Qual
o significado de um ebó (ẹbọ)?
Quem lida com o contexto
afro-brasileiro já deve ter ouvido inúmeras vezes o termo ebó
(ẹbọ).
O termo
ebó
(ẹbọ),
é
bem genérico e acaba sendo usado no dia a dia em vários sentidos,
alguns deles bem pitorescos ou burlescos, mas, de fato, ele tem
pelo menos 2 significados práticos.
O
primeiro quando é usado para denominar um processo de limpeza
espiritual, uma liturgia para eliminar
negatividade da pessoa, chamado também de
sacudimento, principalmente na Umbanda.
O segundo quando
é usado genericamente para o ato de fazer uma oferenda a
uma divindade e,
as vezes, para a oferenda em si, não importando se esta oferenda é
uma comida ou sangue. A palavra ebó (ẹbọ),
em
Yorùbá, significa
“sacrifício” e devemos entender isso, o
sacrifício, de
uma forma ampla e não somente o que requer o
uso de animais.
O
ebó (ẹbọ) é uma oferenda a ser feita para os ancestrais
ou orixá (òrìṣà) em agradecimento por benção recebidas
ou na intenção de resolver problemas ou obstáculos, abrir portas e
oportunidades. Existem muitas finalidades conhecidas, como a de
proteger, antecipar problemas, agradecer, repor e muitas outras.
O
ebó (ẹbọ) é uma liturgia muito básica na manipulação
do axé, a energia divinda de deus que existe em todos os seres vivo
(animais ou vegetais) para nos ajudar na nossa vida.
Os
itens normalmente se compõe de itens comestíveis como frutas
frescas, água, bebidas destiladas, mel e azeite. Além disso o ebó
(ẹbọ) pode conter outros itens como dinheiro, roupas,
búzios e ervas. Alguns tipos de ebó (ẹbọ) são colocados dentro
de casa (uma grande parte) e outros devem ser colocados no tempo
(casos especificos).
Ebó
(ẹbọ), é assim uma oferenda ritual, um forte elemento e o motivo
final do processo de consulta ao oráculo. Sim, isso é muito
importante, não se inventa ebó (ẹbọ). Ninguém
decora ebó (ẹbọ) e passa por telefone, o ebó (ẹbọ)
esta ligado sempre a uma consulta a um oráculo, seja o Obi, sejam os
búzios (eerindinlogun), ou seja Ifá.
O
ebó (ẹbọ) tem uma função central no processo de
consulta é ele que encerra e finaliza o processo de você recorrer a
deus, a olodumare, através do oráculo.
O
ritual de oferta consiste de uma liturgia elaborada com objetivo de
apresentar uma comida e bebida através dos quais o homem (o
sacerdote) manipulará e usará para intermediar com as divindades em
benefício do consulente. O relacionamento entre os seres humanos e
as divindades no sentido de corrigir problemas e obter ajuda é
expressado e obtido através da execução de rituais e liturgias, e
isso ocorre em qualquer religião sendo essa, a ritualização, a
base da necessidade e existência das religiões uma vez que a sua
razão é a ligação entre o homem e o divino.
Mas
atenção, não estou dizendo que o divindo, deus, só nos ouve se
fizermos oferendas. Não! Não é isso. Deus nos ouve em qualquer
lugar. Os orixá (òrìṣà) estão conosco o tempo todo,
mas, quando precisamos de ajudar, de interferência no mundo natural
através de forças supernaturais, então necessitamos de energia,
necessitamos de obter energia divina, o axé, que é a energia de
olodumare. Essa energia somente existe nos seres vivos, nos reinos
vegetal e animal. O ebó (ẹbọ) é a forma de obtermos essa
energia.
A
colocação ou citação do oráculo como parte do processo de um ebó
(ẹbọ) é intencional, em se tratando de Candomblé ou de Ifá,
não existe sentido em se estabelecer a necessidade de se fazer um
ebó (ẹbọ) sem que o oráculo esteja envolvido, isso deve ficar
muito claro para vocês.
Estamos
tratando de um processo de transmissão, equilíbrio e reposição de
axé (àṣẹ) através de
orixá (òrìṣà) e com a interferência de um “operador”
qualificado o sacerdote, dessa forma a necessidade disso, a
composição, local, etc. tem que ter sido definido através do
oráculo, é assim que as coisas funcionam, isso não é Umbanda.
