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domingo, maio 31, 2020

O que são os Orixá? [Entendendo a religião Yoruba - pt. 22]

ANTERIOR: A morte e o pós-vida


O que são os Orixás?


Uma das questões mais comuns nesta religião é a das pessoas definirem os orixá (Òrìṣà). É bastante constrangedor. Enquanto no catolicismo as pessoas sabem dizer facilmente quem é deus, Jesus, anjos e santos e entendem a diferença entre eles, nesta religião existe uma grande dificuldade em explicar sua principal divindade, sob o ponto de vista da vida humana no Àiyé, os orixá (Òrìṣà).

O grande problema, na minha avaliação é que esta é uma outra religião e as pessoas carecem de entender sua teologia e cosmogonia. Elas aprendem a religião católica, entram para o Candomblé e Ifá e se preocupam em fazer ebó (Ẹbọ), não se preocupam em entender em que religião estão;

Estou, chovendo no molhado, a finalidade deste longo texto é isso, explicar, mas, nada é mais evidente do que quando tratamos de orixá (Òrìṣà). Em capítulo anterior eu já expliquei o posicionamento de orixá (Òrìṣà) no cosmo yorùbá, agora, neste capítulo, vou explicar a essência do orixá (Òrìṣà), a principal divindade para a vida humana, aquela que realmente nos interessa.

A sguir vocês terão dois capítulos longos, mas, interessantes. Sugiro ler com calma e entender o que estão lendo. Eu lamento apenas esse ser um capítulo longo, mas, em vista da enorme quantidade de pré-conceitos existentes, é necessário um trabalho mais minucioso.

A natureza dos Orixás

Este capítulo é um pouco extenso, mas, trata de um assunto importante que principia o entendimento desta religião. Apesar de extenso ele tem muita informação, da forma como foi estruturado, quando mais você ler, mais você vai saber sobre o assunto, mas em qualquer ponto que parar você já vai ter entendido a minha posição.

A motivação de eu escrever, longamente, sobre este assunto é que existe um conceito generalizado que associa os òrìṣà (orixá) a elementos da natureza no sentido literal (e não figurado) de forma que cada òrìṣà (orixá) é dito ser um elemento da natureza.

Esta, é uma bobagem que está sendo repetida milhares de vezes e que com isso acabou virando uma verdade para muitos, principalmente aqui nas tradições da diáspora. Estou aqui dando minha contribuição para acabar com isso, porque, depois de me debruçar sobre esse assunto, analisando referências teológicas e, mais ainda, versos de Odù, eu tenho uma opinião completamente divergente e gostaria de apresentar aqui.

Parece um início esquisito, porque, em vez de explicar o que são os orixá (Òrìṣà) eu tenho que explicar o que eles não são. Sim, bem estranho. O que são os orixá (Òrìṣà) já está explicado no capítulo sobre o cosmo metafísico e no capítulo seguinte, sobre o Odù oxé-otua, isso será concluído. Se você tem inteligência e capacidade de interpretar texto, ao ler o Odù oxé-otua e minhas explicações terá entendido o que são os orixá (Òrìṣà) e seu papel. Contudo, eu preciso iniciar com esse longo texto para desconstruir o pré-conceito dominante.

Assim principiando, pessoas quando questionadas sobre a religião ou mesmo sobre òrìṣà (orixá) iniciam afirmando que o Candomblé é uma religião ligada da natureza e que os òrìṣà (orixá) são a própria natureza ou, elementos grandioso desta natureza, como água, terra, pedra, fogo, trovão, vento, etc….

Isto está errado. De fato não são muitas pessoas que conhecem bem a religião e essa tem sido a saída mais fácil para as pessoas responderem aquilo que não sabem. Não precisa fazer muito esforço, vai ser muito fácil encontrar este ideário em livros ruins e na internet em textos copiados e mal produzidos.

Mas, existem também pesquisadores que falam dessa forma, de modo que, esse meu texto é longo porque tem que endereçar esses dois grupos, seja os das pessoas que não conhecem e repetem, seja os das que conhecem e repetem da mesma forma.

Assim, o posicionamento deste texto é o de que as pessoas descrevem para outras que os òrìṣà (orixá) são os elementos da natureza, mas, isso é um engano. Esta é minha posição e vou explicar detalhadamente aqui neste texto.

A minha conclusão, após avaliar esta situação, é que este erro ocorre por diversos fatores. O principal é que é fruto de um sincretismo religioso, equivocado, entre religiões que não guardam semelhança. É uma forma equivocada de comparar ou tornar equivalentes, diferentes religiões, feito por pessoas levianas. Por fim, e mais importante ainda, é uma parte do grande processo que houve, inclusive entre os ditos estudiosos, de desprezar a religião Yorùbá em função da dificuldade ou do preconceito para entendê-la de fato.

Podemos encontrar e ter que aceitar uma posição, por exemplo, de que os òrìṣà (orixá) seriam ancestres, pessoas que foram divinizadas e desta forma pais da nação Yorùbá. Podemos também entender que mesmo em vida eram pessoas poderosas dotadas de forte poder mágico e que os permita manipular alguns elementos primários da natureza, mas, jamais, podemos confundir os òrìṣà (orixá) com elementos da natureza.

Alguns podem neste momento questionar: Por que estou eu aqui querendo questionar isso? Minha resposta é simples, para que se possa, de fato, entender o que é esta religião e entender a sua proposta para tornar melhor a vida das pessoas.

É importante entenderem que na religião Yorùbá existe uma divindade suprema, que esta acima de tudo e de quem vem toda a criação e manutenção dos seres viventes, ela é Olódùmarè, o deus Yorùbá. Abaixo dele existe todo um mundo espiritual com divindades de diversos tipos e hierarquias. Um tipo muito especial e que nos interessa são os òrìṣà (orixá). Estas divindades têm como objetivo nos ajudar em nossa vida no mundo natural.

Nossa ligação com os òrìṣà (orixá) é muito íntima e todos temos na formação do nosso corpo espiritual um pedaço de um òrìṣà (orixá (Òrìṣà)), uma essência dele, que se torna então o nosso òrìṣà (orixá) e um dos nossos protetores, através desta ligação espiritual. Temos, todos, um protetor principal, que é uma divindade pessoal que, aqui no Candomblé, chamamos de Ori. De fato, como muitas palavras Yorùbá, Ori serve para muitos significados, mas, entendamos que um dos significados é de uma divindade pessoal e nossa protetora maior, o chamado enikeji.

Em relação aos òrìṣà (orixá) existem 2 tipos principais. Existem os que são os òrìṣà (orixá) da criação, que já existiam antes do mundo natural ser criado por Olódùmarè (da Gênese). Existem também os òrìṣà (orixá) filho, ou eborá, que surgiram depois e que normalmente são seres humanos divinizados. Sim, é muito importante entender isso. O ser humano por suas obras e importância para sociedade pode ser divinizado e se transformar em um òrìṣà (orixá), com mesmo status dos òrìṣà (orixá) da criação.

Ao se transformar em òrìṣà (orixá) ele irá também fazer parte do corpo das pessoas que nascem no mundo natural.

Aqui temos mais um conceito para entender, os Yorùbá entendem que existe um mundo espiritual que é um reflexo no mundo natural. As pessoas vivem no mundo espiritual e ciclicamente nascem (encarnam) no mundo natural. Ao nascer aqui elas necessitam de um corpo, esse corpo é produzido por um òrìṣà (orixá) e recebe elementos que vai individualizá-lo tornando cada indivíduo único.

Nesse processo de individualização o òrìṣà (orixá) fará parte. Assim, nosso espírito vive no mundo espiritual de forma independente de òrìṣà (orixá), mas, quando nascemos aqui no mundo natural um deles fará parte íntima de nossa existência e de nossa proteção para que possamos viver e atingir os nossos objetivos para essa vida.

Esses elementos que são agregados ao nosso corpo físico (orixá, Odù, Ori, alma, caráter e ancestralidade) nos transformam na pessoa que somos.

Nesta concepção errada que fazem de òrìṣà (orixá), Xangô virou o fogo e o trovão. Oyá virou o vento e o raio. Óxun virou a água. Os demais não sei bem o que viraram, essa criatividade, sem pé nem cabeça, para mais ou menos por ai. Vejam, alguns orixá (Òrìṣà) são associados com a natureza mas outros não ou nem tanto. Mas a correspondência que essas pessoas fazem de òrìṣà (orixá) e elemento da natureza é falha e confusa por si só.

Então veja, quem entende alguma coisa de òrìṣà (orixá), sabe que Ṣàngó (Xango) é um eborá, um òrìṣà (orixá) divinizado e não um dos òrìṣà (orixá) originais assim (apesar dessa posição ter uma outra vertente diferente). Como ele poderia ser o fogo, o trovão ou um vulcão, que são elementos que existem desde o início dos tempos? O vento é Oyá? Mas ela também é divinizada, assim, o vento já existia antes dela, e ela não poderia ser o vento, uma força da natureza. Na Nigéria a sua história esta associada com um Rio. Óxun (Ọ̀ṣun) é uma irúnmalẹ̀ (irunmalé) um òrìṣà (orixá) original da criação e poderia sim estar ligada com a água, mas ser a água?

