entendimento que esta religião te oferece para entender o supernatural e o significado dele, em nossas vidas, e depois te conectar com o divino através do oráculo e dos Xirês e, por fim, executar os procedimentos de manipulação do supernatural.
Claro que a base para tudo isso é entender que existe um supernatural, um divino, acima de nós, que essas energias e divindades podem ser acessadas e manipuladas e que deus quer que sejamos felizes em nossas vidas.
Aqueles que não acreditam no supernatural e no divino são os ateus e, claro existem religiões que não se propõe ou não entendem que existem energias a serem manipuladas. Na verdade as religiões que dizem que você apenas deve rezar não estão totalmente erradas, de fato rezar é um importante elemento de conexão com o divino e com o supernatural, o hermetismo e a alquimia já falaram disso, mas, existem formas também mais efetivas do que apenas rezar.
Depois de toda esta explicação espero que tenha ficado claro que ter um oráculo e fazer os ebós é parte importante e fundamental de uma casa religiosa de Candomblé e que isso esta alinhado com a base religiosa e tem como objetivo nos ajudar em nossa vida.
A tradição de atender pessoas comuns, que não fazem parte da casa, para o oráculo e ebós é comum, antiga e não é nenhum absurdo. A religião está aberta a todos, não existe motivo para um sacerdote deixar de atender que precisa porque Olódùmarè é deus para todos nós. O atendimento de consulentes sempre foi uma forma também de sustentar o terreiro. Dessa forma não existe nenhum tipo de restrição a isso.
Tem religiões que tem dízimo e recolhem contribuições no culto. O Candomblé não faz nada disso, mas, atende a pessoas com problemas na vida.
A execução das chamadas obrigações religiosas também faz parte da religião, são necessárias para a formação de sacerdotes. A pessoa para poder ser um intermediário entre os Orixá (Òrìṣà) e nós e fazer as manipulações energéticas do supernatural (ebós) tem que se preparar para isso.
Eu tenho um texto no blog que fala sobre essa questão de necessidade de obrigações e iniciações, de forma que, procure esse texto para saber minha opinião a respeito disso.
Dessa forma, fechando o assunto, ter um oráculo em funcionamento, fazer ebós e fazer obrigações são atividades importantes e necessárias de um terreiro de Candomblé.
A questão que trago aqui é que além disso um terreiro também é um lugar de formação religiosa, de transmissão de valores de formação humana. Tem que ser um lugar onde as pessoas vão também rezar e vão aprender o que a religião tem a oferecer para elas na sua formação do caráter ideal. É um lugar onde as pessoas têm que ir para conhecer qual é a proposta de visão transcendente para nossa vida na terra.
É nesse aspecto que os terreiros falham completamente. Eles se focam totalmente na primeira parte que descrevi, na prática da religião e deixam sem significado esta segunda parte que é o que as igrejas e templos se concentram porque não tem a primeira parte.
Um outro aspecto que deriva do foco apenas na primeira parte, da ação, é o desvio das funções de um terreiro e de seu dirigente da religião para se focar apenas nos ganhos é a ação sobre a espiritualidade.
Em Ifá o odù que nos traz ensinamento sobre isso é o odù IKA MEJI. O entendimento desse odù explica perfeitamente o que ocorre nos terreiros. Ika Meji é a inspiração religiosa, é a respiração profunda antes de rezar, é o acumular do axé (aṣẹ́), é quem lembra que a reza e palavra através dos oriki, versos de odù, provérbios, etc..) são o cavalo do oro o axé (aṣẹ́) não manifestado. Ika Meji fala do axé (aṣẹ́) latente do próprio ser que pode ser usado para crescer ou destruir.
Existem 2 signos filhos que representem bem esta situação, Ika Ogunda e Ogunda Ika. O primeiro representa esta essência de Ika meji, a de se concentrar na espiritualidade e religiosidade para acumular o axé (aṣẹ́), a ponto entre o ọ̀run (órun) e o àiyé, o equilíbrio, enquanto que ogunda ika é seu oposto quando a ação predomina a espiritualidade e se sente dificuldade em se conectar com o divino. Em ogunda ika a pessoa se perde em ações e se afasta do divino.
É o que ocorre em terreiros que apesar serem o ponto de contato com Orixá (Òrìṣà), se ocupa massivamente na atividade do oráculo, na execução de ebós, obrigações e no desvio disso, a prática mágica sem ética voltada para o enriquecimento pessoal.
Esse assunto, o da prática mágica aética ( na maior parte das vezes) e da ritualística é o que domina qualquer conversa envolvendo os praticantes e sacerdotes. Uma visita ao “dial” do rádio deixa isso bem claro. Encontramos programas católicos – poucos – evangélicos – muitos - e os de Candomblé. Enquanto nos primeiros existe uma preocupação com a pregação da palavra de Deus, do verbo, para os últimos é apenas uma hora de comércio e relacionamento.
Desta maneira a religião que existe e na qual se baseia o Candomblé se perde e é esquecida. Os conceitos religioso, a teologia e a teogonia ou mesmo a coisa mais simples, que é como eu iniciei qual o sentido para isso na vida das pessoas, o que esses sacerdotes pensam que estão trazendo para essas pessoas que os seguem, são apenas fragmentos, não ligados, que são ditos com brevidade, sempre, mais no sentido de mostrar que existe um fundamento maior por trás de tudo, a religião de fato, mas que ele nunca explica (não sabe o que falar), servindo apenas como uma isca ou como um elemento para despertar curiosidade e respeito. As pessoas entram na busca desse conhecimento que nunca vem, ai abandonam a religião, porque racionalmente reconhecem que esta religião tira delas mais do que dá.
A grande responsabilidade por isso é a própria formação dos referidos sacerdotes, voltada para o rito e o ganho pessoal através da prática da religião.
A preocupação por criar essa orientação religiosa, de fato, não existe e como a gente sempre diz, que só se pode dar aquilo que recebe, eles pouco ou nada tem a dar. Os que se incomodam com isso acabam usando os conhecimentos que adquiriram de outras religiões como o catolicismo ou o do Kardecismo para terem algum discurso religioso. Esse discurso passa então a ter nenhuma relação ou vinculo com sua própria religião. Além disso a prática mágica indiscriminada e sem ética e moral e que visa o seu ganho financeiro próprio acaba retirando dele todo o sentido de ética e moral que qualquer religião deve ter. Como essa pessoa vai pregar, ensinar ou cobrar algo de seus seguidores se a sua prática diária esta envolvida em fins que são completamente não éticos?
Mas muitos podem se levantar contra essas palavras e dizer que nem todos são assim, simples feiticeiros e que sua prática mágica e litúrgica tem sim uma base ética. OK, como em tudo existe exceção vamos aceitar que de existem esses grupos, mas, mesmo para esse grupo as afirmações principais se sustentam: a falta de orientação da base religiosa, a valorização da prática mágica e litúrgica.
A realidade do Candomblé é que apesar de ser uma tradição de uma religião de fato, de os seus ditos sacerdotes terem alguma noção disso e eles se autodenominarem sacerdotes e religiosos, a formação religiosa deles é nenhuma. Dessa maneira a sua capacidade de transmitir religiosidade para outros é igualmente nula. O que eles transmitem são ordens comuns, bom senso baseado em conveniência própria e conceitos religiosos que aprenderam de outras religiões basicamente a católica e espiritismo, que no fundo vira mais um sincretismo porque se junta com alguns conceitos que eles aprendem da religião africana.
No caso da Umbanda é um pouco distinto, porque a Umbanda é apenas uma prática ritual de fato, e a religião por trás disso pode ter muitas origens, sendo que a mais comum é o espiritismo que deriva do catolicismo. Como o espiritismo Kardecista é bastante doutrinado e codificado a tarefa dos seus sacerdotes é bem simplificada, mas igualmente mal executada.
Mas deixemos de lado um pouco essa questão que é farta de assunto e exemplos, e na minha visão indefensável para voltarmos para o praticante individual.
A vida religiosa de um praticante é então dominada pela ritualística e submissão hierárquica com pouco ou nenhuma orientação religiosa. Sua dedicação é dominada pela participação em obrigações próprias, de outros ou coletivas onde o seu papel varia de nenhum a algum. Toda a iniciativa ritual em um terreiro é dominada por poucos, um ou dois na maior parte das vezes cabendo aos demais o papel de figuração ou coro.
A rotina religiosa é repleta de festejos que criam assim um direcionamento estético e vaidosa para a presença da pessoa uma vez que não tendo ela um papel ou não consumindo o seu tempo com reflexões religiosas essa pessoa passa a dedicar o sei tempo ao culto do seu Ego e da sua vaidade no que faz. A vaidade é o que domina o Candomblé hoje.
A troca de favores usando o Órun (ọ̀run) e o Àiyé
Chegamos, por fim, a talvez uma das questões mais primárias disso tudo que é o contínuo processo de troca entre o ọ̀run (órun) e o àiyé, que domina o dia a dia das pessoas.
Esclarecendo a todos o Órun (ọ̀run) é o espaço supernatural e o àiyé é o espaço natural. O Órun (ọ̀run) é o lugar onde habitam os espíritos e o àiyé é basicamente o mundo terreno.
A troca significa que no àiyé as pessoas procuram através de liturgias e oferendas oferecer coisas esperando receber em troca disso favores dos espíritos do Órun (ọ̀run).
Isso é como os católicos que fazem promessas para obter favores em troca de penitências (aqui uma relação de sofrimento, no qual o Órun (ọ̀run) católico exige que a pessoa sofra e se puna para atendê-la?) ou os neo-pentecostais com sua doutrina de teologia da prosperidade, na qual deus “em pessoa” vai atender a tudo o que eles pedem, inclusive as maldades que pedem colocando nomes e fotos das pessoas dentro da bíblia.
As trocas, então, não são uma exclusividade de nenhuma religião e sim na natureza humana.
No Candomblé, este mecanismo domina tanto, a visão da pessoa que se associa a uma casa, como também a forma como a sociedade vê as casas e isso é muito ruim. É no mínimo curiosa a mentalidade que se constrói de que os espíritos e divindades no Órun (ọ̀run) estão ali, ávidos por receberem ebós e rapidamente, a troco de umas bolas de farinha ajudar as pessoas no àiyé.
Sem dúvida a visão do mundo de cada religião é distinta e isso direciona a forma como as pessoas vivem. Se você olha uma religião reencarnacionista e cármica como o budismo e kardecismo, por exemplo, que pregam que viver é um sofrimento e você nasce, na realidade, fazendo um “curso” de sofrimento para não mais renascer, esta pessoa vai pautar sua vida justamente seguindo esta sina, de “viver” essas dificuldades para que elas não apareçam mais e também sendo forçosamente caridosos para acumular pontos positivos nessa vida.
Eu acho que o budismo deve fazer um bom trabalho nas pessoas, buscando o melhor delas, apesar de eu não gostar da filosofia como um todo. Mas o Kardecismo não tem filosofia do budismo e se caracteriza pela orientação à caridade, na maior parte das vezes não sincera, como uma obrigação de vida. Contudo, o que eu quero dizer aqui, mais uma vez, e enfaticamente, é que a prática sincera de uma religião direciona a forma como as pessoas vivem e como encaram a sua existência.
