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quinta-feira, março 26, 2015

Odù


É um palavra de moda. As pessoas do Candomblé, de vez em quando, se cansam de falar sempre do mesmo (como dizer a qualidade do orixá dela para todos e como o orixá dela é especial ou diferente, etc..) e arrumam uma nova moda.

Assim foi com  Odù. Tudo virou Odù. Claro que, como temos uma cultura forte de orixá, isso ficou em quarto plano, após Orixá, Ori e Exu, que são os temas preferidos.

Na série a seguir estarei publicando os textos sobre Odù do BLOG, que explicam bem o assunto.

Odus negativos no Candomblé

Odus negativos no Candomblé

Revisão 3


Quando posso, ou podia, eu assisto a programas de rádio sobre Candomblé aqui no Rio. Podem ser ouvidos pela Internet também, existem 2 rádios que tradicionalmente tem esses programas normalmente no horário noturno e a partir das 21:00.


Olha, eu ouço, mas é um verdadeiro FEBEAPA, como diria o já falecido Stanislau Ponte Preta. Sim, um festival de besteira, mesmo para o Candomblé, onde é difícil falar que algo que não é besteira. É inegável o caráter comercial que os programas têm.
O objetivo dos programas é esse, atrair clientes e, se eles não tivessem sucesso nisso, não existiriam os programas.

Temos que lembrar que existe vontade para tudo e quem os procura, o faz de livre e espontânea vontade. Igualmente quem os ouve faz porque quer. Dessa forma, cada um avalie o que é bom ou ruim para sua vida.


Eu tinha vontade de, de vez em quando, fazer uma coletânea das besteiras que eles falam, mas, meu tempo não é lixo para eu falar de lixo. Assim vou tocar em um ponto apenas que é relevante para eu que sou Bàbáláwo, que é o caso de
Odu negativo.

Lembro a todos que eu já falei aqui que a maior parte dos Babalorixas e Iyalorixas de Candomblé, que se promovem falando de Ifá e Odù, não tem a menor ideia sobre o que estão falando.

Eles nada sabem e não tem ideia do que seja Odù ou Órunmila (Ọ̀rúnmìlà). Eles apenas usam isso para impressionar as pessoas e torná-los diferente dos demais, arrotando um conhecimento que não tem. Repetindo, Babalorixá (Bàbálórìṣà) e Iyalorixá (Ìyálòrìṣà) de Candomblé não sabe nada de Ifá, de Odù ou de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà).

O que se fala de Odù no Candomblé não é Ifá. O ifá que o Candomblé diz que têm, foi criado aqui na década de 90 e foi retirado do livro do Maupoil, principalmente e de outros, poucos, que na é poca ficaram conhecidos. Esse livro, Maupoil - A Adivinhação Na Antiga Costa Dos Escravos, é muito antigo, fala do Benin e de Fá, uma variação do Dahomey. Não é Ifá e não está ligado com a religião yorùbá e, o que tem no livro e foi copiado pelo Candomblé, esse conhecimento, não tem em Ifá de verdade.

Isso é uma coisa de livro, antigo, ou de uma culto que eu, como Bàbáláwo e pesquisador, desconheço.

O nosso Ifá do Candomblé, com seus significados de Odù, é uma Jabuticaba, só tem aqui no Brasil, no Candomblé.


O que posso dizer aqui de forma simples, é que é uma jabuticaba. O Candomblé criou um Ifá e um Odù só para ele.

Essas pessoas falam de um Ifá que não é o de verdade.
Esse Ifá que os Babalorixá (Bàbálórìṣà) e Iyalorixá (Ìyálòrìṣà) dizem que sabem e explicam é algo que eles constroem na cabeça deles. Eles partem dessa de Ifá que foi inventada aqui na década de 90 do século XX e derivam e criam conhecimento e entendimento.

Eu posso afirmar isso baseado em várias coisas.

A primeira é que sou Bàbáláwo e sei, hoje, como é Ifá. Eu pratico isso e conheço os versos de Ifá. A segunda é que eu já fui do Candomblé e aprendi esse Ifá do Candomblé. Antes de ir para o culto de Ifá eu, no Candomblé acreditava nisso que esta por ai, e pratica da forma como o pessoal aqui no Brasil diz que deveria ser. Por fim, eu pesquisei sobre o tema e sei como isso nasceu e se desenvolveu.

É importante que entendam isso.

Aqui no Brasil foi criado um Ifá que, na ausência do culto de Ifá no Brasil, foi construido da cabeça de pessoas daqui. O que eles chamam de Ifá, Odù e Itan, são coisas que eles aprenderam de fontes ruins, inventaram e foram se copiando, o que transformou muitas informações em erros.

Se você é do Candomblé, como eu fui, e aprendeu esse Ifá, lamento, não é nada disso.

Aliás, o processo que eu entendo que ocorreu foi esse da cópia e reprodução. Alguém descobriu algum material, talvez até correto, saiu repetindo e criando em torno disso, outros pegavam o que esse falou e fazia a versão dele e por ai foi. Acabaram criando uma cultura própria, sem nenhuma base.


O livro do Bernard Mapouil foi a principal fonte do Candomblé e em torno disso criou-se conhecimento próprio. Mas a partir desse material e na ausência de algo melhor, o tema “viajou” muito.

Eu sei quem foram as pessoas que iniciaram esse conhecimento aqui e posso dizer que TODAS ELAS, se iniciaram em Ifá quando os cubanos e nigerianos chegaram no Brasil e essas pessoas abandonaram esse método que elas ajudaram a divulgar.

Pessoas como o Pena, o Portugal, o Adilson e mais alguns outros que desenvolveram esse tema em livros, apostilas e aulas. O método e o conhecimento que elas ajudaram a criar e divulgar ficou para trás, elas procuraram Ifá de fato porque sabiam que o que fizeram era uma coisa particular.

Isso gerou vários desentendimento, que hoje a gente tenta explicar, não é fácil porque ainda tem muita gente que continua a usar e promover esse conhecimento.

Um desses assuntos está no uso do termo Odu negativo.

Aliás, a primeira coisa a lembrar é sobre o continuado uso de determinar Odu através de data de nascimento. Leitores, por amor ao seu Orixá,
isso é uma idiotice. Já expliquei no Blog. ISSO NÃO EXISTE. É uma bobagem, uma besteira. Não faça isso e nem acredite nisso. Se alguém fala sobre numerologia e Ifá é basicamente porque esta pessoa é ignorante e não sabe nada, mas nada mesmo, de Ifá.

Numerologia é numerologia, Ifá é Ifá. Não existe vínculo!

Se a pessoa pede sua data de nascimento, faz umas contas, risca aquela cruz no papel e coloca 4 Odù nela e sai explicando sua vida com aquilo, acreditem isso não é Ifá. Pode ser algum outro conhecimento esotérico que eu não conheço.

Repito, já fiz isso ai como qualquer candomblecista, achava o máximo, mas, pesquisando e aprendendo, descobri que isso não existe em Ifá. Se isso existe é porque é parte de outra coisa.

A outra coisa grave é quando a pessoa amarra nisso a afirmação de que saiu para essa pessoa um
Odù negativo. Veja, a pessoa não está se referindo a que naquela consulta o Odù é negativo para aquela pessoa. Na cabeça do olhador, Odùs são coisas do mal, com raras exceções, trazem coisas e problemas gravíssimos.

É assim que descrevem Odù, exceto Obará que sempre é positivo, porque isso interessa a eles, todo o resto, são situaçõs gravíssimas.

Assim Osa é sempre negativo, Owonrin, eji ologbon, eji onile e outros que não lembro agora, também.
Na visão desse olhadores, Babalorixá (Bàbálórìṣà) e Iyalorixá (Ìyálòrìṣà), os Odù significam alguma coisa negativa que é trazida naquele momento para a sua vida, tipo uma praga que você pega durante o jogo deles.

Você está bem, entra lá para jogar e o jogo traz então uma praga que eles vão ter que tirar para você.

Raro mesmo é ver alguém dizer que algum Odù é bom, todos são ressaltados pelos seus caráteres mais graves, de acordo com essas definições de Odù que o Candomblé inventou.

Eu, se ouvisse isso, ficaria assustado com Ifá e Odù. Tudo é dito ser tão sério e grave que jamais me interessaria.


Vou repetir eu ouço as pessoas falando assim, se referindo a determinados Odù com gravidade.

Gente,
NÃO existem Odùs negativos por definição.

Odù não te traz nada negativo,
Odù é sempre positivo para sua vida.

Um Odù pode, naquele momento, trazer uma mensagem na qual ele indica uma negatividade ou uma positividade que
já está presente em você e em sua vida ou vai se manifestar.