Para os yorùbá existem muito orixá (Òrìṣà), muito mais do que podemos conhecer. Lá não existe apenas uma dezena, existem centenas e, por exemplo, vários estão associados a água, na verdade, existe uma categoria comum, que é o de orixá (Òrìṣà) associado a água. Por fim, sem exaurir o estoque de bobagens, as pessoas dizem que Oxalá (Òṣàlá) é o ar, por que?

Nunca encontrei isso nos versos de Odu. Não existe nenhum lugar em versos que eu tenha lido, e já li muitos, que faça uma mínima correlação disso.

Isso, na verdade, mais parece uma brincadeira de ligar coisas da coluna da direita com a da esquerda, assim coloque os òrìṣà (orixá) que você conhece na esquerda e os elementos da natureza que você conhece na direita, ligue agora um com o outro. Provavelmente vão faltar coisas de um lado e de outro ou mais de um estará ligado a mesma coisa. O que estou dizendo em palavras bem simples é, isso é uma bobagem.

Uma outra forma de ver òrìṣà (orixá) é através de uma divisão no qual existe 401 orixás da direita, que são forças boas e 201 da esquerda que seriam forças malévolas. O que significa essa frase? Vamos em partes. Primeiro, entender Yorùbá não é apenas pegar um dicionário e traduzir. Existem muitas expressões e situações que fazem parte do povo e da cultura e que não se traduz, se explica.

Os Yorùbá não tem aritmética, números são substantivos. Para eles 200 não significa o número 200. O número 200 nesta frase significa o mesmo que “muita coisa” isso porque 200 é uma quantidade muito grande de coisas para se ter ou contar. Os Yorùbá não estão dizendo que existem 200 òrìṣà (orixá), eles estão dizendo que são muitos.

O número 400 quer dizer que existem muito mais divindades do bem do que do mal. Dessa forma, repetindo eles querem dizer que existem muitas “da esquerda” e muito mais ainda “da direita”. Dessa maneira existem muito mais forças do bem do que do mal.

E o número 1? O que significa? Ele quer dizer que esta quantidade não é precisa e que sempre está aumentando, sempre pode ter mais um, pelo processo de divinização.

Feita essa introdução vou ao ponto de dizer que na religião Yorùbá não existe um “Panteão” de deuses. Não é igual à religião grega que existem uma quantidade e qualidade específica de deuses com finalidades definidas. A religião grega e seu “panteão” significam isso, um conjunto bem definido de divindades, todas elas com um propósito e uma função e sem uma divindade maior.

Na religião yorùbá, a quantidade de òrìṣà (orixá) varia e mais, é indefinida. O número é indeterminado pela simples razão que não faz a menor diferença a quantidade ou quais são. Neste contexto, como podemos associar a religião yorùbá a um panteão? Como podemos associar orixá (Òrìṣà) a finalidade específica?

Não existe, originalmente, esta definição usada aqui no Brasil de seriam 16. Por algum motivo histórico qualquer se estabeleceu que seriam 16, o que não é verdade, e que eles seriam fixos, todas as pessoas estariam relacionadas a um desses 16.

Veja, a diáspora foi muito importante e o formato de nossas tradições religiosas afro-brasileiras deve ser respeitado e eu estou muito distante de ser favorável a africanização, mas, não podemos deixar de compreender a religião como ela é. E a existência de apenas 16 orixá (Òrìṣà), não é uma verdade nesta religião! Não existe esta regra ou dogma para isso.

Eu sempre tento separar muito bem o que seja a religião Yorùbá e o Candomblé, respeitando que nossa tradição pode ter tomado rumos distintos na sua prática e formato, mas, existe uma teogonia e teologia básica e dogmas que devem ser respeitados, senão isso não é uma religião é uma coisa qualquer.

Não existe no modelo religioso Yorùbá uma predefinição de quem são ou quantos são os òrìṣà (orixá). Podem ser mais ou menos, cada região que defina.

O Verger, que não era antropólogo e sim um fotógrafo francês rico, fez um grande trabalho para nós quando mostrou o que havia na África de fato e jogou por terra um monte de literatura ruim que era consumida aqui. Ele estudou e documentou muita coisa, mas, não quer dizer que tivesse a maior propriedade de tratar de todos os temas. Ele disse que a religião Yorùbá era um politeísmo, ele não reconhecia a posição de Olódùmarè. Estava errado. O tempo e os inúmeros pesquisadores mostraram isso. Ele poderia ter usados várias classificações, essa, sem dúvida, era muito ruim e ajudou essa questão de panteão Yorùbá.

Pesquisadores observaram que o modelo adotado na região Yorùbá era mais próximo do que se pode chamar de um “monoteísmo justaposto”. Luis Nicolau Parés no seu ótimo livro “A formação do Candomblé”, coloca que “baseado na análise de Orikis dos òrìṣà (orixá) e dos versos de Ifá, Mckenzie concluiu que, fora o caso de Xango, Obatalá e a tríade de Ifá (Esu-Orunmila-olodumare), os cultos de òrìṣà (orixá) não apresentam quase nenhuma alusão verbal a outras divindades, sugerindo um relativo separatismo entre eles e a ausência de um panteão fixo ou estabelecido”.

Bingo!

Os livros de Parés são muito bons e as pessoas ainda vão dar mais valor ao que ele escreve.

Assim, cada região ou aldeia praticamente tratava do culto de apenas 1 divindade, isso caracterizava um modelo quase de monoteísmos justapostos, no qual, vários “monoteísmos” se sucediam à medida que se caminhava pela geografia. Esta é uma explicação complexa e não definitiva, mas, serve para mostrar o tipo de prática que se encontrava lá.

Entender as sociedades não é simples. Entender as religiões também não. O pior que se pode fazer é adotar o caminho da simplificação buscando similaridades e comparações, evitando o trabalho de mergulhar na sociedade, seus valores e história para então entender seu contexto social e religioso. Ocorre que as pessoas não tem tempo, querem fazer tudo muito rápido.

Outra coisa, comentário meu, é que o ser humana evita a complexidade do mundo real. Tudo é reduzido a um maniqueísmo a um sistema binário.

Mckenzie foi muito preciso na sua observação, bem como na de que era Ifá quem trazia em seu corpo e prática a teogonia e teologia que dava estrutura à religião. O culto diário, a prática das pessoas era de fato a prática da religião de òrìṣà (orixá) e o modelo Yorùbá não se estruturava como montamos a nossa diáspora.

Quando buscamos outros autores sérios como Baba Tunde lawal podemos ver que apesar de diferenças nas práticas regionais, nos nomes e na forma, a estrutura religiosa Yorùbá se espalhava igualmente por toda a região Yorùbá. Cultos mudavam de nome, òrìṣà (orixá) trocavam de nome mas o espírito da coisa, a finalidade era a mesma e havia o Ifá unindo tudo isso. Ifá era uma das poucas coisas comuns e tinha a sua tríade principal.

Luiz Marins, pesquisador brasileiro fez sua tese classificando a religião de Orixaísmo evitando assim enquadrar a religião Yorùbá em uma das denominações existentes. Eu mesmo já abordei esse tema antes de ver essa definição de Mckenzie, fiquei feliz em ver que minhas observações e ilações não eram únicas e também divergentes do Verger e de outros, que se somam chamando a religião de politeísta, considero que essa é a pior definição. Não cheguei ao ponto do Luiz Marins mas coloquei minha visão.

O processo de agregação de òrìṣà (orixá) foi tardio, foi feito pela diáspora e retornou para a origem. Aqui no Brasil certamente houve uma grande influência do Jeje para esse modelo. O Jeje diferente do modelo Yorùbá possuía um panteão, ou melhor alguns panteões. Esses panteões se combinavam, uniam e incluíam divindades de fora. Uma casa combinavam muitos Voduns. Ortodoxia nunca foi o forte no Jeje mesmo na África.

Esta falta de ortodoxia tem uma explicação simples e histórica. Um dos reis do Dahomey, grande conquistador tinha como método absorver a religião dos povos conquistados, incorporando suas divindades às suas de modo a estabelecer um melhor controle cultural. Isso era um método de conquista que acabou mudando sua religião.

Na verdade, o modelo religioso do Dahomey era bem menos consistente, mais disperso e mais primitivo do que o modelo Yorùbá. O modelo Yorùbá foi importado no início do século XVIII e enxertou a religião deles com Ifá, com a divindade suprema e com Eégún, tudo isso ausente da religião Jeje e estabelecida tardiamente como parte do modelo.

Aqui no Brasil o modelo Jeje só se manteve porque ficou à sombrada teogonia e do modelo litúrgico Yorùbá, dificilmente iria ter uma relevância maior sozinho. As casas Jeje integram orixá (Òrìṣà) e a coisa mais difícil em uma casa Jeje da atualidade é encontrar um Vodun.