A religião Yorùbá tem como característica dizer para as pessoas que elas nascem para ser felizes e elas devem viver felizes. Ela também reconhece que o mundo tem muitas dificuldades e coloca o divino, através de orixá (Òrìṣà) e outros espíritos disponíveis para ajudar as pessoas a vencer os obstáculos que as impedem se ser felizes.
Desta maneira o Candomblé tem esta veia assistencialista na sua estrutura. Mas o objetivo disso não é no que isto se transformou na prática. A religião quer as pessoas felizes e ela suporta isso através do equilíbrio e reposição de axé (aṣẹ́), que é a forma como a religião entende que você obtêm as condições para ter condições para resolver seus problemas. A religião entende que a pessoa deve ter energia, uma boa cabeça para tomar boas decisões, um bom caráter, ética e sorte na vida. Mas acima de tudo a religião diz que a pessoa deve ter boas pernas, porque sem boas pernas você não realiza nada.
A visão dela é muito direta, nós temos que resolver nossos problemas, o preguiçoso não vai ter nada na vida. Não adianta você se sentar e esperar que as coisas ocorram, se você quiser realizar alguma coisa faça algo por vocês. Se quiser ter dinheiro, trabalhe, se quiser comer, plante, se quiser resolver problemas e conflitos busque a solução. Não existe incentivo para a preguiça, para a leniência e para a pessoa resolver seus problemas com trocas e feitiços.
Existe uma frase muito boa que diz que seu orixá (Òrìṣà) não vai impedir que você chore suas lágrimas, mas, estará junto de você para enxugá-las. As trocas entre o Órun (ọ̀run) e o Àiyé existem, sempre com este sentido de dar a você as melhores condições para realizar, trabalhar, ter saúde, ter determinação e também para eliminar dificuldade ou negatividades que não lhe pertencem.
Se você passa anos plantando e regando um problema, você vai colher o seu problema. O que saiu da sua mão é seu, usufrua dele. Não adianta esperar ajuda divina para uma coisa que você mesmo criou para você. Mas, existem situações que não nos pertencem, existem problemas que não procuramos, existem negatividade que nos são direcionadas por outras pessoas por sentimentos que não fomos responsáveis diretos e nem por nossas ações.
Essas coisas, que não nos pertencem e que não cultivamos, são as coisas que são mais facilmente resolvidas pelo sistema de troca.
Mas, o ser humano é muito obtuso e muito focado em seus objetivos. A maior parte não está interessada em “viver” sua religiosidade. A vida do praticante do Candomblé é dominada pelo sentido de alia naquela casa ela estará próxima deste processo de troca contínua de bens e favores entre o ọ̀run (órun) e o àiyé com o objetivo de resolver todos os seus problemas materiais.
O supermercado religioso do Candomblé é a tônica principal da compreensão que se estabelece do que seja a religião dos orixá (Òrìṣà) e isso é tão forte que permeia o grupo dos frequentadores e mais, se alastra por toda a sociedade. As casas da religião são rotuladas como casas de trabalho, lugares onde se paga para resolver problemas e, na maioria delas sem muita ética envolvida.
Assim, baseado no fato de que a pessoa é dedicada ao seu orixá (òrìṣà), que vai no seu terreiro para varrer o chão e passar roupa, ela entende que é merecedora de favores do plano divino. Oferendas e ebós são os elementos de troca que buscam dar coisas para que a pessoa receba em troca favores, que vão resolver o seu problema, trazer benefícios e criar atalhos para a sua vida.
A questão do comportamento, do mérito como base para se poder alcançar algo na vida ficam sempre para segundo (ou nenhum) plano. Entende-se que o processo mágico das oferendas ou de obrigações é o mais do que necessário para se obter o que precisa. Entendesse que uma pessoa que faça seu orixá vai ter que receber em troca emprego, dinheiro e uma vida melhor. Se isso não foi alcançado é porque o sacerdote que procurou é ruim, seu santo foi mal feito, etc...
O mais incrível é a pessoa entrar para uma religião que ela imagina que as divindade que ela acha tão maravilhosa se vendem por um punhado de grãos para fazer qualquer coisa, ou mesmo, que ficam lá sem ter o que fazer a não ser facilitar a vida das pessoas aqui no àiyé.
O merecimento, ou a falta dele, é sempre lembrado como motivo para justificar o não benefício, geralmente por quem vendeu a liturgia para o favor ser atingido. Nessa hora a pessoa não obteve porque não merecia. Mas nunca lembrado quando o contrário ocorre, quando o benefício é atingido, nesse momento o mérito é de quem fez a liturgia. A medida do sucesso na obtenção de benefícios e prosperidade é a que justifica a permanência de alguém em uma casa. Se as coisas não vão bem elas se vão.
Afirmo que este é um desvio da religião. Ela não existe com essa finalidade e essas almas pobres que assim se situam estão completamente perdidas em relação ao o que é a religião. Não tenho dúvida que esta distorção de visão começou quando as pessoas começaram a comercializar o axé (aṣẹ́). O que deveria ser uma coisa restrita para as pessoas de uma casa passou a estar à venda para quem pudesse pagar.
O sacerdote usando os conhecimentos a que tem acesso se transformou apenas em um feiticeiro, um fazedor duvidoso de favores. Na vida real, como no cinema, toda força mágica tem 2 usos, o do bem e o do mal. A comercialização de ebós e feitiços é apenas um mau uso disso, é o uso do lado ruim.
Um religioso, um sacerdote é uma pessoa do bem. Ele não pode se prestar a anunciar serviços mágicos ao alcance de qualquer pessoa.
Na minha visão uma religião baseada em um sistema de trocas é o caminho certo para o seu fracasso. As pessoas que se envolvem com uma religião como o Candomblé não podem viver com essa perspectiva. Uma religião não pode se focar ou incentivar esse comportamento porque jamais as pessoas vão se encontrar ou entender o que estão fazendo lá.
Mais ainda, a falta de estrutura religiosa que permita a frequência e participação de pessoas não iniciadas em terreiros junto com a contínua pressão para que todos sejam iniciados é um problema crônico que mais afasta do que aproxima.
O Candomblé não será uma religião se não criar categorias para diversos níveis de envolvimento e iniciação. Quando os terreiros tiverem que conviver harmoniosamente com pessoas que não querem ou que jamais farão o seu orixá (Òrìṣà) eles conseguiram enfim achar um caminho religioso para sia existência. Hoje essa convivência é um estágio intermediário no qual a pessoa é continuamente empurrada ou incentivada a trocar de status de abian para iyawo.
A manutenção de terreiros através de clientelismo religioso é mais um outro mal. Esse processo de troca entre ọ̀run (órun) e aiyé deve acabar e isto ser um bem intrínseco da religião e não explícito. O aspecto da troca esta presente em todas as religiões em maior ou menor grau. Você dedica tempo, fé e recursos e espera do ọ̀run (órun), do sagrado, um retorno para a sua vida. Isso é natural, mas, algumas religiões moldarem isso com sabedoria, como a católica outras transformaram isso na sua bandeira como os evangélicos, mas que junto com a promessa de benefícios traz uma enorme dose de doutrina, dogma, moral e ética.
A perspectiva materialista
Na umbanda e Candomblé isso fica quase apenas na perspectiva materialista. O principal exemplo desse paradigma é a Umbanda. Como já expliquei aqui antes a Umbanda por si só não se caracteriza nenhuma religião. È um processo de possessão voltado em princípio para ajudar outras pessoas mas que deve se basear em alguma doutrina religiosa, qualquer uma porque a prática da Umbanda exige mediunidade e não uma crença religiosa específica. Assim existem muitas umbandas, cada uma com uma combinação e entre comum apenas a incorporação com espíritos.
Os médiuns e principalmente os frequentadores se fixam sempre na solução de problemas da vida e materiais. A frequência é determinada por isso e todos os que ali estão querem resolver algo novo toda semana. “Macumba boa é aquela que funciona”. As respostas a pergunta chave geralmente se traduzem em algo do tipo que a pessoa está ali para elevação espiritual, mas essa resposta não sobrevive a uma segunda pergunta do tipo o que significa para ela essa elevação espiritual, como aquilo se traduzira na vida dela?
Esse problema não é exclusivamente do Candomblé. Esta muito presente também nos neo-pentecostais, contudo, apesar do muito excessos eles conseguem algum equilíbrio entre a realização espiritual e o sentimento de realização material. Tanto que as pessoa migram do Candomblé e Umbanda para eles.
Existe um tipo de pessoa e uma determinada faixa da população que coloca claramente essa questão material na frente da sua religião. Elas na realidade vão estar sempre buscando alguém que resolva os seus problemas e serão uma população migratória entre doutrinas e casas na busca de solução.
O circulo virtuoso
Eu poderia traduzir assim o círculo virtuoso. Uma pessoa que se dedica a essa religião deve encontrar base e orientação para através do contato com esse divino, através de exemplos e através de orientação, atingir um equilíbrio em sua vida na forma como a conduz e na forma como dedica o seu tempo para objetivos de realização. Equilíbrio é a principal palavra que traduz essa religião.
Uma pessoa religiosa é aquela que vive nesse mundo com a fé no divino. Uma fé forte e presente que a faz saber que sua vida existência está sendo submetida e é controlada por uma força maior do que a dos homens, por uma lei maior do que a dos homens. Assim essa pessoa vive com a convicção de que não esta sozinha nesse mundo, o divino no ọ̀run (órun) esta sempre a zelar por ele. Uma pessoa de fé sabe que o mundo e as coisas são controladas pelo divino e não pela mesquinharia dos homens.
Essa pessoa vai se transformar em uma pessoa melhor para consigo mesma obtendo equilíbrio na forma como vive sua vida e se dedica a seus objetivos com ética e caráter. O seu orixá (òrìṣà) e ori vão buscar não somente ajudá-lo nesse equilíbrio como também ajudá-lo a enfrentar as diversidades de sua vida, amenizando problemas, e tornando-o transparente para seus inimigos. A própria conduta dessa pessoa, equilibrada consigo mesmo vai evitar que ela cria inimigos para sí.
O seu ori vai protegê-lo dos ajogun, os males que estão nesse mundo e que fogem ao nosso controle. A sua boa conduta vai permitir que oportunidades de abram em sua vida, que ele as veja e que consiga se aproveitar delas. Os caminhos dessa pessoa se abrem através do seu mérito como pessoa e através da proteção do divino para aquelas coisas que não forem plantadas por você mesmo.
Você como uma pessoa melhor vai ter condições de ajudar sua família e trazer também para ela esse equilíbrio. Mais pessoas assim serão beneficiadas por sua ação. O benefício para a família é um dos principais objetivos que uma pessoa deve ter em sua vida, seja por mantê-la unida seja por vê-la prosperar.
Uma vez atingido esse estágio você tera condições de ajudar a sociedade que o cerca, tendo assim conhecimento e experiência para transmitir para outras pessoas, ajudando a transformar e melhorar o mundo em que vive.
Uma pessoa religiosa deve ter uma prática diária dessa religiosidade. A oração é o elemento de ligação entre o aiyé e o ọ̀run (órun). As palavras empregadas e sua repetição é o que o fazem. Uma pessoa deve de Fé deve estar ligada ao ọ̀run (órun) e deve ter em sua vida a prática da oração.
Além disso a pessoa que vive com Fé deve se lembrar desse divino ao longo do seu dia. Seja quando tem uma dificuldade seja quando algo de bom ocorre com ele porque o mesmo ouvido que serve para ouvir pedidos de proteção e ajuda também serve para ouvir agradecimento.