Odù não é a negatividade. Odù é a mensagem que explica o que você já tem e é também a benção de Olodumare trazendo a solução para sua vida.


Odù é o remédio não é a doença.

Não podemos chamar o remédio para curar o câncer do próprio câncer. Se um remédio é destinado a curar uma doença, se vemos alguém usando-o vamos saber que aquela pessoa tem aquele problema e não que aquele remédio é quem transmite a doença para ela.


Os Nigerianos entendem que o Odù anuncia uma Benção, um Ire, ou então um questionamento um Ayewo, porque eles não aceitam que ele anuncie um mal. Você deve questionar o que não está bem com você.


Os Cubanos também pensam assim. Para ele é Ire, benção ou Osogbo (não benção). Eles não usam a expressão Ibi - mal.


Odù é sempre o remédio, é a benção que recebemos de Olódùmarè através de Ifá.

Eu tenho uma explicação bem simples e que qualquer pessoa pode entender. Odù sempre é uma benção. Se você está bem e necessita melhorar ou trilhar novos caminhos, o Odù vem positivo, ou em Ire como falamos, trazendo esse axé adicional para você. Ele vai alavancar a sua vida, te impulsionar.


Se você não está bem e o Odù vem negativo, ou em osogbo, não é o Odù que tem o problema é você, e nesse caso ele vem tirando essa sua negatividade para normalizar sua vida.


Em Ifá, verdadeiro, primeiro se determina o Odù e depois, usando novas caídas e os Ìbò você determina o tipo de mensagem (Ire/osogbo Ire/Ayewo).


Veja, entenda, o Bàbáláwo, primeiro determina o Odù, depois identifica se ele vem trazendo bençãos ou se vem removendo problemas, negatividade.

Os Babalorixá (Bàbálórìṣà) e Iyalorixá (Ìyálòrìṣà) não fazem nada disso, nem sabem, nem usam Ibo. O Odù cai e eles logo vaticinam os problemas, qualificando o Odù como ruim só pela identificação.

Desta forma,
em Ifá de verdade, qualquer Odù sempre representa uma mensagem sobre uma situação positiva ou negativa e sempre trazendo a solução para esta situação.  Dessa maneira um Odù sempre é positivo. Ele será negativo para resolver e que você já tem. Não é o Odù que traz isso.

Vou dizer de outra forma, o problema ou situação, você já tem, o Odù é a mensagem que traz a forma de resolver isso. Ele não é o problema, ele sempre vem resolver sua situação.

NÃO existe isso de dizer que determinado Odù seja por definição negativo ou que tenhamos nos 16 Odu aqueles negativos e os positivos.


Todo Odù vem de
Olódùmarè através de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà). Assim todo Odù é bom, é a mensagem que explica o que você precisa fazer para melhorar.

Pior é que essas pessoas sem conhecimento e escrúpulo fazem isso usando a maldita data de nascimento. Temos então 2 besteiras ao mesmo tempo, numerologia para determinar Odù e predefinição de positivo/negativo. Não levem isso a sério.


Duas coisas podem motivar eles falarem essas besteiras. A primeira e mais provável é ignorância. Eles não sabem mesmo o que é correto. Aprenderam alguma coisa de qualquer jeito e inventam mais para esconder o pouco que aprenderam. A segunda é que isso é uma boa estratégia para assustar as pessoas, sem motivo e fazer essas pessoas os procurarem.


Vou repetir o que eu disse no início, O tal Ifá ou Odù que o Candomblé usa, não é o Ifá de verdade, isso foi uma invenção aqui no Brasil.

Vou fazer outra afirmação, 100% dos Babalorixá (Bàbálórìṣà) e Iyalorixá (Ìyálòrìṣà) que jogam búzios com Odù não sabem ler nada no jogo. Eles jogam com aurividência e clarividência. É a mediunidade deles que diz o que eles têm para falar para você, não são os búzios jogados, lamento decepcioná-los com isso.

Para conhecer mais sobre Odù leia o texto


O que é odù? 




sexta-feira, março 20, 2015

Uso de ebós de Odù por Iyalorixás e Babalorixás do Candomblé

Uso de ebós de Odù por Iyalorixás e Babalorixás do Candomblé


Recebi um pergunta através do BLOG e estou publicando como postagem o tema.


A pergunta questionava se uma Iyalorixá de Candomblé poderia estar fazendo ebó de Odù, ou seja se isso não seria exclusivo de babalawo de Ifá.

Minha resposta é:


Pode.

Veja, vamos separar essa linha de tempo em 2 momentos. Antes e depois desse espalhamento de ifá pelo Brasil.

Antes do ifá e ate hoje, ialorixás jogavam búzios, muitas usavam e continuam a usar a técnica de merindinlogun por odu.

Sempre foi assim e sempre funcionou. Claro que os odu são meji, sempre foram, o candomblé nunca analisou omo odu ou odu composto (como cubanos fazem), mas o conceito de odu sempre esteve presente no Candomblé.

Odù não é exclusivo de Ifá. Odù existe, pertence a religião, a Olodumare. Igualmente o acesso a orunmilá não é exclusivo aos Babalawo. Ele é uma divindade ou um Orixá pode ser acessado por todos.

Uma análise qualitativa deste tema vai apontar desvios ou divergência do entendimento do tema de Odù entre o Candomblé e o Ifá, mas, apesar disso o Candomblé nunca deixou de abordar os principais conceitos, teorias e práticas da religião, aliás, mais e melhor do que qualquer outra tradição sejam os cubanos ou os africanos.

Você vai encontrar no Candomblé o uso correto de teologias como Ori, ajé, egun e principalmente a relação orun-aiye. Eu tenho extensivamente lido obras editadas sobre esta religião, em espanhol e ingles, de africanos e cubanos e posso afirmar que a prática que temos não fica em nenhum momento atrás do que esses ai dizem.

Sempre houveram ebós de odu no candomblé, eu mesmo passei por alguns, eram ebós e oferendas, principalmente essas ultimas.

O conhecimento disso sempre existiu na prática e até em alguns livros de autores conhecidos e outros poucos conhecidos. O livro do Beniste, O jogo de Búzios, é ótimo. O Doté Heraldo de Xango, editou livros próprios sobre odu e ebós de odu. O material não é dele, ele formatou e publicou um material manuscrito que corria em poucas mãos, eu mesmo tive a oportunidade de ver uma dessas cópias manuscritas. O livro dele de ebó de Odú é ótimo, esta dentro do contexto de como o Candomblé e são muito efetivos.

A ligação do Candomblé com Ifá foi pouco intensa mas sempre existiu. Joao do Rio relata a existência de babalawos no Rio de janeiro em 1905, havia uma comunidade deles e usavam Opele. 

Casas antigas de Candomblé, como o Apo Afonjá, tinham material sobre Búzios e Odu em seu poder e isto circulava entre membros selecionados. O livro do Beniste foi feito com esse material e o livro do Agenor também. 

Bangboxê trouxe isso para cá no início do século XX.

O livro do Mapouil sempre foi uma referência importante para os brasileiros nesta área e gerou uma forma de Ifá mais "esotérica", mas européia, creio eu.

O Mapouil foi de longe a fonte e inspiração de muita gente que na metade do século passado passou a produzir algum conhecimento de Odù e Ifá. Dessa fonte e de pessoas que juntaram Odù com outros esoterismos surgiu a pratica de Odù dentro do Cadomblé. Sempre foi honesta, nunca se colocou como Ifá e sempre era baseada em um mesmo formato.

O jogo de búzios sempre teve 3 formas de ser praticado aqui. A primeira o uso da videncia na qual não importavam os búzios, na segunda os buzios como uma fala de orixá e a terceira o uso com Odù.

Dessa forma o Candomblé sempre esteve ligado a Odù, lembrando que Odù é uma manifestação divina de olodumare e como energia esta longe de pertencer somente a Ifá.

Por muitos anos o jogo de búzios tem servido ao Candomblé com perfeição, temos teoria e prática. O uso de Odù esta dentro deste conceito. Não era dominado por todos mas muitos sabiam fazê-lo.

Ifá veio e trouxe a sua visão, o seu método de trabalhar com isso. Considerando que a única coisa que esse culto faz é isso então tinha que ser melhor do que fazemos no Candomblé.

Ifá trouxe outra dimensão para o uso de Odù para a sua invocação e manipulação. Quando a gente compara como o Candomblé fazia e como Ifá faz a gente passa ver uma essência que o Candomblé não conhecia, mas, que tem significado em relação ao forma como ele é invocado e trabalhado.

A dimensão do Candomblé sempre passou muito mais por Orixá.

