O panorama do oráculo no Candomblé
O
objetivo do texto a seguir é tratar do oráculo de forma mais
localizada ao uso que o Candomblé dá para ele, dessa forma, algumas
informações podem já ter sido tratadas antes, mas, é necessário
repetir no contexto atual.
O
Oráculo por excelência do Candomblé é o owó ẹyọ
mẹ́rindílógún, o jogo de 16 Búzios, mas a forma de usá-los, na
prática, muda bastante ainda mais se comparado com o oráculo de Ifá
que possui um método padronizado entre os Bàbáláwo.
Como ele é feito majoritariamente pelo Babalorixá (Bàbálòrìṣà)
(ou Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà) não
repetirei toda vez os
2 nomes,
mas
entendam que tudo se refere aos dois) existe sempre um
enorme componente de mediunidade envolvida na consulta. Assim, no
mundo real, os Búzios são majoritariamente usados através da
vidência do olhador e depois pela chamada fala dos Orixá
(òrìṣà)
que combina caídas de búzios com orixá (Òrìṣà), apesar de a
interpretação por Odù
ter se popularizado.
Historicamente
o oráculo através do jogo de búzios (owó ẹyọ mẹ́rindílógún)
é a ferramenta básica de um sacerdote de orixá (Òrìṣà). Ifá
nunca teve presença relevante no Brasil, os búzios podem
indistintamente serem usados por homens e mulheres enquanto que Ifá
é um culto masculino, com a presença de mulheres em algumas funções
específicas e secundárias. As mulheres não recebem iniciação
para trabalhar com os instrumentos principais dos Bàbáláwo,
o Opele (Òpẹ̀lẹ̀) e Ikin. Além disso um Bàbáláwo não tem
incorporação de forma que ou uma pessoa é um Bàbáláwo ou um
Babalorixá (Bàbálòrìṣà).
O
jogo de búzios (owó ẹyọ mẹ́rindílógún) é então o oráculo
majoritário no culto de orixá (Òrìṣà) e todas as fontes que eu
tive acesso, além de minha própria experiência, elogiam em larga
escala o mesmo para esse uso. Isso quer dizer que, mesmo com a opção
do uso de Ifá, o jogo de búzios (owó ẹyọ mẹ́rindílógún),
sempre será o instrumento preferido. Nós sabemos por nossa prática
no Brasil que os Búzios são excelentes como oráculo geral e esse
conceito também existe na África Yorùbá.
O
uso desse instrumento no Brasil, assim como em outros lugares que
pesquisei, o jogo de búzios (owó ẹyọ mẹ́rindílógún), sofre
muitas variações. A gente tem que considerar inicialmente o fator
Umbanda. Um enorme contingente de pessoas que são Babalorixá
(Bàbálòrìṣà) no Candomblé já foram Pai de Santo de Umbanda
(muitos escondem isso) e lá eles trabalhavam fortemente com
vidência, de maneira que essas pessoas têm a clarividência e
aurividência muito aflorada. É possível, inclusive, que a
totalidade deles não deixe de trabalhar com seus guias de Umbanda
mesmo estando no Candomblé (essa é uma afirmação apenas baseada
em observação).
Muitas
dessas pessoas na Umbanda tinham o seu jogo de búzios (apesar de o
jogo de búzios não fazer parte da Umbanda) que não era nada mais
do que, para a maior parte das pessoas, um exercício de mediunidade
com os guias intuindo, falando ou trazendo vidência ao Pai de santo
dos problemas que o consulente trazia. Essa prática nunca teve
vínculo com Ifá, apesar de muitos chamarem assim o seu oráculo
(sem saber o que isso queria dizer de fato).
A
Umbanda, tradicionalmente, não tem jogo de búzios. O Oráculo da
Umbanda são os seus guias, que, incorporados nos médiuns, falam com
as pessoas o que elas precisam ouvir. Mas a Umbanda é muito
sincrética e absorve muita coisa. O jogo de búzios na Umbanda é o
resultado principalmente do uso da mediunidade do olhador, mais algum
conhecimento e habilidade de usar os búzios que pode ir sendo
desenvolvido.
Assim,
apesar de os búzios não fazerem parte da Umbanda essa prática se
difundiu bastante porque permitia ao médium ou dirigente darem
consulta sem estarem incorporados. Eu posso falar que já fui a 2
jogos de búzios na Umbanda que eram muito, muito bons. Dessa forma o
jogo de búzios se afirmou aqui no Brasil como um oráculo de
excelência, atendendo a todos os usos que foram necessários.
Voltando
ao Candomblé, existe uma baixíssima qualidade de transmissão de
conhecimento. Existe uma enorme facilidade em se vender obrigações
e nenhum compromisso em continuar com o processo de formação para
fazer a formação de uma pessoa para ela ser um Babalorixá
(Bàbálòrìṣà) ou simplesmente um sacerdote da casa. As pessoas
pagam suas obrigações e anos de submissão, para serem depois um
Babalorixá (Bàbálòrìṣà) com sua própria casa, onde ele dê
suas ordens e faça tudo como quer.
O
conceito de comunidade é um pouco discreto, o terreiro é de fato
uma comunidade bastante ampla e integrada, mas, centrada apenas em um
Babalorixá (Bàbálórìṣà)
ou melhor, em apenas um sacerdote alfa. Apesar de o Candomblé ser
iniciático e todos serem direcionados a fazerem o orixá (Òrìṣà)
(não sendo a participação de não iniciados, abians, incentivada),
se a pessoa adquire maioridade, após cantar seus 7 anos e, dessa
forma, se tornar um égbon (Ẹ̀gbọ́n), o caminho dele é ficar
contido na sua atividade religiosa na casa que o formou ou sair e
abrir sua própria casa. O terreiro oferece pouco espaço para, mesmo
tendo um sacerdote principal, ter outros égbon (Ẹ̀gbọ́n) que
possam atuar como sacerdotes na mesma casa, caso esses que gostariam
de exercer aquilo que passaram anos se preparando sem terem a total
responsabilidade de abrir uma casa.
Não
acredito que todos os iniciados querem ser Babalorixá
(Bàbálórìṣà) e ter sua casa, as pessoas percebem que
isso da muito trabalho, mas, o investimento de tempo e dinheiro na
iniciação e formação é desproporcional em relação as
atividades. Como eu defendo não dá para todo mundo se iniciar e
cantar seus anos.
Dessa
maneira uma casa de Candomblé é um lugar com somente um sacerdote
alfa e os demais membros, mesmo que já considerandos formados, ou
seja, mais velhos (égbon (Ẹ̀gbọ́n)), tem funções menores. Caso
alguém se destaque acaba saindo, fora o fato de que, pelo menos aqui
no Brasil, todo mundo quer é ter a sua própria casa onde possa
fazer “tudo do seu jeito”. Se por um lado isso expande a
religião, de outro isso faz casas mais fracas, porque nem todo mundo
que sai tem condições disso.
A
razão dessa divisão de casas não é religiosa, é a meu ver,
apenas falta de capacidade do sacerdote alfa, dono da casa, em lidar
com essa situação. Não faz muito sentido, o tempo todo,
incentivarem ou forçarem as pessoas se iniciarem e depois, esses
iniciados, perderem espaço na casa que os fez. O correto para os
terreiros era ter muitos abians, incentivar o chamado “abianato”
e apenas iniciar as pessoas que demonstrassem real interesse,
necessidade ou vocação para o sacerdócio.
O
oráculo é a porta de entrada de qualquer pessoa no mundo sacro do
Candomblé. Tudo é feito a partir do oráculo e tudo é feito com o
oráculo. Não pode existir um Babalorixá (Bàbálòrìṣà) que
não tenha um oráculo na mão.
Para
quem não sabe a razão dessa afirmação que faço, entendam que no
Candomblé o orixá (Òrìṣà) não fala. De fato, isso é uma
afirmação para o Candomblé de origem Yorùbá, creio que no
Candomblé Jeje não é dessa maneira. Mas, na tradição de
Candomblé que eu comento, a tradição Ketu (yorùbá), Orixá
(Òrìṣà) não fala, ele não vem ao Àiyé para dar
consulta ou orientação. Tudo o que é feito em uma casa sai do
conhecimento do dirigente e do jogo de búzios, principalmente desse
segundo.
Mais
ainda, todos os trabalhos, oferendas e ebós são originados do jogo
de búzios de clientes, assim como a realização de obrigações
para os membros da casa. Dessa maneira quem controla o oráculo
controla a porta da casa e as finanças da casa.
Se
a pessoa sai da casa que estava, por qualquer razão e decide abrir a
sua, vai ter que ter capacidade de usar um oráculo ou não será um
Candomblé. O ensino dos Búzios em terreiros é dessa forma uma das
coisas mais restritas e seletivas. O processo de formação do
sacerdote não é seletivo, a pessoa se candidata, é sempre aceita e
segue cumprindo seus anos. Mas, só vai ser alguma coisa se tiver
acesso às liturgias, que é algo que pode aprender observando (como
todo mundo faz). Contudo, jogar búzios não é assim. Além de
aprender, o Candomblé tem a cerimônia de lavar as vistas para a
pessoa receber o jogo. Isso só é reservado para quem o dirigente da
casa decide dar.
Assim
sendo as pessoas que saem da casa sem terem tido a simpatia do
dirigente para receberem o ensinamento e decidem abrir sua casa tem
que se virar com o que tem e com o que sabem da maneira como puderem,
lembrando que nada é de graça.
Em
função disso temos muita variação de qualidade no oráculo dentro
do Candomblé e o principal tipo de oráculo, aqueles que os
Babalorixá (Bàbálòrìṣà) conseguem usar com mais facilidade, é
o baseado quase sempre em mediunidade.
Em
grande parte dos casos, a quantidade de búzios não se restringe a
16 (como deveria ser), as pessoas usam a peneira, pano ou mesmo o
opon (Ọpọ́n ifá) e decoram a mesa com
uma pilha de guias que mal sobra espaço para se deixar cair os
búzios, a ainda, pedras, cristais, conchas, moedas, favas, figas,
pirâmides, velas, copos com água, imagens de orixá, imagens de
santos, calendário de são Jorge, as vezes dentes de animais e ossos
e por ai vai. Isso tudo é decorativo, não torna o jogo melhor.
Esse
tipo de uso lembra muito os oráculos dos Bantu.
Assim
os búzios caem, mas, as informações, de verdade, vêm
majoritariamente através da mediunidade do olhador. Nesse tipo de
uso nem passa pela cabeça de ninguém considerar que se está
trabalhando com Ifá ou com Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà).
O
jogo de búzios de orixá (Òrìṣà)
O
uso mais tradicional do jogo de búzios no Candomblé é o baseado em
orixá (Òrìṣà). O olhador interpreta através da quantidade de
búzios caídos abertos, qual o orixá (Òrìṣà) que está falando
naquela caída e associa a mensagem a ser falada ao consulente ao
arquétipo do orixá (Òrìṣà).
Esta
é a forma mais tradicional e original do uso dos búzios. Entende-se
que os arquétipos comportamentais dos orixá (Òrìṣà) determinam
o tipo de mensagem que deve ser passada ao consulente e também o
orixá (Òrìṣà) que está falando no jogo. Alguns olhadores
estendem isso e consideram que quem responde é o orixá (Òrìṣà)
da pessoa, o que leva a erros enormes.