A junção e agregação de várias divindades no mesmo culto foi fruto da diáspora e da convivência do modelo yorùbá, através do Candomblé Ketu, com o Jeje que tinha uma abordagem completamente anárquica para tratar essa questão de divindades.

Na teogonia Yorùbá, quem traz a tríade Olodumarê-orunmila-esu é Ifá. É através dele que essa tríade passa a ser conhecida. No âmbito da vida das pessoas o que você via lá eram òrìṣà (orixá). Para se entender o modelo religioso tem que se olhar o conjunto, iniciando com a visão de Ifá que é quem estrutura o cosmo e a religião e buscando os cultos como de orixá e Eégún, além de manifestações adicionais como Geledé (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) e ajé (Àjẹ́) como aspectos colaterais.

Esta visão de conjunto monta o entendimento da religião, mas, se você analisa apenas o dia a dia das pessoas e comunidade, como Verger o fez, poderia entender que é um politeísmo. Mas essa é a apenas uma visão fragmentada do todo, Verger nunca viu o conjunto como uma religião ele nunca teve uma preocupação ou abordagem teológica.

Dessa forma o modelo Yorùbá não tem panteão e não suporta de forma alguma a designação de òrìṣà (orixá) como elementos da natureza. O agrupamento dos òrìṣà (orixá) em um mesmo espaço foi um fenômeno da diáspora e da formação da nossa tradição religiosa, o Candomblé.

Essa é uma visão muito onírica dos òrìṣà (orixá), um sincretismo com a religião greco-romana e com religiões europeias, como a bruxaria tradicional, wicca, etc….

O preconceito é a raiz disso tudo. As pessoas não esperavam encontrar uma religião complexa junto a um povo simples, como os Yòrúba, assim, elas avaliaram superficialmente a religião e fizeram associações dela com outras que eles conheciam.

Essa ligação de uma divindade com os elementos da natureza existe em algumas tradições religiosas, muitas delas politeístas puras de fato, que não é o caso da religião Yorùbá. A mim parece mais uma forma de sincretizar a religião africana com formas politeístas e animistas seja por preguiça ou preconceito.

Por esta razão, dizer que os òrìṣà (orixá) são as forças da natureza como eu canso de ouvir é o mesmo que dizer que Ṣàngó (Xango) é São Jerônimo, Ọya é Santa Barbara, Ògún é São jorge. É o mesmo que ouvir babalorixá explicando a vida e a reencarnação usando a doutrina espírita.

Além desta explicação inicial que já pode ser suficiente para muitas pessoas vamos aprofundar a análise desta questão dividindo o assunto em partes e explicando cada uma delas.

Primeiro, vamos falar sobre a responsabilidade do sincretismo nesse processo. Depois vamos tratar da influência do entendimento incorreto da cosmogonia da religião. Vamos comentar um pouco sobre o problema gerado por estudos ruins feitos por antropólogos e estudiosos e, por fim, vamos falar um pouco do cosmo Yorùbá para situar o entendimento de todos no modelo que eu considero adequado.

Quem leu até aqui já tem argumentos em quantidade e qualidade para desqualificar a relação de orixá (Òrìṣà) com elementos da natureza e quem seguir vai entender isso com mais detalhes.

Como sempre lembro que tudo o que é escrito aqui representa a minha opinião, representa a minha análise sobre o que eu estudei e vivencio e estou muito longe de me considerar o dono da verdade ou mesmo infalível.


CONTINUAÇÃO: A origem dos orixá segundo a religião Yoruba

sábado, maio 30, 2020

O cosmo e os Orixá

Nas próximas semanas, a partir de amanhã, estará sendo publicado em um ritmo acelerado, poucos dias entre as postagens o texto do Cosmo Yoruba, que explica o que são os Orixá.

Não deixe de ler e acompanhar. Esse texto estabelece um tratamento teológico para tema e apesar de representar minha visão para o assunto é feito em bases estruturadas, com fontes e informações e modo que independente de serem minha ilações, cada um, pode refletir sobre o assunto com as informações que serão colocadas.

Ele, o texto, estará baseado em versos de Ifá de Odu importantes, que devem ser conhecidos pelas pessoas que se interessam por essa religião e a partir do que está neles iniciar a discussão sobre esse assunto, esquecendo o que pensavam antes.

sexta-feira, maio 29, 2020

Olóòkun e as crianças de orixá (Òrìṣà)

Introdução

Esta história sobre Olóòkun é bastante interessante. Foi extraída de um verso de Ifá e não diz respeito a Olóòkun ela tem uma mensagem poderosa que quero trazer aqui.

Como eu sempre falo mensagens tiradas de versos de Odù são muito complicadas porque uma mesma situação tem recomendações diferentes para pessoas diferentes dependendo do contexto. Existem poucas mensagens que são absolutas.

Essa aqui é uma pouco diferente e merece destaque.

O trabalho do Bàbáláwo é analisar essas história junto com o consulente e entender como isso se encaixa na vida e nos problemas dele. É um trabalho de detetive e psicólogo, as vezes de filósofo. Se Bàbáláwo não é para qualquer um.

Recomendo que leiam essa história e façam sua análise.

Antes disso, uma observação. Olóòkun é considerado um orixá (Òrìṣà) masculino em toda a terra yorùbá. A origem deste orixá (Òrìṣà) é no Benin (não é Dahomey) e na sua origem é masculino. Somente é Ifé ele é considerado feminino. Essa história possivelmente é de Ifé porque mostra orixá (Òrìṣà) como feminino.


Olóòkun e as crianças de orixá (Òrìṣà)

Em termos de acumulação financeira e de ativos, Olóòkun foi a divindade mais bem-sucedida criada por Olódùmarè. Ela possuía quatro quintos de todos os recursos na Terra. Ela controlava muito mais coisas na terra do que todas as outros inrumolé (Irúnmọlẹ̀), orixá (Òrìṣà) e seres humanos juntos. Ela era um orixá (Òrìṣà) muito honrada e respeitada. Seu festival anual também era o maior evento do mundo.

Sempre que ela convidava inrumolé (Irúnmọlẹ̀), orixá (Òrìṣà) e seres humanos para sua celebração, eles deveriam vir com, pelo menos, um de seus filhos. Quando os convidados chegavam à festa, algo acontecia que afetaria seus filhos. Quando chegava a hora de começar a cerimônia, as crianças que acompanhavam os pais, ou seriam levados pelo mar ou eles perderiam suas vidas se afogando no oceano. A maioria dos que participaram da cerimônia voltaria para casa sem os filhos e com uma longa e triste história para contar aos outros.

Chegou a data em que Olóòkun convidou todos os 401 inrumolé (Irúnmọlẹ̀) para sua festa anual. Todos eles deveriam vir com, pelo menos, um de seus filhos. Era impossível que eles se recusassem a comparecer porque esse não era o caminho das Divindades. Foi quando Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) finalmente decidiu ir para consultar Ifá: O que devo fazer para evitar a perda do meu filho se eu participar do festival anual de Olóòkun?

O Bàbáláwo disse a Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) para oferecer um ebó (Ẹbọ) om duas cabras adultas; uma seria para o ebó (Ẹbọ) e a outra seria entregue a Olóòkun ao invés de seu próprio filho. Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) foi instado a oferecer o ebó (Ẹbọ) antes da data do festival. O Bàbáláwo assegurou que, se fizesse isso, seu filho seria poupado. Ele também foi advertido a não para ir à cerimônia com qualquer um de seus filhos. Ele obedeceu.

No dia da cerimônia, todos os convidados vieram com seu filho. Somente Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) foi lá com sua própria cabra. Todos aqueles que o viram pensaram que ele era louco ou cínico. Todos foram instruídos a trazer ao menos um de seus filhos, então por que Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) veio com uma cabra ? Todos os convidados estavam totalmente convencidos de que Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) receberia a humilhação de sua vida naquele dia porque Olóòkun não acharia esse estranho senso de humor um caso engraçado.

Quando chegou a hora das crianças irem comemorar com Olóòkun, um por um, todos os convidados foram adiante e entregaram seus filhos. Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) também foi adiante, mas entregou sua cabra. Na presença dos pais, as crianças foram levadas para o mar. A maioria deles foi lavada enquanto os restantes se afogaram bem nos olhos de seus pais! A cabra foi abatida para consumo, também na presença de todos os convidados.

Antes do final da cerimônia, Olokun convocou Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) e todos os outros convidados para sua presença. Todos eles esperaram ansiosamente para testemunhar como Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) receberia o esculacho que ele merecia. Como ele ousa trazer com ele uma cabra quando todos os outros trouxeram seus filhos, eles se perguntavam?

Quando todos se reuniram, Olóòkun enfrentou Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) e Perguntou; "Por que você escolheu trazer uma cabra quando você deveria vir com um de seus filhos? Você pode se explicar a todo mundo aqui, o que está por trás de sua ação?