A forma como Ifá consulta e analisa e a forma como faz ebós é única e isso parece criar 2 questões: a primeira colocar a cheque o uso de odu e seus ebós pelo Candomblé; a segunda a legitimidade das consultas com Odù no Candomblé.

Estas questões somente se dissipam quando você usa os 2 simultaneamente. Eu fiz isso e sei que eles dizem a mesma coisa.

Uma iyalorixá não vai poder fazer um ebó de Ifá como os babalawo fazem. Ela vai fazer como o Candomblé faz ou como sempre fez.



Agradeço ao leitor do Blog pela pergunta.

quinta-feira, março 12, 2015

Consciência Moral e os Critérios de Autocorreção e Autoeducação transmitidos pela religião dos Orixá

Consciência Moral e os Critérios de Autocorreção e Autoeducação transmitidos pela religião dos Orixás


Por Lenny Francis*


Tenho visto ao longo do tempo, um conjunto de pensamentos expressos que dizem que na religião dos orixás não existe bem e mal, pois estes são relativos; de que não existem virtudes a serem desenvolvidas nos seres humanos e que a única coisa que temos que nos preocupar é de cumprirmos os tabus de nosso orixá.

Esta fala é muito usada para justificar o uso do oráculo e dos ebós para alimentar uma série de paixões e vontades de clientes que não abrem mão de verem seus desejos realizados, muitas vezes passando por cima da vontade de outros envolvidos.

Nega-se a ideia de virtudes e de desenvolvimento das mesmas, afirmando muitas vezes que as virtudes são critérios cristãos de moralidade e que não estaríamos inseridos dentro do contexto cristão, por isso não deveríamos segui-los.

Nada mais longe da realidade, pois as virtudes são atemporais, e não estão contextualizadas a um lugar (como a Europa, por exemplo), pois são atributos do espírito humano.

As primeiras menções a estas virtudes são justamente os mitos religiosos. A coragem, a justiça, a temperança, a sabedoria, as astúcia, etc., estão presentes em inúmeras estórias mítico-religiosas. Além do que, os primeiros estudos sistemáticos realizados sobre as virtudes do espírito são os dos filósofos. Sócrates, Platão, Aristóteles e os estoicos, por exemplo, inseridos em um contexto pré-cristão, dito “pagão” pelo cristianismo, identificaram e explanaram estas características do espírito humano bem antes que os patrísticos e os escolásticos da igreja o fizessem. E é importante ressaltar que estes só o puderam fazer, ao se atentarem para a genialidade e a sensibilidades de seus predecessores.

Nesse sentido o argumento que de devemos rejeitar estas virtudes por fazerem parte de um contexto cristão é balela. Coisa de gente que não estuda e repete como papagaio o que outros (que muitas vezes são mal intencionados) dizem por aí.

Em segundo lugar, o bem e o mal existem e mesmo que não tenhamos, na religião dos orixás, ifá, etc., uma entidade que represente o mal, este existe e é referenciado na religião. Basta ver os ajogun, por exemplo.

Em meus estudos sobre a filosofia clássica, entendi que o mesmo critério de que há na história da humanidade um acúmulo de descobertas e informações que visam o despertar da humanidade para as verdades transcendentes a ela, pode ser usado, como o foi, pelos cristãos, mas também por qualquer pensador de qualquer sistema religioso que se dedique a reflexão honesta e ao estudo destes paralelos.

Como o Marcos Arino sempre coloca em seus textos, o objetivo da existência é sermos felizes, e o da religião é nos tornar pessoas melhores (considero que isto está mais do que demonstrado em seus textos). Trago então minha compreensão sobre o que acredito serem verdades que estão mais do que presentes na religião yorubá de modo geral, pois são essências que estão em sua base. Mas para isso é preciso entender como nascem certos erros interpretativos ou mesmo desvios de conduta e quais seriam as formas de evita-los.

A consciência é o elemento pessoal que sofre influência diretamente do sistema de crenças e valores da pessoa. Se o sistema de crenças e valores da pessoa está distorcido por ter sido constituído de uma “bagagem espiritual” debilitada em termos de virtudes do espírito (caso não tenham sido trabalhadas em encarnações passadas), além de um sistema cognitivo baseado em distorções perceptivas (como a de que virtudes são parte apenas da crença cristã ou que foram inventadas por ela) ; o resultado é acreditar que as distorções compõe o campo de nossa consciência e por isso não se tem problemas com seu imperativo ético-moral.

Por isso não podemos crer que a ética e a moral sejam um sistema relativo ou interno a cada sujeito. De caráter intrinsecamente pessoal e relativamente moldado ao caráter de uma religião, como a cristã ou a budista ou a muçulmana, ou a dos orixás, por exemplo. As verdades transcendentes são a de que existe um Deus absoluto, e que existe uma hierarquia espiritual com direitos, deveres e ordens estabelecidas pelas leis criadas por Ele para atuarem em diferentes partes de sua criação (os Orixás, Orunmila, Exu, Entidades e Guias, Ancestrais, etc. são parte deste sistema); de que somos imortais em espírito e que fomos criados em carne para sermos felizes, e que esta felicidade depende do desenvolvimento (ou descoberta) de virtudes inerentes ao espírito como o equilíbrio, a fé, a bondade, a coragem e a justiça; de que as hierarquias espirituais atuam em nós para nos ajudar a concretizar nossos caminhos que nos levem a certeza de nossa felicidade e desenvolvimento. Mas também é uma verdade perene a existência do mal como ausência de virtudes e acomodação aos excessos (vícios) ou sua busca incessante e inconsequente.

As premissas anteriores independem de religiões, mas podem ser trabalhadas por fiéis de todas elas, desde que imbuídos de ter a verdadeira noção da realidade de si mesmo. Portanto conhecer-se é a ferramenta essencial neste processo. Para isso o contato com o Sagrado, na forma de uma ampla espiritualidade ou de uma prática religiosa específica pode significar um precioso auxílio. No caso da religião do Candomblé, Ifá, Umbanda este autoconhecimento é parte (ou deveria ser) da própria estrutura da prática religiosa. O oráculo, as consultas espirituais om entidades e guias podem nos ajudar muito nesse caminho.

Uma vez que o autoconhecimento verdadeiro é iniciado, a nossa autocorreção e autoeducação tende a equilibrar o sistema cognitivo, permitindo realmente uma atuação real e baseada nas virtudes absolutas do equilíbrio entre a bondade, a justiça e a fé que se tornam verdadeiramente o imperativo de nossas consciências para a condução de nossas ações privadas e públicas.

O resultado é que uma vez em paz com nossas consciências, deveremos honrá-la nas batalhas do dia-a-dia. Mas, lembremos, devemos primeiramente estar em paz com nossa consciência real (e não aquela forjada nas distorções) antes de a honrarmos (que é apenas a expressão pública destes princípios que regem nossa real consciência).

Dentro do Ifá, o Iwa Pele, o bom caráter é sempre a escolha e o esforço do sujeito de querer ser melhor.

Estas verdades independem de nós. São transcendentes e estão aí para quem quiser se dar ao trabalho de estudar e analisar as mesmas dando a si mesmo a chance real de avaliar se suas opiniões são fruto de uma distorção puramente humana alimentada por paixões de todos os tipos ou da expressão do Sagrado em sua vida. 


* Lenny Francis, é antropólogo e professor da universidade de Rio Verde

domingo, março 08, 2015

A Umbanda salvou o Candomblé


Quem acompanha este Blog já viu vários textos que fiz sobre a mistura inadequada de Umbanda e Candomblé. O meu senso crítico sobre os assuntos da religião me faz abordar os temas ressaltando os aspectos que considero relevantes. Isso vale para tudo, de Ifá a Umbanda. Criticar ou relatar o que existe não me coloca contra ou a favor de nada.

Vou revisar o texto já publicado neste Blog sobre a umbanda. Já faz bastante tempo que foi publicado e ele vai ser melhorado. Umbanda é um assunto sempre muito rico e eu fiz aquele texto com muito cuidado. Contudo existe um tema adicional que esta além do escopo daquele texto que eu quero abordar aqui. Não sei se mais alguém já se posicionou assim, não lembro de ter visto de forma que posso ter uma ideia original ou apenas ser mais um idiota escrevendo, cabe a quem ler avaliar.

A Umbanda hoje representa um desafio para o Candomblé, digo isso ha uns 10 anos. Ela vai se misturando e mudando a cara e a prática da religião Yorùbá inserindo elementos que nunca fizeram parte dela. A coisa já está tão séria que pouca gente deve saber que no Candomblé não tem exu e pombo-gira.

Não tem. Nunca teve.

Não existe guia de umbanda em Candomblé.