Uma pessoa de Fé deve ter uma prática religiosa diária e semanal para si que não dependa do sei terreiro para que ela busque através dessa ligação com o ọ̀run (órun) o equilíbrio e o Iwa pele que vão trazer tudo de bom para a sua vida.
Uma pessoa de Fé deve saber como se dirigir a seu orixá (òrìṣà) e Ori e como receber deles as mensagens que precisa para poder viver melhor o seu dia e vida.

sábado, julho 05, 2008

O que é Odù?

O que é Odù?
Primeiro, a palavra não significa destino. O significado desta palavra Yoruba é o de uma coisa grande para conter algo dentro, como um container ou uma grande cabaça. Esta, como outras palavras Yoruba, como àṣẹ (axé), pode ser usado com mais de um significado na prática.
Não existe nenhuma relação entre odù e números.
Isso é uma invenção, um sincretismo. Eu não vou tratar disso aqui, para mais detalhes:
http://olodumare-orunmila.blogspot.com/2008/04/rndnlgn-if-uma-questo-que-sempre-tenho.html
O primeiro é que são marcas gráficas, formadas por traços verticais. assim cada odu é formado por uma seqüência de traços duplos e simples ordenados verticalmente em 2 colunas. Um odù somente é representado por uma marca gráfica e jamais por um número.
Odù também é o nome dos poemas de Ifá, ou corpo literário de Ifá. Os poemas estão agrupados em conjuntos por cada Odù e cada um dos 256 odù pode ter até 16 conjuntos de versos. No mundo real essa quantidade é variável, porque não se possui todos os versos e muito menos os versos são os mesmo sempre, cada escola de Ifá pode ter seu conjunto próprio de versos. Assim quando alguém cita tal verso do odù tal, huuuum......, isso pode ser só do conhecimento dele rsrrs.
Por fim em termos metafísicos, odù são os símbolos sagrados que contêm o axé ( àṣẹ - força. força vital) de tudo na existência. Nas religiões e no mundo místico em geral existe uma similaridade em relação ao uso de grafismo ou de selos e signos para invocar poderes divinos forças sobre-naturais. Seu significado parece se assemelhar aos signos e selos cabalísticos, para quem os conhece. Eles são em sua representação gráfica mapas que traduzem o movimento dinâmico de energia e se identificam com forças primárias do mundo. Os Odù são como mandalas trancedentais que marcam as energias ativas e inativas que estão presente em uma determinada situação com um determinado indivíduo com grande precisão.
Tudo o que existe ou existirá nasce através de um Odù, a energia primária, incluindo os orixá (òrìṣà) e seus axé (àṣẹ). Odù é como uma cabaça de energia cósmica que é enviada por Olódùmarè e que será transformada através dos orixá (òrìṣà) no axé (àṣẹ) que vai transformar nossa vida ou que vai repor o que perdemos. É através do Odù que os orixá (òrìṣà) e nossa ancestralidade fala e se expressa. Ele é a linguagem e o poder original que o mundo espiritual se manifesta sobre nós e que vem em resposta a nossas questões de vida.
Odù é ao mesmo tempo o diagnóstico para os problemas que temos e a resposta para corrigí-los. A consulta a Ifá materializa as marcas gráficas através do babalawo, o mensageiro de Orunmila (Ọ̀rúnmìlà) e essa é a chaves para movimentar a energia do mundo.
O Odù é igual a homeopatia, por ser um diagnóstico da situação que você esta a tradução da usas mensagens ou significados pode representar o mal, ou como melhor chamamos a situação de desequilíbrio que o consulente esta passando, assim alguns associam o Odù a causa dos seus problemas. Não é verdade, ele é o espelho que reflete a sua situação de desequilíbrio de axé (àṣẹ). Ao mesmo tempo o Odù é o remédio para essa situação, ou seja, ele não é somente um símbolo que traduz uma informação ele é também a energia que se manifestará na vida da pessoa corrigindo os seus problemas. Dessa maneira o reflexo ou tradução do mal é o que também vai curá-lo. Você como uma pessoa culta conhece o princípio da homeopatia e vai entender esse minha metáfora de ponto de ônibus.
Como eu disse um odù é a resposta de Orunmila (Ọ̀rúnmìlà) a sua situação e dependendo do seu objetivo de vida e com a ajuda dos orixá (òrìṣà) vai socorre-lo. Essa energia primária vai ser usada pelo babalawo através dos ebó (ẹbọ) de ifa, que são diferentes dos de candomblé, e através do orixá (òrìṣà) que responderão naquele momento em seu auxilio, irão te ajudar.
Mas, MUITO mais do que ebó (ẹbọ) você tem que entender o que o odù diz o que esta errado em sua vida. Por isso que existem histórias, mitos, patakis, ésé para mostrar isso. O babalawo acima de tudo tem que trabalhar esse aspecto em você, fazer você entender o que esta acontecendo e a origem dos problemas para que você se ajude.
A solução de tudo vai depender de ações suas no sentido de corrigir comportamentos, forma de vida, decisões que você tomou, pessoas que você afetou, lugares que você vai, pessoas que você convive, etc... É claro que energias negativas que estão com você, omo arayie (obsessores), feitiços (ajé, oxo..) , etc. vão ser neutralizados, mas você deve ficar longe da fonte disso senão vai ser uma coisa interminável.
Assim, essa negatividade ou positividade que pode se traduzida pelo Odù, não ficam flutuando ai e te pegam por acaso. Esta é uma questão que as pessoas perguntam sempre, como aquele Odù pegou elas, ou quem andou aquele Odù para elas. Não é assim. Os seus atos e omissões, suas ações e forma de viver vão te trazer uma situação que será representada por um Odù naquele binômio causa-solução que eu expliquei. O Odù é a linguagem de Orunmila (Ọ̀rúnmìlà) para falar com a gente.
Orunmila (Ọ̀rúnmìlà) se manifesta através do odù, ele é o meio de comunicação e ao ser obtido por um babalawo ele já esta disponível e atuando sobre a vida de quem o consulta. Cabe ao babalawo através dos ẹbọ (ebó) e sacrifícios direcionar e controlar essa energia para que ela se manifesta da forma positiva que é sempre enviada. o Odù é sempre uma força básica, primária e sempre necessita ser direcionado através do babalawo e dos orixá (òrìṣà) que nos assistem.
Ao se sentar em oráculo e consultar Orunmila (Ọ̀rúnmìlà) se recebe um odù e a influência na nossa vida já é imediata. Este é o motivo que os babalawo dizem para se ter muito cuidado ao se lidar com odù. Não se deve invocar essa energia sem saber como manipulá-la, não se deve grafá-la sem o devido conhecimento, não se deve cantá-la sem saber o que se faz depois.
Para isso a pessoa que trabalha através de odù deve ter acumulado o axé (àṣẹ) para isso. Mas se estamos tratando de uma mesma religião de um mesmo olodumare e de uma mesmo Orunmila (Ọ̀rúnmìlà), qualquer sacerdote pode receber um odù porque esta é a forma de trabalho de Orunmila (Ọ̀rúnmìlà) .
Como ele influencia a nossa vida?
Primeiro, a figura teológica de nos colocarmos diante de Olódùmarè para escolhermos nosso destino, ou objetivo de vida, como se queira chamar, sendo que podemos ser atendidos ou não e recebermos dele outros objetivos, tendo Orunmila (Ọ̀rúnmìlà) como testemunha, é menos controversa e mais aceita.
Assim como também é pouco controverso o processo de escolhermos nós mesmos o nosso Ori na casa de ajala e essa escolha depender não da sorte mas sim do cuidado dos nossos ancestrais conosco. Mas, 2 pontos podem apresentar distintos entendimentos que é o caso do Odù & orixá (òrìṣà), vamos então voltar nisso.
Em relação ao orixá (òrìṣà) existem algumas visões sobre como se define que orixá (òrìṣà) você terá na sua vida. Eu acredito que seja um ponto não discordante o conceito de que o orixá (òrìṣà) faz parte do nosso Ori e temos apenas um.
Essa coisa de que a data de nascimento, tipo o dia da semana definir o nosso orixá (òrìṣà), é uma bobagem muito conhecida, assim como nós possuirmos um pai e uma mãe orixá (òrìṣà) ser outra bobagem. Esses 2 conceitos são enganos que são repetidos por muitas pessoas e tradições religiosas e muita gente os tem como verdade. Atenção, não são verdades. Outro mito que também vamos desconsiderar a visão de que seja por acaso, isto é, o orixá (òrìṣà) nos escolhe aleatoriamente, ou por simpatia ao nascermos.
Minha opinião é que podemos orbitar entre 2 visões. A primeira é que o orixá (òrìṣà) seria nos designado em função do objetivo que que escolhemos para nossa vida e que Olodumare aceitou. O orixá (òrìṣà) seria assim um elemento facilitador na nossa vida e as características do orixá (òrìṣà) virão a nos ajudar em nosso objetivo.
Outra visão é o orixá (òrìṣà) ser um reflexo de ancestralidade, ser uma herança hereditária. Assim se somos filhos de um Orí de um orixá (òrìṣà) com um Orí de outro orixá (òrìṣà) nossos filhos seriam também ligados a um ou outro orixá (òrìṣà). Essa cadeia de vinculo poderia se estender um pouco mais distante nas ancestralidade mas o orixá (òrìṣà) dos descendentes seriam o reflexo dos seus predecessores. Como uma herança genética. Esta visão não cria uma repetição contínua do mesmo orixá (Òrìṣà), pelo contrário em função da sua ancestralidade pode haver uma variação significativa nos orixá (Òrìṣà) de cada novo Orí.
Eu não tenho ainda um opinião mais firme sobre isso, prefiro a segunda apenas pelo aspecto de poder preservar a característica de o orixá (Òrìṣà) ser uma facilitador na nossa vida mas também reforçar a família e a linhagem familiar, mas, nenhuma dessas visões implica em nenhum problema ou atrapalha qualquer coisa.
Tanto podemos ter um orixá (òrìṣà) que nos ajude como qualquer orixá (òrìṣà) de família iria nos ser tão útil em qualquer missão de vida quanto outro, porque, essa coisa de especialização de orixá (òrìṣà) em funções, não é bem assim na prática e que também podemos sempre a recorrer a qualquer orixá (òrìṣà) independente de qual seja o nosso orixá (òrìṣà) original.
Temos que lembrar que o orixá (òrìṣà) mais importante é o nosso ORI, é ele que esta antes de qualquer orixá (òrìṣà) e para nós é mais importante do que qualquer orixá (òrìṣà) inclusive o nosso próprio, aquele que faz parte do nosso Orí.
Um outro ponto novo é a inclusão do Odù nesse processo. Isso pode ser menos concensual. Como existe um Odù de nascimento, que raramente conhecemos porque ele só será verificado no nascimento, nós temos que reconhecer que temos uma influência de um Odù em nossa vida, um Odù nato.
Se vamos nos iniciar religiosamente nós receberemos outros Odù. Assim na iniciação do Iyawo se determina qual o odù daquele iyawo. Dessa forma como a iniciação é um novo nascimento, ganha-se um novo Odù de nascimento. Será sempre um odù meji porque é assim que o Candomblé o faz. Essa informação acaba sendo pouco usada mas é uma informação relevante e somente irá aparecer no processo da feitura do iyawo.