Todo o encontro ficou completamente silencioso. Eles queriam ouvir suas razões para se comportar de maneira tão engraçada. Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) pigarreou e com um sorriso, ele respondeu: “depois de deliberar profundamente com o meu Orí, concluí que isso me traria muita tristeza e agonia pelo meu filho amado a ser morto diante de meus olhos. É por isso que eu decidi trazer uma cabra comigo. Se a cabra fosse morta, como você fez, não me machucaria nem me causaria pesar como esse

faria se fosse a morte do meu próprio filho. Por isso não pude trazer minha

criança para esta cerimônia e ver meu filho morrer diante dos meus olhos.

Esse é o seu motivo?”, Perguntou Olóòkun. “Sim, essa é a minha razão”, respondeu Órunmila (Ọ̀rúnmìlà). Olóòkun então voltou sua atenção aos outros convidados que haviam perdido seus filhos. Ela então perguntou a eles ”por que nenhum de vocês raciocinou da maneira que Órunmila (Ọ̀rúnmìlà)? Nenhum de vocês é menos brilhante. Todos que são brilhante não são inteligentes. Aqueles que são inteligentes faltam entendimento. Aqueles que têm entendimento entre vocês não sabem como combiná-lo com sabedoria. Quem tem sabedoria não sabem como aplicar sua retrospectiva e previsão de qualquer maneira! Vocês são todos tolos! Vocês todos foram trazer seus filhos para o meu festival e toda vez que eles têm morrido.

Não foi suficiente a primeira experiência para ensinar a todos uma lição? Você não pode emprestar uma folha em retrospectiva? Por que nenhum de vocês poderia prever que isso no ano seguiinte teria o mesmo padrão do ano passado e do ano anterior? Você todos continuaram trazendo seus filhos aqui para serem mortos! Onde estão seus cérebros? De repente seu cérebro vazou de seus ouvidos? Vocês são os inrumolé (Irúnmọlẹ̀) ao quais os assuntos do mundo repousam em suas mãos? Vocês são todos tolos!

De qualquer forma, não se preocupe mais com isso. No próximo ano, traga seus filhos novamente e testemunhe eles serem mortos!

Ela então parou um pouco. A essa altura, os rostos de todos os convidados já estavam se contorcendo em enormes caretas de agonia. Muitos deles começaram a desejar o chão para abrir e engoli-los. Ela então perguntou: “quando todos vocês foram convidados pela primeira vez e vocês perderam seus filhos, por que você não usou a sua retrospectiva e avaliação quando você foi convidado novamente no ano seguinte? Se todos vocês tivessem decidido deixar seus filhos para trás em casa, o que poderia uma pessoa fazer contra 401 inrumolé (Irúnmọlẹ̀) depois de todos terem tomado uma decisão? Ela então declarou ”quando uma lei é feita, assim que alguém percebe que a lei não está no interesse do grupo, a única coisa razoável é revogar essa lei! Por quê todos vocês não usaram seu bom senso? Por esse motivo, todos vocês precisam elogiar Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) por usar seu discernimento, retrospectiva e previsão. Ele é o único que foi poupado de agonia entre vocês! Isso é tudo o que tenho a dizer a todos os presentes aqui hoje. Ofereço a todos um bom dia!

DESEJO QUE TODOS REFLITAM SOBRE ISSO NA VIDA DE VOCÊS.

quarta-feira, maio 27, 2020

Sobre a série do Cosmo Yoruba


Leitores, a séria do Cosmo Yoruba prossegue normalmente. São muitos textos e muitos capítulos.

Lembro a todos que essa série é uma ordenação do tema de Religião, cosmogonia, cosmologia, teologia e teodicéia. Essa ordenação segue uma sequência natural para entendimento da religião.

Existem textos conhecidos que foram revisados e muito conteúdo novo também.

Os próximos textos seguem a ordem natural e falarão sobre os orixá. Depois disso virão textos inéditos sobre Egbe Orun, Abiku, sociedade Géléde´e Ajé. Para o final estará o texto sobre individualidade e Ori, com uma abordagem teológica. Não deixe de acompanhar, visite o Blog para ver os novos textos e se inscreva para receber os textos.

No meio dos textos outros textos serão publicados.

Não deixe de acompanhar os textos do Cosmo Yoruba e em breve isso tudo vai estar junto na www.amazon.com.br.

terça-feira, maio 26, 2020

NÀNÁ BURUKU E A CRIAÇÃO DO HOMEM

Introdução

José Beniste descreveu um mito no qual Ikú foi o irunmole que pegou o barro para que Oxalá criasse o homem. É uma história curta mas interessante e que eu uso bastante.

Apesar disso a origem desta história não é conhecida, ela apenas existe como muitas histórias de Orixá. Outra característica das histórias de Orixá, mitos, é que uma mesma história é contada com personagens diferentes, isso reflete a questão da regionalidade.

Um desses casos é a história do Opele, que já publiquei aqui mas que existe uma versão, do Beniste, que ao invés do Opele aparece os búzios, vou transcrever em breve essas versões.

Aqui coloco o mito de Nàná conforme esta relatado pelo Alex Cuoco no seu livro "African Narratives of Orishas, Spirits and Other Deities" da editora Outskirtspress.

    NÀNÁ BURUKU E A CRIAÇÃO DO HOMEM

Quando Olódùmarè encarregou Orisanla de criar e moldar seres humanos, o orixá (Òrìṣà) tentou fazê-lo de várias maneiras: ele tentou tirar o homem do ar, mas não funcionou porque o homem evaporou rapidamente. Ele tentou fazê-lo sair da madeira, mas a criatura era simplesmente muito rígida e imóvel. Ele tentou fazê-lo de pedra e isso foi ainda pior. Ele tentou, usando fogo, mas o homem era autoconsumido. Ele tentou tirá-lo de óleo, água e até vinho de palma, mas todas as tentativas foram infrutíferas. Orisanla caiu em desespero e gritou alto: "O que eu vou fazer? Que matéria posso usar para criar seres humanos que funcionarão? Como posso realizar essa tarefa com perfeição?"

Foi então que Nana Buruku se ofereceu para ajudar, dando a Orisanla uma substância barrenta, que era a argila do fundo de seu lago. Com essa argila, Orisanla conseguiu fazer moldes perfeitos a partir dos quais criou o homem. Depois que o homem foi criado, Olódùmarè soprou neles o sopro da vida e o homem tornou-se vivo. Com a ajuda dos orixá (Òrìṣà), o homem povoou a terra. No entanto, quando chega o dia de o homem morrer, seu corpo deve ser devolvido à terra porque Nàná era o orixá (Òrìṣà) que deu a Orisanla a matéria principal para sua criação; portanto, ela exige que seus corpos sejam devolvidos à sua forma original, como a matéria natural encontrada no fundo de suas águas, para que novos seres humanos possam ser criados por Orisanla.

domingo, maio 24, 2020

Nàná Buruku em Ifá

Introdução

A história a seguir foi retirada de um verso de Ifá documentado por Popoola. Estou destacando porque é bastante difícil encontrar histórias de orixá (Òrìṣà) em Ifá. Os personagens dos versos são Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), Exú (Èṣù) e desconhecidos. As vezes outros inrumolé (Irúnmọlẹ̀) que não são orixá (Òrìṣà). A presença de orixá (Òrìṣà) é bem pequena.

As pessoas pensam diferente, que em Ifá está tudo da religião. Não é verdade. Existem sim alguns versos estruturais, importantes que trazem aspectos gerais da teologia e podem ser referenciados sem contextos. Contudo, versos tem contexto, dizem coisas diferentes para a mesma situação. Não se pode fazer o que muito Bàbáláwo descompreendido faz que é citar verso como se fosse sabedoria, como se fosse a bíblia, porque o conexto do verso e a mensagem mudam em função da pessoa e do problema. O mesmo problema pode ser indicações diferentes.

Encontrei então esta história de Nàná e estou mostrando aqui. Primeiro por estar associado a um verso, do Poppola (a fonte é importante) e segundo porque traz uma mensagem interessante e também permite conhecer um pouco do orixá (Òrìṣà), nessa versão do Popoola, claro.

Tenho outra fonte de mitos que orixá (Òrìṣà), uma muito boa, do Alex Cuoco e fica claro que Nàná e Ògún estão sempre envolvidos e em conflito.


NÀNÁ e ògún


Bùùkúù, também conhecido como Nàná Bùùkúù foi uma extremamente bem-sucedida mulher. Ela era muito rica. Ela tinha um grande número de seguidores. Ela era uma Orixá (Òrìṣà) de quem muitas mulheres gostavam. Ela guiou, guardou e apoiou Muitas mulheres. Bùùkúù, no entanto, não deu filhos às mulheres nem ela tomou seus filhos deles também. Ela simplesmente garantiu a proteção das mulheres seus filhos. Ela também os defendeu contra toda agressão, principalmente de seus maridos e vizinhos. Todos os homens bêbados e agressivos que tomaram prazer em violar as mulheres como uma maneira de deixar escapar suas próprias frustrações perceberiam que ter medo de Nàná Bùùkúù foi o começo de ter sabedoria.