Isso foi inserido por pessoas despreparadas para exercer o Candomblé como sacerdote, marmoteiros ou despreparados, não importa. E digo mais a proliferação de casas ditas de Angola onde convivem guias de Umbanda como se isso fosse norma ou natural é parte do fenômeno do Umbandomblé, o Angola substitui o antigo termo “Omoloko” que era usado para caracterizar essa mistura de “jalapa com batata” e se desgastou.

Claro que a presença de Caboclos no Candomblé é bastante antiga, principalmente no Candomblé do Rio e no do Recôncavo, mas, não vou aqui neste texto me aprofundar por estas explicações.

Eu vou me resumir na afirmação que Candomblé é uma religião de origem africana e a Umbanda é uma religião brasileira. É incorreta a afirmação de que a Umbanda seja afro-brasileira ou de matriz africana. Essa afirmação é de quem não conhece a Umbanda e de quem não conhece a história da Umbanda. No texto sobre Umbanda eu volto a esta questão.

Apesar, então, desta questão de invasão do Candomblé pela Umbanda, que não sei onde vai parar, existe um outro lado dessa moeda. Que é o que vou abordar aqui.

Minha afirmação é que o surgimento e difusão da Umbanda no Brasil, a partir do Rio de Janeiro, salvou o Candomblé e demais cultos de origem africanas. Sem a Umbanda o Candomblé poderia estar muito pior.

A Umbanda foi criada no dia 15/11/1908. Foi criada pelo Caboclo das sete encruzilhadas através do médium Zelio Moraes. Antes desta data e evento de criação não existia a Umbanda. Existia sim

o espiritismo Kardecista, existia o Candomblé e existia uma extensa prática da Macumba carioca ou quimbanda de origem Bantu.

O culto de incorporação de espíritos sempre esteve presente no Brasil e veio junto com os Bantus. Esta prática nada tinha de relação com a Umbanda, uma vez que esta foi criada aqui no Brasil e não tinha vínculo com os negros africanos. Incorporar espíritos não é privilégio da Umbanda ou de qualquer culto ou religião, isso ocorre no mundo todo.

A prática dos Bantus veio junto com eles e já estava estabelecida aqui no século XIX. Bem antes da abolição total da escravatura as casas de macumba e os feiticeiros já existiam e prestavam os seus trabalhos à sociedade carioca.

Os Bantus foram a primeira etnia africana que veio ao Brasil, eles trouxeram os seus elementos sociais e místicos. São citados por historiadores como uma etnia sem muito polimento, se pessoas pouco originais e sem muita contribuição social ou religiosa. O Fetichismo e animismo que por muito tempo foi usado para denominar religiões africanas certamente tem origem na observação desses povos que representam uma enorme etnia africana.

Os Yorùbá foram a última etnia a vir para o Brasil na diáspora africana. Muitos procuram simplificar e reduzir sua relevância, dizendo que por essa razão ele acabaram prevalecendo culturalmente sobre os demais. Não é verdade. Em todos os lugares para os quais eles foram no novo mundo eles prevaleceram, não por serem os últimos a vir mas por serem os que de fato tinha uma cultura a mostrar e adicionar. Eles possuíam um grande desenvolvimento social e uma cultura religiosa poderosa. A prevalência deles sobre os anteriores, sobres os Bantus, foi por sua superioridade social e cultural, não por terem sidos os últimos.

Os Bantus trouxeram a feitiçaria e o chamado baixo-espiritismo. Os Yorùbá tinha uma religião de verdade, a religião dos Orixás.

Sobre esse tema já consultei muitas fontes. Claro, se a gente não viveu a história tem que consultar a história. Eu vivi a Umbanda, assim escrevo sobre o tema baseado em muitos anos de prática (uns 20) e por ter vivido essa religião eu me sinto à vontade para analisar processos sociais e religiosos e criticar o que é escrito sobre ela. Eu consigo entender porque falha o entendimento das pessoas e porque o material produzido por alguns curiosos é tão ruim.

Como muitos de vocês que estão lendo, eu iniciei na Umbanda e depois fui para o Candomblé. Como familiares meus ainda se mantiveram na Umbanda eu iniciei um longo processo de entendimento e codificação das informações que eu tinha da vivência da Umbanda para poder separar o que era uma coisa e o que era outra. Eu me envolvi definitivamente com os Orixás mas jamais deixei de ter contato com a Umbanda. Fiz por conta disso um grande esforço prático e teórico para compreender o que era cada uma dessas coisas e como não fazer um umbandomblé na minha cabeça.

Eu me deparei com muitas descompreensões dentro da Umbanda. A ausência de uma codificação de Umbanda fez que as pessoas criassem universos paralelos para situar a Umbanda. Isso não é recente, iniciou na década 50 na Umbanda e segue até hoje. As pessoas insistem em complicar o que poderia ser simples

Depois de ver vários textos de pessoas dizendo que a umbanda tinha surgido antes de 1908 ou falando sobre a macumba do Rio de Janeiro eu busquei essa informação histórica para poder entender o que diziam. Assim encontrei essa macumba pré-umbanda e escrevi sobre isso no texto que será reeditado.

Quando sai do Candomblé e fui para Ifá eu e deparei com outro fenômeno, que foi a contaminação do culto de Orixá dos cubanos, a santeria e o próprio Ifá pelas práticas dos Bantus, o Mayombe. Percebi então o quanto a Umbanda nos fez bem.

Preste atenção.

A Umbanda surgiu lentamente e foi se expandindo. Demorou muito tempo para se tornar popular e ser reconhecida como um movimento próprio e não um movimento derivado do espiritismo Kardecista ou mesmo da Macumba. Esta Expansão foi principalmente a partir da década de 30 se acelerando na década de 40.

A Umbanda se mostrou muito superior ao que existia. Promoveu a caridade, não foi elitista com as pessoas em muito menos com o mundo espiritual. A Umbanda deu propósito a vida de mediuns e um lugar onde as pessoas podiam buscar ajuda. Não impôs nenhuma religião e através de uma prática aberta e flexível que era acompanhada de uma doutrina hierárquica e bem definida que facilmente era entendida pelas pessoas.

Com o passar do tempo as macumbas foram se acabando ou se transformando em Umbanda. A presença da caridade da Umbanda e de seus propósitos elevados varreu do Rio de Janeiro as antigas macumbas Bantu e seus feiticeiros. Ou eles viravam umbanda ou acabavam, o seu produto não mais atraia as pessoas.

O último elemento neste processo foi a participação do Tata Tancredo e seu Omoloko no segundo congresso de Umbanda. Como resultado prático deste congresso saiu um pacto de não agressão entre as pessoas e casas e o respeito a todos como manifestações de Umbanda. Tata tancredo foi lá porque não tinha opção.

A incorporação dos cultos africanos da quimbanda e baixo-espiritismo foi de fato um golpe baixo nos princípios elevados da Umbanda mas foi necessário. O compromisso da Umbanda não ser elitista era maior.

Com o passar dos anos essas quimbandas e macumbas acabaram perdendo suas características originais e adotando a doutrina da Umbanda. O tempo demorou mas a Umbanda mais uma vez foi vencedora.

Apesar de encontrarmos no meio da chamada Umbanda popular, pessoas de menor caráter e voltadas ao mercantilismo isso é natural e não é nenhum grande problema. Assim como Jeová fez com que os judeus vagassem pelo deserto por 40 anos para que toda aquela geração de pessoas, ligadas a religião anterior morresse e desse lugar a uma nova geração, a Umbanda faz o mesmo.

Em função do processo de “limpeza etnica” que a Umbanda promoveu o Candomblé se salvou de se misturar com os Bantus e o baixo-espiritismo. O processo desta mistura, principalmente vindo do Omoloko, acabou perdendo força e sendo dizimado pela Umbanda. Sem dúvida vamos hoje encontrar casas que misturam a ralé o baixo-espiritismo com o Candomblé mas em uma proporção muito menor.


Vamos encontrar em 2 extremos a Umbanda e o Candomblé. Religiões diferentes mas praticadas com o melhor intuito de fazer pessoas melhores. Entre esses 2 extremos vamos ainda encontrar uma área de sombras cinzentas, com muitos tons de cinza, com pessoas que não entendem o que é uma coisa ou outra, que praticam as 2 ao mesmo tempo. Vamos ter na área cinzenta desde as pessoas que fazem porque aprenderam assim ou acham que é assim mesmo, até uma maior parte que faz isso não por ignorância, mas, porque fazem parte do grupo mercantilista que tem como deus a prata, a moeda.

A Umbanda além de ter acabado com o baixo-espiritismo Bantu foi também responsável por abrir a sociedade para a religião afro-brasileira. A Umbanda é brasileira, mas, muitas de suas casas adotam um formato africanizado, com atabaques e referências aos Orixás, tão fortes ou mais fortes do que aos santos católicos.