Para o Babalawo é a mesma coisa. Ele irá ter um Odù como Awo e o mesmo ou outro como Babalawo. Ai pode surgir a questão, mas para que tanto odù? Afinal qual é o odù?
A resposta é muito simples: Estamos em todos esses casos lidando com a mesma coisa e com a mesma finalidade. No caso do babalawo o odù é o signo divino que marcará a sua vida como awo, como sacerdote, ressaltando as suas qualidades e defeitos, as coisas que fará melhor e também as coisas que não deverá fazer, ou seja, as coisas que vão trazer axé (àṣẹ) para ele ou vão tirar axé (àṣẹ) dele.
Um sacerdote de ogbe-ogunda estará alinhado com o seu odù, ou seja, atraindo axé (àṣẹ) quando estiver ajudando o ori de outras pessoas a encontrarem o seu rumo de vida, ou quando estiver ajudando essas pessoas a a afastar ou a controlar a influencia das ajé que forem invocadas contra ela, etc..
Fazendo isso ela vai estar realizando aquilo para o qual o seu Odù foi destinado. Se procurar fazer outras coisas ela vai estar trabalhando em áreas ou atividades menos afins à energia do seu odù e talvez assim perca mais axé (àṣẹ) do que ganhe.
Os odù se incorporam na vida das pessoas para então ajudar na condução dos seus objetivos de vida. Dessa maneira um Awo de Ifa recebe um Odù porque essa energia, essa marca lhe será util na condução de sua vida religiosa, vai ajudá-lo.
Observe que foi o mesmo motivo que levou o Odù a ser designado para o nosso ori antes de virmos ao mundo. É devido a esse paralelo que eu acho que sim, recebemos um odù antes de nascermos e esse odù é para ajudar a realizarmos os nosso objetivos de vida.
O que faz uma explicação factível é ela ser coerente. Assim os processo são similares, o odù que recebemos antes de nascermos é como o odù que o sacerdote recebe. Enquanto o sacerdote recebe um Odù para ser sia marca espiritual ajudando-o e orientando-o nesse caminho, o Odù que recebemos ao nascermos é a mesma coisa para a nossa vida. Temos um objetivo a realizar e o Odù nos dará a mesma coisa.
A mesma coisa vale para o orixá (òrìṣà). O orixá (òrìṣà) que temos é muito importante na vida religiosa que vamos levar. Mas veja, uma coisa é o orixá (òrìṣà) para uma pessoa comum, laica, outra para um sacerdote, uma pessoa que se iniciou para levar a diante uma missão diferente da vida comum.
Todo mundo que esta no meio sabe que o sacerdote de cada orixá (òrìṣà)) é diferente, a casa de cada tipo de orixá (òrìṣà) é distinta e ao mesmo tempo semelhante entre si e o tipo de pessoas e problemas que um sacerdote de um determinado orixá (òrìṣà) atrai para si esta muito ligado ao próprio orixá (òrìṣà), ao axé (àṣẹ) desse orixá (òrìṣà).
Assim, Odù é uma energia que recebemos para nos ajudar em algo.
No caso de uma consulta a Ifa é a mesma coisa. Ao consultarmos Ifá recebemos um Odù, aquele odù ira temporariamente ajudar aquele consulente nos problemas que ele tem, não necessariamente aqueles que ele veio resolver, mas o que Orunmila (Ọ̀rúnmìlà) entende que ele tenha.
Dessa maneira eu considero que o ciclo fecha e os fatos tem coerência com o conceito. Isso pode voltar a uma questão que me pareceu presente na sua postagem, o que é um Odù. Veja, de novo, Odù é uma energia primária, elementar que orunmila, ou olodumare que é quem tem poder para gerar uma energia desse tipo nos envia através de Orunmila (Ọ̀rúnmìlà).
Odù não é uma divindade adicional. Odù não é como Oxun, Xango, Oxala, Ogun que são elementos ativos que manipulam àṣẹ (axé).
Reforçando o que já escrevi: Odù é uma energia primária que vem para o aiye através de uma consulta a Ifa. Ela será conduzida e canalizada para o benefício do consulente através dos orixá (òrìṣà) e através dos procedimentos que o Babalawo irá realizar. Essa energia para nos beneficiar de forma precisa, benéfica e rápida (no seu tempo) precisa de um operador qualificado.
Os orixá (òrìṣà) se utilizam dessa energia do Odù para atuarem sobre nós de forma que o odù vai ser então convertido nesse axé (àṣẹ)) deles.
Por essa razão eu não vejo como útil essa procura de que orixá (òrìṣà) corresponde a que odù. Muitos orixá (òrìṣà) trabalham com muitos Odù. Em relação aos Odù meji, que são apenas 16 então fica muito difícil dizer quem não pode trabalhar com que odù.
Okanran é um odù de Exu? E se eu disser que é através de Okanran meji que nós chamamos Xango? Que odù é o de Xango, ou diferente que Odù Xango não se apresenta? A mesma coisa para Oxalá ou Oxun.... E Orunmila (Ọ̀rúnmìlà) esta em todos.
Assim o meu entendimento é esse Odù não é uma divindade uma agente ativo de olodumare. Os orixá (òrìṣà) e irunmoles o são. Eles atuam sobre nossas vidas, seja nativamente ou seja porque precisamos. Os orixá (òrìṣà) são os elementos que vão trabalhar e canalizar a energia dos Odù para nós.
Eu sou sempre muito cuidadoso em comparações, mas, não posso deixar de informar que um conceito muito similar existe no ocultismo e na Kabalah. Existem energias vindas de Deus, energias primárias que são invocadas através de rezas e signos e que são trazidas para o nosso benefício ou em nosso socorro, assim, não estamos lidando com algo completamente sem referência. Esse é um conceito que é facilmente aceito por outros estudiosos de ciências ocultas ou místicas. Por isso que eu acho que tem sido tão popular mundialmente.

domingo, junho 22, 2008

Serão os Òrìṣà (Orixá) elementos da natureza ?

Serão os Orixá (Òrìṣà) elementos da natureza ?



NÃO! ELES NÃO SÃO!!
Este texto é um pouco extenso, mas, trata de um assunto importante que principia o entendimento desta religião. Apesar de extenso ele tem muita informação, da forma como foi estruturado, quando mais você ler mais você vai saber sobre o assunto, mas em qualquer ponto que parar você já vai ter entendido a minha posição.
A motivação de eu escrever sobre este assunto é que existe um conceito generalizado que associa os òrìṣà (orixá) a elementos da natureza no sentido literal (e não figurado) de forma que cada òrìṣà (orixá) é dito ser um elemento da natureza.
Esta, é uma bobagem que está sendo repetida milhares de vezes e que com isso acabou virando uma verdade para muitos, principalmente aqui nas tradições da diáspora. Estou aqui dando minha contribuição para acabar com isso, porque, depois de me debruçar sobre esse assunto, analisando referências teológicas e, mais ainda, versos de Odù, eu tenho uma opinião completamente divergente e gostaria de apresentar aqui.
Assim principiando, pessoas quando questionadas sobre a religião ou mesmo sobre òrìṣà (orixá) iniciam afirmando que o Candomblé é uma religião ligada da natureza e que os òrìṣà (orixá) são a própria natureza ou, elementos grandioso desta natureza, como água, terra, pedra, fogo, trovão, vento, etc….
Isto está errado. De fato não são muitas pessoas que conhecem bem a religião e essa tem sido a saída mais fácil para as pessoas responderem aquilo que não sabem. Não precisa fazer muito esforço, vai ser muito fácil encontrar este ideário em livros ruins e na internet em textos copiados e mal produzidos.
Assim, repetindo o posicionamento deste texto, pessoas descrevem para outras que os òrìṣà (orixá) são os elementos da natureza, mas, isso é um engano. Esta é minha posição e vou explicar aqui neste texto.
A minha conclusão após avaliar esta situação é que este erro ocorre por diversos fatores. O principal é que é fruto de um sincretismo religioso, equivocado, entre religiões que não guardam semelhança. É uma forma equivocada de compara ou tornar equivalentes diferentes religiões feito por pessoas levianas. Por fim, e mais importante ainda, é uma parte do grande processo que houve, inclusive entre os ditos estudiosos, de desprezar a religião Yorùbá e em função da dificuldade ou do preconceito para entendê-la de fato.
Podemos encontrar e ter que aceitar uma posição, por exemplo de que os òrìṣà (orixá) seriam ancestres, pessoas que foram divinizadas e desta forma pais da nação Yorùbá. Podemos também entender que mesmo em vida eram pessoas poderosas dotadas de forte poder mágico e que os permita manipular alguns elementos primários da natureza, mas, jamais podemos confundir os òrìṣà (orixá) com elementos da natureza.
Alguns podem neste momento questionar: Por que estou eu aqui querendo questionar isso? Minha resposta é simples, para que se possa de fato entender o que é esta religião e entender a sua proposta para tornar melhor a vida das pessoas.
Eu não tenho dúvida que entendendo o cosmo Yorùbá esta compreensão fica muito mais simples, assim como ficaria muito mais simples eu falar sobre esse assunto, mas, não podemos transformar este assunto em uma novela, de maneira que o Cosmo Yorùbá fica para outra oportunidade.
Mas, é importante entenderem que na religião Yorùbá existe uma divindade suprema, que esta acima de tudo e de quem vem toda a criação e manutenção dos seres viventes, ela é Olodumarê, o deus Yorùbá. Abaixo dele existe todo um mundo espiritual com divindades de diversos tipos e hierarquias. Um tipo muito especial e que nos interessa são os òrìṣà (orixá). Estas divindades têm como objetivo nos ajudar em nossa vida no mundo natural.
Nossa ligação com os òrìṣà (orixá) é muito íntima e todos temos na formação do nosso corpo físico um pedaço de um òrìṣà (orixá) que se torna então o nosso òrìṣà (orixá) e um dos nossos protetores. Temos, todos, um protetor principal que é uma divindade pessoal, que aqui no Candomblé chamamos de Ori. De fato, como muitas palavras Yorùbá, Ori. serve para muitos significados, mas, entendamos que um dos significados é de uma divindade pessoal e nossa protetora maior.
Em relação aos òrìṣà (orixá) existem 2 tipos principais. Existem os que são os òrìṣà (orixá) da criação, que já existiam antes do mundo natural ser criado por Olodumarê (da Gênese). Existem também os òrìṣà (orixá) filho, ou eborá, que surgiram depois e que normalmente são seres humanos divinizados. Sim, é muito importante entender isso. O ser humano por suas obras e importância para sociedade pode ser divinizado e se transformar em um òrìṣà (orixá), com mesmo status dos òrìṣà (orixá) da criação.
Ao se transformar em òrìṣà (orixá) ele irá também fazer parte do corpo das pessoas que nascem no mundo natural.
Aqui temos mais um conceito para entender, os Yorùbá entendem que existe um mundo espiritual que é um reflexo no mundo natural. As pessoas vivem no mundo espiritual e ciclicamente nascem (encarnam) no mundo natural. Ao nascer aqui elas necessitam de um corpo, esse corpo é produzido por um òrìṣà (orixá) e recebe elementos que vai individualizá-lo tornando cada indivíduo único.
