O conceito de qualidade de Orixá (Òrìṣà) como parte da individualização
O conceito de qualidade de Orixá (Òrìṣà) é complicado e simples ao mesmo tempo. Simples se você tem conhecimento sobre outros conceitos básicos e que são a fundação que ele se assenta, complicado se vai explicar isso sem o entendimento básico da teologia envolvida, ai fica de fato muito complicado.
Tudo isso inicia pelo entendimento do papel do Orixá (Òrìṣà) nesta religião. Se a pessoa acha que Orixá (Òrìṣà) é força da natureza então nunca vai entender nada. Orixá (Òrìṣà) são manifestações de Olódùmarè. Olódùmarè criou ministros para representá-lo junto as pessoas, para proteger essas pessoas e para transmitir conhecimento do supernatural e os valores e ética da religião.
A base dessa afirmação? Está mais do que explicado nesse livro e claramente documentado em versos através do Odù oxé (Ọ̀ṣẹ́) Òtúwá e outros, já mostrados. A existência dos Orixá (Òrìṣà) está ligada a nós, em oxé (Ọ̀ṣẹ́) Òtúwá, Olódùmarè dá poder, axé (àṣẹ) e sentido aos Orixá (Òrìṣà).
Assim, Orixá (Òrìṣà) são criações de Olódùmarè e seus ministros. Por que ministros? Porque eles o representam e tem parte de seus poderes. Se apenas representassem Olódùmarè mas não tivessem poderes seriam embaixadores.
Os Orixá (Òrìṣà) são manifestações teândricas de deus, de Olódùmarè, que, segundo afirmações dos yorùbá já viveram entre eles. Para um yorùbá que considera fundamentalmente Orixá (Òrìṣà) um ancestre e alguém que já esteve entre eles, dizer que um Orixá (Òrìṣà) é uma força da natureza terá que ser uma enorme ginástica mental. O que todos sabemos é que, como parte dos poderes de magia que tem eles controlam alguns elementos e controlar não significa ser o próprio elemento. Xangô (Ṣàngó) jamais foi o fogo, todos sabemos que ele tinha a capacidade, através de magia de controlar o fogo.
Olodumarê, deus, sempre busca as melhores formas de se comunicar com a gente e de ser o mais claro possível. Cada Orixá (Òrìṣà) não tem o total poder de Olódùmarè, porque senão ele seria o próprio deus. Cada Orixá (Òrìṣà) tem parte desse poder, assim como cada Orixá (Òrìṣà) representa emoções e qualidades humanas diferentes. Podemos dizer que cada Orixá (Òrìṣà) tem uma personalidade diferente.
Desta maneira, Olódùmarè se faz representar através da diversidade, trazendo em cada manifestação sua através de um Orixá (Òrìṣà) um arquétipo distinto que combina com os diversos arquétipos de personalidades humanas. Os Orixá (Òrìṣà) são a visão humanizada de Olódùmarè, é o que na teologia se chama de “analogia entis”, nós percebemos e aprendemos com deus através de sua humanização na figura totalmente humana dos Orixá (Òrìṣà).
O segundo elemento nesse entendimento é a entrevista que fazemos com Olódùmarè antes de renascermos. Conforme já disse, esta é uma religião de renascimento, os Yorùbá tem uma palavra para isso ATUNWA – aquele que vive de novo. Antes de renascermos, vamos a Olódùmarè para em uma entrevista que tem apenas como testemunha Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), nós possamos pedir a ele as coisas que queremos atingir na nova vida no Àiyé. Nós vamos pedir o nosso “destino”, que na verdade são objetivos que nós mesmos vamos realizar. A gente diz o que quer realizar na via e Olódùmarè concorda com isso, mas, pode adicionalmente nos dar objetivos adicionais.
Para podermos realizar isso, Olódùmarè nos dará ferramentas e essas ferramentas é que compõe o Orí Inu, que são o seu axé (àṣẹ) ajustado para os nossos objetivos, nos designará um Orixá (Òrìṣà), que fará parte do nosso Orí e também designará um Énikeji (Ẹnìkéjì), um anjo da guarda pessoal, que nós acompanhará do nosso nascimento até nossa morte. Nosso Orí Inu é um contêiner de energias supernaturais com os poderes que recebemos de Olódùmarè para realizar nossos objetivos.
Em Ifá esse conjunto de coisas que recebemos de Olódùmarè e que estão “dentro” do nosso Orí Inu é chamado de Odù de nascimento. Este Odù, aproximadamente resume isso tudo para o Bàbáláwo, lembrando que isso é possível porque Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) estava lá como testemunha. É a presença de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) na entreviste que da propriedade para o Bàbáláwo receber essa informação da entrevista, como tudo o que o Bàbáláwo recebe de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) é um Odù, então esse Odù de nascimento representa mais ou menos o que nós combinamos com Olódùmarè.
Esse processo mostra que existe uma aliança real entre Olódùmarè, deus e nós. Olódùmarè se preocupa com nós, com nossa vida e felicidade e faz isso tudo para podermos ter sucesso no nosso renascimento.
Olódùmarè não é um deus distante, pelo contrário, através dos Orixá (Òrìṣà) ele é um deus extremamente presente em nossa vida, mas, o entendimento dessa religião é que nossa relação com ele é através dessa forma humanizada, o que faz todo o sentido.
Uma das coisas importantes nessa religião é a individualização, somos especiais para deus, cada um é único e é tratado de forma única e especial.