Isso porque ela faria todo o possível para vingar qualquer violência ou humilhação contra as mulheres que eram suas seguidoras. Por esta razão, ela tinha um grande grupo de mulheres a seguindo. Associação ao seu grupo era para sempre. Isso a tornou ainda mais popular. Muitas mulheres idosas vêem isso como um santuário contra as famílias de seus esposos que vezes, gostam de enganá-las ou criar problemas para elas assim que o marido deles morria. Todos os seus seguidores estavam prontos para oferecer qualquer sacrifício que ela pedisse para fazer porque sabiam que os resultados desejados surgiriam assim que eles fizeram os sacrifícios.

Apesar desse sucesso, Bùùkúù não conseguiu ter seu próprio marido. O motivo disso foi porque sua reputação como um orixá (Òrìṣà) que protegia e defendia as mulheres contra a humilhação e violação de seus maridos foi muito intimidador para a maioria dos homens. Muitos homens não tiveram coragem de pedir a mão dela em casamento.

Em segundo lugar, ela era uma mulher extremamente orgulhosa, arrogante e egoísta. Além de precisar de um homem para engravidar e ter filhos, ela não encontrou outra razão para ela estar em um relacionamento com um homem. Ela considerava todos os homens muito chauvinistas e egocêntricos demais para o seu gosto. Para ela, os homens precisavam ser colocados em seu lugar. Por esse motivo, ela não tinha paciência para qualquer homem. Ela costumava ser encontrada gritando com eles e intimidando-os na menor oportunidade. Homens que estavam no seu bom senso fugiriam dela e ela não via nada de errado com isso.

Mesmo assim, ela precisava de um homem para, pelo menos, lhe dar seus filhos, mas quem poderia este homem ser? Ela não precisava amar o homem ou ser amada de volta, porque para ela, o amor verdadeiro não poderia ocorrer com qualquer homem de qualquer maneira. Ela não precisava respeitar o homem porque nenhum homem, segundo ela, merecia respeito de qualquer maneira. Ela também não precisava seguir nenhum conselho de um homem ou ouvir qualquer instrução porque, para ela, os homens não tinham senso de direção.

Havia apenas dois critérios que o homem deveria cumprir; primeiro, ele deve ser forte e saudável o suficiente para gerar seus filhos e dois, ele deve ter popularidade e grande seguidores. Esses critérios foram o que ela usou antes de estreitar sua procura até Ògún. Naquela época, Ògún estava morando em Ṣakí. Ògún tinha a reputação e o comportamento de um homem muito forte. Ele também teve o carisma de alguém que poderia fazer as coisas acontecerem. Isso foi um pouco agradável para Bùùkúù. Em segundo lugar, Ògún tinha muitos adeptos, homens e mulheres.

Desconhecido para muitos, não havia nada que Bùùkúù coloca-se em sua mente para alcançar que ela não conseguiria. Mesmo que muitas mulheres que estivessem procurando cônjuges compatíveis para elas, a procuravam para uma solução para seus problemas, elas nunca pensaram que ela teria a necessidade de um homem como as mulheres comuns. Foi por isso eles não se deram conta do fato de que ela precisava de um marido próprio para ela. Pessoas acreditavam que isso lhe convinha muito bem, porque ela não queria nenhum homem, mas ela não queria que seus numerosos seguidores soubessem que ela desesperadamente precisava de um homem para, pelo menos, torná-la mãe de filhos.

Para ter sucesso em seu plano, ela foi à casa de um Bàbáláwo para consulta. Ela queria que o Awo trabalhasse nesse projeto pessoal para que ela tivesse sucesso. Ela estava convencida de que não seria capaz de viver com a vergonha e a humilhação se ela fosse recusada por Ògún. Como ela poderia enfrentar seus inúmeros seguidores, se isso fosse ocorrer?

Durante a consulta de Ifa foi revelado que ela planejava se casar com um homem muito poderoso e importante. Foi dado certeza a ela de que teria sucesso em sua missão. Ela, no entanto, foi alertada para nunca menosprezar seu homem, porque isso faria a levar a consequências indesejáveis. Ela foi aconselhada a respeitar, amar, honrar e ouvir o marido quando ela se casasse. Ela foi informada de que isso seria a única maneira de garantir paz matrimonial, harmonia e sucesso. Ela também foi aconselhado a oferecer ebó (Ẹbọ) e alimentar Ògún, conforme recomendado.

Ela considerou as declarações do Bàbáláwo . O Bàbáláwo disse que ela iria ter sucesso em sua tentativa de se casar com Ògún. Nesse caso, qual a utilidade do ebó (Ẹbọ) que o Bàbáláwo recomendou? Se ela se recusasse a respeitar o marido, qual era a preocupação do Bàbáláwo nisso? Para esfregar ferimentos com sal, por que ela deveria a ir e alimentar o Òkè-Ìpọ̀rí de Ògún? Enfim, ela concluiu, apenas pessoas ocupadas como o Bàbáláwo a insultaria com tais recomendações; ela se levantou e simplesmente saiu sem dizer uma palavra, para a surpresa do Bàbáláwo.

A cerimônia de casamento entre Bùùkúù e Ògún foi o assunto de toda a comunidade por muito tempo. Bùùkúù no entanto deixou ninguém em dúvida sobre quem estava dando as ordens no relacionamento. Ela fez claro para todos os presentes perceberem que ela é a pessoa responsável por tudo. Enquanto isso, Ògún era totalmente cego a todos os seus planos e maneiras. Ele era simplesmente apaixonado por ela. Ele estava preparado para satisfazê-la e dançar suas músicas.

Quando ele percebeu que ela tinha vários seguidores indo à casa deles todos os dias a fim de encontrar soluções para seus problemas, ele até organizava as coisas para que ela sempre tivesse pessoas a ajudando. Essas pessoas a ajudariam a oferecer os sacrifícios exigidos por ajudar seus clientes e devotos. Ògún até lhe deu sua faca de aço para ela usar no abate dos animais que seus clientes e devotos tinham trazido para o sacrifício.

No entanto, tudo o que Ògún estava fazendo por Bùùkúù não a impressionou nem um pouco. Ela apenas traduziu essas ações para significar que Ògún, simplesmente, desempenhava suas funções como marido. Qual era o dever dele? Para Bùùkúù, o dever de Ògún bem como o dever de todos os homens para todas as mulheres, era apenas para fazê-la feliz e fazer tudo o que ela queria. Qualquer homem que não estava pronto para fazer uma mulher feliz e fazer o que quisesse, não teria espaço na vida de qualquer mulher. Ela também acreditava que não havia razão para qualquer mulher fazer um homem feliz porque o homem só acabaria se aproveitando disso e reinaria sobre a mulher.

Apesar de tudo o que Ògún estava fazendo por ela, ela não podia ver razão pela qual ela deveria cozinhar comida ou trazer água para beber ou tomar banho. Para piorar as coisas, sempre que Ògún tentava aconselhá-la, ela apenas mandava ele sair.

Demorou menos de três meses antes de Ògún se tornar motivo de chacota todos em Ṣakí. As outras esposas da casa de Ògún não podiam acreditar no que estava acontecendo com o marido. Aqueles que originalmente concederam a Ògún alta consideração e espeito ficaram tão horrorizados que perderam todo o respeito por ele.

Um dia, Ògún chamou Bùùkúù para uma discussão, a fim de esclarecer as coisas com ela. Ela não podia ser incomodada. Ela pediu a Ògún para encontrá-la em seu quarto, se ele achava que havia algo a discutir. Ela consentiu em discutir com ele depois de muita pressão de O®gu; ne a única maneira de a discussão ser feita era se ele concordasse em discutir as coisas com ela no quarto dela.

Assim que Ògún iniciou a discussão, Bùùkúù perdeu o interesse. Ela era tão desinteressada pelo que ele estava dizendo que, em um momento, Ògún ficou visivelmente irritado. Percebendo isso, ela simplesmente gritou: Se Ògún não estivesse satisfeito com o tratamento que ela estava lhe dando, ele estava livre para se enforcar ou, melhor ainda, joguar-se em uma lagoa ou poço. Ela não tinha tempo de dar a ele melhor tratamento. Além disso, ele tinha outras esposas que poderiam satisfazer suas necessidades tolas. Ela então gritou para ele sair do quarto dela. Ela amaldiçoou e abusou dele. Ela o ofendeu de uma maneira que ninguém, homem ou mulher, já havia conversado com Ògún antes. Ela então completou cuspindo em sua cara!

A essa altura, todos na casa e alguns vizinhos já tinham reunidos em torno de sua casa. Eles não podiam acreditar no que estavam vendo e ouvindo. Isso não poderia acontecer com Ògún. Este homem parado diante Bùùkúù não pode ser o Ògún eles sabiam. Não pode ser ele. Não deve ser ele!