Nesse processo de individualização o òrìṣà (orixá) fará parte. Assim, nosso espírito vive no mundo espiritual de forma independente de òrìṣà (orixá), mas, quando nascemos aqui no mundo natural um deles fará parte íntima de nossa existência e de nossa proteção para que possamos viver e atingir os nossos objetivos para essa vida.
Esses elementos que são agregados ao nosso corpo físico (orixá, Odù, Ori, alma, caráter e ancestralidade) nos transformam na pessoa que somos.
Nesta concepção errada que fazem de òrìṣà (orixá), Xangô virou o fogo e o trovão. Oyá virou o vento e o raio. Óxun virou a água. Os demais não sei bem o que viraram, essa criatividade sem pé nem cabeça para mais ou menos por ai. Mas a correspondência que esses malucos fazem de òrìṣà (orixá) e elemento da natureza é falha e confusa por si só.
Então veja, quem entende alguma coisa de òrìṣà (orixá), sabe que Ṣàngó (Xango) é um eborá, um òrìṣà (orixá) divinizado e não um dos òrìṣà (orixá) originais assim. Como ele poderia ser o fogo, o trovão ou um vulcão, que são elementos que existem desde o início dos tempos? O vento é ọya (óia) ? Mas ela também é divinizada, assim, o vento já existia antes dela ela, e ela não poderia ser o vento, uma força da natureza. Na Nigéria a sua história esta associada com um Rio. Ọ̀Ṣun (Oxun) é uma irúnmalẹ̀ (irunmalé) um òrìṣà (orixá) original da criação e poderia sim estar ligada com a água, mas ser a água? Jamais, ele está na realidade intimamente ligada com outras qualidades. Por fim, sem exaurir o estoque de bobagens, as pessoas dizem que Ọ̀Ṣàlá (Oxalá) é o ar, por que?
Nunca encontrei isso nos versos de Odu. Não existe nenhum lugar em versos que eu tenha lido, e já li muitos que faça uma mínima correlação disso.
Isso mais parece uma brincadeira de ligar coisas da coluna da direita com a da esquerda, assim coloque os òrìṣà (orixá) que você conhece na esquerda e os elementos da natureza que você conhece na direita, ligue agora um com o outro. Provavelmente vão faltar coisas de um lado e de outro ou mais de um estará ligado a mesma coisa. O que estou dizendo em palavras bem simples é, isso é uma bobagem.
Uma outra forma de ver òrìṣà (orixá) é através de uma divisão no qual existe 401 orixás da direita, que são forças boas e 201 da esquerda que seriam forças malévolas. O que significa essa frase? Vamos em partes. Primeiro entender Yorùbá não é apenas pegar um dicionário e traduzir. Existem muitas expressões e situações que fazem parte do povo e da cultura e que não se traduz, se explica.
Yorùbás não tem aritmética, números são substantivos. Para eles 200 não significa o número 200. O número 200 nesta frase significa o mesmo que “muita coisa” isso porque 200 é uma quantidade muito grande de coisas para se ter ou contar. Os Yorùbá não estão dizendo que existem 200 òrìṣà (orixá), eles estão dizendo que são muitos.
O número 400 quer dizer que existem muito mais divindades do bem do que do mal. Dessa forma, repetindo eles querem dizer que existem muitas “da esquerda” e muito mais ainda “da direita”.
E o número 1? O que significa? Ele quer dizer que esta quantidade não é precisa e que sempre está aumentando, sempre pode ter mais um, pelo processo de divinização.
Feita essa introdução vou ao ponto de dizer que na religião Yorùbá não existe um “Panteão” de deuses. Não é igual à religião grega que existem uma quantidade e qualidade específica de deuses com finalidades definidas. A quantidade de òrìṣà (orixá) varia e mais, é indefinida. O número é indeterminado pela simples razão que não faz a menor diferença a quantidade ou quais são.
Não existe esta definição usada aqui no Brasil de seriam 16. Por algum motivo histórico qualquer se estabeleceu que seriam 16, o que não é verdade, e que eles seriam fixos, todas as pessoas estariam relacionadas a um desses 16.
Isso não é uma verdade nesta religião! Não existe esta regra ou dogma.
Eu sempre tento separar muito bem o que seja a religião Yorùbá e o Candomblé, respeitando que nossa tradição pode ter tomado rumos distintos na sua prática e formato, mas, existe uma teogonia e teologia básica e dogmas que devem ser respeitados, senão isso não é uma religião é uma coisa qualquer.
Não existe no modelo religioso Yorùbá uma predefinição de quem são ou quantos são os òrìṣà (orixá). Podem ser mais ou menos, cada região que defina.
O Verger, que não era antropólogo e sim um fotógrafo francês rico fez um grande trabalho para nós quando mostrou o que havia na África de fato e jogou por terra um monte de literatura ruim. Ele estudou e documentou muita coisa mas não quer dizer que tivesse a maior propriedade de tratar de todos os temas. Ele disse que a religião Yorùbá era um politeísmo. Estava errado. Ele poderia ter usados várias classificações, essa, sem dúvida, era muito ruim e ajudou essa questão de panteão.
Pesquisadores observaram que o modelo adotada na região Yorùbá era mais próximo do que se pode chamar de um “monoteísmo justaposto”. Luis Nicolau Parés no seu ótimo livro “A formação do Candomblé”, coloca que “baseado na análise de Orikis dos òrìṣà (orixá) e dos versos de Ifá, Mckenzie concluiu que, fora o caso de Xango, Obatalá e a tríade de Ifá (Esu-Orunmila-olodumare), os cultos de òrìṣà (orixá) não apresentam quase nenhuma alusão verbal a outras divindades, sugerindo um relativo separatismo entre eles e a ausência de um panteão fixo ou estabelecido”.
Bingo!
Assim cada região ou aldeia praticamente tratava do culto de apenas 1 divindade, isso caracterizava um modelo quase de monoteísmos justapostos no qual vários “monoteísmos” se sucediam à medida que se caminhava pela geografia. Esta e uma explicação complexa e não definitiva, mas, serve para mostrar o tipo de prática que se encontrava lá.
Mckenzie foi muito preciso na sua observação, bem como na de que era Ifá quem trazia em seu corpo e prática a teogonia e teologia que dava estrutura à religião. O culto diário, a prática das pessoas era de fato a prática da religião de òrìṣà (orixá) e o modelo Yorùbá não se estruturava como montamos a nossa diáspora.
Quando buscamos outros autores sérios como Baba Tundelawal podemos ver que apesar de diferenças nas práticas regionais, nos nomes e na forma a estrutura religiosa Yorùbá se espalhava igualmente por toda a região Yorùbá. Cultos mudavam de nome, òrìṣà (orixá) trocavam de nome mas o espírito da coisa, a finalidade era a mesma e havia o Ifá unindo tudo isso.
Luiz Marins, pesquisador brasileiro fez sua tese classificando a religião de Orixaísmo evitando assim enquadrar a religião Yorùbá em uma das denominações existentes. Eu mesmo já abordei esse tema antes de ver essa definição de Mckenzie, fiquei feliz em ver que minhas observações e ilações não eram únicas e também divergentes do Verger e de outros que se somam chamando a religião de politeísta, considero que essa é a pior definição. Não cheguei ao ponto do Luiz Marins mas coloquei minha visão.
O processo de agregação de òrìṣà (orixá) foi tardio, foi feito pela diáspora e retornou para a origem. Aqui no Brasil certamente houve uma grande influência do Jeje para esse modelo. O Jeje diferente do modelo Yorùbá possuía um panteão, ou melhor alguns panteões. Esses panteões se combinavam, uniam e incluíam divindades de fora. Uma casa combinavam muitos Voduns. Ortodoxia nunca foi o forte no Jeje mesmo na África.
Na verdade era um modelo religioso bem menos consistente, mais disperso e mais primitivo do que o modelo Yorùbá. O modelo Yorùbá foi importado no início do século XVIII e enxertou a religião deles com Ifá, com a divindade suprema e com egungun, tudo isso ausente da religião jeje e estabelecida tardiamente como parte do modelo.
Aqui no Brasil o modelo Jeje só se manteve porque ficou à sombrada teogonia e do modelo litúrgico Yorùbá, dificilmente iria ter uma relevância maior sozinho.
A junção e agregação de várias divindades foi fruto da diáspora e da convivência com o Jeje que tinha uma abordagem completamente anárquica para tratar essa questão de divindades.
Na teogonia Yorùbá, quem traz a tríade Olodumarê-orunmila-esu é Ifá. É através dele que essa tríade passa a ser conhecida. No âmbito da vida das pessoas o que você via lá eram òrìṣà (orixá). Para se entender o modelo religioso tem que se olhar o conjunto, iniciando com a visão de Ifá que é quem estrutura o cosmo e a religião e buscando os cultos como de orixá e egungun, além de manifestações adicionais como Gelede e Ajé com aspectos colaterais.
Esta visão de conjunto monta o entendimento da religião, mas, se você analisa apenas o dia a dia das pessoas e comunidade, como Verger o fez poderia entender que é um politeísmo. Mas essa é a apenas uma visão fragmentada do todo, Verger nunca viu o conjunto como uma religião.
Dessa forma o modelo Yorùbá não tem panteão e não suporta de forma alguma a designação de òrìṣà (orixá) como elementos da natureza. O agrupamento dos òrìṣà (orixá) em um mesmo espaço foi um fenômeno da diáspora e da formação da nossa tradição religiosa, o Candomblé.
Essa é uma visão muito onírica dos òrìṣà (orixá), um sincretismo com a religião greco-romana e com religiões europeias, como a bruxaria tradicional, wicca, etc….
O preconceito é a raiz disso tudo. As pessoas não esperavam encontrar uma religião complexa junto a um povo simples, como os Yòrúbas, assim, elas avaliaram superficialmente a religião e fizeram associações dela com outras que eles conheciam.
Essa ligação de uma divindade com os elementos da natureza existe em algumas tradições religiosas, muitas delas politeístas puras de fato, que não é o caso da religião Yorùbá. A mim parece mais uma forma de sincretizar a religião africana com formas politeístas e animistas seja por preguiça ou preconceito.
Por esta razão, dizer que os òrìṣà (orixá) são as forças da natureza como eu canso de ouvir é o mesmo que dizer que Ṣàngó (Xango) é São Jerônimo, Ọya é Santa Barbara, Ògún é São jorge. É o mesmo que ouvir babalorixá explicando a vida e a reencarnação usando a doutrina espírita.
Além desta explicação inicial que já pode ser suficiente para muitas pessoas vamos aprofundar a análise desta questão dividindo o assunto em partes e explicando cada uma delas.
Primeiro vamos falar sobre a responsabilidade do sincretismo nesse processo. Depois vamos tratar da influência do entendimento incorreto da cosmogonia da religião. Vamos comentar um pouco sobre o problema gerado por estudos ruins feitos por antropólogos e estudiosos e, por fim, vamos falar um pouco do cosmo Yorùbá para situar o entendimento de todos no modelo que eu considero adequado.
Como sempre lembro que tudo o que é escrito aqui representa a minha opinião, representa a minha análise sobre o que eu estudei e vivencio e estou muito longe de me considerar o dono da verdade ou mesmo infalível.
A ORIGEM DOS ORIXÁ (òrìṣà) SEGUNDA A RELIGIÃO YORUBA
Eu vou fazer uma abordagem tradicional e bem direta sem rodeios e nem invenções. Minha referência são os versos do Odù oxétuwa.
