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quinta-feira, janeiro 06, 2011


A convivência de Ifá e do Candomblé

Uma das questões que surgem no dia a dia é de como será a convivência de Ifá com o Candomblé. É claro que é uma questão sem respostas apenas opiniões.

A religião afro-brasileira se desenvolveu aqui no Brasil através da tradição do Candomblé que adaptou e especializou o culto de orixá para a nossa terra, sociedade e cultura. Esse aspecto é muito importante de ser entendido em qualquer discussão sobre essa questão de Ifá e Candomblé.

Vejam que a tradição do Candomblé é resultado de uma base e uma longa evolução que envolveu aspectos complexos, desde o sincretismo entre nações, cultos regionais distintos, formação de um novo clero e hierarquia para isso, passando pela construção dos ritos e liturgias locais, mitos locais e principalmente a sua adaptação contínua a nossa sociedade.

Esse último aspecto, a introdução da religião na sociedade civil e da sociedade civil na religião trazendo cultura, hábitos, valores, ética e moral é extremamente importante porque ocorreu e continua ocorrendo. A parte religiosa da tradição tende a se estabilizar e se manter, mas a integração com a sociedade brasileira com toda a sua complexidade e riqueza continua ocorrendo. Isso ocorre em qualquer religião e uma tradição religiosa é resultado disso.

Por essa razão eu dou muito pouco valor e importância a existência aqui da tradição cubana, os lukumi, bem como da tradicional religião yoruba, trazida por cubanos e nigerianos que vem para o Brasil. Isso é uma falta de senso, não tem sentido um brasileiro procurar uma outra tradição completamente estrangeira para entrar na religião dos orixás. Essas tradições vem para cá com a formatação da sua cultura original e que nada tem haver com o nosso povo.

É uma bobagem brasileiro desprezarem a tradição que foi longamente criada para nossa nação por uma outra feita para outro povo.

Observem, a tradição cubana foi desenvolvida em torno do povo cubano, de sua sociedade e valores para a religião dos orixás. Qual o sentido de um brasileiro que quer entrar para essa religião procurar uma tradição que foi criada e desenvolvido em torno do povo cubano? Outra língua, outro povo, outros valores, outra cultura? Lamento não é a mesma coisa. A religião em sua base sim, mas, a tradição não, o Lukumi é feito para cubanos. Se você quer entrar na religião de orixá, então é muito mais simples e natural você procurar o Candomblé, que é a tradição feita para nós e por nós. O mesmo raciocínio vale para o nigerianos.

O lukumi é excelente para o povo cubano, assim como a TRY é excelente para os nigerianos, não tenho dúvida disso, mas, no nosso caso que temos uma tradição própria virmos a adotar outra é uma bobagem. Se o povo não tem a sua própria tradição, como o caso dos americanos, então eles vão ter que optar por uma qualquer, a que eles se sitam melhores. Por isso estão lá os cubanos e nigerianos se virando.

A mesma coisa ocorre aqui no Brasil com o budismo, por exemplo. Existem várias escolas budistas, um brasileiro pode escolher, entre as japonesas (mais simples), tibetanas (mais misticas) ou indianas (mais tradicionais, talvez...) baseado nos mesmos critérios que um americano poderia escolher entre o lukumi, a YTR ou até mesmo o Candomblé.

Não adianta pensar que uma tradição é melhor do que a outra. Não é. Não adianta entrar na discussão de qual é mais africana, isso é inútil, todas tem a mesma base. Não adianta achar que estar na religião tradicional yoruba, vai estar mais próximo da origem, lamento, não é assim que funciona, você não vai estar mais perto de Olodumare ou de Xango se adotar essa tradição.

Não resolver refutar o candomblé porque teve experiências com pessoas ruins. Vai encontrar a mesma coisa nas demais tradições, afinal isso é inerente a natureza humana e não a tradição religiosa.

Assim é com Ifá. Eu penso que vamos ter uma tradição de Ifá brasileiro, originada de da escola cubana ou africana, não importa e o que vai formatar isso é exatamente a nossa cultura, valores, ética e moral como povo e também a ligação com o candomblé. Eu não acredito em cubanos e nigerianos se integrando através de Ifá com o Candomblé. Se ocorrer é a exceção. Eu acredito em pessoas do Candomblé que se ligam em Ifá e mantenham vínculos com sua casa ou com casa de candomblé. Quanto mais tradicionais sejam essas pessoas, quanto mais integradas aos valores do candomblé mais fácil será essa integração. Assim vejo como um pré-requisito essa origem.