Os
arquétipos comportamentais é uma coisa real no Candomblé, existe
de fato, apesar de muita gente questionar a validade disso. Aproxima
muito Orixá (Òrìṣà) com signo de zodíaco, onde cada signo
corresponde a um comportamento e personalidade. Eu faço parte dos
que rejeitam os arquétipos, mas que eles existem, existem (hahahah).
Neste
tipo de uso dos búzios o importante mesmo é o orixá (Òrìṣà)
que está respondendo. Existem olhadores que chegam a dizer que tal
pessoa pertence ao orixá (Òrìṣà) que respondeu nas suas caídas
ou mesmo no que mais respondeu. Sem nos preocuparmos com aspectos
qualitativos, a consulta gira sempre em torno de orixá (Òrìṣà)
e qualquer consideração é feita considerando um ou mais orixá
(Òrìṣà).
Além
do arquétipo de orixá (Òrìṣà) outros elementos são usados,
como proximidade dos búzios com os tai objetos colocados no
tabuleiro e também formações gráficas feitas pelas caídas. O
conjunto disso forma a mensagem que o jogo, ou seja, a caída passa
para o olhador falar. Sem dúvida é uma interpretação muito
subjetiva e a maior parte dos olhadores tem um código próprio para
interpretar as informações da caída. Algo que eles adquirem com o
tempo, aprendem com eles mesmos, com o próprio jogo.
Esse
viés do olhador aprender com o próprio oráculo é muito comum e
natural. Mesmo com Bàbáláwo
e Ifá é a mesma coisa. Claro que os instrumentos são diferentes
mas a forma como os Odù
se apresentam e se confirmam passa a ser um elemento de interação
entre o Bàbáláwo
e o seu oráculo.
É
importante que todos entendam uma informação importante. A relação
entre o Bàbáláwo
e o seu Ifá e o olhador e seus búzios é uma coisa viva e contínua.
Não existe por parte dos dois, Bàbáláwo
e olhador de búzios, um comportamento de mera confiança cega, fé
cega, na consulta ao oráculo. Somente um idiota acredita em algo sem
ter retorno daquilo que faz, mesmo a fé tem duas vias. Dessa forma,
o oráculo desenvolve um comportamento que permite, por diversos
sinais e resultados, ao olhador ter certeza de que não está vendo
as coisas apenas pelo acaso, o olhador tem a certeza de que está
recebendo respostas precisas e confirmadas.
No
jogo de búzios tradicional, como citei o olhador desenvolve ao longo
do tempo sinais que significam mensagens, formações gráficas e
posições de caída. Tudo em uma caída tem significado para o
olhador e seu jogo, de forma que a relação dos dois é muito
pessoal e particular. Por essa razão temos duas consequências. A
primeira é que é impossível a dois olhadores interpretarem o mesmo
jogo. A segunda que ensinar a ler búzios também é uma coisa
complicada.
Não
podemos deixar de lembrar do componente de mediunidade ou vidência.
Junto com isso que já descrevi, o componente mediúnico do olhador é
um peso importante. Além das informações que ele obtêm no jogo
através da caída dos búzios, a mediunidade fornece detalhes
importantes para a consulta e esse conjunto faz o jogo de búzios um
oráculo extremamente rico em informações para o consulente, quando
tudo funciona certo.
O
problema do componente mediunidade é que ele é variável e nem
sempre funciona a contento. O olhador que fica dependendo disso para
jogar terá um problema se a mediunidade não estiver presente e
ativa na hora do jogo. Os motivos para isso ocorrer são reais e
variados, vão desde ao olhador não ter se preparado direito para o
dia de jogo até a espiritualidade do consulente não estar aberta a
esta consulta.
Sim,
isso é importante de saber. A consulta de oráculo depende sempre do
próprio consulente, da sua necessidade. Um oráculo não é um
processo de extrair a força informações do consulente, passando
por cima do próprio consulente. Um consulente, como todas as
pessoas, tem uma espiritualidade que o cerca e o protege. É claro
que essa ligação pode estar fraca e dessa maneira o consulente
exposto, além disso o consulente foi ali de própria vontade, mas,
se o consulente tem uma espiritualidade que o protege, esta pode não
estar aberta a uma consulta não desejada.
O
consulente pode querer aquilo, mas sua espiritualidade, seu “anjo
da guarda” e orixá (Òrìṣà) podem não concordar ou gostar
onde ela vai. Nesses casos o jogo estará restrito ou fechado ao
olhador que trabalha esperando a mediunidade falar com ele. Já vi
isso ocorrer, o olhador fica sem ter o que falar ou erra muito no que
fala, chega a ser constrangedor.
Uma
saída do olhador, nesses casos, é dizer que o jogo está fechado
para aquela pessoa e que ela tem que fazer ebós para isso abrir,
ebós pagos é claro. Outra saída que já vi é o olhador falar que
existe uma “disputa de orixá” pelo consulente, enfim, várias
coisas podem ser inventadas para justificar a ausência da informação
vinda da mediunidade.
Porém
a saída dos olhadores mais espertos é simples, ele está acostumado
com as consultas, sabe o que as pessoas vêm consultar e muita gente,
mas muita gente mesmo, fala demais, elas dizem o problema que têm e
já dão indicação do que querem ouvir. Não resta muita coisa ao
olhador, que quer ganhar dinheiro, do que indicar que deve ser feito
aquilo que a pessoa espera que seja dito.
Observem
que como citei a Umbanda, não existe de fato muita diferença entre
um jogo de búzios na Umbanda e no Candomblé. Usando essa base de
Orixá (Òrìṣà), informações da caída e principalmente
mediunidade os jogos de búzios feitos na Umbanda e no Candomblé
serão muito similares sob o ponto de vista do consulente.
O
que vai mudar é que o olhador de Umbanda e Candomblé podem fazer
referências diferentes a orixás, são apenas ilustrativas e ao o
que fazer como resultado da consulta, mas, em princípio, não espere
nenhuma mudança de qualidade entre uma consulta a um olhador de
Umbanda e Candomblé. Em ambos os casos eles poderão dar um bom
panorama dos problemas que o aflige.
Baseado
no conhecimento de cada um e da religião que eles praticam eles vão
ilustrar o que falam com mais ou menos histórias e referência que
eles conhecem, mas, não espere que vai ter no Candomblé mais
informações sobre as suas questões do que na Umbanda. O que
importa mesmo é a capacidade do olhador com seu oráculo e a sua
qualidade como sacerdote, isto é a qualidade de sua ligação com o
divino, o supernatural.
Aliás
esse é um fator importante que sempre deve ser considerado pelo
consulente, a qualidade da ligação do sacerdote com o divino, com
sua religião. É um fator difícil de ser avaliado pelo consulente
mas não impossível. A qualidade do oráculo sempre estará ligada a
qualidade do sacerdote.
O comércio em
torno do jogo de búzios
E
o que é isso? Existem sacerdotes e feiticeiros. Existem pessoas
dedicadas a sua religião de fato, que se focam em orixá (Òrìṣà)
e nas suas liturgias, são pessoas com uma casa que tem atividade
permanente dedicada a orixá (Òrìṣà) e atuam de forma ética e
sacerdotal de fato.
Existem
também os feiticeiros, aqueles que por ego ou importância comercial
dizem ter uma casa de Candomblé (terreiro) mas que ali fazem uma
prática mista, com consultas de umbanda com exu e pombo-gira, às
vezes giras de Umbanda, porta aberta para fazer trabalhos de qualquer
natureza ética, incluindo o malefício a outros. Mantêm uma
atividade de Candomblé com Xirês voltados para atrair clientes e
manter a sua relação social dentro da comunidade de sacerdotes.
A
presença de guias de Umbanda não é regra mas também não é
exceção, mas sempre é um indicador importante de uma casa voltada
para a atividade comercial. O aspecto principal é ter uma atividade
de jogo de búzios continua e intensa. Lembro que já disse que no
Candomblé quem controla os Búzios controla financeiramente a casa e
assim uma intensa atividade de búzios significa mais clientes, mais
trabalhos e mais ebós.
Um
sacerdote profissional para ter dinheiro precisa trabalhar com os
búzios, sem eles ele não ganha dinheiro. Nesse sentido a casa deixa
apenas de receber pessoas que precisam de ajuda na vida ou saúde,
passa a receber pessoas que querem comprar todo o tipo de facilidade
através do supernatural. O perfil do consulente é típico e bem
conhecido, os problemas são sempre os mesmos para homens e mulheres.
Os
Babalorixá (Bàbálórìṣà)
que trabalham assim, colocam sempre muito dinheiro na realização
dos seus Xirês de Candomblé. Suas casas são muito arrumadas, os
orixá (Òrìṣà) bem vestidos, muitos Ogans e um serviço farto de
comida após o xirê.
A
presença de outros sacerdotes é importante, para mostrar a sua
inserção e relevância no meio, aliás essa troca de gentilezas, de
sacerdotes frequentando a casa de outros, é assunto a parte para a
psicologia. Existe um círculo próprio desses sacerdotes que devem
convidar e serem convidados para os xirês dos outros. Nesses
eventos, eles são recebidos com pompa e circunstância, se tornam
vistos pela assistência e têm o seu ego inflado, porque são
tratados como autoridades.
Mas
isso é, majoritariamente, um jogo comercial porque esses grandes
eventos nos quais existe um xirê (toque para os orixá (Òrìṣà)
são sempre acompanhados de um serviço de comida para toda a
assistência. Isso ocorre em dias festivos ou não, na verdade em
dias festivos o aspecto laico é maior e, o foco, é a festa e não o
orixá (Òrìṣà).
Esses
eventos, pequenos ou grandes servem para mostrar à assistência a
grandeza e poder do dono da casa. Uma casa próspera é a do
sacerdote que trabalha mais, tem mais clientes, ganha mais dinheiro
com o que faz e dessa forma sendo o mais bem sucedido será a melhor
pessoa para se consultar. Se você tiver um problema para resolver a
indicação é ir na casa da pessoa mais bem sucedida.
Os
“eventos-Xirês” não existem para manter o axé da casa em
atividades, trazendo os orixá (Òrìṣà) para abençoar as pessoas
e a casa com sua presença, renovando o axé da casa. Eles existem
como obrigação para o atendimento comercial do sacerdote e seus
clientes de jogo, são parte da atividade comercial do jogo de
búzios.
Esses
Xirês são dessa maneira um evento feito para atender aos clientes
do dirigente. Não dá para uma casa de Candomblé com foco religioso
sustentar uma atividade festiva como a que essas pessoas sustentam.
Um
dos componentes, como já citei, desse complexo espetáculo de
horrores é a presença de sacerdotes convidados, pessoas igualmente
conhecidas, que mostram para a assistência que o dono da casa é
conhecido e tem prestígio para trazer outros conhecidos e “famosos”.
Os famosos podem também ser os clientes famosos. Tudo isso é parte
do espetáculo comercial.