Esta religião tem um corpo literário que não é muito conhecido aqui no Brasil e no Candomblé. O conhecimento religioso esta registrado em versos que são divididos em 16 capítulos. Cada capítulo corresponde a um Odù. Assim são 16 Odù e cada Odù tem um conjunto variável de histórias contadas em versos. Podemos dizer que cada Odù pode ter até 16 histórias, em versos e tamanhos diferentes que podem ir de poucas linhas até páginas.
Isso é o corpo literário de Ifá (Ifá didivination poetry ou Ifá LiLiterary corpus). Esses versos contêm as informações sobre a religião. Tudo o que se diz da religião deve ter referência em um verso e Odù.
Como eu disse para vocês algumas palavras em Yorùbá tem vários significados. Este, o de serem os capítulos do corpo literário de Ifá é um dos significados para Odù.
O grande problema Yorùbá era que eles não tinham língua escrita. Foram os europeus que criaram uma representação escrita para o muito simples e por isso complicado idioma tonal Yorùbá. Por esta razão o corpo literário de Ifá era guardado por pessoas, Babalawo que dedicavam sua vida a decorar esses versos. Somente no século XX é que houve um intenso trabalho voltado para registrar esse corpo poético em gravações e em registro escrito, para evitar que se perdesse, mas, em função da colonização e escravagismo, muito já se perdeu.
A referência que usarei para explicar porque os Orixá não são elementos da natureza porque não tem esta função é um verso do Odù Oxétuwa. Eu não vou registrar aqui o texto, é bem extenso mas está no blog no link a seguir.
LINK
Eu recomendo que seja lido, ele contêm inúmeros conceitos e fundamentos importantes. Este texto foi extraído originalmente do livro Os Nago e a Morte, mas, existe em outras obras de autores diferentes, incluindo o Nigeriano Wande Abimbola. Essa é uma versão que está no Blog é completa com inserções de outras versões que eu li.
Dessa maneira, este texto é confiável.
A história narrada se temporiza após a gênese. O mundo já estava criado e sendo populado por Olódùmarè, a alta divindade suprema Yorùbá. Em outra oportunidade abordamos a Gênese segundo a religião Yorùbá.
Neste Odù fica claro que Olódùmarè criou o mundo, populou-o com os homens e enviou os òrìṣà (orixá) para poderem ajudar os homens na sua vida, na superação das dificuldades.
Eram 16 e havia somente uma mulher entre eles, Óxun, que representa o poder feminino original.
Desta forma, se os òrìṣà (orixá) foram enviados para suportar os homens de calamidades naturais, os Ajogun, não poderiam eles mesmos serem os próprios elementos da natureza, conforme a visão das religiões pagãs europeias.
Este Odù estabelece uma distinção muito clara entre as divindades de Olódùmarè, suas funções e a natureza, desvinculando um de outro.
Na religião Yorùbá as divindades são chamadas de Irunmole. Um subgrupo dos Irunmole são os òrìṣà (orixá). Os òrìṣà (orixá) estão ligados a nós, mas, existem divindade, Irunmoles que não estão ligados a nós.
Dentro do grupo dos òrìṣà (orixá), existe ainda a divisão deles em 2 tipos de orixás. O primeiro grupo são os orixás originais, divindades da criação, que já existiam na Gênese e faziam parte do grupo de 16 que foi enviado por Olódùmarè. O outro grupo são os ancestres divinizados, pessoas, homens, que ganharam muita importância e relevância junto ao povo de foram divinizados, se transformaram em Orixás.
É importante entender que as pessoas humanas, homens e mulheres podem ser divinizados e se transformarem em òrìṣà (orixá). Por essa razão as pessoas fazem parte de um grupo privilegiado no cosmo Yorùbá, como vocês vão ver quando eu explicar isso.
Assim, vamos fazer uma revisão do que eu disse até o momento. No texto do Odù Oxétuwa, que vocês DEVEM ler, está claro que Olódùmarè enviou os òrìṣà (orixá) para suportar a vida humana na terra, devido às muitas dificuldades que as pessoas iam encontrar aqui. Esta abordagem, documentada em versos de Odù completamente confiáveis, desvincula completamente os òrìṣà (orixá) de serem elementos da natureza, porque o mundo já estava criado e eles foram enviados depois, junto com a humanidade.
Além disso o conjunto de divindade Yorùbá não é formado por um grupo fixo, pré-determinado e cada um com funções específicas. Existiram os primeiros 16 que foram enviados para criar o mundo, mas, existem muito mais Irunmoles do que esses 16. Os òrìṣà (orixá) representam um subconjunto dos Irunmole e eles são vinculados a nos suportar.
O conjunto de òrìṣà (orixá) não é finito. Ele pode ser composto por divindades originais mas, também, por humanos que devido a sua relevância se divinizam e se tornam òrìṣà (orixá).
Tomemos por exemplo as divindades femininas que tiveram uma origem comum somente em um Orixá, Óxun, a única que estava na criação. Oya que muitos consideram como sendo o vento não poderia o sê-lo porque ela é claramente um ancestre divinizado, e o vento já existia antes dela. Antes de Oya ser divinizada junto com Xangô o vento da existe a milhares de anos e nunca prescindiu de Oya que era apenas uma mulher.
Oya (Ọya), bem como todas as divindades femininas são cultuadas e associadas com o elemento água. Assim Óya esta ligada ao Rio Ògún e Óxun ao rio com seu nome, Yemanja, outra divindade bem conhecida, também está ligada a um rio, Olokun ao mar, as ajé são as que possuíam os 7 rios da terra na sua criação, Iyewa também a água e até Nana que nem é Yorùbá esta ligada a água. Observe então que existe uma tendência dos Yorùbá associarem divindades femininas a rios, não necessariamente a água.
O elemento água, especialmente esta ligado a Oxun, é o único elemento que sozinho pode gerar e sustentar a vida e está associado sempre a existência de vida. Tudo isso tem origem em Oxun.
Se a água é um Orixá, qual ele será? Não a água não é um orixá.
Ṣàngó (Xango) é dito ser o fogo, mas a real ligação dele com o fogo foi a capacidade que adquiriu de manipulá-lo, o que também foi feito por Ọya segundo um mito conhecido por todos no Candomblé. Ṣàngó (Xango) também está associado com trovões e raios, sim, mas por manipulá-los porque ele é considerado a justiça de Olódùmarè, ou a sua ira, e joga os raios contra pessoas que de tão ruim que foram não merecem mais viver. Igualmente após a sua morte o mito diz que ele jogou raios contra as pessoas que diziam que ele tinha se enforcado.
No mito da criação, a terra foi criada por Olódùmarè e só havia a água. Ele deu a bolsa da existência contendo os elementos que seriam plantados e depois espalhado para formar a terra. Depois de tudo criado, conforme o Odù oxetuwa os òrìṣà (orixá) foram enviados para suportar a vida ensinando os homens a se relacionar com o divino.
Os elementos, a terra, a vegetação, foram trazidos do Órun pelos Orixás da criação.
Assim sendo o que ocorre é que os òrìṣà (orixá) como representantes ou intermediários de Olódùmarè e os homens passaram a ter poderes sobre determinados elementos da natureza, que eles trouxeram, que vão desde a água a doenças, mas, isso na sua forma controlada e organizada e não na sua forma violenta.
Uma coisa é ter controle sobre uma coisa na sua forma suave outra é ser ou ter controle total. Assim por mais que se faça uma oferenda um furacão, um tsunami, um terremoto e uma seca não poderão ser evitados. Essa é uma manifestação descontrolada da força da natureza, os òrìṣà (orixá) ajudará os homens a se prevenir ou superar as consequências disso.
Isto está descrito no texto do Odu Oxétuwa e coloca um ponto final nesta relação.
A ORIGEM DO PROBLEMA NO SINCRETISMO RELIGIOSO
Uma das principais fontes para essa interpretação é o sempre danoso sincretismo religioso. É assim, as pessoas não querem pensar, não querem estudar, não querem entender, então simplificam comparando com alguma coisa que conhecem.
Este capítulo aqui é um pouco extenso e denso em informações, mas, é muito importante para entenderem de onde veio alguns preconceitos sobre a religião Yorùbá.
Podem acreditar que, não existe nada que eu tenha lido ou ouvido, de autentico da religião, e quando digo isso me refiro a versos de Ifá, que remeta a ligação de òrìṣà (orixá) como sendo um elemento da natureza.
Vou me explicar adiante quando falar diretamente sobre isso, mas uma das origens disso, sem dúvida é o sincretismo, mal feito, com as tradições pagans da Europa, em geral, incluindo a Grécia, religiões politeístas, na qual o panteão dos deuses dessas tradições era associado com comportamento, especialidades e elementos. A própria palavra “panteão” que, hoje em dia, é ainda largamente usada para o caso Yorùbá é uma palavra que se aplica a religiões politeísticas, o que não é o caso da religião Yorùbá.
Estas religiões, de fato politeístas, tinham uma característica comum que era a de dedicar cada um dos seus deuses a uma especialidade. Isto era necessário porque os deuses representavam o mundo que viviam e não uma divindade transcendente. Nas tradições politeístas, não existe uma divindade maior que origina ou controla o todo com poder superior às demais, cada divindade ou deus tinha que ser responsável por um aspecto do universo. Assim a unidade era, na verdade, formada pelo conjunto de todos.
Essas religiões ou cultos criavam uma divinização que representava o mundo em que viviam. De uma maneira bem lúdica, o mundo era o divino e assim cada coisa dele em vez de ter uma ordenação natural ou científica era regido pela vontade de um deus. Este modelo onírico substituía a ciência na explicação dos fatos que nos cercavam e requeria bastante trabalho das pessoas no culto a muitas divindades para terem uma vida tranquila. Você tinha que agradar a um exército de deuses para evitar problemas, uma vez que você não tinha um protetor próprio nem uma hierarquia, qualquer deus, uma força da natureza poderia interferir no ambiente, inclusive contrariando outro.
Isso fazia da vida das pessoas uma coisa muito trabalhosa, ainda mais porque a natureza era bastante imprevisível. Dessam forma poderia sempre haver um deus-natureza insatisfeito ou ofendido com qualquer coisa e trazendo prejuízos a você ou a sua comunidade. Não é a toa que esse modelo foi facilmente superado pelo modelo das religiões atuais, com um divino unificado e transcendente.
O poder dos deus-natureza era dividido e não havia preponderância de uma divindade sobre a outra, exatamente como na natureza, onde uma força conflita com outra. Uma poderia fazer ou desfazer o que outra fez e o homem devia prestar algum tributo a todas se quisesse ter paz na sua vida. O modelo também não integrava o homem ao divino.
Este é o modo da natureza, as forças se equilibram pela harmonia ou pelo conflito. Claro que a existência de cada deus estava associado a necessidade de alguém controlar alguma coisa e por isso a necessidade de muitos deuses. O sentido da palavra panteão, que é usado incorretamente para a religião Yorùbá, é este, esta vasto conjunto de deuses controladores da ordem.
Este modelo de religião, politeísta, bastante ancestral e lúdico, é bastante ultrapassado no contexto da civilização humana, tanto que foi abandonado sendo trocado não por uma religião em especial mas por muitas outras que ofereceram um modelo muito mais humanista, centrado na figura do homem.