Os
rituais e litugias conectam o mundo físico ao mundo espiritual, ou o
mundo natural ao mundo supernatural, de forma a trazer harmonia e
equilíbrio para o nosso dia a dia. A realização das liturgias e
rituais através do ebó (ẹbọ) re-ordena e corrige o
relacionamento entre a divindade e o homem trazendo o equilíbrio que
se deseja.
Porém,
mais do que trazer a divindade para ajudá-lo, o ebó (ẹbọ)
é a fonte de energia supernatural que farão mudanças no mundo
natural. Essa é a definição de magia, a capacidade de interferir
no mundo natural com o supernatural.
Para
qualquer coisa necessitamos de energia, nada acontece sem energia. O
ebó (ẹbọ) é quem supre as energias supernaturais, o axé
(àṣẹ) para que possamos mudar o mundo natural. Repetitivo
mas a chave para entender isso.
Segundo
Abímbọ́lá, todo conflito no cosmo Yorùbá pode ser eventualmente
resolvido através do uso do ebó (ẹbọ). O sacrifício é
a rama que traz a solução e tranquilidade ao universo e que ordena
os problemas do dia a dia.
Quatro
coisas são importantes para a eficácia de um ebó (ẹbọ).
A primeira é o correto uso de cada elemento ritual que é
especificado para o odù que foi revelado na consulta ao
oráculo.
Segundo
isto tem que ter objetivo e propósitos reais e sinceros.
Terceiro,
tem que ser espiritualmente tratado por sacerdotes.
Quarto,
existe a necessidade de existir uma integração entre o sacerdote, o
consulente e as forças espirituais que serão movimentadas para se
obter o resultado desejado. Mais ainda, quando este relacionamento é
próximo, as ervas, se forem necessárias, curarão de fato.
Dessa
maneira as coisas não ocorrem por acaso. Observem essas 4 condições,
isso vai explicar muita coisa que da certo e que da errado.
Algumas
vezes o ebó (ẹbọ) não virá na forma de uma oferenda
física, mas sim através de regras de comportamento e proibições.
Por exemplo, não frequentando alguns lugares, não consumindo
determinado tipo de alimento, não fazendo determinado tipo de tarefa
ou comportamento, adotando uma rotina de rezas, etc..
O
significado disso é que esse comportamento está fazendo a pessoa
perder energia, perder axé (àṣẹ). Quando se interrompe o
comportamente inadequado trocando por outro comportamento adequado,
cessa a perda de axé (àṣẹ) e a pessoa melhora. Nesse
caso não era necessário repor axé (àṣẹ), apenas deixar
de perdê-lo.
Em
relação ao significado de um ebó (ẹbọ), o mais
importante é entender que o ebó (ẹbọ) é mais do que um
conjunto de itens físicos. Ele é parte de um sistema de forças e
energia que é movimentado no momento em que se inicia a consulta ao
oráculo, quando olódùmarè se utilizará de Orunmilá
(ọ̀rúnmìlà) e de seus ministros, os orixá (òrìṣà) e
ancestrais, para poder mudar ou corrigir uma determinada situação,
e neste processo, exu (èṣù) é o elemento transportador de
energia, ou axé (àṣẹ). Assim todo o conjunto espiritual
que compõe os fundamentos da religião se movimentam através de uma
simples consulta a Ifá, ou até mesmo um jogo de búzios.
Não
podemos entender o significado de um ebó (ẹbọ) se não
compreendermos este sistema metafísico que está envolvido e suas
diversas engrenagens. O oráculo diagnostica e nos remedia através
de odù que recebemos no Opon (ọpọ́n). O odù
serve para nos indicar o que existe em torno de nós, como uma
mensagem, e também para nos trazer a energia bruta que será
manipulada para resolver o problema. O odù é assim como se
fosse uma “célula tronco” que através do olhador, das rezas e
encantamento e do ebó (ẹbọ) será manipulado para se resolver o
problema do consulente.
Este
é inclusive um dos motivos que se indica não manipular odù
se não se tiver o conhecimento necessário. Pode-se estar trazendo
para perto de sí uma energia bruta não lapidada que pode
influenciar a pessoa, sua casa e família de forma negativa se não
for adequadamente conduzida e transformada. Se fosse simples não
haveria necessidade de todo o conhecimento, todas as cerimônias de
iniciação e todo o tempo de aprendizado no qual o Bàbáláwo se
alinha com as forças metafísicas e supernaturais que vão ajudá-lo
no seu trabalho. Eu considero que não são apenas a teoria e as
cerimônias de iniciação, é necessário prática para que as
engrenagens metafísicas de alinhem e se adaptem à pessoa.