As pessoas se acostumaram com isso e isso facilitou muito a popularização do Candomblé na década de 70 e 80. Este foi o segundo fator que salvou o Candomblé, a sua adoção pela sociedade. Neste processo o Candomblé ganha qualidade e vai se desprendendo dos vínculos antigos que o mantinham em uma comunidade pouco afeita ao crescimento da alma e mais interessada na moeda.

Esta foi a segunda forma que a Umbanda salvou o Candomblé. 

Não tenho dúvida que a má fama que o Candomblé tinha junto a população vinha dos grupos do baixo-espiritismo que ao invés de irem para a Umbanda se declararam como Candomblé, abrindo as suas casas-beco. Esse grupo é que trouxe ao Candomblé a fama de ser um lugar de feitiço.

A aceitação do Candomblé e principalmente da religião Yoruba junto a população geral traz para a prática da religião as pessoas que buscam uma religião e não substituir a profissão que eles não tem. O grupo do baixo-espiritismo bantu e do Candomblé feitiçaria é formado por pessoas sem profissão, sem formação, sem valor e caráter, que transformam a prática da religião no seu ganha pão.

A Umbanda em seu processo de crescimento trouxe para as casas a estruturação civil, o sentido de comunidade e prática não profissional da religião. Isso foi resultado da sua adoção pela sociedade baseada em pessoas de valores, ética e moral pessoal e coletiva. 

A santeria em cuba não teve essa sorte, eles não tiveram a Umbanda lá, por essa razão a Santeria saiu do jeito que é. Quem esta se interessando ela Santeria, cuidado, como eu disse lá não teve Umbanda.

Ifá não é nenhuma paraíso ou oásis. Esta muito mais para o modelo mercantilista e baixo-espiritismo banto (ou Mayombe) do que para o modelo altruísta. É preciso muito mais cuidado para lidar com Ifá do que se deve ter para lidar com Umbanda e Candomblé. Nestes dois, aqui, ainda tem muita gente que vê eles como uma prática de religião e não de ganha-pão. Em Ifá muito pouco é quem se considera parte de uma religião.

A Umbanda no século XX salvou o Candomblé. Não só porque acabou com a Macumba dos Bantu como também porque criou um padrão mais elevado para a prática da religião junto à sociedade. O Candomblé de hoje vai ser muito melhor que o dos primeiros 2/3 do século XX. Com a aceitação do Candomblé por toda a sociedade e seu espalhamento um novo patamar de ética e valores se estabeleceu.



O problema é que a Umbanda segue o seu processo e pode ser que engula parte do Candomblé. Se as pessoas de Candomblé não se alertarem para isso vamos ter em breve um novo formato de Candomblé.

Eu recomendo uma passagem por alguns autores interessantes. O primeiro deles é Renato ortiz que escreveu o livro “A morte branca do feiticeiro negro”. Renato acompanhava Bastides e nesse livro visita a Umbanda que era desconhecida deles. O livro apresenta essas questões da prática antiga da macumba e é uma mostra impressionante do preconceito e ignorância do autor sobre a Umbanda. Lendo ele fica claro como esses autores, ficam desconfortáveis com a Umbanda. Eles não entendem rapidamente e não existem fontes para consultar. Você tem que estar dentro por muitos e muitos anos para poder entender a Umbanda e a diferença dela para os demais.

Um livro útil é “A história da Umbanda” de Alexandre Cumino. A melhor forma de entender a Umbanda é estudar sua história. Este livro é bom nisso.

Sem dúvida uma das melhores fontes para entender a bagunça pré-umbanda é o livro de João do Rio “As religiões do Rio de Janeiro”. Este livro foi escrito em 1905 quando não existia a Umbanda, mostra e alguns capítulos esse universo ruim que existia. A melhor referência que encontrei foi o trabalho do João do Rio. Ele não tinha nenhuma ideologia em foco, ele relatou o ambiente que ele conviveu.


sábado, março 07, 2015

Reedição do texto de Ori

Estou apresentando a reedição do texto sobre Ori que teve sua primeira versão publicada em Maio de 2009 neste Blog. Ao longo desses anos ele tem sido muito acessado e já fiz algumas revisões.

Desta forma fiz uma nova revisão e adicionei algumas coisas. Existem 3 coisas que podem ser faladas sobre Ori. A primeira são indicações e receitas do que fazer. Isso é muito fácil, eu estou fazendo aqui e sempre poderei responder qualquer pergunta. a segunda é falar sobre Ori que envolvem pouca complexidade, Não tem muita coisa para se dizer mas as pessoas adoram. Fazem caras e bocas quando falam, mostram cara de segredos ou que sabem mais que estão dizendo. São uns bobos.

A terceira e mais importante é quando você situa Ori no contexto da individualização e no sentido da nossa vida, quando a gente coloca a dimensão maior da teologia da religião e claro a teodicéia envolvida. Isso vai dar um pouco de trabalho.

O meu texto tem endereça essas coisas. Não é extenso e muito menos completo. Esta nos meus planos falar sobre este terceiro aspecto que na minha visão é aquele que se traduz em ações efetivas na nossa vida e no entendimento da religião.

Ori o guardião do nosso destino

Orí o guardião do nosso destino

Orientações e explicações de como entender, se equilibrar e viver melhor através de Orí


revisão 4



O que é Orí?



O objetivo deste texto não é explicar totalmente o que é Orí. Este é um conceito muito importante na religião Yorùbá e será abordado na sequência sobre o Cosmo Yorùbá. Ori é parte do conceito de individualização e é necessário explicar o que é isso. Não existe explicação decente sobre Ori sem falar sobre o seu humano na religião.

Desta forma este texto poderá ser um pouco hermético para muitos neófitos que estejam apenas acompanhando as publicações, mas, para pessoas que já sejam da religião, sem dúvida, elas já ouviram falar de Orí. Como muitas palavras Yorùbá esta também tem mais de um significado e uso o que as vezes torna ela complexa de ser entendida.

Ori é usado para se referenciar a 2 coisas principais. A primeira é a nossa cabeça. Cabeça é Ori. Os Yorùbá entendem que a cabeça é uma parte importante do corpo e nela reside aspectos marcantes de nossa vida. Nossa consciência esta na nossa cabeça bem como componentes adicionais e auxiliares também estão. A cabeça é o repositório de nossa axé (aṣẹ́), da ligação com o nosso orixá (Òrìṣà) e da ligação com nosso passado e ancestralidade.


O Ori é o repositório de nosso axé (aṣẹ́), da ligação com o nosso orixá (Òrìṣà) e da ligação com nosso passado e ancestralidade. Existe o que se chama o Ori exterior e o Ori interior. O Orí exterior não é nada demais é a cabeça que vemos. O Orí interior são essas virtudes e propriedades que carregamos na nossa vida vindos do Orun.

Ortodoxamente dizendo, o nosso Ori está ligado apenas a nossa capacidade de prosperar aqui no àiyé. Decepcionados? Pois é, é isso. Essa explicação está no Odu Ogunda Meji, na história de Afawupé, filho de Orunmila. Um bom Ori nos permitirá prosperar com mais facilidade e rapidez. Mas o sucesso de uma pessoa apenas se realiza de ela tiver Iwa Pele, um bom caráter, ou o axé da prosperidade. Essas 2 coisas, o Ori e o Iwa são selecionados por nós antes de nascermos. Se formos bem-sucedidos nesta escolha teremos uma vida-longa e próspera.

A escolha desses elementos deve ser feita de forma planejada no Orun. Para isso, no Orun consultamos Ifá. Além de escolhermos um bom Ori e Iwa também iremos fazer os sacrificios e oferendas que garantirão o nosso sucesso. Nem todas as pessoas que nascem fazem isso, muitas decidem vir para cá contando com a sorte.

Orí faz parte do contexto da nossa vida no aiye, mas esse contexto tem mais elementos. Isso começa quando definimos os objetivos para a nossa vida, para a encarnação que teremos. Vamos então a Olodumare pedir para viver com aqueles objetivos e duração. Olodumare nos concede e com isso vamos receber instrumentos que viabilizarão a nossa aventura no Aiye.


Sim, a vida é encarada como uma aventura, uma aventura de sentimos, experiência e sensações que somente aqui no Aiye teremos. Além disso vamos ter o convívio com nossa família. Baseado no objetivo de vida que escolhemos (ou nosso destino), nós vamos receber um Odù que é o axé de Olodumare para atingirmos esses objetivos,  vamos receber um Orixá que nos acompanhará no aiye e vamos receber elementos que comporão nosso axé.

A esse conjunto devemos somar o Ori escolhido junto a Ajalá, o Iwa e nosso Ipori que é nosso vínculo ancestral. 