O modelo politeísta é superficialmente conhecido por todos. As pessoas de fato não entendem as suas implicações. Conhecem suas histórias e narrativas mas não se aprofundam de fato na questão da relação divino-homem. Por esta razão não compreendem porque ele não se aplica religião Yorùbá.
Existe também a simplificação que as pessoas fazem sobre o conhecimento. O mundo é complexo, são muitas forças atuando, pensamentos diferentes, filosofias conflitantes ou complementares. Entender o meio que vivemos, sejam as pessoas ou a sociedade é bastante complexo. Contudo as pessoas fingem que são inteligentes e buscam simplificações para que possam se passar como cultas.
A maior parte das pessoas só consegue lidar com conceitos binários ou ternários e dessa forma fazem uma similaridade estúpida de uma religião com outras baseadas em 2 ou 3 características. Infelizmente as coisas são mais complexas que isso e é muito reduzido a quantidade de pessoas que consegue trabalhar com modelos conceituais e filosóficos.
Classificar a religião Yorùbá dentro deste modelo, politeísta, somente porque existem muitas divindade (e não apenas uma) e entender que essas divindades são forças da natureza porque a religião é exercida na natureza, é desprezar a sua complexidade e atualidade.
Claro que algumas coisas, além da ignorância e da preguiça mental aceleraram esse sincretismo da religião Yorùbá com as antigas correntes politeístas. Na África eles observavam o povo colocando oferendas em pedras, árvores ou em rios e conduzindo ritos em rios, morros e florestas. Então, a conclusão de muitos foi bastante óbvia, esses africanos cultuam pedras e rios..... As divindades que eram homenageadas ficaram então associadas com aqueles elementos ou como se fossem os deuses-natureza.
Poucos se deram ao trabalho de fato de entender porque aquilo era feito e qual o significado daquilo. Somem nisso o desprezo por uma sociedade tribal e a impossibilidade de entender uma língua estranha. Junte isso ainda ao uso de métodos e ética científica inadequada e teremos como resultado o que foi feito. Simples e ao mesmo tempo bastante estúpido. Isso levou os europeus a taxarem as religiões de animistas e de politeístas.
Mas, estamos no século XXI e não mais no século XIX.
Como eu tenho repetido é uma forma de preconceito com o povo e a sociedade africana, desprezando a sua capacidade de gerar uma religião equivalente às demais ocidentais e orientais. O modelo politeísta dos deuses-forças-da-natureza, não se aplica a religião Yorùbá.
OS CATÓLICOS E O PAGANISMO
Uma das coisas que complicou bastante o entendimento das pessoas a cerca das religiões foi a hegemonia do modelo cristão no ocidente, com a extinção de outras religiões, não pela supremacia de um modelo teológico mais confortável para as pessoas e sim pela perseguição da espada.
Para tornar as coisas mais complicadas, como parte deste processo e emburrecimento, a igreja católica criou uma denominação genérica e sem nenhum significado real, de PAGÃO, para qualquer outra religião que não fosse Abraâmica, ou seja, que tivesse origem em Abraão o patriarca que gerou as correntes do Judaísmo, cristianismo e islamismo. Estas 3 religiões competem pela posse do mesmo deus e tem a mesma origem. Os Judeus não reconhecem mais ninguém, afinal eles é que são os escolhidos. Os cristãos, que nasceram judeus, reconhecem uma das partes do judaísmo que é o antigo testamento e por fim, os muçulmanos, os mais recentes, século VII, reconhecem tudo das anteriores, inclusive Jesus, mas não a trindade católica.
Dessa maneira ao longos dos últimos séculos, eles tem se matado e a outros inocentes, sempre em nome do mesmo deus sanguinolento, Jeová.
Para os Cristão, que dominaram o mundo à força da espada, aliás como também o fizeram os judeus no seu tempo, o que não era católico era Pagão. Eles só não tiveram coragem de chamar os Judeus de Pagãos, mas criaram o termo herético, para aqueles que divergissem da interpretação teológica oficial de Roma... Assim, pagão, não tem significado religioso, significa tudo o que não e católico.
Os abraâmicos consideram o seu deus, Jeová, o único, e defenestram qualquer outro tipo de manifestação religiosa. A partir do século XV a igreja católica baniu toda as praticas que mostrassem similaridades com simpatias, encantamentos e feitiços. A igreja medieval era totalmente esotérica, mas para se afastar disso eles baniram completamente essas práticas, de modo a poderem a partir do século XV dominar os seus fiéis através do temor ao mal, ao diabo e a perseguição ao pecado.
Estudiosos do aspecto do Mal na religião correlacionam o surgimento da força do diabo com a necessidade de um controle mais rigoroso da sociedade pela forma política, uma vez que, esse temor (ao diabo) e domínio (o pecado), não existiam anteriormente. Igualmente isso coincidiu com os papas generais, guerreiros que literalmente com a espada na mão construíram a Igreja que conhecemos hoje.
O próprio celibato, que não havia, dizem, foi devido a igreja passar a ter posses. Eles não queriam se envolver em disputas judiciais com esposas de padres, bispos e papas. Enfim, a força da reforma, de Lutero e Calvino, obrigou a igreja a mudar sua posição e adotar políticas mais ativas e restritivas ao seu clero.
No centro de todo este conflito ficaram outras religiões, politeístas ou não, que tinham uma interpretação diferente da divindade e dos seus poderes e de outras que não eram politeístas, mas, não eram abraâmicas. Essas religiões, todas em um mesmo saco, passaram a ser então a tradução da palavra paganismo.
A igreja, usando o princípio, que já expliquei, da estupidez humana, simplificou bastante a forma de entender as religiões. O que não era monoteísta era politeísta, e mais, somente estes 2 modelos se aplicam a uma religião. Além disso, como as religiões não são iguais e apresentam variações sutis no seu divino, basicamente as únicas religiões monoteístas existentes são as abraâmicas, as três que tem origem no mesmo deus. Neste critério de classificação todas as demais são politeístas, pagans e por isso mesmo atrasadas.
No ponto de vista católico, Pagão é sinônimo de ruim, atrasado, politeísta e monoteísta é sinônimo de bom, de puro, de elevado.
Essa simplificação teológica foi ótima. Se encaixou nos objetivos políticos do papado e na estupidez das pessoas.
O REFLEXO DISSO NO BRASIL E NO CANDOMBLÉ
Em função deste contexto a religião africana, no geral, e no nosso caso o Candomblé, ganhou o cunho de paganismo e seus Deuses, tipicamente ancestres na sua origem, viraram forças da natureza.
Entretanto, não existe nada que de valor a isso. No caso do Brasil, para piorar, o kardecismo francês criou toda uma visão espiritual própria que posteriormente a Umbanda se ligou a ela. Como a Umbanda erroneamente (tão errada como usa nomes de santos para seus guias ela usa nome de Orixás do Candomblé. Ambos sem nenhuma relação) se ligou a Orixás, essa mistura confundiu mais ainda as pessoas.
Assim, o Candomblé virou pagão e politeísta. A Umbanda que é uma religião brasileira e não tem vínculo nenhum com a religião Yorùbá, virou parte da tal matriz africana e misturou o kardecismo na sua bagunça teológica. Por fim o Candomblé passou a ser tratado pelas próprias Iyalorixás como uma seita enquanto elas passavam a pertencer a irmandades católicas, a religião verdadeira.
O mal entendimento do Candomblé passou por essa associação histórica de coisas malucas, e, também, por pessoas como Nina Rodrigues que nada sabiam de Candomblé e que passaram a escrever como se tivessem alguma autoridade sobre o assunto. Tudo isso acabou colocando as religiões não cristãs, no Brasil, em um mesmo saco, furado, de ideologia espírita.
Em função da lastimável e miserável formação religiosa dentro do Candomblé, estes conceitos de força da natureza, espiritismo e seita, se estabeleceram dentro do próprio Candomblé. Os Babalorixá e Iyalorixás, apesar de terem a propriedade para falar, mas, sem qualquer capacitação passaram a repetir esses conceitos que lhes eram impingidos pela sociedade culta.
Os que não gostam de ver eu dizer que a formação religiosa do Candomblé é deficiente devem observar que o acesso a mitos ou poemas de Ifa é restrito ou inexistente. O hábito de discutir teologia no Candomblé não existe. Você não consegue juntar 3 babalòrìṣà (babalorixá) sem que seja para eles rasgarem seda entre eles ou brigarem entre si. Poucos estão dispostos a colocar em questão o que sabem ou o que pensam, exceto se for uma cátedra onde ele fala e outros ouvem.
Essas pessoas normalmente não são preparadas para, falar em público, discutir suas teses, dirigir pessoas, lidar com desafios verbais e até mesmo orientar o aprendizado de pessoas. São muitas vezes pessoas muito boas, agradáveis e com conhecimento das suas liturgias.
Existe uma dificuldade na formação de sucessores. Pior, as pessoas não se preparam e se capacitam para ter uma casa. Existe uma legião de pessoas com pouco ou nenhum acesso a conhecimento que mesmo assim, sem legitimidade ou capacidade abrem casas e passam a ser autointitular de sacerdotes e representantes da religião.
É claro que essas pessoas, sem terem aprendidos com os seus mais velhos, tem que se virar com algo ou com o que tem. É neste campo que essas concepções idiotas florescem. O que mais vemos é pai de santo, metido a besta, que responde perguntas usando os conceitos do kardecismo-espirita. Mas, afinal, eles vão dizer o que? Que não sabem?
É claro que a vertente conhecimento não é o forte do Candomblé. A vertente forte é a devocional, a fé. Para isso você não precisa saber o que é, você sente o que é e você também acredita porque sente e vê. A resposta mais comum para quando se pergunta uma coisa do tipo o que é o Candomblé ou o que é o òrìṣà (orixá) ou qualquer coisa de aspecto mais teológico será algo que começa com “eu amo meu òrìṣà (orixá)...” e por ai vai uma torrente de expressões de sentimento e fé. Isso reflete o que ela sabem, e elas sabem o que sentem.
Esse é o jeito pelo qual esse tipo de sincretismo é aceito e prolifera. Assim como os africanos fizeram no passado com os antropólogos, as pessoas sabem o que é, elas sentem o que é, e se esta definição, de elemento da natureza satisfaz o inquisidor, que o seja. Isso não impede entretanto que em espaços ou oportunidades como essa a gente possa visitar ou revisitar questões como essa, ou a reencarnação ou o conceito de nascimento e destino, as proibições, etc... evitando assim que da nossa própria boca saia coisas como o Karma.
É claro que saber ou não o que parece certo não faz uma pessoa fazer melhor um santo do que outro. àṣẹ (axé) e roncó é outra coisa, mas, não tem nada demais a gente poder tratar dos assuntos com outra base.
A questão do POLITEÍSMO e do MONOTEÍSMO
Em termos de definição para uma religião ser politeísta, segundo Paul Tillich (systematic Thelogy, Vol. I):
Politeísmo é um conceito qualitativo e não quantitativo. Não é uma crença em uma pluralidade de divindades e sim a falta de uma instância unificadora e transcendente é que determina a sua característica.
Não importa a quantidade de divindades e sim a qualidade delas e de sua relação. Em uma religião politeísta não existe uma divindade superior as demais, todas tem o mesmo poder e não existe assim uma força reguladora do conjunto.