Como razões disso posso apontar o entendimento da hierarquia do candomblé, o conhecimento do processo de formação do sacerdote, o conhecimento da forma como o Candomblé vê e formata o culto de orixá, a compreensão dos ritos e liturgia, do lirismo e musicalidade. E tem que ser compreensão e respeito.

Não vejo como uma pessoa vinda de outra tradição e país vai se integrar a isso, como vai entender isso sem ter passado pelos processos e convivido com as pessoas.

Superado isso, que acho que um requisito, vem a questão da integração de cultos propriamente dita. Ai, teremos algumas dificuldades. A primeira é que o oráculo é um dos principais instrumentos de poder do babalorixá e um dos pilares do culto. Em uma religião na qual o divino fala com seus seguidores através do oráculo, para o bem e para o mal, o babalorixá é o único portador dessas mensagens e verdades em uma casa. Além disso devemos lembrar que em uma casa ,o babalorixá, tem que ser a única pessoa com a verdade e a razão. Eles não admitem serem contestados e diga-se da forma mais simples do mundo, do tipo ele sabe uma coisa de uma maneira e você sabe de outra... xiiii o mundo cai.

Infelizmente o despreparo religioso e pior, o despreparo humano e social, é muito grande, muitos babalorixás são pessoas despreparadas para função no sentido de não conseguirem lidar com pessoas, lidar com iniciativas, lidar com a variedade, com a contrariedade e a diversidade. Tudo isso muito comum na nossa sociedade do século 21. Existe uma confusão entre respeito e julgo.

Com esse tipo de pessoa a convivência de Ifá com Candomblé será impossível visto que normalmente elas nem convivem entre sí. Conviver no sentido de respeitar de fato e não no sentido social onde existe um manto de falsidade.

Mas para aqueles que não se encaixarem nesse estilo de pessoa Ifá poderá sim se integrar em uma casa. Tirando o aspecto de controle e dominação, temos que lembrar que existe um aspecto financeiro. O Oráculo para muitas casas é a porta de entrada de recursos financeiro para mantê-la. Tem gente que vive de jogar e fazer ebós. Para esse grupo de pessoa Ifá se torna um problema se ameaçar essa sua atividade economica.

Mas, temos que considerar que esse tipo de casa e pessoa adota um formato antigo e personalizado. Se a pessoa não se enquadra no primeiro caso de citei esse é um segundo, mais, ameno. Esse tipo de casa e pessoa tende a diminuir com o surgimento de casas com pessoas que não vivam da religião e sim para a religião. Também de casas que se organizem como uma comunidade na qual responsabilidades se dividam junto com a manutenção da casa.

Mas mesmo para essas pessoas, Ifá poderá ser útil quando não competir com sua atividade econômica. Ifá é um oráculo para se comunicar com o divino e qualquer pessoa precisa de uma ajuda nesse sentido, seja para ajudá-la, seja para ajudá-la com questões da casa seja para apoiar durante os seus ritos.

Se o objetivo é consultar o divino e existir a confiança, a consulta pode ser feita por qualquer pessoa. Isso em Ifá é muito bem entendido. Vários babalawo se reúnem para uma consulta, ninguém duvida das respostas do oráculo seja ele manipulado por qualquer pessoa presente. O babalorixá tem que entender esse modelo. Eu entendo que o grande problema é que muitos, a maioria, usa um oráculo baseado em vidência e mediunidade, poucos entendem o que é um oraculo que o divino responde. Eles passam então a apenas acreditar neles mesmos.

Assim o babalorixá tem que entender como Ifá funciona como é feito e praticado. Se ele entender isso vai ficar tudo muito mais simples e melhor, acho que eles vão de fato acreditar muito mais no divino.

Se eles entenderem como Ifá procede, como as coisas são feitas e compartilhadas e como a base é a confiança mútua e a fé no divino, eles vão compreender o quão inútil e tolas são suas preocupações. Eu não vejo nenhum drama em uma casa ter a participação de babalawo, principalmente de forem pessoas que venham da própria casa ou muito próximos, que conhecem e respeitam o Candomblé. O babalorixá vai compreender o quão simples é ter a ajuda e suporte de uma pessoa cuja missão é apenas se comunicar com o divino. O babalorixá vai entender que isso em nada altera sua autoridade, pelo contrário o coloca como um maestro de uma orquestra composta de yawos, egbon, ogans e ekeji. O babalawo é mais um suporte no contexto religioso e que não tem nenhum vinculo com o culto de orixá.