O
conceito básico do uso do ebó (ẹbọ) é que temos um
desequilbrio de energia e isto está afetando a nossa vida, assim
precisamos corrigir o axé (àṣẹ) do consulente e isto é
feito através do odù que recebemos e da energia que está contida
em cada elemento do ebó (ẹbọ) . Olódumàrè quando criou
cada elemento na terra colocou nele um espírito, uma fagulha ou uma
energia metafísica que dá a ele uma propriedade especial. As folhas
são elementos poderosos na acumulação dessas propriedades e por
isso extremamentes importantes ao uso que damos.
Esta
energia está então contida em cada elemento existente no aiyé
(mundo) e será extraída e manipulada através de um “operador”
qualificado. Este operador empresta a esse processo o seu próprio
axé (àṣẹ) que funcionando como uma “quintessência”
retirará a energia própria de cada elemento do ebó (ẹbọ) e
transmitirá ao consulente.
Seria
muito simples se qualquer pessoa pudesse pegar um elemento
“espremê-lo” e tirar dele a sua propriedade divina, como se tira
o suco de uma fruta. As vezes isso pode ser assim e algumas pessoas
têm o axé (àṣẹ) necessário para fazer isso e, por essa razão,
é que algumas coisas funcionam quando feitos por uma pessoa
despreparada e por outras não. O que eu penso é que esta
propriedade divina, ou natural de cada elemento, não é um axé
(àṣẹ) ainda no sentido que axé (àṣẹ) é a
energia em movimento. Quem tem o axé (àṣẹ) somos nós,
seres vivos, e o nosso próprio axé (àṣẹ) é necessário
para retirar a propriedade de cada material e de transportá-lo para
outra.
Em
alquimia o nome dado a isso era quintessência.
É
claro que as plantas estão vivas e por isso mesmo tem o axé (àṣẹ),
isso é o que faz delas um componente tão importante e por isso que
qualquer pessoa pode usar com bons resultados as ervas para fazer
banhos. Independente do o axé (àṣẹ) dessa própria pessoa as
folhas quando usadas frescas têm o seu próprio axé que é assim
transmitido para quem recebe o banho.
A
liturgia de quinar as ervas com cânticos e encantamentos e feitos
pelo próprio sacerdote é um processo liturgico mais forte porque
diretamente está havendo manipulação, transferência e
amplificação do axé (àṣẹ) do sacerdote através das folhas,
que se soma ao o axé (àṣẹ) das ervas fazendo fluir e acumular
no banho de ervas preparado e encantado uma “bateria” viva de axé
(àṣẹ).
O
uso de elementos preparados, manipulados e cozidos é uma outra
variação e, através desse processo “alquímico”, estamos
manipulando, transformando, amplificando e canalizando as
propriedades de todos os elementos envolvidos para o fim que
desejamos. Mas, nesse caso de elementos preparados, as suas
propriedades são estáticas, como um alimento comum.
A
“virtude” existe neles, mas será o axé (àṣẹ) do
sacerdote, sua capacidade, que colocará isso em movimento retirando
deles essa propriedade e fazendo-a funcionar na forma de energia
dinâmica, ou seja, o axé (àṣẹ).
Neste
momento estamos também colocando em movimento um axé (àṣẹ)
muito mais importante que é o das divindades, os orixá (òrìṣà),
que assistem o sacerdote e que irão se utilizar das propriedades
desses elementos, que estarão preparados para o uso, através do seu
o axé (àṣẹ). Aqui então entramos na área onde devemos
entender as especializações das divindades. Cada orixá (òrìṣà)
tem afinidades com elementos e locais que faze parte do aiyé.
O sacerdote deve conhecer essas afinidades para que possa se utilizar
disso.
Desta
forma ao usarmos o axé (àṣẹ) através de uma divindade temos
que conhecer os elementos que fazem parte de sua afinidade e a forma
de serem preparados para a amplificação ou mesmo abertura de suas
propriedades. A natureza e todo o aiyé é um repositório de
energias metafísicas e o sacerdote deve, com um garimpeiro ou como
um lavrador, procurar os locais onde ela aflora e se manifesta ou
também cultivar locais onde estas energias se concentrarão.
Um
terreiro ou casa de santo é um local que é então preparado para
acumular ou fazer aflorar a energia do aiyé e dos orixá
(òrìṣà). Dessa forma muitos ẹbọ serão feitos na própria
casa de santo. Em outros casos o sacerdote vai procurar o seu local
de afloramento, circulação ou acumulação na própria natureza.