O Candomblé, como muitas outras, não é politeísta porque existe uma relação bem clara de hierarquia entre Olódùmarè e as demais divindades. Assim, possuir divindades, originais ou divinizadas não transforma uma religião em politeísta, senão, o catolicismo com seus santos e sua trindade também o seriam, mas ninguém ousa fazer isso.
Em função de preconceito, conforme eu já me expliquei anteriormente, as religiões abraâmicas tem esse interesse histórico em diminuir e marginalizar as demais religiões. Como eu já expliquei e estou apenas lembrando, todas as religiões que não são cristãs, são denominadas pagãs. Assim, eles, de forma ignorante, simplificam essa discussão a um modelo muito singelo. Tudo ou é monoteísta ou é politeísta, baseado no modelo de referência deles. Se é igual ao modelo deles, é monoteísta. Se é diferente então é politeísta. É o binário burro.
O maior problema ao tratar do assunto religião na sociedade é que o preconceito domina essa a conversa toda a ponto de as pessoas que não gostam da abordagem cristã, elas mesmas, sem saber o que dizem, afirmam que não fazem parte de uma religião monoteísta.
Claro, porque o modelo de escolha que é imposto deixa pouca margem para discutir. As religiões cristãs querem apenas dar prosseguimento ao preconceito histórico contra as outras correntes religiosas e chamam todas as demais de politeístas.
Isso não é correto. Mas também não é uma ofensa como essas pessoas querem afirmar. Sim, na visão delas, uma religião "boa" é a monoteísta. O politeísta não é colocado como um atributo e sim um defeito.
Mas existe um outro aspecto também tão ruim quanto esse. A maior parte das pessoas, ignorantes no assunto, prefere aceitar sua religião ser chamada de seita e dizer que é politeísta. Duas coisas menores na visão dos cristãos.
Para os cristãos, seita é uma coisa menor um pedaço da religião verdadeira, e isto está correto uma vez que o termo nasceu do judaísmo onde as seitas são tradições que divergem da interpretação tradicional das suas escrituras.
Politeísmo remete ao velho testamento, quando os próprios judeus adoravam deuses zoomórficos, na forma de animais como o carneiro. Isso, para eles, era um episódio negro e assim politeísmo é um pejorativo.
As pessoas do Candomblé devem entender que ao aceitarem serem chamados de seita ou de politeísta pelos cristãos não estão apenas sendo classificados erradamente. Estão sendo ofendidos e diminuídos.
O Candomblé e a religião africana não são politeístas. São Henoteístas, mas, isso não importa. O que estou dizendo aqui é que entender religiões é coisa complexa, mas, o que é feito hoje em dia com essa dualismo monoteísmo-politeísmo que foi imposto pelos cristãos é apenas preconceito. Não existe respeito ou inteligência nesta discussão. As pessoas não sabem o que estão falando e isso também não interessa.
As religiões abraâmicas são as únicas monoteístas e nem por isso são melhores do que outras religiões. Existem muitas formas de classificar uma religião, politeísta é apenas uma delas e se aplica a um grupo muito restrito.
As pessoas foram induzidas a achar que uma religião é monoteísta (boa) ou politeísta (ruim, atrasada). Isso serve a objetivos políticos e a sua estupidez. Assim toda a vez que alguém pergunta se a religião africana, ou qualquer outra, é monoteísta ou politeísta, isso significa que:
  • essa pessoa é idiota
  • ela já sabe a resposta
  • o objetivo é de praticar o puro preconceito
Eu recomendo responder a essa pergunta dizendo que é monoteísta, que tem um deus maior chamado Olodumare que tem divindades auxiliares que podem ser equivalentes a anjos, arcanjos, e santos. Assim se ter anjo é politeísmo então a deles também é.
Claro que isso é uma grande imprecisão, mas, a pergunta não é honesta e esta resposta vai deixar o interlocutor perdido sem saber o que falar à seguir. Vamos combater fogo com fogo.
Pessoas que pertencem a uma outra religião devem primeiro se informar para poderem primeiro entenderem a si mesmo e também poderem discutir com elementos de outras religiões, ao invés de aceitarem tacitamente rótulos inadequados, seja pelo aspecto que é um uso inadequado de conhecimento seja porque a finalidade é de fato ofender. Assim temos uma dupla ignorância.
AS SEMPRE CONTROVERSAS FONTES DE INFORMAÇÃO RELIGIOSA
Os antropólogos que estudaram a África ao longo do século passado e talvez no anterior, não ajudaram muito. Eles em seus estudos se preocupavam muito mais com a sociedade do que com a religião. Eles não tinham a formulação religiosa como um fim, mas, entendiam que não poderiam falar sobre o povo sem falar sobre a religião uma vez que uma coisa permeava a outra.
É como hoje em dia a gente estudar um país muçulmano. Não dá para falar da sociedade sem falar da religião. Contudo as enormes dificuldades de comunicação e a preocupação dos africanos estudados em agradar aqueles que os pagavam levaram a respostas e interpretações equivocadas. Os próprios Yorubas foram em parte responsáveis pela visão errada que se criou da religião deles.
Posteriormente na medida em que africanos foram sendo educados na Europa e tiveram acesso as ciências humanas e sociais e ao que foi escrito sobre eles, eles voltaram a Africa para fazer os seus próprios estudos. Idowu em seu livro "African Traditional Religion" descreve que houve 3 fases nos estudos sobre os africanos.
A primeira, a da ignorância, a segunda, onde quem escreve já passa a respeitar que existe uma diferença cultural e que existe de fato uma cultura não conhecida mas comparável a deles no lado "nativo" e, a terceira, onde finalmente entram em cena os escritores africanos.
Hoje em dia melhorou muito, mas, ainda temos pessoas se referenciando em obras antigas e bastante distorcidas. É importante que se entenda que nem tudo o que esta escrito em um livro tem valor e nem todo mundo que escreve sobre algo sabe o que esta falando. Tomem cuidado com autores que repetem o erro de outros.
Verger foi muito perspicaz quando percebeu isso e escreveu sobre esse processo. Ele verificou uma sequencia de autores que se repetem e em muitos casos que repetem coisas ruins. Fez um bom artigo sobre o assunto, chamado Etnografia religiosa Yorùbá e probidade científica, no qual ele cita erros grosseiros que foram repetidos, um deles que compromete seriamente a tradição Lukumi e também aproveita para criticar Juana Elbein e seu livro os Nago e a Morte. Vale a pena ser lido.
Não gosto dessa crítica a Juana, acho que a resposta dela a Verger foi muito boa, mas tirando essa fogueira de vaidades o artigo do Verger ilustra muito bem isso o que estou explicando aqui.
Eu mesmo, buscando referência sobre um assunto, o sistema de crenças Yorùbá encontrei pelos menos 3 autores diferente que para um mesmo assunto repetem as mesmas palavras. Incrível! Um primeiro se deu ao trabalho de escrever sobre o tema, Parrinder se não me engano, nem o fez de forma brilhante e outros apenas o copiaram.
Tomem cuidado aqui no Brasil com autores que podem estar repetindo bobagens. Nina Rodrigues que durante algum tempo foi uma referencia em Candomblé só escreveu lixo por exemplo. Mas, é comum pessoas engordarem suas páginas com conteúdo de outros.
FINALIZANDO
Para quem chegou até aqui, como eu disse e repeti várias vezes a religião é composta de elementos muito importantes, alguns intangíveis como o iwa pele e o nosso destino, outros lembrados mais indiretamente atualmente que é a ancestralidade. Este ultimo se perde um pouco devido a que nem todos de uma mesma família seguem a religião e uma casa de santo esta longe de representar uma família espiritual, mas, mesmo que a gente não se lembre a ancestralidade é uma das bases da nossa vida.
A religião que a gente adota é complexa em parte porque existem de fato conceitos pouco claros, na origem, ou que se tornaram complexo devido a junção aqui no Brasil de várias correntes religiosas e regionais distintas.
Infelizmente só recentemente surge um esforço de teologizar a religião e mesmo este esbarra na polêmica e no preconceito. Outras correntes religiosas, as cristãs contam com linhas filosóficas que procuram aprofundar as questões teológicas e sua interpretação. Infelizmente esta religião aqui não contou com isso na Africa e no novo mundo esbarra em uma babel pior ainda.
Eu acho que não cabe discutir liturgias, mas, não podemos em função disso nos abster de discutir todo o resto independente de sabermos ou não as respostas.
... sem querer ser chato, mas enfatizando, assim, na formo que eu vejo o cosmo yoruba, baseado em textos de odù que eu consegui ler até hoje, em mitos que eu li ou ouvi ao longo de anos, o òrìṣà (orixá) não faz parte da ordenação das forças naturais do mundo em que vivemos. Este ordenamento é atribuído a Olódùmarè que como o deus distante (ou tornado distante) faz com que a natureza e o mundo funcione.
Os òrìṣà (orixá) conforme aparecem nas histórias e explicitamente no odù óxéotuwa e Ogbe Meji, são os braços e mãos de Olódùmarè no aiye. Sofrem aqui com os mesmos fonomenos naturais que sofremos e não demonstram nunca controlar a natureza.
Eles primariamente são a sua ligação do divino com nós, para nos ajudar e proteger. Nosso ori é feito com nosso òrìṣà (orixá). Os òrìṣà (orixá) surgem em todas as histórias representando papéis comuns como se fossem pessoas comuns, com as mesmas perfeições e imperfeições que temos de modo a que possamos nos espelhar e entender o conhecimento que passam.
São também a instância direta, junto com o ori e a ancestralidade, que recorremos para resolver nossos problemas, ligados ao nosso sucesso na nossa vida como a necessidade de termos saúde, de termos família, mulher, filhos, oportunidades, trabalho, dinheiro e podermos com nossa prosperidade darmos seguinto a nossa vida e atingir o destino que estabelecemos antes de iniciar essa nova encarnação.
Como braços e mãos de Olódùmarè os òrìṣà (orixá), conforme eu comentei no início disso tudo, alguns deles tem algum controle sobre elementos da natureza. Mas como elementos podemos considerar um todo, de vegetais, minerais, doenças, até fenômenos da natureza, e estes sao usados não de uma forma reguladora, mas como instrumentos de sua necessidade e ação em exercer a sua missão junto a nós.
Eu não consigo ver um òrìṣà (orixá) sem o mesmo estar relacionado com nossa vida, ficando longe do significado que tem os deuses naturais das tradições europeias e greco-romanas (não tenho conhecimento suficiente para citar outras).
O entendimento da metafísica desse cosmo deve passar pela lembrança que temos vários entidades e espiritos além dos òrìṣà (orixá). Este conjunto está longe de ser perfeito e complementar, existem coisas que parecem redundantes ou que não são complemente racionais, mas, como sabemos é um povo muito simples, agrário e que não teve unidade, continuidade e pensamento filosófico próprio para poder explorar e documentar cada faceta da rica cultura e religião.
Por todos os argumentos que longamente descrevi a introdução desta visão de Orixá elemento da natureza não se adapta a religião Yoruba. Foi colocada por estrangeiros. A Religião Yoruba tem poucos elementos ligando a religião e a natureza. Sol, lua e estrelas nem fazem parte de mitos.
A religião é complexa, mas, o povo é bem mais simples. Os estranhos é que tem preguiça de aprender, preferem inventar.