É claro que isso também será tão mais fácil quanto for o respeito do babalawo pelo culto de orixá no sentido do babalawo não se arvorar em fazer coisas que competem a um babalorixá. A confiança e o respeito são construídos de parte a parte.



segunda-feira, janeiro 03, 2011

A comemoração do Natal e o Candomblé

O conteúdo do Blog é majoritariamente formado por temas densos, de conteúdo, mas, agora em 2011 o objetivo é variar isso, além dos temas de contéudo, vou também publicar textos mais coloquiais sobre assuntos gerais ou oportunistas. Isso deve aumentar o fluxo de publicação uma vez que os textos de conteúdo dão trabalho serem feitos e por isso mesmo não conseguem ser frequentes.

A Internet é muito interessante, abriu muito as oportunidades para as pessoas publicarem seu conteúdo em muitas mídias distintas (e-mails, blogs, grupos de discussão, redes socias, etc...). Mas eu observo os mesmos enganadores, gente que finge publicar conteúdo e só escreve conversa fiada, bom, quem sabe até eu...  Mas, existe a intenção sincera de gerar conteúdo de boa qualidade, assim, isso gasta tempo. Não publicou meias-palavras, bobagens e cópias de outros.

Mas indo ao tema desse momento eu gostaria de colocar algumas posições sobre a questão do Natal e do Candomblé. Como a data já passou as pessoas estarão mais sensatas para tratar do tema, e cada um já fez aquilo o que queria o que evita aborrecimentos com pessoas que gostam apenas de falar e não de ver opiniões distintas. Dessa forma todos terão 1 ano pela frente para pensar no assunto.

A chegada do Natal traz um certo dilema para os religiosos mais conscientes. Certamente não traz nenhum problema para aqueles alienados e inconsequentes. Mas, uma pessoa que durante todo o ano abre a boca cheia de dentes para se dizer sacerdote de uma religião como Candomblé deveria pensar muito em como se portar nesse período do ano. Afinal não pode existir nada mais rizível e sem cabimento do que pessoas que se chamam de sacerdotes do Candomblé, falando em menino jesus, presépio, louvando o nascimento do messias e salvador, etc... Coisas que cabem muito bem a um católico praticante, a um padre mas não a uma pessoa que representa uma outra religião.

E não me venham com argumentos de ecumenismo, ou que respeita muito Jesus, ou que seus orixas estão baixo de Deus e Jesus, ou que já foi batizado naquela religião e por isso tem que respeitar pelo resto da vida. Isso, é no mínimo, ridículo. Todo sacerdote inteligente respeita as demais religiões, deve até se informar sobre elas, mas, jamais, por mais que conheça ou tenha conhecido se manifesta por elas.

A pessoa que é sacerdote de uma religião tem por dever transmitir e viver de acordo com a Fé que ela representa. Um sacerdote não é apenas um simpatizante ou um frequentador. Ele é um pilar da religião. Se ele tem Fé naquilo que representa ele deve viver a sua vida com os elementos de sua fé. Isso não significa que as demais religiões sejam ruins, significa apenas que em algum momento aquela pessoa fez uma opção por um modo de vida muito especial e por uma forma específica de compreender a sua existência.

Se enquadram na categoria de sacerdotes, os babalorixás, as iyalorixás, os egbon, os ogans e ekeji e todos os iyawos. Essas pessoas se iniciaram em ritos que as transformou em portadores de axé e dessa maneira sacerdotes, que de acordo com a estrutura clerical do Candomblé, tem funções específicas.

Dessa maneira a primeira coisa que eu estou chamando a atenção é que sim, sacerdotes do Candomblé devem observar um respeito e uma distância de ritos natalinos católicos. Devem observar o que falam e se manter distantes dos acontecimentos religiosos. Nada de missas, novenas, e discursos falando de Jesus, Maria e toda a família. Devem se dar ao respeito e transmitir esse respeito.

O comportamento do Candomblecista não deve ser diferente das pessoas de outras religiões como Judeus, Hinduistas, Budistas, etc... Lembrem-se, existem muitas religiões no mundo e todos passam pela mesma situação. Eu não vejo Rabinos falando de Jesus e do nascimento do salvador, mas, vejo candomblecistas  falando isso.

Assim a primeira coisa é respeito e distância. Se você já foi católico e montou presépio, esqueça! Isso não te pertence mais. A gente não deve misturar nossas questões pessoais, origens e preferências com a prática do sacerdócio que deve servir de exemplo para outras pessoas.

Contudo lembro a todos que o Natal não é uma festa católica em sua essência. O Natal é e sempre foi uma festa pagã, ou seja, não cristã. Montar arvore de natal, papai noel em trenó e com saco de presentes nas costas, não faz parte do catolicismo.