A designação do Orixá (Òrìṣà) do nosso Orí estará alinhada com os nossos objetivos e com a pessoa que a gente quer ser. Nós declaramos quem queremos ser, como queremos ser, o que queremos atingir e como queremos atingir. Olódùmarè designará um Orixá (Òrìṣà) cujos poderes e arquétipos estejam alinhados com esse planejamento.
Contudo nem todo mundo é igual, nem todo mundo tem o mesmo jeito e personalidade e não existem assim tantos Orixá (Òrìṣà), como os objetivos também são diferentes duas coisas se agregam ao nosso Orí Inu, que é a qualidade de Orixá (Òrìṣà).
A qualidade de Orixá (Òrìṣà) expressa uma combinação de poderes, quando você reúne o poder de um Orixá (Òrìṣà) e sua personalidade com os poderes de outro Orixá (Òrìṣà) no intuito de configurar o que recebemos ao que vamos realizar. A qualidade e como se criasse mais Orixá (Òrìṣà) através da combinação, mas não cria porque o Orixá (Òrìṣà) determinante é o que nos direciona.
Junto com a qualidade vem também a especialização das proibições, os chamados Ewó. Proibições estão ligadas aos materiais que nos fazem bem ou mal. Como o axé (àṣẹ) está nos elementos que comemos ou usamos em liturgias, temos que entender quais são os materiais permitidos ou proibidos da qualidade de Orixá (Òrìṣà) que recebemos. A razão disso, é como eu disse, o Orixá (Òrìṣà) e seu axé (àṣẹ) e proibições faz parte do nosso Orí, assim carrega os essas proibições com a gente.
Os materiais que são interditos naquela qualidade não deve ser consumidos ou usados em oferendas porque essa energia vai nos enfraquecer ou mesmo prejudicar nosso axé (àṣẹ) pessoal. Essas proibições são nossas “criptonitas”. Assim, se nos afastarmos deles e nos mantivermos próximos dos materiais ligados ao nosso Orixá (Òrìṣà) nosso axé (àṣẹ) será sempre ampliado bem como a nossa facilidade em realizar as coisas.
Mas nossos objetivos podem ser mais complexos ou algumas coisas em nossa vida pode estar fora do melhor poder do nosso Orixá (Òrìṣà) de Orí, ou mesmo essa energia e arquétipo deste Orixá (Òrìṣà) precisa de um complemento ou equilíbrio. Para isso recebemos um Juntó, que é um Orixá (Òrìṣà) adicional.
Esse segundo Orixá (Òrìṣà) não está ligado ao conceito de pai e mãe espiritual. Isso não existe. O Orixá (Òrìṣà) juntó pode ser do mesmo gênero do Orixá (Òrìṣà) principal. Ele complementa o que precisamos para nossa vida. Além disso, no Candomblé, temos o conceito de enredo, que são Orixá (Òrìṣà) que completam esse conjunto de qualidade e Juntó, mas, o enredo é uma coisa bem específica de pessoas feitas e está ligado a sua formação sacerdotal.
Além disso vamos ter no Candomblé a elaboração do seu Igba Orí, que liga você ao Énikeji (Ẹnìkéjì) e cada Igba Orí deve ser montado de forma diferenciada, deve ter nele os elementos que fazem parte do seu Orí e para isso cabe ao Babalorixá (Bàbálórìṣà) através do seu oráculo determinar essa composição. É claro que tem gente que monta Igba Orí padronizado, mas, isso não é um erro, é apenas falta de um conhecimento mais profundo.
Fechando isso tudo existe o Exú (Èṣù) Bará do seu Orixá (Òrìṣà). O seu Orixá (Òrìṣà) tem associado a ele o elemento dinâmico o Exú (Èṣù), o portador do axé (àṣẹ) de Olódùmarè. O Exú (Èṣù) Bara do Candomblé é diferente de outras tradições afro-brasileiras, no Candomblé o Bara é um Exú (Èṣù) único ele está ligado a você e a seu Orixá (Òrìṣà) e tem todas as proibições da qualidade do seu Orixá (Òrìṣà). O processo de montagem desse Exú (Èṣù) é muito específico e liga ele diretamente a você, um Exú (Èṣù) Bara não pode ser dado ou usado por outra pessoa e deve ser tratado junto com o próprio Orixá (Òrìṣà), não é um assentamento que se coloca do lado de fora do quarto de Orixá (Òrìṣà).
Esta então é a forma como o Candomblé define a ritualização da individualidade. As pessoas que não conhecem o Candomblé ficam falando besteiras como falta ao Candomblé a determinação de Odù de iniciação que deveria ter Ifá no Candomblé e que o Candomblé está errado porque não tem Ifá.
Besteiras, idiotices de pessoas que vem de uma tradição de Orixá (Òrìṣà) pobre e que não sabem como o Candomblé faz e como isso está alinhado com a verdadeira teologia da religião. Infelizmente as tradições de Orixá (Òrìṣà) não são iguais, o Candomblé eu sei que faz tudo como deveria, as demais eu tenho pouca informação, mas, o pouco mostra que elas estão longe de individualizar nossa presença no Àiyé.
O que eu posso afirmar é que o Candomblé não usa Odù no seu processo iniciático e não precisa. Eu sou Bàbáláwo e conheço o que podemos ou não fazer com Odù. A ritualística do Candomblé é absolutamente bem-feita e completa, não tem nada que um Odù possa adicionar. O Candomblé não determina Odù mas faz tudo o que deveria ser feito como se tivesse determinado.