Ela então começou a pressionar Ògún para sair do quarto. Essa foi a palha que quebrou as costas do camelo. Ògún ficou lívido de raiva! Ele começou a tremer por toda parte! Quando ele finalmente falou, Bùùkúù tornou-se oprimida pelo medo! “Eu não vou permitir que você me desrespeite em minha casa, não mais! Mesmo que o inhame batido de ontem não satisfaça a pessoa ou encha sua barriga, sua simples aparência não é suficiente para instilar medo na mente de alguém. Quem é Você? O que você representa? Quem te deu à luz? O que você quer? O que você está procurando? O que entrou na sua cabeça burra? O que mudou seu pequeno cérebro de cabeça para baixo? O que lhe dá essa temeridade? Você não tem algum medo? Quem você pensa que é? Você não consegue reconhecer seu companheiro? o que dá a você essa impressão inchada sobre você e seu valor? O que você é, pensando em si mesma? Onde estão suas maneiras? Onde está sua feminilidade? Onde está sua decência? Onde está o seu decoro? Onde está seu respeito próprio? ”

Ele então parou. A essa altura, toda a sala estava carregada. A expressão no rosto de Bùùkúù mudou de arrogância para raiva, de raiva para surpresa, de surpresa em confusão, de confusão em arrependimento, de arrependimento em medo, do medo ao horror!

Ele então disse a ela: “Vou poupar minha ira hoje. Vá e remova todo as suas coisas e saia da minha casa agora! Deixe todas as minhas coisas para trás. Isto inclui a faca de aço que eu lhe dei para abater os animais trazidos à você. A partir de hoje, você deixará de usar qualquer coisa que pertença a mim: facas, lâminas, machados, facas, enxadas, escavadeiras, cacos e assim por diante. Saia agora antes que eu mude de idéia sobre você!

Enquanto ele falava, ele tremia por toda parte. Bùùkúù estava suando. Ela não tinha ninguém para pedir em seu nome. Naquele momento, ela se lembrou de todas as coisas que o Bàbáláwo tinha dito a ela. Era tarde demais para fazer qualquer coisa sobre Isso agora. Ela se culpou por fazer coisas demais. Ela começou a arrumar todas os seus pertences e alguns de seus seguidores que foram atraídos para a cena ajudando-a em mudar suas coisas. A vergonha que ela não queria que acontecesse com ela era testemunhada por todos ao redor. Foi notícia na área por muito, muito tempo.

Isso se tornou uma lição para todas as mulheres arrogantes até hoje. Quando Bùùkúù, ela não tinha faca para abater ou esfolar seus animais. Ela portanto, começou a usar bambu para esfolá-los. A partir desse momento, Bùùkúù usaria apenas bambu afiado para esfolar seus animais desde que a ela era proibido o uso de qualquer faca ou qualquer coisa de metal pertencente a Ògún.

quinta-feira, maio 21, 2020

A morte e o pós-vida - O destino no pós-vida [ Entendendo a religião yoruba - pt. 21]

ANTERIOR: A alma e o espírito


O destino no pós-vida

Muitas teses podem aparecer aqui se aumentarmos o escopo de nossa observação, mas como estamos tratando dos yorùbá vou me a ter somente a sua interpretação.

A religião yorùbá entende que existe um julgamento pós-morte, aliás, na região da África que nos concentramos (ocidental e central) é a única religião que entende desta maneira.

Quando morremos voltamos para casa, o órun (Ọ̀run) e lá vamos primeiro passar por Onibode órun (Ọ̀run), vamos dizer quem somos eu que fizemos e se for o nosso tempo de regressar ao órun (Ọ̀run) ele nos dará passagem.

Vamos nos ajoelhar na frente de Olódùmarè e prestaremos conta de tudo o que fizemos no Àiyé. Somente Olódùmarè nos ouve e somente ele nos avalia pelo conjunto de nossa obra no Àiyé.

Nesse momento podemos ir para o lugar bom e nos reunirmos com nossos familiares, continuando nossa existência no órun (Ọ̀run). Contudo podemos ser condenados a ir para o lugar ruim. Essa nomenclatura de lugar bom e ruim eu não inventei, está assim em Awolalu e nos demais, contudo, não deixa de ser engraçado porque isso me faz lembrar de um seriado da Netflix. 

Vamos ser separados de nossa família e viveremos em um lugar ruim, sozinhos e com comidas ruins. Podemos ainda ser condenados a reencarnar em animais e, de fato, sofrer uma existência dolorosa no Àiyé.

Essa separação não é permanente e as almas podem ser recuperadas pelos Orixá (Òrìṣà) e conduzida para uma nova família. Essa teoria, mais uma vez reflete a realidade. Como Bàbáláwo já testemunhei vários casos de crianças que nascem não sendo nem da linhagem materna nem da linhagem paterna, sendo então crianças de orixá (Òrìṣà). Nesse caso almas que foram para o lugar ruim mas cumpriram o seu tempo lá.

Outro destino que podem ter almas-perdidas, fora do órun (Ọ̀run), é a floresta do Ẹgbẹ́ (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Esta floresta que fica entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé, como já expliquei isso anteriormente, recebe crianças que morreram com pouca idade, por causa delas mesmas. Essas almas de crianças acabam ficando na floresta que fica no limiar do órun (Ọ̀run) ou do Àiyé ou então indo para ai porque Onibode não permitiu que elas entrassem.
Essas crianças são usada e pelos orixá (Òrìṣà) e são recuperadas para renascerem em uma nova família, pelas mãos dos orixá (Òrìṣà).

Entender isso de forma mais ampla é tema para outro contexto, neste aqui o que importa é que essa floresta também é um destino de almas que não alcançam o órun (Ọ̀run).


O renascimento

 

Os yorùbá tem uma forte crença no renascimento, mas, sua atitude e entendimento disso é completamente diferente do que encontramos aqui entre os espíritas Kardecistas que disseminaram em nossa sociedade que a vida é uma passagem de sofrimento e expiação e que o objetivo de toda alma é fugir do renascimento e viver apenas no Nirvana.

Os Yorùbá pensam no mundo como sendo de luz, calor, prazer e vida. Eles entendem que toda alma quer retornar a viver, renascer.

Enquanto os Yorùbá tem uma atitude afirmativa para o mundo os espíritas têm uma atitude de renúncia ao mundo.

Todos que morrem renascerão de novo, exceto os que ficaram no Àiyé na forma de fantasmas.

Ao falar de renascimento eu teria que falar do conceito de renascimento parcial, mas, não farei isso. Esse é um assunto muito complicado e confuso. Na minha opinião pouco consistente e apenas uma imposição devido ao culto de ancestre. Não tenho que repetir tudo que está na religião se não veja consistência nisso ou mesmo colaboração no entendimento da religião. Essa conversa de reencarnação parcial é a coisa mais idiota que tem para ser falada.

O que tem para ser falado de renascimento é isso, nós queremos renascer e renasceremos, desde que haja família para isso. É um valor importante que a pessoa case e tenha filhos. Somente através dos seus descendentes é que você poderá renascer.

Dito isso, já fica claro para todos que a religião espera que as mulheres tenham filhos e que as famílias sejam do tipo comum, papai e mamãe. Uma religião que acredita no renascimento e que ainda mais diz que as pessoas querem renascer, não pode ter como modelo famílias que não tem filhos.


terça-feira, maio 19, 2020

O que você precisa saber sobre consultas a Ifá

O que você precisa saber sobre consultas a Ifá



O objetivo desta postagem, assim como o do Blog é o de esclarecer e ensinar com informação atualizada e de boa fonte. O que eu escrevi nesta postagem representa a minha opinião sobre o tema. É baseado em minhas observações, experiências e análise.

Este não é um assunto teórico e sim opinativo.

Os temas abordados nesta sequência serão os seguintes:

  • Por que as pessoas devem ir a Ifá?

  • Anatomia de uma consulta

  • O uso de ikin ou opele

  • O valor da consulta e de trabalhos adicionais

  • A questão de ire e osogbo

  • O uso de ìbò

  • A escolha de ebós e oferendas

  • Uso de estórias na interpretação

  • Bàbáláwos determinando orixá em jogo

  • Assentamentos e iniciações

Todos esse temas contidos no escopo da ida a uma consulta a Ifá.

Imagino que muitas pessoas, ou todas, devem ter, no mínimo uma grande curiosidade em se consultar no oráculo de ifá, eu já tive e isso me levou a primeira consulta, a curiosidade. Mas seja por necessidade ou por simples curiosidade de saber qual a diferença entre este oráculo e os demais, já conhecidos, como búzios, cartas e até consulta com guias de umbanda, eu gostaria de deixar aqui registrada a minha contribuição para que esta, a consulta a Ifá, seja uma boa experiência.