Os
espetáculos legitimam o dono da casa, como legítimo e prestigioso
sacerdote e também os convidados da mesma forma. Ao ir, os
convidados, estão, na verdade, legitimando tudo o que o dono da casa
faz. Mas, ao ir, os convidados, também estão se expondo para os
consumidores de jogo de búzios. Esse é um círculo vicioso onde
você convida e é convidado.
Para
essas pessoas, ao se falar de fazer o Orixá (Òrìṣà) de alguém
a primeira coisa que tratam é do tamanho da festa, porque a casa tem
um padrão e se quiser fazer lá vai ter que pagar uma festa do porte
que a casa faz. Essas casas estão continuamente em festa.
O
principal objetivo dos feiticeiros é de fato vender obrigações e
adquirir filhos de santo. Uma obrigação é muito mais cara do que
um jogo e alguns ebós e além disso transforma a pessoa em cliente
para o resto da vida.
O
importante para esses feiticeiros travestidos de sacerdotes é ter
esta atividade vistosa de Candomblé para justificar sua posição.
Para eles o importante é atrair clientes e transformar clientes em
filhos de santo, na verdade, é o comércio de feituras de orixá
(Òrìṣà) que concorre com o comércio principal que é o do jogo
de búzios e das consultas com guias de umbanda, normalmente exu e
pombo-gira.
Não
existe nenhuma razão para uma casa de Candomblé ter dentro de suas
atividades o trabalho com essas entidades de Umbanda. Isso não faz
parte e apenas mostra que o foco da atividade da casa é comercial.
As consultas estarão associadas ao uso de um oráculo de búzios
rasteiro, feito para, mais uma vez, dar legitimidade de Candomblé a
atividade comercial do sacerdote.
O
que ocorre é sempre uma dobradinha, ao consultar o guia de umbanda,
ele as vezes pede algum trabalho ou faz alguma coisa ali presente,
mas, normalmente indica que a pessoa deve procurar o pai-de-santo em
outro horário para ele fazer um jogo de búzios, permitindo ao
pai-de-santo cobrar duas vezes (ou uma, as vezes a consulta é de
graça ou de baixo valor, sob a alegação de que a Umbanda é
caridade), uma pela consulta ao exú e outra pelo jogo de búzios que
é de onde vão sair os trabalhos a serem feitos.
O
jogo de búzios vira então apenas um complemento da consulta que foi
feita pela entidade de Umbanda, sendo usado para indicar os trabalhos
cobrados a serem feitos. Esse é um formato muito comum e ruim, é
orientado para o comércio.
Todos
os sacerdotes que vi serem questionados em porque mantinham consultas
e trabalhos com exu e pombo-gira junto com sua dita atividade de
Candomblé alegaram a mesma coisa, um discurso comum, que eram muito
gratos com aquelas entidades e que não poderiam abandoná-las.
Isso
é uma total bobagem.
Elas
já teriam virado as costas para elas no momento em que decidiram ir
para o Candomblé, onde não existe o trabalho com esses guias.
Eles
mantêm os guias por alguns motivos. O primeiro deles é puramente
comercial, ganham dinheiro através desse guias de forma muito mais
simples do que com uma casa de Candomblé. Além disso dinheiro sem
ética porque esses guias são usados para trabalhos sem finalidade
ética.
Outro
é despreparo. Nada ou pouco sabem de Candomblé e se não tiverem
esses guias de Umbanda não vão ter nada para fazer. Outro é porque
dizer que são de Candomblé é apenas alegórico, eles gostam de
poder dizer que são de Candomblé mas que amam a Umbanda e querem
ter e usar todo o aparato decorativo que o Candomblé pode oferecer e
que não encontram na Umbanda.
Essas
pessoas não amam e nunca amaram a Umbanda. Elas amam o dinheiro.
As
indicações da baixa qualidade da relação do sacerdote com o
divino passam por isso que expliquei. Esses xirês realizados com
muita opulência, seja para festas ou saídas de orixá (Òrìṣà),
com muita aparência sempre são uma indicação forte de que aquilo
é palco para a casa atrair pessoas. Pessoas que fazem trabalhos de
qualquer natureza ética são apenas feiticeiros. Pessoas que
anunciam em jornal, gastando assim muito dinheiro na sua promoção
terão obrigatoriamente a necessidade de ganhar dinheiro com o que
fazem.
Não
vou entrar aqui no mérito das dificuldades em ter uma casa de
Candomblé funcionando junto com guias de Umbanda, dificuldades do
ponto de vista do supernatural.
Os
fatores que indicam um bom ou mal lugar para consultar búzios são
muito evidentes e simples, alguns podem não saber do que eu disse ou
não terem prestado atenção, mas, podem se perguntar, se isso é
assim evidente porque as pessoas continuam a ir nessas pessoas?
Simples, se merecem, elas estão em busca também da falta de ética.
Não
se pode falar de Jogo de Búzios no Candomblé sem falar sobre esse
contexto comercial e esse é o motivo de eu citar isso tudo.
O jogo de búzios
na Umbanda
Em
relação ao que já comentei, abre-se uma questão em relação aos
olhadores de Umbanda, que tem oráculos e guias. Na Umbanda as
entidades como preto-velhos, caboclos, exú e pombo-gira fazem parte
da Umbanda a dão consultas seja nas giras ou fora delas. Sim, esse é
o formato da Umbanda e não o do Candomblé, eu citei o que não é
certo no Candomblé, mas, o que será certo na Umbanda?
Na
Umbanda as entidades é que são o oráculo, elas deve dizer ao
consulente o que ele quer saber e se for necessário fazer alguma
coisa elas também dizem o que fazer. Posteriormente serão elas
mesmas que farão os trabalhos indicados. Essa consulta pode ser na
gira ou particular, isso depende da casa, quando existe uma
exploração comercial da consulta a entidade em vez de falar tudo o
que tem dizer na gira, apenas indica que a pessoa deve voltar outro
dia para uma consulta privada. Quando não existe essa consulta
comercial na própria gira a pessoa tem sua consulta.
A
questão do trabalho a ser feito é diferente, dificilmente vai poder
ser realizado na gira de forma que normalmente será cobrado e feito
em um dia separado. Isso é normal, mas têm casas que não fazem
exploração comercial da Umbanda e fazem os trabalhos na própria
gira ou fora dela, sem cobrar nada.
O
jogo de búzios entra nesse contexto como um processo adicional,
separado da consulta às entidades de Umbanda. É como você fazer a
consulta sem que a entidade esteja incorporada. O dirigente opta por
trabalhar dessa maneira evitando assim estar continuamente
trabalhando incorporado. Se o consulente não conseguiu falar com a
entidade, não pode ir no dia de gira ou não entendeu direito o que
foi dito ela pode recorrer ao jogo de búzios do dirigente para fazer
sua consulta.
Na
Umbanda o que não podemos esquecer é que o jogo de búzios não
pode substituir ou complementar a consulta com a entidade. A entidade
de umbanda é o oráculo e eles devem ter a capacidade de dizer o que
é necessário. Em uma casa podem ter entidades que não deem
consulta, sendo isso reservado para uma ou outra entidade específica,
isso é normal. A designação de qual ou quais entidades falam
abertamente é de cada casa.
Uma
entidade tem que fazer tudo, dar a consulta, indicar o trabalho e
fazer o trabalho. O jogo de búzios é uma opção adicional do
dirigente para atender pessoas. Tem gente que gosta ou quer apenas
trabalhar incorporado e outras que não querem fazer desta forma e
sua participação consciente como sacerdote é relevante importante
em uma consulta.
Temos
que lembrar que o trabalho incorporado nem sempre é consciente,
existem médiuns que lembram de tudo, outros que lembram de lampejos
e outros que não lembram de nada. Quando o dirigente decide
trabalhar com o jogo de búzios ele está fazendo uma opção de ele
mesmo ser o agente da mensagem ou consulta. Isso é reservado para
aquelas pessoas que tem mais capacidade como dirigente, pessoas que
tem conhecimento e sabem como lidar com consulentes e problemas.
Assim,
no caso da Umbanda, o jogo de búzios é opcional, mas mostra um
dirigente capacitado para tratar das questões e que não quer deixar
isso apenas para as entidades. É claro que tudo tem 2 vias, alguns
podem dizer o contrário que o dirigente quer jogar para poder
controlar o que vai ser dito e o que vai ser pedido como trabalho.
Infelizmente, essa opção, é real.
O
mundo real não é simples, não é para amadores. Lidar com a falta
de ética e com charlatanismo é muito complicado. As pessoas devem
sempre estar atentas a tudo.
O
charlatanismo se manifesta na Umbanda desde a forma na qual ha
pessoas que fingem, estar incorporados até os que fingem consultar
búzios, tudo isso voltado para enganar explorar as pessoas. O que eu
lembro a todos é que existem, de fato, os consulentes enganados e
aqueles que pedem ou querem ser enganados. A ética do olhador é tão
pequena quanta a ética dos consulentes que os procuram, os
semelhantes se atraem.
Todo
esse ambiente complexo é o oposto de uma consulta de Ifá onde tudo
é padronizado para que vários Bàbáláwo
possam interpretar juntos a consulta, participando e interagindo
entre si e com o consulente. Em Ifá não tem muito espaço para
criatividade e mediunidade, o que o Bàbáláwo
deve dizer é algo que todos os Bàbáláwo
conhecem. Claro que o conhecimento do Bàbáláwo,
sua capacidade de interpretar as histórias, sua capacidade de
interagir com o consulente para se aprofundar de fato nas questões
dele, fará com que consultas de Ifá seja mais ricas e úteis do que
outras.
Se
você tiver anotado o resultado na consulta, com os Odù
que saíram e sua sequência, pode levar a um outro Bàbáláwo,
a qualquer tempo, para ele interpretar o mesmo jogo para você.
É
claro que Ifá não é exceção ou garantia de qualidade, existem os
espertos e enganadores, não se iluda, que podem adotar o mesmo
processo de falar e indicar ao consulente o que ele quer ouvir, além
da tradicional prática de indicar mais coisas a fazer do que é
necessário e falar o que quer falar e não o que o oráculo indica.
O
objetivo de citar Ifá aqui, não foi para fazer qualquer juízo de
valor, é apenas ilustrar uma diferença em relação a abordagem da
mediunidade, onde o formato do jogo de Ifá é feito para a
padronização do resultado e a interpretação conjunta e atemporal
sem uso da mediunidade, enquanto que o jogo de búzios seja pelo uso
da mediunidade ou pelas interpretações pessoais de caídas é um
processo mais difícil de ser reproduzido ou compartilhado.
Como
já citei e repito, Ifá não é melhor do que o jogo de búzios, é
diferente e para abordar problemas correntes da pessoa necessidades
imediatas ou para questões litúrgicas envolvendo orixá (Òrìṣà),
o jogo de búzios é insuperável. É rico em informações e o
componente de mediunidade adiciona informações e valor.
O uso de Odù
no jogo de búzios
A
forma de interpretar búzios mudou no Candomblé com o uso de Odù.
Iniciando na década de 90 do século passado (adoro falar assim),
com a introdução do conceito de Odù
no Candomblé. O processo já foi descrito, neste texto, e iniciou
com o ensino do Yorùbá e o conhecimento dos nativos locais do
Brasil de livros de antropólogos estrangeiros documentando a
religião, literatura que eles ainda não conheciam.