Nós mesmos, nossa essência, se adiciona a este conjunto de coisas e nosso destino pedido e legado formando a nossa individualidade. Dessa forma Orí é apenas uma parte deste contexto. Oportunamente vou escrever explicando isso tudo.

No Candomblé o Orí ganha uma importante enorme, como se fosse tudo em nossa vida, mas não é bem assim....


Oops, antes tenho que fazer um alerta. Apesar de eu estar falando aqui de Candomblé, lembro que Candomblé não é homogêneo, é um conjunto heterogênio de 2 religiões, 2 cultos distintos e várias nações. Coisa que são aplicáveis a um segmento não são aplicáveis a outro.

Estou aqui, como sempre, falando do Candomblé da religião Yoruba, culto de orixá.

As nossas demais virtudes como o Ipori que é nossa ligação com a ancestralidade, o nosso orixá (Òrìṣà) e o nosso caráter, também fazem parte de nós e determinam nossa vida como um todo. Orí é importante mas não resume tudo, posso dizer que está muito mais ligado ao axé (aṣẹ́).

Entretanto, esses conceitos não são de muita utilidade. Apenas dizem como nossa alma é formada e como nos ligamos ao orun e a personalização de nossa vida. O que eu expliquei trata de elementos estáticos, a gente nasce com eles e eles nos explicam.

O segundo e mais importante significado da palavra Orí é quando nos referenciamos a nossa divindade pessoal, o nosso anjo da guarda ou guardião protetor. Os Yorùbá entendem que temos no Órun (ọ̀run) um duplo, um espirito protetor que nos protege e guia os nossos rumos. Esse espírito está acima das demais divindades no que diz respeito a nossa vida. Nada pode ocorrer com a gente sem a permissão de nosso Orí, nem mesmo o orixá (Òrìṣà) tem superioridade a ele.

Essa divindade pessoal é nosso maior bem espiritual e é para ela que rezamos. Assim quando rezamos não estamos rezando para nossa própria cabeça, estamos rezando para o nosso guardião no Órun (ọ̀run). Desta forma, quando falamos de Ori podemos estar nos referenciando ao que trazemos com a gente ou a nossa divindade pessoal. A maior parte de nossa atenção deve ser com a nossa divindade pessoal.

Esta é a parte dinâmica do conceito de Orí. Esta é a divindade que nos protege e nos orienta e é este vínculo que temos que cuidar. A cerimônia de Bori, a mais importante do Candomblé tem algumas finalidades. A primeira é a de repor axé. Axé é a energia da vida, é a quintessência que existe em todos os seres e que nos é dada apenas por deus, por olodumare. O Bori e as liturgias do Candomblé tratam de repor, equilibrar e transmitir axé. A segunda finalidade é criar ou melhorar a ligação entre orun-aiye do nosso Ori. Através do Bori nós melhoramo essa ligação e isso permite a nossa divindade protetora melhorar sua interação e influência em nossa vida.

O que nos ajuda na vida é o binômio Ori-Orixá, Nosso anjo guardião e nosso Orixá são as divindades que nos suportarão diretamente em nossa vida e sucesso. Nenhuma das duas deve ser ignorada e não se vai a lugar algum sem as duas. Temos apenas 1 Orixá, o Orixá de nascença, aquele que vem como parte de nosso Ori. Nosso orixá é dessa maneira tão importante como a divindade pessoal Orí. Orí nos dá proteção mas dá principalmente rumo e orientação. Nosso orixá é quem age na solução de nossos problemas. Isso está no odù Oxé-otuwa.

O que esta religião espera da gente é que sejamos pessoas dignas. O que esperamos da vida é que ele seja alegre, prazeiroza, desafiadora e aventureira. Ninguém nasce para ser infeliz. Não vivemos para a religião e sim vivemos com a religião.


Rezando para Orí



Como em qualquer religião os Yorùbá tem suas rezas. Elas são chamadas de igbàdúrà ou agbàdúrà. Essa é uma palavra derivada do verbo Gbàdúrà que significa rezar. O sentido é o mesmo, uma prece é um meio mecânico, através de repetição de palavras que usamos para nos conectar com o divino. Representam pedidos, agradecimentos ou simplesmente louvações.

Os Yorùbá acreditam que além desse sentido de sintonia da alma com o divino, as palavras têm poder. Devemos sempre ter cuidado com o que sai de nossa boca. As orações são encantamentos e as palavras tem o efeito de despertar e ativar energias. Dessa maneira as orações devem ser faladas e não pensadas.

Pode-se rezar para Orí a qualquer hora do dia e em qualquer lugar. Orí é a nossa divindade pessoal e quem nos protege de tudo na vida e no mundo. Antes de qualquer Orixá (Òrìṣà) e acima de qualquer Orixá (Òrìṣà) esta Orí. Rezar de manhã quando se acorda é a melhor opção.

A seguir existem uma relação de rezas para Orí. Elas devem ser entendidas e decoradas, recomendo que rezem em Yorùbá, mas quem tiver extrema dificuldade que o faça como quiser. De fato, como em qualquer religião as palavras devem vir da alma e isso é o principal.

No texto a seguir, existe a linha com as palavras em Yorùbá, a fonética das palavras em português e a sua tradução. Quando uma palavra tem mais de um acento significa que deve ser usado a forma aguda em cada sílaba acentuada, ou seja, pronuncie cada sílaba com a acentuação indicada. Atenção especial para alguns casos.

Quando aparece GB deve ser pronunciadas as 2 consoantes. Assim GB não é a mesma coisa de B. Por exemplo Gbo pronuncia-se diferente de Bo. Da mesma maneira o P Yorùbá é pronunciado como KP. Não existe letra muda, toda letra e sílaba deve ser pronunciada. As palavras Yorùbá geralmente são oxítonas, com sílaba tônica no fim.


Rezas de Ori

Para quando acordar de manhã

Reza 1

èmi ma jí loní o
emi má jí loni ô

eu acabo de acordar hoje

mo fi orí balẹ̀ fún ọlọ́run
mo fí orí balé fun olórún

eu coloco minha cabeça no chão para ọlọ́run

orí mi dá ẹ̀mí dá àiyé
orí mi dá émí dá aiiê

meu ori me de vida de de longevidade

Ngo kú ìmọ̀
ungô kú imón

eu saldarei o conhecimento

gbogbo ire ni ti èmi
gbogbo ire ni ti êmi

todas as benção para mim

imolẹ ni ti àmakisi
imolé ni ti ámákisi

os Orixá (Òrìṣà) pertencem a àmakisi


Reza 2

Orí awo màá tọ́ ni awè
orí auô ma a to ni auê

O mistério do Orí nascerá no jejum

Orí awo màá tọ́ ni awè
orí auô ma a to ni auê

O mistério do Orí nascerá no jejum

Orí awo màá gbó ni awẹ̀
orí auô ma a gbô ni auê

O mistério do Orí amadurecerá no jejum

Orí awo màá gbó ni awẹ̀
orí auô ma a gbô ni auê
O mistério do Orí amadurecerá no jejum

Orí awo màá mọ̀ ni awè
orí auô ma a món ni auê

O mistério do Orí trará conhecimento no jejum

Orí awo màá mọ̀ ni awè
orí auô ma a món ni auê

O mistério do Orí trará conhecimento no jejum

ìbà á ṣẹ Òtúwà-kan
ibá a xé otu ua can


Reza 3

orí sán mi, orí sán mi
orí san mi, ori san mi

ori me torne melhor

orí sán igbédè, orí sán igbédè
orí san igbêdê, orí san igbêdê,

ori me torne mais inteligente

orí tánsan mi ki èmi ni owó lọwọ
orí tan san mi qui êmi ni ôuô lóuó

ori me faça brilhar e que eu tenha dinheiro nas mãos

orí tánsan mi ki èmi ni aya
orí tan san mi qui êmi ni áiá
ori me faça brilhar e que eu tenha esposa

orí tánsan mi ki èmi bímo rere
orí tan san mi qui êmi bimô rerê
ori me faça brilhar e que eu tenha bons filhos

orí tánsan mi ki èmi mọlé
orí tan san mi qui êmi mólê

ori me faça brilhar e que eu construa uma casa

orí sán mi, orí sán mi, orí sán mi
orí san mi, ori san mi

ori me torne melhor

Olúwa mi ajiki
olu ua mi ajiqui

ìwà mi a dúpẹ́
iuá mi á dukpé

meu caráter, eu agradeço


Reza 4

Orí mi yẹ́ o Já fún mi
orí mi ié o já fun mí

meu orí esteja atento lute por mim

ẹlẹ́da mi yẹ́ o! Já fún mi
élédá mi ié o já fun mí

meu criador esteja atento lute por mim


Reza 5

Bi o ba fífẹ lowó, bèèrè kan orí
bi o bá fifé louô, beere kan orí

se você quer ter dinheiro, pergunte primeiro a orí

Bi o ba fífẹ sowó, bèèrè kan orí wò fún o
bi o bá fifé xouô, beere kan ori fun ô

se você quer ter trabalho, pergunte primeiro para orí olhar para você

Bi o ba fífẹ kólé, bèèrè kan orí
bi o bá fifé colê, beere kan orí

se você quer conrtuir uma casa pergunte primeiro a ori

Bi o Ba fífẹ laya , bèèrè kan orí wò fún o
bi o bá fifé laiá, beere kan orí uô fun o
se você quer ter uma esposa, pergunte primeiro para or”i ver para você

Orí máse pẹ̀kun dé
orí máse kpé kun dê

orí não deixe de vir para cá

Lọ̀dọ̀ rẹ èmi nbọ̀
lódó ré emí unbó

é para a sua presença que eu estou indo

Wá saye mi di rere
uá xaiê mi di rerê

Venha e faça minha vida ser melhor


Retirado de ògúndá méjì

ori pẹ̀lẹ́!
Orí kpélé
 Ori!