Quem quiser conhecer a origem do natal basta da uma googada e ver que o Natal não é uma festa católica é apenas uma festa que os católicos se apossaram, aqui alguns exemplos:




Ma, não vou falar aqui sobre sua origem e sim sobre o processo de como se apossaram dessa data, porque isso é importante.

A Igreja católica tomou conta do mundo ocidental, não somente pelo poder da palavra, competindo com outras correntes religiosas, mas, principalmente pelo poder da espada e da opressão. Isso não tira o brilho de sua mensagem ou de sua importância para formar pessoas melhores, mas, apenas foi um caminho sujo que baniu religiões e obrigou as pessoas à adotarem. Sempre existiram muitas religiões, várias delas com mensagens igualmente boas. Mas o catolicismo corrompeu o processo natural da história e competiu deslealmente. Nem mesmo o Islã fez isso. O Jihad é uma guerra interior, o Islã quer conquistar o coração das pessoas e por isso nunca proibiu o culto das demais religiões em lugares que foram conquistados por povos que eram mulçumanos (mesmo sendo essa religião oficial do estado).

Mas existiam tradições que eram muitos fortes no povo e não adiantava a imposição para acabar com isso. Nesses casos a Igreja usava a estratégia do sincretismo. Assim nas datas especiais de outras religiões eram criadas datas e comemorações católicas que se realizavam concomitantemente com os festejos concorrentes, com o tempo (dezenas e centenas de anos) e com a imposição em paralelo do catolicismo, as pessoas acabavam esquecendo da razão original e se fixavam somente na comemoração católica.

Foi assim com o hallowenn, o dias de ação de graças, o natal, etc...

Essa é a principal razão pela qual me oponho ao sincretismo. É um processo destrutivo. Não tem nada de riqueza cultural para a religião que perde. A cultura do povo pode se enriquecer com o sincretismo através da criação de novos movimentos e formatos, mas, nunca a religião.

Voltando ao tema original, eu não vejo problema nos Candomblecistas incorporarem o Natal como uma comemoração de integração da família e de fraternidade. Existe na prática muito mais no natal de ser uma comemoração da fraternidade do que do catolicismo. Já é assim no nosso dia a dia.

Para a religião Yorùbá, a família é o núcleo mais importante. Tudo o que valoriza a família e exalta as relações familiares e fortalece os seus lações esta completamente alinhado com a religião Yorùbá. No Candomblé infelizmente isso é muito esquisito, por isso que eu em muitas coisas menciona e religião Yorùbá e não o Candomblé.

Religião é uma coisa para se cultivar em família, com toda a família. O templo religioso, o espaço religioso e suas cerimônias é uma lugar para ser frequentado pela família toda, todos juntos. A maior parte da casas transformou o terreiro em um lugar tão esquisito e tão ruim que muita gente não tem coragem nem de recomendar nem de levar sua família.

Esta errado o babalorixá que não respeita seus yawos como mães ou pais de família. Esta errado o babalorixá que faz com que a família religiosa seja mais importante que a carnal ou que as obrigações religiosas sejam mais importantes do que as obrigações, deveres e lazer familiar. A família é o núcleo mais importante na religião Yorùbá.

O Natal é assim uma excelente oportunidade para as pessoas de uma religião que valoriza a família e a descendência comemore e exalte isso. O Candomblecista deve se integrar ao Natal como a sua celebração da família e da fraternidade, porque um outro valor muito importante é o da sociedade. Uma pessoa é parte de uma sociedade e não existe sentido em uma vida sem que essa pessoa seja útil para sua sociedade.

O Candomblecista pode dessa maneira se integrar completamente ao período natalino, como uma oportunidade também sua, não deixando os seus seguidores perdidos entre a omissão e a adoção de ritos de outra religião. Deve se posicionar e ter apenas o cuidado de não se integrar aos católicos com a comemoração religiosa deles, que é apenas uma parte do Natal. Nada de referências a Jesus, aos Reis magos, etc... Se a pessoa não sabe o que dizer nesse período, procure primeiro aprender ou ficar de boca calada.

Festas, presentes, amigos ocultos, jantares familiares são bem vindos. Comemore seus amigos.

Quero lembrar a todos que Deus é uma palavra de todos, não significa Deus dos católicos. O Deus católico é Javé, ou Jeová. O dos candomblecistas é Olódùmarè.

E para os Umbandistas?  Fácil o Natal é uma festa também para eles. A Umbanda não é uma religião afro-brasileira, é uma religião brasileira e tem base católica. O Natal é um elemento perfeitamente absorvível por ela e seus sacerdotes podem se posicionar como quiser.

Por fim, aqueles que quiserem participar do Blog sugerindo temas é só me escrever: ogbeogunda@gmail.com