O
estudo do Yorùbá virou apenas um pretexto e passou na verdade a ser
usado para conhecer mais essa literatura e entendimento da religião
como existia fora do Brasil. O processo ocorreu na Bahia, São Paulo
e Rio de Janeiro, mas foi no Rio que esse movimento ganhou volume.
Surgiu,
como já expliquei anteriormente, toda uma nova doutrina de Ifá para
o Candomblé que não estava ligada às escolas de Ifá tradicionais,
de Cuba e Nigéria. Era o Ifá do Candomblé, a nossa legítima
jabuticaba. O texto anterior explica isso com riqueza de detalhes e
aqui faço apenas a menção histórica desse fato e momento.
Observem
que nessa época não havia aqui no Brasil nem o Ifá cubano nem o
Nigeriano e o Candomblé criou o seu próprio conhecimento de Ifá.
Não
vou deixar de mencionar que no Brasil já existiram Bàbáláwo,
mas, os existentes, morreram sem dar continuidade a formação de
novos. Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà),
Ifá e Odù nunca
foram desconhecidos ao Candomblé, que é muito completo em seu
conhecimento, mas, eram conhecidos e não interiorizados nos ritos.
Conversando
com pessoas do nordeste, essas me disseram que o sítio Nago de Pai
Adão no Recife tinha uma ritualística ligada a Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà).
O tema é conhecido mas não tem documentação consistente sobre a
qualidade ou origem disso, o que se sabe é que havia isso e ponto.
Alguns poucos e fracos trabalhos acadêmicos mostram no máximo um
jogo de búzios voltado para Orixá (Òrìṣà).
Lembrando
a todos que os Nagô não são parte do Candomblé, são uma tradição
separada da matriz afro-brasileira. Aliás o nordeste tem
manifestações distintas e ricas da religião afro-brasileira, como
o Nago, o Tambor da Mina, a casa Fanti Ashanti e a Casa das Minas.
Essa última sem descendentes e que deve acabar.
Uma
grande diferença na manifestação religiosa do Maranhão é que foi
para lá toda uma corte completa, que foi expulsa do território Jeje
e levou rei, rainha e sacerdotes. Não se tratava de escravos e sim
de pessoas livres, com um aparato completo e consistente da religião.
Voltando
ao Candomblé, em torno da última década de 90, haviam 2 fontes de
informações sobre Odù
que foram usadas para compor a base do Ifá do Candomblé. A primeira
foi o livro do Bernard Mapouil, “A advinhação na antiga costa dos
escravos” e a segunda foi o material de Agripina Souza, entender
isso é a base para compreender o que se faz hoje no Candomblé.
O
texto de Agripina Souza, do Òpó Àfònjá, compostos de manuscritos
sem origem definida mas que eram descritos com tendo origem na
tradicional oral Yorùbá, trazida da África para o Brasil.
Esse
material era composto por um conjunto de história para cada um de 16
Odù, nomeados como
falado no jogo de búzios no Brasil, lembrando que existem variações
no nome de Odù usado
nos búzios entre todos os lugares que existe o Jogo.
Esse
material manuscrito esteve na mão de algumas pessoas que os
publicaram. Verger os usou, Wilifried Feuser também em um livro
junto com José Martiniano da Cunha. Nesse caso o material devia ser
do Martiniano, mas Wilifried corretamente citou como pertencendo a
Agripina.
Depois
o material foi duplamente publicado, quase simultaneamente, por
Reginaldo Prandi que o obteve de Agenor Miranda e por José Beniste.
O
Prandi foi apenas quem publicou em livro citando como fonte o Agenor.
Agenor que fez fama no Candomblé devido a ser iniciado, olhador de
búzios e professor do Pedro II em uma época que pessoas de
Candomblé mal tinham seu estudo básico concluído, tinha o mal
habito de criar histórias sobre si mesmo, inventar cargos e
obrigações. Ele tinha seus méritos mas usava sua posição para
inventar o que não tinha e o que não era. Nesse caso, disse que o
material era dele, uma mentira crassa (ele tinha esse hábito de
mentir) uma vez que o material era de Agripina e não era inédito.
José
Beniste publicou referências a esse material, não a transcrição
integral em seu livro O Jogo de Búzios. Ele obteve o material
diretamente de Agripina a quem era ligado no Opo Afonja (ele era Ogan
do terreiro) e citou no livro que sua fonte, o material sobre Odù
pertencia a ela Agripina.
Esse
material compunha um viés mais clássico de origem Yorùbá de fato,
mas, não eram instruções de como jogar búzios através de Odù.
O Material de Agripina eram apenas histórias ligadas aos Odùs
e que para serem usados, de acordo com o método de Ifá devem ser
interpretadas.
O
material de Agripina, dessa maneira, mais clássico em relação a
origem Yorùbá, tinha pouca utilidade para os olhadores locais. Ele
não era absolutamente completo, até porque o acervo de Ifá é
muito maior do que aquilo, mas, já era uma base para o caminho
correto. Além disso o material não explicava como devia ter ser
usado.
Não
tenho dúvida que a maior parte das pessoas que os olhou não
entendeu o que fazer com aquilo.
José
Beniste em seu excepcional livro se preocupou em explicar o método
de Bamboxê (Bámgbóṣé) e como as histórias deveriam ser usadas.
O livro do Beniste é uma base fabulosa e único material brasileiro
que documenta o método de jogar búzios com Odù
que foi deixado por Bamboxê (Bámgbóṣé).
O
método de Bamboxê (Bámgbóṣé) não foi o formato mais popular
do jogo de búzios, sem dúvida era o que mais se aproximava de Ifá,
seja pela mecânica de jogo como pelas histórias e forma de
interpretar, mas, como tudo o que é complexo não fez sucesso. Além
disso não havia quem pudesse explicar isso para outros, apenas
pessoas ligadas as casas aprendiam, aliás como era o formato do
Candomblé.
É
importante observar que as 2 publicações que citei apenas
transcreveram as histórias dos Odù,
somente o livro do Beniste explicou como se usava os búzios com
aquelas histórias.
Em
relação as variações no nome de Odù
no jogo de búzios o Reginaldo Prandi escreveu um bom texto que
documenta isso e está publicado no livro “As senhoras do pássaro
da noite”. Não existe, no jogo de búzios, uma nomenclatura comum
para os Odù de cada
caída. A maior parte das caídas recebe o nome de Odù
Méjì, mas, várias caídas recebem o nome de ómon odu (Ọmọ
Odù),
Odù
filho. Os nomes, como citei mudam, e um dos motivos é a falta de
entendimento no ouvir e falar, mudam apenas porque são falados
errados e de uma pessoa para outra acabam virando outra coisa. O
Beniste uma vez fez um comentário muito curioso, ele disse que muita
gente no Candomblé de antigamente não tinha os dentes da frente e
vários outros e essas pessoas falando aquelas palavras elas viravam
outras.
O
texto do Prandi foi publicado no livro “As Senhoras do Pássaro da
Noite”, uma excelente coletânea de textos reunidos por Carlos
Eugênio Marcondes.
Devido
a essas grandes dificuldades o principal material que gerou a forma
de interpretar Odù
que o Candomblé usa, foi baseado no livro do Mapouil.
As
pessoas que tomaram contato com esse livro na década de 90, em
Francês, aproveitaram o desconhecimento do livro e a dificuldade em
ler o livro em Francês, para traduzir o seu conteúdo e gerar a
partir dele o método de Ifá do Candomblé. Vários autores usaram a
mesma fonte ou apenas se copiaram reproduzindo Odù
da forma como esta no livro.
E
foi ai que nasceu nossa jabuticaba.
Posso
destacar uma referência importante que foi Antônio Penna com seu
Meridilogun Kawrí (cujo título já é uma agressão a língua
Yorùbá, porque está errado), além de outros como o Fernandes
Portugal e o Adilson, entre outros (esse publicaram livros), como
precursores da nossa Jabuticaba. O que eles produziram principalmente
o livro do Penna, que foi o mais conhecido, reflete o livro do
Mapouil e virou o padrão do Candomblé.
A
partir desse material do Mapouil vários outros foram produzidos na
forma de apostila e adotados gradativamente pelos sacerdotes de
Candomblé. Em um momento do Candomblé haviam os que jogavam os
búzios da forma normal, por orixá (Òrìṣà) e os que faziam por
Odù, esses por Odù
passaram a ser os mais conceituados. A diferença principal é que os
que jogavam por Odù
tiveram acesso e leram para aprender, os demais ou não tinham acesso
ou não conseguiam ler e entender para poder mudar o seu jogo.
Jogar
ou não por Odù não
mudava a qualidade do jogo de búzios, apenas gerava um diferencial
que aproximava o jogo de búzios de Ifá.
O
cenário foi mudando e o jogo por Odù
se transformou em uma exigência mercadológica e todo mundo passou a
jogar por Odù, mesmo
que no fundo continuasse a usar a referência de orixá (Òrìṣà),
ele tinha que dizer que estava jogando por Odù.
Apesar de nomear os Odù
na caída, as pessoas associavam o Odù
a orixá (Òrìṣà) e dessa forma continuavam a fazer como faziam
antes. Teve gente que adicionou interpretação outros apenas
adicionaram nomes e problemas.
O
problema nisso é que o livro do Mapouil não trata do contexto
Yorùbá. É um livro feito baseado no Dahomey, no Fá. São fartas
as referências geomânticas, que podem ter sido a origem do Ifá,
como muitos alegam, mas que os Yorùbá já as haviam abandonado.
Dessa
forma o Candomblé adotou como Ifá na verdade o Fá do Dahomey e é
por isso que quando chegara aqui os cubanos e Nigerianos vimos que
era muito diferente.
Haviam
outros 2 livros na época que podem também ter sido usados, eu não
creio, que era o livro da Judith Gleason, “A Recitation of Ifa,
Oracle of the Yorùba” e o livro do Bascom, “Ifa Divination”.
Contudo esses livros eram bem mais complicados porque representavam
bem o Ifá Yorùbá e isso não era muito complicado para os nativos
locais entenderem (o livro da Judith é bem complicado). É igual ao
material da Agripina. O foco nas histórias não era o que
interessava às pessoas, elas não entendiam o sentido disso. O livro
do Mapouil era mais direto e objetivo com significados diretos aos
Odù e desta maneira
fácil de entender e usar.
Um
outro material que faz bem parte do nosso Ifá do Candomblé foi
publicado pelo Doté Heraldo de Xango, que em edição própria
publicou “Um mistério Chamado Odu” e “Um Mistério Chamado Odu
II”. O primeiro livro é pequeno e é bem a repetição
simplificada do material de Odù
compilado do Mapouil, mais do mesmo, mas o segundo é uma publicação
bastante interessante. Representa um material sobre ebós de Odù
que contempla trabalhos para os 16 Odù.
Esse
material é muito especial eu já vi uma versão manuscrita do mesmo
que foi possivelmente a fonte que o Heraldo usou. O Heraldo produziu
um bom livro desses ebós que representam a forma como o Candomblé
tratava Odù. A
versão do Candomblé para Odù
é que os ebós de Odù
nunca levam sangue, não tem sacrifício animal e não podem ser
feitos de noite.