Atètè ni rán
atete ni ran
aquele que atende rapidamente

atètè gbà mi
atete gbá mi
aquele que rapidamente me socorre

Ẹ súre fún mi níwájú àwọn Orixá (Òrìṣà)
é surê fun mi niuajú auón orixá
Você me abençoa antes de todos os Orixá (Òrìṣà)

Kò sí Orixá (Òrìṣà) le yín emi bi ori ba kó jẹ́
kô si orixá le i in emi bi ori bá kô jé
nenhum Orixá (Òrìṣà) pode me abençoar se orí não permitir.

ori pẹ̀lẹ́!
Orí kpélé

Ori!

Orí àìkú
orí aikú
ori imortal

ẹni tí orí rẹ gbà bọ rẹ ó jú yọ̀
éni ti rí ré gbá bó ré ô ju ió
aquele que o ori aceitar a a oferenda estará muito agradecido


Para lavar a cabeça

Lọwọ Ọtún awo ẹ̀gbá
lóuó ótun auô égbá
Na mão direita o adivinho de egba

Lọwọ òsì awo igbara
lóuó osi auo igbárá
Na mão esquerda o adivinho de igbara

awa máṣàì ìmọ̀
auá máxáí ímón
nós não podemos falhar em saber

bọ́ ọtún fi ọtún
bó ótun fi ótún
lavar o lado direito da cabeça com a direirta

tabi bọ́ òsì fi òsì
tábi bó osí fi osí
e lavar o lado esquerdo com a esquerda

A Difá fún Awun ni ọjọ́ ó ti lọ bọ́ orí rẹ
a difá fun au un ni ójó ô ti ló bó orí ré
Ifa foi consultado no dia que Awun foi lavar sua cabeça

lodó fún ó kó ire ọ̀pọ̀
lodô fun ô kô irê ókpó
no rio para que reunir as bençãos da fartura

Ki iwẹ́ fà wá ire owó
ki iu é fá uá irê ouô
que a limpeza traga as bem;ãos da prosperidade

Ki iwẹ́ fà wá ire ọ̀rọ̀
ki iu é fá uá irê óró
que a limpeza traga as bençãos da saúde



O sentido de “alimentar” o seu Orí


Alimento é vida. Uma refeição é uma dádiva e uma festa. Os Yorùbá são um povo do campo, fazendeiros e dão muito valor a vida a ao alimento e a água que são tão difícil de serem obtidos. Cada povo dá valor ao que lhe é importante e caro. Para os Yorùbá, a água e o alimento são muito importantes.

Mesmo para nós, quando queremos receber bem alguém sempre fazemos isso com alimento e bebida. A religião deles e sua teologia não é artificial, não foi criada em um concílio, ela existe permeando toda a sua vida e existência, assim, os Yorùbá agradam seu deus e todos os seus ministros e representantes com alimento. Flores não são uma opção para eles, alimento sim, é seu bem maior.

Eles comemoram a vida com alimento, dando, dividindo e compartilhando.

De acordo com a religião Yorùbá, axé (aṣẹ́) é a força vital de Olódùmarè que existe em todos os seres. Todos possuímos axé (aṣẹ́) e é o axé (aṣẹ́) que nos move. Mas esta força é consumida. Com o tempo e em função de atividades que fazemos ela se reduz e nos desequilibramos. Naturalmente, com o próprio tempo ela será regenerada, mas enquanto estiver fraca ou em desequilíbrio nós ficamos vulneráveis.

Um bom Orí é aquele que preserva e mantêm o axé (aṣẹ́), é aquele que usa apenas o necessário sem desperdício. Um mau Orí é aquele que não conserva e acumula o axé (aṣẹ́). Infelizmente, como vamos ver no Cosmo Yorùbá, existe um fator de aleatoriedade na escolha do Ori no Órun (ọ̀run). Isso também está explicado no Odù Ogunda Meji na história de Afawupé. Dessa maneira podemos vir com um Orí ruim e necessitamos de repor esse axé (aṣẹ́).

Contudo um bom Orí não resume uma boa pessoa. Somente pessoas que tenham um bom Orí e um bom caráter serão bem sucedidas na sua vida.

Mas mesmo para os que tem um bom Orí pode ser necessário em determinado momento alimentar o seu Orí com axé (aṣẹ́). Também por vezes é necessário melhorar o vínculo entre nós e nossa divindade Orí que esta no Órun (ọ̀run). A liturgia que realiza isso chama-se bórí (bọ́rí) palavra que é composta pelo verbo bọ́ com orí, ou seja alimentar o ori. Existe uma outra palavra Yorùbá, bórí (bôrí) que significa cobrir a cabeça. Bori, que significa alimentar o Orí.

O orí deve ser “alimentado” (na verdade, com axé (aṣẹ́)) para que possa influenciar positivamente a nossa vida. O sentido é a reposição do axé, a energia vital que usamos para fazer tudo. Com o axé (àṣẹ) nós nos conectamos com o Orí divino, nosso “anjo” guardião, que esta no órun (Ọ̀run). O alimento ao Orí vai então repor o axé (àṣẹ) e facilitar a comunicação e influencia do Orí do órun (Ọ̀run) com o nosso Orí no Aiyé.

O longo de nossa vida devemos fazer bórí (bọ́rí) muitas vezes. Algumas pessoa podem precisar disso uma vez por ano, outras em intervalo de anos, entre 2 e quatro anos.

A dificuldade disso é o maldito mercantilismo religioso do Candomblé. No Candomblé nada é de graça e pais de santo cobram pequenas fortunas para fazer algo que deveria ser obrigação deles, principalmente para as pessoas que pertencem a uma casa.

Eu, considero um absurdo os Babalorixás (pais de santo) cobrarem para os membros de uma casa como cobram para seus clientes. Eu acho um absurdo o conceito de clientela no Candomblé. Este conceito existe e não se pode negar, mas é um pejorativo para a religião.

Se quer ter acesso ao Candomblé, a religião dos orixá (Òrìṣà), então adote ela como religião. Entre para uma casa. Mas os pais de santo tratam suas casas como balcão de padaria, atendendo pessoas para jogos de búzios, ebós e Boris como se isso fosse uma coisa para ser vendida, como um pãozinho. Bom, de fato como uma picanha, uma M.Chandom....

Os pais de santo tratam seus seguidores como clientes. Na realidade eles transformam clientes em seguidores, membros da casa apenas para terem uma fonte estável de receita.

O Bori virou então a “obrigação” da moda, sofrendo todo o tipo de distorções. Um bori não tem que ser nada caro e nem nada exagerado, tem que ser algo que as pessoas possam fazer.

Os Bàbáláwo também estão fazendo Bori, mas, é uma cerimonia muito pobre. Eu nem considero o que eles fazem um Bori e nem perderia tempo com aquilo. 


Como “alimentar” o seu Orí


Existem variações em relação a cerimônia de alimentar o Ori. Temos procedimentos mais simples e um procedimento mais elaborado.

Antes disso devo fazer um comentário sobre a perspectiva de Ori dentro do Candomblé. Orí é um conceito Yorùbá, da religião Yorùbá. O Candomblé é heterogêneo, sendo formado por nações da religião Yorùbá, como o Ketu e o Efon, nações da religião Jeje e nações da religião angola.