Observem que não entrarei em aspectos de medir a qualidade de quem procuram, isso cabe a vocês, antes de se definirem, procedam a um processo mínimo de buscar recomendações e opiniões, como aliás a gente deve fazer na nossa vida normal, antes de ir a algum lugar ou contratar algum serviço. Não encare ifá de forma diferente, essa coisa de sacerdote e de portador de valores puros ou elevados, representante de deus, é só na sua imaginação, o mundo real tem todo o tipo de pessoa exercendo esta atividade, sejam os bons, os mau-caráter ou os incompetentes.

Esta é então a minha primeira recomendação avalie bem o lugar para onde vai.

Qual a base teológica de consultar Ifá?

Além da curiosidade, as pessoas podem ter bons motivos para ir a Ifá. Conforme a teologia diz, Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) é o eleri ipin, o testemunho do nosso destino, aquele que está ao nosso lado quando nos ajoelhamos perante Olódùmarè e pedimos a vida que queremos ter no Àiyé. Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) testemunha aquilo que pedimos e também o destino que Olódùmarè nos dá. Esta informação pertence a nós, a Olódùmarè e a Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) somente. Porém quando nascemos nós esquecemos o que foi combinado. Sendo Olódùmarè um deus distante, Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) é o único que pode nos ajudar.

Na porta do salão de Olódùmarè esta elenini, a divindade do infortúnio. Esta divindade é um ajogun, um dos espíritos que apenas trazem o mal para as pessoas na sua vida no Àiyé. Ela ouve o que pedimos e fará tudo para nos atrapalhar, afinal ela é o infortúnio.

Conforme está no Odù Irosun meji, nos esquecemos nossos objetivos de vida, o dito destino, quando nascemos. Isso foi uma consequência do awo que ao ter problemas na sua vida, volta ao órun (Ọ̀run) para falar de novo com Olódùmarè. Este awo, Irosun meji, se prepara para esta viagem e com a orientação de ifá, engana elenini que sai da porta de Olódùmarè, para ir a cozinha fazer o seu café da manhã com elementos que o awo havia trazido através do seu ebó de ifá.

O awo refaz seus objetivos com Olódùmarè e sai correndo de volta ao Àiyé. Elenini percebe que foi enganada e corre atrás dele, mas quando percebe que não vai alcançá-lo lhe arranha as costas da cabeça até a cintura, fazendo assim a marca da coluna vertebral nos homens. Além disso ela faz com que as pessoas se esqueçam do que trataram com Olódùmarè. O awo Irosun meji ganha uma nova vida mas se esquece do que pediu a Olódùmarè.

Ifá, através de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) serve para nos relembrarmos disso. Através de ifá Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) nos traz orientações baseadas no destino que pedimos a Olódùmarè. Dessa maneira ifá não é um oráculo comum que fala do passado e presente, ou um contador de fofocas. O que ele diz esta alinhado com o que nós mesmo estabelecemos para nossa vida. Nos momentos que temos dificuldade e precisamos de orientação, naqueles momentos em que já buscamos em nós as respostas e também toda a ajuda disponível sem sucesso, nós sempre teremos Órunmila (Ọ̀rúnmìlà, o eleri ipin, o testemunho do nosso destino para recorrer.

Além disso, temos a questão do Orí que vamos buscar no mercado de ìdó com Ajalá. Existe um fator de acaso na escolha do ori. Ajalá não faz todos os Orí bem-feitos. Esta situação está explicada em uma história bem conhecida do Odù Ogbe Yonu. Dependemos do acaso ou de uma cuidadosa preparação antes da escolha do Orí.

Por desconhecimento da teologia, existe, aqui no Candomblé, um sobre valorização da questão do Orí, mas que não será aqui que vou explicar. O Orí inu, é o elemento importante para nossa prosperidade no Àiyé. Um bom Orí nos levará a prosperar rápido e com menos esforço.

Entretanto também temos que escolher no mercado de Ejigboromekun um bom iwa pele. Sem um bom iwa pele um bom Orí não trará prosperidade, isto esta explicado no odu Ogbe alara.

A escolha do bom Orí é explicada no odu Ogbe ogunda, na história de afawupe, o filho de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà). Como está na história, quando não escolhemos um bom Orí, teremos que lançar mão dos ebós que compensarão este problema ao longo de nossa vida. Desta forma, através de Ifá nós determinamos também o que precisamos fazer para prosperar em nossa vida.

Você deve ir a ifá com essas indicações. Quando precisa tomar decisões importantes em sua vida, quando avalia que seus esforços não estão sendo recompensados, etc.. Ifá é o oráculo da vida, do destino, das grandes mudanças e revisões na nossa vida.

Para coisas comuns e normais, problemas no seu trabalho, com seu marido ou mulher e coisas assim, qualquer vidente pode ajudá – lo, talvez melhor do que ifá. Um bom jogo de búzios resolve nossas questões imediatas de vida. Se você tem questões da religião para resolver, coisas ligadas a orixá, obrigações então, o jogo de búzios, definitivamente, é o oráculo indicado.

Mas ifá está aberto a tudo e sempre vai ajudá-lo em qualquer situação, sejam as questões de vida bem como as mais simples.

Ifá é parte de uma religião

As pessoas que dizem o contrário são aquelas que não entendem o que leem nos versos de ifá. É provável que nunca tenham lido versos de fato e que sejam pessoas que tenham problema com a figura e autoridade de uma religião.

Serão pessoas que usam Ifá para a parte mais objetiva, a consulta e o dinheiro. São os esotéricos que querem associar Ifá a ciências.

Tudo em Ifá, na verdade o poder e a origem de Ifá são religiosas, vêm da figura de deus, das divindades. A explicação resumida que dei anteriormente ilustra isso, existe um contexto divino, que envolve teísmo.

O oráculo de Ifá se justifica dentro do contexto religioso como um todo, ele é parte de um cosmo metafísico.

Mas, apesar de ser parte de uma religião, Ifá não te obriga a ser religioso ou adotar esta religião.

O que Ifá vai lhe dizer?

Nós dizemos que você vai a Ifá com um objetivo, para saber ou resolver algo, mas, Ifá vai lhe dizer o que você precisa saber. Se você quer ir a um oráculo que diga o que você quer saber então procure os búzios, ou carta, ou a Umbanda.

A mensagem que Ifá vai dar ao Bàbáláwo vêm representada na forma de um Odù. Odù é um símbolo gráfico que para o Bàbáláwo que se dedica a aprender a religião e a teologia vai conter indicações do que deve ser dito ao consulente.

Mas isso não é fácil, o Bàbáláwo tem que ter um significativo trabalho para entender o que Ifá tem a dizer aquela pessoa.

Isso é porque as mensagens que estão no Odù são profundas, isto é, na maior parte dos casos, claro que têm Odù com mensagens mais simples. O Bàbáláwo tem que ter inteligência, paciência, conhecimento e perspicácia para explorar o significado do Odù para a vida daquela pessoa, isso não é um trabalho fácil. Quanto mais pratico Ifá mais tenho certeza disso.

Esta ênfase nesse aspecto de mensagem é devido a que a principal função de Ifá é orientar a pessoa nos rumos da vida dela, relacionado ao seu comportamento, suas relações, amizades e escolhas. Ifá atua no comportamental da pessoa, para que ela mude, corrija ou melhore sua vida com suas ações.

O objetivo de Ifá, hoje eu tenho essa certeza, não é passar ebós e oferendas e tratar de assunto simples e comuns do dia a dia da pessoa. Para isso você deve ir a um jogo de búzios ou mesmo a videntes e á umbanda. Nesses lugares você vai ter isso.

Com Ifá é diferente, a principal coisa em uma consulta é a orientação a você como pessoa, o que você deve mudar no seu comportamento.

Depois que você entende isso, Ifá através dos ebó (Ẹbọ) e oferendas, vai te ajudar nisso, nessa mudança ou correção. Desta maneira não é o objetivo de ifá fazer ebó (Ẹbọ).

Assim Ifá não é fácil para o consulente.

Mas, não se preocupe, nem todos os Bàbáláwo entendem Ifá desta maneira, tem muita gente que aprende apenas o básico e usa Ifá como outros olhadores usam búzios e cartas. Assim as consultas duram meia hora e você sai desta consulta com a indicação de muitos ebós, uma iniciação para Ifá e com resposta para aquilo que procurou.

Anatomia de uma consulta a Ifá

Para evitar decepções ou ansiedades desnecessárias, é importante entender o formato de uma consulta a Ifá, as suas fases. Entender isso permitirá a você tirar melhor proveito da consulta.

A consulta a Ifá é bem diferente das dos demais oráculos que vocês podem estar acostumados, como búzios, cartas ciganas e tarot, por exemplo. Esses últimos são bastante interativos e o olhador vai continuamente falando com a pessoa sobre o problema e a resposta do oráculo. A consulta termina junto com a manipulação do oráculo.