Os
ebós compilados pelo Heraldo são uma coleção de oferendas muito
relacionadas com a relação Odù-Orixa
que é muito básica no Jogo de Búzios por Odù.
Assim como o jogo de Odù
associa uma caída de búzios com orixá (Òrìṣà) o Odù
no Candomblé também associa orixá (Òrìṣà) com Odù,
de forma que temos a mesma coisa: caídas = orixá (Òrìṣà).
Esse
material do Heraldo é a única referência escrita e de fácil
acesso que conheço com esse acervo inestimável de ebós de Odù.
Eu joguei búzios por um longo tempo e usava esses ebós de Odù
que são muito bons.
Apesar
desse Ifá brasileiro que o Candomblé desenvolveu ser uma jabuticaba
e ser baseado no Fá, ou melhor ser basedo no que está no livro do
Mapouil, isso não tira a sua funcionalidade e efetividade.
Os
jogos efetivamente funcionam e igualmente os ebós. Nós apenas
desenvolvemos um Ifá aqui do nosso jeito.
O
que o Odù adiciona
nesse jogo são interpretações, significados. Na forma original a
caída é associada ao orixá (Òrìṣà) e o significado disso é o
arquétipo do orixá (Òrìṣà). Esse modelo tem que ser
complementado pela mediunidade e pela formação gráfica senão fica
sem sentido para o consulente.
Contudo
o melhor material sobre o uso de Odù
no Candomblé é obtido através de uma apostila apócrifa chamada
“ODÚ: ÒMÓ ODÚ, REZAS, MÉTODOS, CARACTERÍSTICAS,
PERSONALIDADES E ÒRÌSÁS”. Esse material supera tudo o que foi
escrito e publicado em livros. É um material completo em todos os
aspectos e é de graça.
Se
você quer conhecer como é o jogo de búzios por Odù
pelo método tradicional usada de forma geral, incluindo o uso de
numerologia (que não faz parte de Ifá) você encontra nessa
apostila. Os demais livros que eu listei são desnecessários, exceto
o segundo livro do Heraldo de Xango, que continua sendo
insubstituível.
Um
dos elementos externos trazidos no Ifá do Candomblé é a
numerologia e tem gente que inclusive faz Odù
só com números, a partir de nome, de data de nascimento, etc...
Aliás, não existe essa relação de Odù
e número, isso foi um sincretismo. Dessa maneira não tem nenhuma
utilidade fazer contas com nomes e data de nascimento e querer
associar isso à pessoa. Inclusive é muito comum se usar a expressão
de se determinar o Odù
de nascimento através da data de nascimento. Isso é tão verdadeiro
como se determinar o orixá (Òrìṣà) da pessoa de acordo com o
dia da semana em que ela nasce, ou seja, não existe isso.
Os Ogãs e o jogo
por Odù
No
Jogo com Odù a caída
ganha outro significado, um significado próprio e o orixá (Òrìṣà)
é adicionado a isso. As formações gráficas da caída ainda são
relevantes e a mediunidade complementa. O jogo por Odù,
dessa maneira dá ao olhador mais tranquilidade e menos dependência
à mediunidade, na verdade o jogo por Odù
trouxe para o jogo de búzio um novo grupo de olhadores, os Ogans,
que no modo anterior não tinham espaço devido ao método e com o
uso de Odù ganharam
outro significado.
A
estruturação do jogo através de Odù,
usando o método do Fá, permitiu que pessoas que não usavam a
mediunidade passassem a usar com muita tranquilidade e eficiência o
oráculo dos búzios. Com o Odù
o olhador não depende mais de mediunidade, mas, ainda conta com
intuições, que é a sugestão mediúnica. Nem tudo de um jogo está
na mesa, a intuição do olhador trabalha junto, mas, ter uma
mediunidade de intuição é algo que muitas pessoas têm e adquirem.
Claro
que como tudo o que se faz no contexto sacro isso depende de
designação, preparação e estudo, você tem que ter a legitimidade
do divino, dos orixá (Òrìṣà) para os representar em um oráculo,
mas é algo que é acessível, principalmente para Ogãs que são
preparados.
Não
me referencio a Ogãs como aqueles que tocam os tambores, esses, os
tocadores de tambor e alágbè, são um tipo particular, que
na maioria das vezes não são exclusivos de uma casa, tocam onde se
paga para tocar e tem muita mobilidade. Os tocadores de tambor são
importantes mas não necessariamente preparados. As casas têm outro
tipo de Ogã que até pode tocar mas pertencem ao
Egbe (Ẹgbẹ́) da
casa e são preparados iniciaticamente para funções sacras e
liturgias.
Esse
grupo de pessoas, preparadas e dedicadas, acabava naturalmente tendo
outras aspirações na religião e buscavam aprender o jogo de
búzios. Eu já mencionei esse caso antes, neste texto, e isso era um
problema em uma casa porque concorreria com o sacerdote principal,
mas, fora da casa muitos Ogãs tinham essa atividade e eram tolerados
pelos sacerdotes.
Esse
grupo de olhadores que não eram sacerdotes incomodavam muito gente.
Muitos babalorixa e Iyalorixa não aceitavam essa situação e os
criticavam com algum cuidado, uma vez que eles eram legítimos na
religião e eram representantes diretos de orixá (Òrìṣà).
Essa
é uma situação importante de ser mencionada.
Um
Ogã é uma pessoa que pertence a uma casa, está diretamente ligado
a ela, mas, não tem dependência da casa, ele não está ligado ao
sacerdote da casa como estão os ìyawó, Abian e égbon
(Ẹ̀gbọ́n). Os
ogãs são escolhidos por Orixá (Òrìṣà) e dessa maneira são
ligados ao orixá (Òrìṣà), serão Ogãs em qualquer lugar que
forem, sendo que normalmente sua presença é reconhecida pelo orixá
(Òrìṣà) manifestado. Eles podem e devem fazer o que o sacerdote
pede, desde que isso não vá contra o que o orixá (Òrìṣà)
quer. Um Ogã responde ao orixá (Òrìṣà) que o escolheu e não
deve obediência a um sacerdote acima do orixá (Òrìṣà). Além
disso um Ogã pode até participar de mais de uma casa (não é
comum) e tem liberdade de ir e vir.
Devemos
entender que a denominação Ogã é as vezes usada genericamente. O
Ogã de fato é aquele que foi escolhido como tal por um orixá
(Òrìṣà). Ele é suspenso pelo orixá (Òrìṣà) e depois é
confirmado como tal, manifestando na confirmação a sua opção pela
escolha feita. Como Ogã ele já é considerado um “mais velho” e
não tem que cumprir nem os anos nem as obrigações de iniciados
normais.
Depois
de escolhido a ele poderão ser designadas ou não em uma casa para
funções sacras. Uma casa tem muito poucos Ogãs, o processo de
escolher um Ogã pertence a um orixá (Òrìṣà) e é bem seletivo.
Ogã não é um nome genérico que se dê a uma pessoa que pertença
a uma casa, homem, e não rode de orixá (Òrìṣà), Ogã é uma
escolha, um cargo dado por designação divina. Tem muita gente que é
chamada de Ogã sem ser de fato.
Existem
Ogãs que tocam, que são apenas isso, tocadores de tambor. São
importantes, uma casa não funciona sem eles mas eles não precisam
ser da casa para tocarem, hoje em dia com a falta de Ogãs, muitos
sacerdotes têm que contratar o trio ou quarteto de tocadores. Note
que, genericamente um tocador de atabaque é um Ogã, mas, não
necessariamente ele foi escolhido para ser isso, ele pode ter
aprendido a tocar atabaque e passado a ser tratado como Ogã.
Existem
Ogãs que são escolhidos pelo dirigente por sua conveniência ou
necessidade. Mesmo sem terem sido indicados pelo Orixá (Òrìṣà)
o sacerdote faz a liturgia de confirmação. Isso ocorre por
afinidade ou porque o sacerdote precisa. O que é estranho nisso é,
por que o orixá (Òrìṣà) não o escolheu, mesmo sendo
necessidade do sacerdote?
Temos
também um caso muito interessante que são os Ogãs escolhidos por
encomenda, geralmente pessoas importantes e que recebem o cargo
honorificamente. Para esses casos, incrivelmente o orixá (Òrìṣà),
no dia marcado e esperado, suspende o Ogã. Isso é curioso porque
normalmente não se consegue prever quando um orixá (Òrìṣà) vai
escolher e suspender um Ogã e desta forma isso beira a enganação.
Mas
considerando o grupo legítimo, o dos Ogãs que foram escolhidos pelo
Orixá (Òrìṣà) eles são os legítimos representantes destes e
tem o seu axé (àṣẹ́)
Por
essa razão é que os Ogã podem pegar em um jogo de búzios. Se o
orixá (Òrìṣà) deu essa faculdade para eles, ser Ogã e também
ter o jogo, eles podem usá-la. Não poderão fazer isso na casa do
sacerdote porque a casa é dele e dificilmente ele vai permitir mais
alguém na casa dele jogando, mas podem ter sua própria prática
independente, apesar de os sacerdotes criticarem ou questionarem,
eles tem legitimidade. Descobrir se o orixá (Òrìṣà) os suporta
no uso do Jogo é uma coisa que o Ogã tem que descobrir por si
mesmo. Ser ogã não condiciona ninguém a automaticamente poder
jogar búzios.
A
reação dos sacerdotes contra os Ogãs que jogam esta ligada a
competição no mercado comercial do jogo de búzios, além disso, a
maior parte dos sacerdotes se considera o todo poderoso do Candomblé
e não admitem que outro tipo de pessoa possam competir com eles e
com seus poderes.
Observe
que em uma casa é o sacerdote que dá o acesso ao
elegun, o filho de santo, a faculdade de usar o jogo de
búzios. Tradicionalmente isso é um poder transferido, é um axé
que é dado por liturgia controlada pelo sacerdote. Mas, no caso dos
Ogãs, isso não ocorre.
Apesar
de antes do advento dos Odù
no jogo de búzios existirem Ogãs que os usavam, esses eram poucos.
O maior volume de entrada foi com a estruturação que o uso de Odù
possibilitou seja para a consulta como para os ebós e que
possibilitou olhadores que não dependiam mais de mediunidade, no
máximo de intuição e, claro, o conhecimento da forma de jogar. Sem
o uso de Odù o jogo
pelos não médiuns fica bem complicado.
Hoje
no Candomblé a forma majoritária de jogar é através de Odù.
Seja usando a interpretação do Odù
como apenas usando o nome e fazendo a interpretação por orixá
(Òrìṣà) e mediunidade, mas, todo mundo diz que usa Odù.
Em torno de Odù
criou-se uma nova área de conhecimento no Candomblé com coisas boas
e invenções.
Na
área das invenções temos as pessoas que tratam os Odù
como se fossem divindades e as que por essa razão fazem assentamento
de Odù,
principalmente do Odù
Obara para atrair prosperidade. Isso tudo é outra jabuticaba do
Candomblé.
E o jogo por Odù
funciona?
Perfeitamente.
Não existe dependência de
mediunidade para se usar o oráculo como muitos podem achar, existem
dependência do divino.