Não se pode, por exemplo, ter a energia de uma praia dentro do
terreiro, ou de uma estrada ou de uma encruzilhada, ou do alto de uma
montanha, etc...
É
o conhecimento desse fundamentos que permite a um bom sacerdote ter
os melhores e mais efetivos resultados. Uma pessoa com conhecimento e
axé (àṣẹ) poderá amplificar as energias da natureza, dos
elementos e dos òriṣà, obtendo os resultados mais efetivos. Os
locais da natureza, o cuidado do sacerdote na manutenção do seu axé
(àṣẹ) (pelas suas obrigações, observância de preceitos,
afastamentos dos ewọ̀ do seu odù e orixá (òrìṣà)), as
horas do dia e dias do mês (em função de horários e fase da lua
mais apropriados) e as cantigas e encantamentos serão no seu
conjunto e individualmente elementos que aplificarão a energia e por
isso mesmo dão mais eficácia ao ebó (ẹbọ).
Assim
o ebó (ẹbọ) é formado pelo conjunto de tudo isso que
citei aqui. Elementos que contém virtudes divinas e mesmo aṣẹ́,
como é o caso das folhas, da energia que está na natureza, do axé
(àṣẹ) dos orixá (òrìṣà) e do axé (àṣẹ) do próprio
sacerdote, que ao longo de toda sua vida acumula não só
conhecimento como também acumula aṣẹ́ para poder ser transmitido
para que ele ajuda ou para retirar e ser amplificado pelos elementos
que ele manipula.
O
Bàbáláwo não passa incólume pelo ebó (ẹbọ), ele
participa e contribui, certamente ele perde um pouco de axé (àṣẹ)
toda vez que trabalha.
Não
podemos esquecer que em todo este processo o Orí da pessoa
foi o elemento ativo de comunicação e como uma divindade pessoal do
consulente nada poderá ou ocorreu sem o seu consentimento.
Assim
quando a pessoa e seu Orí se sentam no espaço sagrado do olhador de
Ifá este irá invocar ọ̀rúnmìlà para que este como o eleri ipin
(ẹlẹ́rí ìpín), ou testemunho do compromisso entre o
consulente e seu orí e olódùmarè, possa analisar a
situação que está ocorrendo e avaliar se os problemas fazem parte
do destino pessoal daquela pessoa ou não, são parte dos problemas
de terra que podem ser eliminados ou amenizados. Neste momento
ọ̀rúnmìlà é a boca através da qual falam o Orí, os
orixá (òrìṣà) e ancestrais do consulente e, sem dúvida nenhuma
olódùmarè que sempre está presente em nossa vida.
O
odú contém ao mesmo tempo a mensagem e a solução do
problema e tudo se faz através de energia e equilíbrio, mas sempre
através das mãos das divindades que assistem a vida do consulente.
Desta forma os elementos físicos que compõe o ebó (ẹbọ)
trazem suas energias individuais e seu axé (àṣẹ). Os elementos
físicos serão transmutados em energia que será utilizada como
força a ser colocada em movimento por estas divindades para atuar na
situação colocada.
Por
fim eu gostaria de abordar uma mistificação ligada a ebó (ẹbọ).
De nenhuma maneira ao fazermos um ebó (ẹbọ) estamos alimentando
divindades ou espíritos. Estamos dando início a uma roda de energia
que irá ser movimentada em benefício do próprio consulente, ou
seja, estamos dando ignição a uma corrente do bem. Desta maneira
tudo o que é colocado em um ebó (ẹbọ) desde a qualidade dos
elementos até o carinho que isto é feito irá retornar para nós
mesmos.
Uma
divindade não necessita de comer, o seu nível de evolução
espiritual a coloca em uma condição que elas existem para nos
ajudar e não ao contrário, mas, não estamos no Orun (ọ̀run)
e sim no aiyé, desta maneira necessitamos transformar
energia. Como todos sabemos energia não se cria do nada, se
transforma a partir de uma fonte já existente. Por esta razão é
que usamos o ẹbọ como uma fonte de energia que será gerada para
que o que necessitamos de aṣẹ possa ser obtido.
É
ridícula a imagem que passam de que aquela comida vai agradar a
algum orixá (òrìṣà) e que ele assim comendo e bebendo vai se
dispor a nos ajudar. É também ridícula a fala de que um espírito
não nos ajuda porque não o ajudamos ou o alimentamos. Minha opinião
é que este tipo de mistificação é a primeira coisa que deve ser
esquecida por alguém que quer aprender algo.