O conceito de ori pertence a religião Yorùbá e foi copiado ou imitado pelas outras. Assim, o modelo original Yorùbá é o que é a referência. Possivelmente você encontrará gente que diz que no Jeje não é assim ou não se faz assim, o mesmo com o angola. Claro, essas nações copiaram uma coisa que eles não tinham. Dessa forma é perda de tempo querer discutir Orí entre o modelo Yorùbá e os demais, os outros são cópias.

Cada um copiou do seu jeito. O Angola copiou tudo do Ketu. Eles não tinham nenhum Candomblé, nunca tiveram, angola é Bantu e bantu tinha a macumba e a quimbanda. O que existe de Candomblé de angola aqui no Brasil só existe aqui, na África não tem nada parecido. O Jeje tem um hábito comum de agregar coisas dos outros do culto deles, assim adicionaram Orixás que não tinha (as iyagbas), Orí, Ifá, etc...

Voltando ao Ori, as cerimônias mais simples são aquelas que lidam apenas com o Orí no Aiye. Ela são feitas exclusivamente na cabeça da pessoa. Estas cerimônias menores  podem incluir apenas lavar a cabeça com ervas e as que você oferece mais alguns ítens ao seu Ori, como Obi, karité, acaça, orogbo, etc.. e até mesmo realizar sacrifícios no Ori, notadamente pombos, mas outros podem ser incluídos. Mas esta cerimônia é feita apenas na sua cabeça, não envolve a ligação Orun-Aiye. É útil para diversos casos, pode ser o suficiente mas não é um Bori. 

Essas cerimonias, são legítimas, determinadas em Oráculo e quando feitas somente com o Orí do Aiye tem um efeito restrito. São muito eficientes e mais simples de serem realizadas. 

Outras tradições da diáspora como a Santeria e até mesmo Ifá fazem somente dessa forma. É natural, essas tradições nunca souberam lidar com Ori, não entendem de fato o culto a Orí, elas apenas copiaram o que outros faziam sem entender completamente.

Dessa forma a cerimônia de Bori feita pelos Bàbáláwo de rama cubana, usando ou não pombos, são um Bori. Mas um Bori simples, de poucas horas, não se comparam minimamente com um Bori completo como feito no Candomblé Yorùbá.

O Bori completo é feito com um Igba Ori, que é a representação no Aiye do Ori do Órun. Esse Bori estabelece a ligação plena do Orun-Aiye. A cabeça da pessoa é seu Ori no Aiye e o igba Ori constitui a representação do Ori do orun no aiye. Os sacrifícios são dobrados, tudo o que é dado ao Orí da pessoa também é dado ao Igba Ori. O Igba Orí pode ser guardado ou não, mas, ele tem que existir durante a cerimônia.

A Cerimônia completa, o Bori em sí é um ritual que pode durar entre 3 a 7 dias e envolve várias pessoas na sua preparação e execução. É composto de ebós de limpeza, oferendas preparatórias, o Bori e por fim o despacho de tudo isso nas águas. Essa cerimônia envolve você e também a ligação com o seu duplo no Orun.

Essas cerimonias exigem um sacerdote, a pessoa não pode fazer nela mesma.

Se você estiver pagando por um Bori, não adianta comparar banana com maça. A cerimônia de Ifá dos Bàbáláwo cubano é muito simples e restrita na questão de reposição de axé (aṣẹ́). Ela é indicada para muitos casos mas não dá para comparar com um Bori completo de Candomblé.

Vou a seguir dar uma receita muito simples que pode ser feita por qualquer pessoa, não é um Bori, é uma cerimônia do tipo simples que envolve apenas você e não a ligação Orun-Aiye. Muitos podem reagir considerando uma idiotice ou marmotagem minha ensinar pessoas a alimentarem o seu Ori porque isso exige um sacerdote.

Não exige.

Sem dúvida exitem muitas liturgias que exigem um sacerdote, principalmente aquelas que requerem a manipulação de axé (aṣẹ́). A presença de uma pessoa preparada é necessária quando se tem que receber axé (aṣẹ́) transmitido por outras pessoas, ou quando se vai fazer um Ebó (Ẹbọ) de limpeza, por exemplo. O sacerdote é um “operador” qualificado para esta operação.

Contudo se você vai fazer uma oferenda ou mesmo alguns tipos de ebós pode até mesmo fazer sozinho. Nem tudo depende de ter um sacerdote.

No caso do Bori, como estamos lidando com um processo de reposição de axé (aṣẹ́) e muito íntimo de sua individualidade não vejo porque não tentar fazê-lo. Claro que receber o Bori feito por outra pessoa é muito bom, principalmente se feito com cuidado e preparação. Uma cerimonia de Bori exige pelo menos 24 horas de permanência no Ile Axé, desde o início até o fim. Não é raro que sejam feitos em 3 ou 7 dias. Essas liturgias são reposições intensivas de axé, “axé na veia”.

Mas, mesmo sem toda essa complexidade você pode fazer isso para você. Algumas restrições se aplicam. Isso é para ser feito por pessoas que sejam iniciadas ou que já tenham recebido Bori, de preferência que no mínimo sejam ou tenham sido abians de alguma casa. Tem que haver intimidade com os procedimentos e com o orixá (Òrìṣà).

Não faça isso em outras pessoas ou ajude outras pessoas se você não é um sacerdote qualificado para tal. Uma coisa é a própria pessoa fazer em si mesmo outra é você, despreparado participar disso.

É claro que fazer isso através de um sacerdote é muito melhor por ser uma pessoa que recebeu orientação e axé (àṣẹ) para isso, mas a religião também é para todos. Contudo de fato fazer isso requer alguma prática e pessoas que nunca viram ou fizeram esse tipo de comida podem ter dificuldade. Infelizmente é assim mesmo.

Tudo nessa religião tem significado, assim, não ignore materiais e indicações de uso.

Material necessário:

Esteira baiana

pano de cabeça com capuz

manteiga de karité

obi de 4 gomos (rosado)

2 lençóis

coco verde

água mineral

2 bacias de ágata

ervas frescas: manjericão, elevante, saião, colônia, macaçá


Preparação:

Lave as ervas frescas, separe as folhas e quine as folhas com agua até que sobre apenas uma “massa” de folhas masseradas. Faça isso em uma bacia branca de ágata. De fato, isso requer alguma prática. Separe 4 folhas de saião inteiras e coloque em uma vasilha com água.

Deixe o banho nessa bacia por algum tempo. Depois coe todas as folhas deixando somente a água. As folhas devem ser despachadas no mato.

Separe um lugar para fazer isso que seja limpo, isolado e tranquilo.

Coloque a esteira baiana e cubra com lençol branco. Coloque o Obi dentro de uma vasilha com água. Deixe ao alcance a manteiga de karité e as folhas de saião. Coloque a bacia não usada na sua frente e se ajoelhe diante dela. Reze para Ori.

Lave primeiro a sua cabeça com água mineral. Apenas jogue a água por toda a cabeça e deixe escorrer para a bacia que fica abaixo deu sua cabeça (você está ajoelhado, em cima da esteira com a bacia a sua frente, abaixo de sua cabeça.).

Abra o coco verde e faça a mesma coisa, deixe a água do coco escorrer por toda a cabeça lavando-a. Por fim derrame o banho de ervas vagarosamente, escorrendo o banho com as mãos e lavando toda a cabeça. Use a reza de lavar a cabeça, reze ela enquanto faz isso.

Espera a água escorrer toda, limpe o excesso em seu rosto e pescoço com uma toalha, mas não enxugue sua cabeça.

Abra o obi de 4 gomos, separando todos os gomos. Retire o “olho” que fica nos gomos. Pegue a manteiga de Karité e faça um montinho em cima sua cabeça. Afaste o cabelo e coloque ela em contato com o couro cabeludo. Coloque os gomos do Obi em cima da manteiga, um gomo em cada lado. Cubra isso tudo com a 4 folhas de saião e coloque o pano de cabeça com capuz por cima disso tudo tampando a sua cabeça. Prenda o pano de cabeça (isso também requer alguma prática....).

Observe você deve fazer isso sozinho.

Durma na esteira (pode usar um travesseiro) por pelo menos 3 horas mas recomendo passar toda a noite. Quando levantar retire o pano com tudo o que está na sua cabeça. Esse material deve ser despachado em agua limpa, de rio, nunca jogue na rua, no lixo ou no mar.

Pode tomar banho normal lavando a cabeça. Não tome sol na cabeça até o meio dia. Na noite que fizer isso você não sai de casa.

Observem que este é o procedimento mais simplificado possível. Somente faça quem se sentir à vontade para isso. É claro que quem sabe e tem prática consegue fazer com facilidade e um sacerdote faz isso com mais complexidade, adicionando comidas para o Orí.

Mas eu apenas quis mostrar que não precisa ser complicado, por ser simples.