O mecanismo mais interessante nisso
tudo e muito estranho e louco de entender é a ligação do olhador e
seu jogo. O supernatural é muito interessante. O jogo se adapta ao
olhador, aos seus critérios, conhecimento e forma de jogar.
O uso por Odù
cria para todos um método de jogo e interpretação comum e o
oráculo se adapta a esse conhecimento do olhador, passando a se
configurar dessa maneira. Não existe oráculo sem intervenção do
supernatural, no nosso caso, a que consideramos ser divina, porque
nós acreditamos que vêm de nossas divindades.
Não existe oráculo sem fé,
aliás, o oráculo é a maior demonstração de fé que pode existir,
é um ato de fé de 2 pessoas, a que joga os búzios e a que se
consulta. O oráculo só existe porque se estabelece uma relação de
Fé verdadeira entre o olhador e seu instrumento e entre o consulente
e o olhador.
O olhador para jogar búzios tem
que ter conhecimento do método do jogo e interação com o
supernatural. Existe um período de aprendizado do método do jogo
que é antecedido pela coisa mais importante que é a ligação
supernatural-olhador ou divino-olhador. Sem essa ligação o oráculo
é impossível.
Com o aprendizado de um método, a
ligação supernatural-olhador se ajusta a ele e com treino e prática
o olhador desenvolve o seu oráculo baseado em uma interação com
comportamentos definidos para as caídas e isso substitui a
dependência de mediunidade para usar o jogo de búzios.
Para quem joga dependendo apenas de
mediunidade isso deve ser um impacto ou barreira. Imagine uma pessoa
que quando joga búzios, na verdade, está usando usa mediunidade, é
sua vidência que fala com ele. Essa pessoa, que joga assim, tem que
passar a acreditar que, de fato, ao deixar cair os búzios é o
supernatural que define como eles caem.
Já vi bom olhadores que nunca
ensinou ninguém a jogar. O motivo era óbvio, como ele vai ensinar
alguém a jogar se ele joga com sua mediunidade?
O
impacto da chegada de Ifá
Com
a chegada dos cubanos e africanos no Brasil no final de década de
90, houve lentamente uma alteração no panorama de consulta ao
oráculo. Eu já tratei disso anteriormente e não voltarei ao tema,
mas, existem coisas ainda a serem ditas.
O
primeiro comentário é que aquelas pessoas que criaram a nossa
jabuticaba de Odù,
que foram o Penna, o Portugal e
o Adilson (entre
outros), que editaram livros e outros que fizeram apostilas,
todos posteriormente se iniciaram em Ifá e deixaram de usar os
materiais que criaram e promoveram. Essas pessoas simplesmente,
deixaram isso para trás e foram atrás do Ifá tradicional,
iniciando com cubanos e depois procurando os africanos.
Esses
brasileiros, autores dos livros e apostilhas, que já conheciam o Ifá
que o candomblé criou e com um pouco de convivência com o Ifá
cubano logo perceberam que ele era apenas um pouco melhor do que o
que eles já faziam no Candomblé e de olho no mercado consumidor
foram para o Ifá Nigeriano, que os legitimava mais, por ser
africano. Essa é uma característica básica dos oportunistas, não
estão interessados na prática e sim na forma.
Adilson
Martins, o Adilson de Oxalá, se iniciou no Ifá cubano mas teve como
signo de awofakan Ogbe bara e esse signo no Ifá cubano não permitia
que a pessoa fosse Bàbáláwo.
Isso foi um grande impacto para ele. A saída foi procurar no mercado
de São Paulo os Bàbáláwo
nigerianos (inicialmente o Rio era um mercado dos cubanos e os
nigerianos foram para São Paulo) que o iniciaram como Bàbáláwo.
Os
nigerianos
quando estão fora da Nigéria
e Benin não querem saber de regra nenhum eles iniciam qualquer coisa
para qualquer coisa, o que eles querem é dinheiro.
O
Penna foi iniciado em Ifá e teve como signo Irete Meji, O Portugal
tambem se iniciou com signo
Odi ka.
Heraldo
de Xango era Babalorixá
(Bàbálórìṣà) e
assim permaneceu.
E esse foi o destino dos principais
criadores do Ifá do Candomblé, todos eles procuram o Ifá
tradicional e deixaram suas obras feitas como estavam e fizeram
outras mais africanizadas ou cubanizadas.
Assim
a jabuticaba brasileira perdeu seus precursores (ou inventores)
continuou sendo usada e difundida através da mãos de outros, os
Babalorixá (Bàbálórìṣà)
e Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà) e Ogãs que passaram a usar no seu
jogo de búzios a interpretação de Odù.
Ficamos
assim com uma situação interessante aqui no Candomblé, que eu
quero comentar porque é bem diferente do que existe em Cuba. Em
relação as tradições da diáspora no novo mundo Cuba e Brasil são
um paralelo comparativo interessante sempre de se fazer, mais ainda
porque os cubanos estão vindo para cá.
Lá
o jogo de búzios usa os patakis (estórias) que eles criaram para o
seu Ifá, como devem saber, os Cubanos não usam os versos
tradicionais de Ifá, eles criaram estórias próprias, patakis que
são totalmente adaptados a sociedade, a sua cultura e forma como
veem a teogonia da religião. Esses patakis não são únicos entre o
Ifá e o culto de orixá (Òrìṣà), mas, são altamente
compartilhados.
Destaco
a existência dos patakis porque os Cubanos mudaram bastante a
teologia e teogonia em sua tradição religiosa. Uma tradição
religiosa de fato adapta e melhora a cultura e povo onde ela se
assenta, é uma evolução da prática da religião, mas, os cubanos,
na minha avaliação foram além disso.
Entretanto,
voltando aos oráculos, sem dúvida o jogo de búzios cubano é
bastante influenciado pelo Ifá cubano e, como aqui, existem
variações na forma de jogar e tem algumas formas muito similares
com o ifá no que diz respeito ao uso de Odù.
Aqui
no Candomblé essa compatibilidade não existiu. Pelo lado do método
de Bamboxê (Bámgbóṣé), existe, mas, pelo lado mais popular, do
Odù que derivou do
Maupoil, é bem distinto do que verificamos quando o Ifá veio para
cá. É certamente isso que fez os precursores do Jogo de Búzios com
Odù do Candomblé
deixarem isso para trás e procurarem o Ifá tradicional.
O
Ifá cubano e depois, também,
os africanos, têm
inundado
o Rio de Janeiro de iniciados para Ifá. É uma multidão de
awofakan e apetebi
(Apẹ̀tẹ̀bí),
incluindo Iyalorixás que incrivelmente
procuram Ifá para virarem apetebi
(Apẹ̀tẹ̀bí),
que é uma função inferior a
que ela já tem.
A
razão para essa procura de Ifá é simples, com um processo curto e
pago a pessoa que não era nada passa a ter um título para se
autodenominar. Nada especial a pessoa precisa fornecer, nem
capacidade, nem tempo nem designação divina, ela tem apenas que ir
numa consulta onde invariavelmente vão dizer que ela pode ou que
deve se iniciar, pagar por
aquilo e em 3 dias viram Awofakan. Com um pouco mais de dinheiro e 7
dias viram Bàbáláwo.
Depois
vão ter que aprender alguma coisa e podem sair
por ai dando consulta com oráculo (ou
não, as vezes basta o título).
No Candomblé isso, como expliquei é
impensável. Relembrando, para você pegar em um jogo sendo iniciado,
somente depois que cantar os seus 7 anos (isso pode levar mais de 7
anos para ocorrer) e se o sacerdote o ensinar e lavar suas vistas.
Essa é a forma correta disso ocorrer.
A pessoa tem que ter o suporte do
sacerdote e claro vocação divina para aquilo, suporte dos orixá
(Òrìṣà) seja para olhar os búzios como para ter vidência. Eu
já vi alguns sacerdotes que não tinham jogo, como também,
iniciados que viravam egbon sem receber o jogo, isso não era
automático ou obrigatório.
O
grupo dos Ogãs era outro que lateralmente se destacava, eram
iniciados, tinham designação divina porque seletivamente tinham
sido escolhidos e buscavam
aprender e jogar os búzios, mas, mesmo assim, era pequeno número de
Ogãs que jogavam, se envolver nisso era
muito seletivo, é possível, mas envolve ter a vocação, ter o
suporte de orixá (Òrìṣà), aprender e ter tempo e lugar para
praticar, tudo isso sozinho sem ninguém para apoiar.
Observe que no caso do Candomblé as
pessoas que legitimamente lidam com o oráculo são um grupo muito
selecionado. Existe um processo de seleção natural que passa pelas
iniciações, a vocação, designação e aprendizado amplo da
religião e do supernatural.
Quando uma pessoa pegava o jogo para
usar ela já tinham muitos anos de formação na casa, já tinha
amplo conhecimento de orixá (Òrìṣà) e suas características e
manifestações, conhecia os ebós e demais liturgias, tinha
participado de vários casos e situações, conhecia folhas, tinha
recebido o axé através de suas obrigações de formação e
principalmente tinha suporte de retaguarda.
O mesmo ocorria com os Ogãs, eles
eram pessoas designadas por orixá (Òrìṣà), cumpriam obrigações
e participavam de tudo em uma casa em um processo de formação e
aprendizado muito mais acelerado do que os
eleguns, porque eles não esperavam os 7 anos para participar
das liturgias e aprender.
Um olhador de búzios do Candomblé
que cumpriu legitimamente seu tempo para isso é uma pessoa preparada
em todos os aspectos, principalmente a designação divina, porque é
uma pessoa que foi previamente escolhida pelo divino.
Vejam, eu citei antes que existem
olhadores de búzios fora do Candomblé e principalmente os que usam
majoritariamente mediunidade para jogar búzios, essas pessoas de
Umbanda ou videntes em geral não fazem parte desse grupo de
olhadores de Candomblé que para ter acesso ao jogo de búzios passou
por anos de iniciações a aprendizado. O processo deles é diferente
a sua vidência é nata.
Tenho que ficar lembrando isso o tempo
todo no texto porque o mundo real é complexo, as coisas não são
binárias.
O que o Ifá cubano e nigeriano fazem
é o oposto disso.
A abordagem que esses estrangeiros
trouxeram, aos meus olhos, é absolutamente comercial. Pode ser que
na terra deles os critérios sejam outros, aqui não tem critério
nenhum.
Não podemos desconsiderar que esses
migrantes vêm atrás de dinheiro para viver ou para ganhar. Os
cubanos vêm morar aqui e precisam viver disso. Os nigerianos nem
sempre vêm morar, a maior parte vêm ganhar dinheiro e volta. Não
vai ser apenas fazendo consulta e ebó que vão ganhar dinheiro, as
iniciações dão muito mais dinheiro.
Eu
imaginava que um Bàbáláwo
teria que ser selecionado por
escolha divina de
Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà),
como
no Candomblé
e que o iniciador
deveria, apesar disso, escolher quem ele acolheria para ter o
compromisso de ensinar essa pessoa, tipo
aquelas relações mestre-aprendiz.
Ilusão minha, não é nada disso. O processo é bem simples.
A
pessoa
vai no jogo e logo o Bàbáláwo
fala para ele que ele têm que ser iniciado ou que pode ser iniciado.
No ifá cubano um monte de Odù
tem até mesmo a indicação de que a pessoa como parte da solução
de seus problemas deve ter o seu próprio Ifá. O Bàbáláwo
é o primeiro incentivador a iniciações.
A
venda de iniciações é muito mais lucrativa do que ficar apenas
fazendo jogo e ebó.
Os
cubanos têm um
processo comercial bastante interessante. Eles começam com
a formação do sacerdote iniciante, o noviço, chamado de awofakan.
Assim em qualquer jogo comum ele pode dizer que a pessoa pode ser
awofakan ou apetebi. Qualquer um pode ser, isso é distribuído a
granel. É
o que eles chamam de “adoradores” de Ifá.
Contudo
não dá acesso a nenhum aprendizado especial,
se quiser aprender algo, têm que pagar ao Bàbáláwo
para ele te ensinar e ele além disso vai ficar fazendo ou inventando
um monte de cerimônias complementares
para
serem feitas. Um awofakan é como um iyawo, é um cliente cativo. A
mim isso parece muito mais um processo de escolha arbitrária do
Bàbáláwo
ou
do consulente do
que do
divino.
Para
ser um Bàbáláwo
a pessoa tem que ter feito o awofakan e depois
gastar
bem mais dinheiro, mas, é um processo de apenas 7 dias. Não é
barato, mas, muito mais barato do que se tornar um égbon
(Ẹ̀gbọ́n)
no Candomblé que além de dinheiro exige muito
tempo
e
sacrifícios pessoais.
Esse
processo de Ifá cria uma fábrica de Bàbáláwo.
Como é típico
dos cubanos mesmo sendo Bàbáláwo
você precisa ir comprando mais cerimônias e
assentamentos. Entretanto, não existe seletividade no processo de
fabricação de Bàbáláwo.
A pessoa com dinheiro e
vontade pode obter
o que quiser.
Isso
não é diferente do processo de inciar pessoa para orixá (Òrìṣà)
no Candomblé. É a mesma coisa, o Babalorixá
(Bàbálórìṣà)
pode em um jogo “catar” qualquer um para ser iniciado dizendo que
orixá (Òrìṣà) quer ele e aquilo é a salvação da vida dele.
Só que, no caso do culto de orixá (Òrìṣà), você não forma
alguém e dá
um título de Babalorixá
(Bàbálórìṣà), você
faz iniciados que podem a vida toda se dedicarem apenas a isso, ser
um iniciado.
O
processo de seleção natural em uma casa de Candomblé é bastante
apurado, somente pessoas com dedicação, vocação e tempo adquirem
funções em uma casa, a maior parte pode passar a vida toda apenas
participando da casa.
Vejam,
a busca de gente para iniciar é feita tanto no Ifá como no
Candomblé, não dá para dizer que sejam diferentes.
A
grande diferença para o grupo do Candomblé em relação a Ifá é
que lá o processo passa pela intervenção divina, seja pelo grupo
dos elegun como pelo grupo dos Ogã. O divino manifestado no iniciado
é que legitima a escolha das pessoas.
Além
disso é um processo longo, para você ser alguma coisa vai levar
muito tempo.
O
processo de Ifá é uma de fábrica de iniciações, motivadas pelas
pessoas ou pelo Bàbáláwo, produz é um grupo de pessoas
pouco preparadas, com pouco ou nenhum conhecimento de Orixá (Òrìṣà),
liturgias e folhas e pior que se metem com isso a tirar suas
frustrações do culto de orixá (Òrìṣà).
Eu
participei dos 2 cultos e não tem comparação, no Ifá tudo é
muito mais simples para a pessoa rapidamente ganhar um título.
Dessa
maneira, na minha visão, a chegada do Ifá no Brasil não serviu
para melhorar a qualidade do oráculo, ou da religião, pelo
contrário, abriu mais uma comércio de jogos, ebós e iniciações.
O
fato de antes não termos Bàbáláwo e agora termos, não fez
nenhuma diferença para os cultos de orixá (Òrìṣà) que
continuam a ter um processo seletivo muito mais qualitativo.
Em
relação aos consulentes, apenas abriu-se um novo grupo de olhadores
de oráculo, com os mesmos defeitos dos anteriores.
Veja
não vejo muita diferença entre uma consulta de meia hora com um
olhador usando búzios ou com um Bàbáláwo usando Opele
(Òpẹ̀lẹ̀) e falando de Odù
através de pré-interpretações. Na verdade acho que a consulta com
búzios é até mais rica, em informações, para o consulente.
Eu
vejo sim diferença entre búzios e Ifá se o Bàbáláwo usa
os Ikin e faz consultas que duram de 3 a 4 horas,
contando e interpretando histórias junto com o consulente, usando o
Ìbò para definir as respostas com o consulente.
A
maior parte dos Bàbáláwo usa Opele (Òpẹ̀lẹ̀), que é
um instrumento para velocidade e não baixa Ifá, como a gente diz,
não usa o Ìbò, ou seja, ele sozinho determina o sim e o não
das respostas e, ao lidar com Odù,
ele utiliza a forma já interpretada do significado do signo, muito
similar ao que se faz no jogo de búzios por Odù
do Candomblé.
Eu
tenho experiência nas 2 coisas, no jogo de búzios por Odù
e na consulta de Ifá, sinceramente, usando o Opele (Òpẹ̀lẹ̀),
as chances de serem equivalente é muito grande. Dessa forma para os
consulentes Ifá é mais uma opção de oráculo.
Na
prática quebrou o monopólio da religião que era dos Babalorixá
(Bàbálórìṣà).
Voltando
aos iniciados de ifá, tem um subgrupo bastante complicado nesse
conjunto que são as pessoas que foram para Ifá porque não
conseguiram prosperar no Candomblé, seja porque não adaptaram a
regras e as casas ou não tinham paciência e disciplina para
aguardar o tempo ou não foram privilegiadas pelo divino.
Essas
pessoas
acabaram tendo 4 destinos. Antigamente eles tinham que ir para a
Umbanda e abriam casas misturando Umbanda e Candomblé de modo a ter
uma casa que funcionasse com o pouco conhecimento que tinham, mas que
permitissem a eles superar suas frustrações no Candomblé. É um
grupo ruim, porque criava as casas de umbandomblé, omolokô
e mais recentemente casa de Angola onde pode tudo (samba do crioulo
doido).
Com
a entrada dos estrangeiros, muitos passaram a ir para a santeria
local, com critérios de qualidade muito pequenos onde fazem o que
querem dizendo que são de orixá (Òrìṣà), ou para a RTY –
religião tradicional yorùbá. A RTY fica mais em SP, mas é a mesma
coisa, um culto de orixá (Òrìṣà) feito no Brasil com gente
despreparada e onde pode tudo, recebendo os desajustados do Candomblé
em busca de títulos e legitimidade.
Minha
crítica a esses cultos de orixá (Òrìṣà) estrangeiros é
consciente. São estrangeiros e não estão adaptados ao Brasil como
o Candomblé está. Fora a questão da qualidade religiosa em si da
tradição, quando comparada com o Candomblé, que não vou detalhar
aqui, a grande diferença é que eles oferecem um culto mais simples,
menos regras, menos exigências, etc…
Assim
a gente se depara com a falta de necessidade de existir isso, depois
com a inadequabilidade deles à nossa sociedade e por fim a oferta
alternativa deles baseada na facilidade.
Os
outros 2 destinos são se iniciar em Ifá com cubanos ou nigerianos.
Os
problemas desse subgrupo de pessoas que se frustrou no Candomblé e
que procurou esses caminhos foi porque eles precisavam legitimar suas
posições. São pessoas que não tinham adquirido posições formais
ou conhecimento, se sustentam com ar e encontram nos estrangeiros uma
forma de serem alguma coisa sem terem que passar pelos ritos, tempos
ou escolhas divinas.
Veja,
o Candomblé não é perfeito, tem vários motivos para as pessoas se
frustrarem, grande parte desses motivos está nas motivações das
próprias pessoas para procurá-lo. Contudo, de fato, as coisas nele
são longas e demoradas e grande parte dessas pessoas que não se
adaptam e procuram os estrangeiros é porque quer facilidade ou
precisa apenas se legitimar.
Por
que facilidadade? Hoje em dia a sociedade mudou, ha alguns anos, é a
geração mimimi, aquela acostumada a ter tudo na mão, aprendizado
farto e disponível, informação para todo o lado. Não tiveram que
procurar conhecimento, escavar para aprender. Encontraram e encontram
um monte de gente para aceitar e justificar sua preguiça e
incompetência no que fazem e em aprender. Tudo sempre na mão e
total costume em receber tudo pronto com as pessoas se esforçando
para que eles aprendam algo.
Gerações
e gerações de gente mimada, mimizenta e frequentam shopping center,
estragadas para a vida real, gente que quer exigir sem dar esforço
em troca, que quer se formar sem estudar, que quer sair da faculdade
e virar presidente de empresa. Acham que todo mundo tem direito a
tudo ou acesso a tudo. É isse tipo de pessoas que foram formadas nos
últimos 25 anos.
Esse
tipo de pessoa, forjada nessa forma podre, não aceita dogmas, regras
e nem hierarquia, não tem paciência ou persistência, esta
acostumada com livros e vídeos de auto-ajuda convencendo ela que a
preguiça recompensa.
O
que é legitimar? Simples, tem pessoas que se anunciam a sociedade
como sendo uma coisa que não são ou que não tiveram a formação
adequada para isso. É gente que tem casa de umbanda mas queria ser
de Candomblé, é gente que tem casa de Candomblé mas que nunca teve
formação completa. É gente que inventou feitura e obrigações de
anos, que se deram cargos sem nunca ter recebido nada de ninguém. É
gente que é vidente, joga búzios mas que nunca fez sua formação
no Candomblé, e por ai vai. São pessoas que sustentam uma posição
e não tem retaguarda que justifique, que inventam que foram
iniciadas e pagaram seus anos sem nunca terem feito isso.
Esses
estrangeiros de orixá (Òrìṣà) e Ifá são um caminho para eles
regularizarem tudo isso.
Eles
vão para esses cultos de estrangeiros e pagam para receber os
títulos que não tem.
Um
exemplo clássico e
simples
que
me vem sempre,
é
um
conhecido
ativista de movimento negro, acadêmico, sempre lotado em algum
gabinete politico no Rio de Janeiro, com um monte de cargos naquelas
comissões de nome grande e que devem fazer alguma coisa, mas que
nunca teve posição na religião, ou, pelo menos, uma que ele
próprio achasse importante destacar. Ha poucos anos se ligou a um
desses africanos, que bastava olhar o facebook dele para ter certeza
que era muçulmano. Não importa, deve ter pago um bom dinheiro
porque o africano só aparecia com roupas
caras
nas
fotos.
O
ativista então
virou Bàbáláwo
e
agora
usa esse título e junto
com mais
um assunto para falar, ele
ganhou um status diferente,
mas no seu facebook, nas fotos, não aparece mais o seu iniciador.
É
muito
curioso ver pessoas que nunca foram de nenhuma tradição
afro-brasileira, nunca tiveram atividade ou relevância, ai a pessoa
vira Bàbáláwo
através de um africano, faz uma ou duas viagens turísticas à
África
e passa a ser um especialista na religião, ensinando,
montando rádio na internet, canal no Youtube
e tudo o que for possível.
Vejam
muita gente de Candomblé já foi a Nigéria e Benin, mas, como
turistas mesmos, foram la ver os lugares originais da religião. Eles
não vão lá para comprar obrigação ou para voltar especialistas
em qualquer coisa.
O
pior de tudo mesmo é essas pessoas acharem que porque são Bàbáláwo
são melhores que outras pessoas mais velhas e com muito mais anos de
iniciados, é não saber o que são anos e anos de iniciação.
Mas,
deixando de lado esses aspectos mundanos e mesquinos, uma das
mudanças importantes que a chegada de Ifá no Brasil promoveu foi
consolidar a situação dos olhadores que usam o jogo de fato para
interpretar, que tem um método e que tem uma base comum para
aprender e falar com as pessoas.
Antes
o grupo que fazia isso era restrito a um conjunto pequeno de Ogãs
que se viraram para jogar búzios, mas que, para
fazer isso,
enfrentavam a oposição dos Babalorixá
(Bàbálórìṣà) e
Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà).
Com a chegada dos Bàbáláwo
a situação se
consolidou, uma vez que os Bàbáláwo
não jogam através de mediunidade, sabem ensinar aos demais, tem uma
base comum e método para interpretar o oráculo e,
principalmente, não dependem de nenhum Babalorixá
(Bàbálórìṣà)
ou Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà)
para exercer isso.
Os
Bàbáláwo
começaram
a
estabeleceram
um novo equilíbrio de poder na sociedade religiosa
afro-brasileira.
Eles trazem o seu oráculo, trazem uma alternativa para se consultar
os orixá (Òrìṣà) sem ter que passar pela mão de um Babalorixá
(Bàbálórìṣà) ou
Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà).
O Babalorixá
(Bàbálórìṣà)
que era o todo poderoso na religião, aquele que saiba tudo e que só
ele podia falar, passou a ter que lidar, com os Bàbáláwo
que também falavam em nome da religião, com conhecimento da
religião e com seu próprio oráculo, sem contar, também,
os sacerdotes de orixá (Òrìṣà) estrangeiros que vem concorrer
com o mercado local.
Existem
essas mudanças no equilíbrio social, mas, a mais importante, a meu
ver é consolidar os olhadores que não dependem mais de mediunidade
para ter um oráculo. Em termos de religião isso foi o mais
importante.
Minha
visão que já fui de Candomblé é que não ter tido Ifá aqui antes
não fez a menor diferença, pelo contrário, temos um culto melhor
de orixá (Òrìṣà) por causa disso. Se tivéssemos Ifá talvez
isso prejudicasse a qualidade do nosso culto de orixá (Òrìṣà).
A
entrada de Ifá na sociedade, como mais uma opção na matriz
afro-brasileira ainda é bem recente, para ter efeitos amplos.
O futuro do Ifá e
do Candomblé
É muito difícil prever essa
relação de Ifá com o Candomblé. Vai depender de muita coisa.
A primeira coisa que eu tenho a
dizer é que tudo será melhor com informação e entendimento real
da religião.
A âncora disso será o grupo de
pessoas de Candomblé, Ogãs principalmente, que forem para Ifá
mantendo sua tradição original de orixá (Òrìṣà) do Candomblé.
Vou explicar a seguir porque estou direcionando o futuro a esse grupo
específico.
Babalorixá
(Bàbálórìṣà) não podem ser Bàbáláwo.
Pessoas rodantes, que recebem orixá (Òrìṣà) não são feitos
Bàbáláwo.
Podem ser iniciados como awofakan, mas não serão Bàbáláwo
e um awofakan não representa Ifá, somente um Bàbáláwo
representa Ifá, somente o Bàbáláwo
tem atividade em Ifá.
Se cubanos ou africanos transformam
um Babalorixá (Bàbálórìṣà)
em Bàbáláwo
fazem isso por dinheiro e dessa maneira isso é uma iniciação questionável.
Os cubanos têm umas cerimônias
que eles fazem em Ifá para inibir a incorporação de modo que um
rodante pudesse ser iniciado, isso valeria para pessoas de umbanda,
que incorporam guias de umbanda, eles também não podem ser
Bàbáláwo.
Não sei se essas cerimônias
funcionam, para mim isso é criar uma situação que não pode
existir de fato, para mi isso é enganação. Assim como é
enganação, ou melhor, ilegítimo pessoas que incorporam em umbanda
serem iniciadas em Ifá, virarem em Bàbáláwo
e continuarem a trabalhar com guias de Umbanda.
Mas isso ocorre. Um dos primeiros
brasileiros iniciados Bàbáláwo
pelos cubanos era homosexual e incorporava guias de Umbanda. Dessa
maneira essas coisas ilegítimas ocorrem o tempo todo.
Ambas as tradições de Ifá têm
restrições para iniciarem como Bàbáláwo
pessoas homosexuais. Aqui no Brasil podem contrariar isso porque eles
vêm aqui para ganhar dinheiro e não fazer o que é certo. Vejo
muito brasileiro mimizento querendo discutir isso, mas, é inútil,
como já disse é uma geração de gente mimizenta, mimada e
preguiçosa. O fato é que essa regra existe.
Igualmente não existe a iniciação
de Iyanifá, feita para mulheres que seriam os equivalentes femininos
dos Bàbáláwo.
Eu acompanho esse assunto ha muitos anos, mais de 18 e sei o que se
falava antes e o que se faz agora.
As iyanifá são uma invenção de
africanos para ganhar dinheiro de estrangeiros. Sim existe essa
figura na religião, era raríssima porque somente mulheres velhas
podiam ser iniciadas (sem mestruação) e mesmo assim com uma prática
totalmente restrita. Tudo era tão ruim que ninguém queria isso.
Com a ida os estrangeiros pagando
em dólar, tudo passou a ser feito.
Assim, sendo, Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà) ou èkéjí não tem caminho
em Ifá, se tiverem será apenas como apetebi
(Apẹ̀tẹ̀bí)
que é uma função menor e sem importância. Uma Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà) ou èkéjí que se iniciem
para ser apetebi
(Apẹ̀tẹ̀bí),
sinceramente, é gente que não entendeu nada de Candomblé e muito
menos de Ifá.
Dessa forma o grupo dos eleguns,
dos Babalorixá (Bàbálórìṣà)
e das Iyalorixá
(Ìyálòrìṣà) é um grupo fechado e o
relacionamento deles com Ifá será sempre um desvio de função.
O grupo que resta então é o dos
Ogãs. Eles já são um elemento de ligação no Candomblé entre o
divino, os sacerdotes e o Egbe
(Ẹgbẹ́). Eles
conhecem a participam de tudo, tem acesso as pessoas e as liturgias.
As pessoas desse grupo se forem para Ifá e mantiverem no Ifá todas
as usas práticas de orixá (Òrìṣà), não usando as práticas
que cubanos e africanos trazem de seus próprios cultos poderão ser
o elemento de ligação entre Ifá e o Candomblé.
Como informação eu digo que nem
tudo o que um Bàbáláwo
faz é necessariamente exclusivo de Ifá. Toda a relação com orixá
(Òrìṣà) é feita com conhecimento externo do culto de orixá
(Òrìṣà). Assim na tradição cubana eles ensinam para os noviços
a forma como eles lidam com orixá (Òrìṣà) no Lukumi. Eles
ensinam inclusive a cosmogonia, teogonia e teologia da forma como os
Lukumi entendem e que é completamente distinta da visão do
Candomblé.
Não existe compatibilidade nenhuma
entre o culto de orixá (Òrìṣà) de Cuba, o Lukumi e o Candomblé.
São água e óleo.
Assim, os brasileiros, oriundos do
Candomblé que forem para Ifá devem ter o cuidado de usarem o
conhecimento que já tinham e a prática que já tinham e não
absorver nada do culto de orixá (Òrìṣà) dos estrangeiros.
Observe que sempre me refiro ao
grupo legítimo do Candomblé, aqueles que faziam parte da estrutura
formal das casas e que tinham acesso ao conhecimento. Não adianta a
pessoa ser tocadora de tambor, não participar de obrigações e
liturgias de uma casa e ir para o Ifá, ela vai zerada sem saber nada
e não vai ser elemento de ligação nenhum.
Os Ogãs são então o grupo que
poderá fundamentar um Ifá brasileiro, integrando esse Ifá com as
raízes do Candomblé e a africanização que temos aqui. Esse grupo
poderá colocar o Ifá ao lado do Candomblé e integrado ao culto de
orixá (Òrìṣà).
O grupo das pessoas não iniciadas,
laicas ou de Umbanda que vão para Ifá, não representam nenhum
elemento de ligação com os cultos de orixá (Òrìṣà) já
existentes, pelo contrário eles entram no lado da divisão.
O Ifá cubano e africano não tem
nada a ensinar ao Candomblé, tem que aprender.
O que Ifá de natural e valioso é
a intimidade de usar o oráculo sem medo ou receio, a intimidade de
quem consulta o divino de fato e não usa mediunidade.
Ifá poderá ajudar a muitos
sacerdotes que não tem fluência no uso do oráculo, bem como pode
haver integração entre os consulentes de Ifá e do Candomblé e até
mesmo de Umbanda.
Se Ifá focar na sua função
principal que é a consulta ao oráculo ele terá utilidade e
sinergia com o Candomblé. O uso do oráculo no Candomblé é sempre
cercada de muito mistério, um mistério que o Bàbáláwo
não tem porque só faz isso.
Esse
é mais um desafio que o Candomblé está faceando. A sua primazia na
posse de um Oráculo esta definitivamente com os dias contados e o
culto de Ifá irá de forma definitiva tomar para si, como tem feito,
a propriedade de ser o oráculo de Ifá em detrimento a forma
oracular pouco estruturada que usa o mesmo nome no Candomblé.
Como
eu disse ao longo de todo esse texto isso não é uma verdade, o
oráculo do Candomblé tem bases dogmáticas para se impor como um
oráculo alternativo ao de Ifá e ser considerado um oráculo mais
preciso e eficaz para lidar com orixá (Òrìṣà) e com as pessoas.
A comprovação disso é encontrada nos versos desses 2 Odù
que eu transcrevi e mais no Odù
ọ̀ṣẹ́túrá, Ogbè-ògúndá, Ọ̀sá méjì, Ìrẹtẹ̀ méjì.
O
Candomblé tem ainda mais outros desafios: a formatação do
Candomblé para ser uma opção religiosa de fato; A integração de
pessoas vindas de classes sociais e níveis culturais mais evoluídos;
O bloqueio da sua degradação dogmática devido a entrada em massa
de pessoas vindas de Umbanda que trazem uma anarquia teológica; a
estruturação de uma forma de transmissão de conhecimento que
separe o que é teologia de liturgia; a incapacidade das casas de se
estruturarem para permanecer com as pessoas depois que eles fazem os
seus 7 anos e são obrigadas a se anularem evitando assim a
proliferação de casas com pessoas sem condições de as manterem.
Existem muitos tipos de problemas e
que dependem de elementos diferentes do supernatural. O Candomblé, a
Umbanda e Ifá tem espaço para conviverem e se integrarem.