Ifá é muito diferente. A consulta começa após a manipulação do oráculo. Após uma breve abertura com rezas, o Bàbáláwo vai passar um bom tempo interagindo com oráculo determinando várias coisas até chegar nos ebós a serem feitos. Tudo isso é o Bàbáláwo e seu oráculo, sozinhos, sem que ele fale nada com o consulente. Ele poderá usar o consulente para interagir com o oráculo, mas este processo não implica em explicar ao consulente o que está ocorrendo.

Somente após ele concluir toda a interação com o oráculo e já com o ebó determinado é que ele vai falar com o consulente.

Pode parecer estranho mas é assim que funciona. O Bàbáláwo precisa ter o cenário inteiro, composto do odù principal, detalhamento dele e do ebó para poder conversar com o consulente.

Fases da consulta a Ifá:

  • Abertura do oráculo

  • Determinação do odù principal

  • Determinação do estado do odù, tipo do estado e origem

  • Determinação do ebó

  • Explicação e discussão com o consulente

  • Perguntas complementares do consulente

  • Aconselhamento final e encerramento.

As 3 últimas etapas são as que permitem a interação do cliente na consulta. As etapas anteriores são de trabalho do Bàbáláwo com o seu oráculo. Ele precisa de um conjunto de informações para então poder conversar com o consulente.

Tenha paciência para esperar. Quando ele for conversar com você, então você terá todas as informações e poderá perguntar tudo o que quiser e o Bàbáláwo poderá usar o oráculo para respondê-lo, mas, existe um tempo de preparação que para o Bàbáláwo é rápido e para você pode parecer uma eternidade.

Além disso um Bàbáláwo não usa apenas informações de 1 Odù para falar com você, ele usa informações de, pelo menos 3 Odù. O que ele busca em cada Odù é parte do trabalho dele e para isso ele deve ter conhecimento e experiência.

Interpretar Ifá não é simples e um bom Bàbáláwo leva muitos anos para se desenvolver porque precisa conhecer de muitos assuntos.

A sua conversa com ele é, então, o resultado de todas as informações que ele reúne, do Odù principal até os ebós. Por essa razão um Bàbáláwo não pode sacar um Odù e já ir falando, isso é um erro, se existe. Ele precisa montar um quadro com o que recebe.

O uso de ikin ou opele

Na primeira etapa da consulta o Bàbáláwo deve determinar o odù principal que será analisado, mas ele não é o único que será analisado. Ele é o principal, mas haverão outros complementares. Esta determinação é feita usando os ikins ou a corrente de opele (Ọ̀pẹ̀lẹ̀).

Os ikins são o principal instrumento do Bàbáláwo, eles representam o próprio Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) para o Bàbáláwo. O surgimento dos ikins é explicado no odu Iwori meji. Nele Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) após um desentendimento com um filho abandona o Àiyé. As pessoas depois procuram Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) para que ele volte, mas sem sucesso, Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) deixa então os ikins para representá-lo. Definitivamente esta história não encerra o tema e existem outras.

Muitos poderão observar que se os ikins surgiram após a volta de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) para o Órun, o que Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) usava para consultar ifá? Eu lembro de ter lido uma referência a serem usados seixos de rio, mas, não posso citar esta referência, não me lembro onde foi e nem se pode ser considerada como válida.

Outra questão teológica importante seria discutir que, se Ifá é Órunmila (Ọ̀rúnmìlà, como o próprio Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) consulta ifá? Mas essa conversa vai ficar para o texto sobre teogonia.

Referencias aos ikins em Ifá surgem em outras histórias e outros odu. A tradição cubana, no odu ogunda ika, faz ifá nascer no aiye nas mãos de um bebê que nasce de dentro de um elefante, morto por caçadores, sendo que a criança nasce com cabelos e barbas brancas e com 8 ikins em cada mão. Uma história bizarra como só os pataki conseguem produzir.

Sem nenhuma dúvida os ikins são a mais verdadeira e autêntica representação de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà). Podemos dizer que no contexto do Bàbáláwo é a única coisa que representa Órunmila (Ọ̀rúnmìlà. Um Bàbáláwo somente precisa carregar os seus ikins consigo, mais nada.

Posteriormente à criação dos ikins Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) pede a Olódùmarè que lhe dê uma ajuda. O processo de consultar ifá era lento e a demanda das pessoas era muito grande. Olódùmarè envia a ajuda para ele, através de um escravo, de nome Alakan, que Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) compra no mercado e que ao se jogar no chão forma a combinação dos Odù com o corpo. Esta história faz parte do Odù Ogbe Meji. Opele (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) depois trairá Órunmila (Ọ̀rúnmìlà, é transformado na corrente que possibilita consultas mais rápidas, esta história é narrada no Odù Obará Irosun. A história de opele (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) e Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) é muito interessante e será contada em outra postagem.

Nesse caso podemos ter mais uma discussão teológica uma vez que se Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) fica claro nesta história que Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) usava ikins no Àiyé. Fica para outra vez.

Explicado isso, minha opinião é que se vocês vão a Ifá que seja para uma consulta com ikins. Vocês devem requerer isso quando marcar a consulta. Se o Bàbáláwo aparecer com opele (Ọ̀pẹ̀lẹ̀), depois que combinou antes usar os ikins, vocês levantem e vão embora. Os ikins é que são o instrumento principal do Bàbáláwo e a voz de orunmila.

Se o Bàbáláwo for cobrar a mais por isso, vocês podem querer pagar ou não. Lembrem-se que como em todo negócio sempre o que melhor negocia se da melhor. Ele é que está vendendo, você é o comprador, ele está tão ou mais interessado que você, porque a consulta é apenas a porta de entrada para outros negócios que ele vai tentar empurrar para você. Se não quiser pagar a mais digam que não quer pagar nada a mais ou coloque na sua cabeça o quanto está disposto a dar a mais, o Bàbáláwo que decida o que quer fazer.

Uma consulta a Ifá sempre é longa, coisa de 2 horas, e deve ser uma ocasião importante para você. Pode não ser para o Bàbáláwo, mas, para você é um momento importante, ninguém vai a Ifá para tratar de coisas banais, nem mesmo um Bàbáláwo consulta Ifá para ele ou com outro Bàbáláwo se não for um momento importante. Não será o ikin que vai tornar isso mais demorado. Aliás este é um fator importante, se você vai a ifá e sua consulta leva meia hora, então, foi ao lugar errado. Com prática o Bàbáláwo lida bem rápido com os ikins e isso compensa o tempo a mais que vai gastar (e gasta mesmo).

O uso generalizado do opele (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) pelo Bàbáláwo é apenas uma grande conveniência. Ele não pode desprezar importância dos problemas dos consulentes. Mas ao lidar muito com o opele (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) ele perde a prática de usar ikin.

O opele (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) é ótimo em muitas situações. O Bàbáláwo o usa muito, é um instrumento bom, simples e rápido para sacar odù, sem dúvida. Quando se precisa fazer perguntas de sim/não em sequência e quantidade ou quando se vai lidar com consulta a problemas não complexos, decisões e orientações, o opele (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) é ótimo. Como eu disse, Ifá suporta a gente nas questões importantes e também nas simples.

.Entretanto é minha visão que quando a pessoa procura ifá com questões importantes para ela e sua vida que o instrumento do Bàbáláwo deve ser o ikin. Mais do que isso, minha opinião é que o instrumento preferencial do Bàbáláwo é o ikin, deixando o opele (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) para casos menores, problemas menores e também para agilizar o seu trabalho. Mesmo em uma consulta com ikin, o opele (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) tem seu espaço, mas isso não é assunto para aqui, existe um texto neste Blog sobre isso e um vídeo no canal.

Posso também, com minha experiência, resumir com a seguinte fala. Ir a um oráculo de Ifá já é um ebó (Ẹbọ). O jogo é um ebó (Ẹbọ). Mas, na minha visão isso é assim apenas quando o Ikin é usado.

O valor da consulta e de trabalhos adicionais

O valor de uma consulta a Ifá está ligado ao mercado disso, o mercado de consulta a oráculos. Para este mercado não existe especialização o que importa é a eficácia, a rapidez que se resolvem problemas. Ifá não é eficaz, é eficiente, com o suporte de ifá você poderá resolver problemas da sua vida e decisões de maneira definitiva.

Não entre na idéia de que tudo que é bom é caro. Uma consulta a Ifá, se bem-feita vai te dar orientações e conselhos. É isso que você está pagando. Um Bàbáláwo não pode almejar ser rico. Ele pode almejar que em função da dedicação que Ifá exige e do prazer e realização que ele sente em fazer aquilo, que Ifá possa sustentá-lo. Todas as religiões sustentam os seus sacerdotes, ser um sacerdote remunerado por este ofício não é nada demais.

Pagar a um Bàbáláwo pela consulta é completamente natural. Os espiritas ( kardecistas ) que são elitistas e arrogantes, além de representarem um embuste ideológico, inventaram que a prática da religião deveria ser caridade, porque é um dom divino. Isso é tão fraudulento e elitista como era o barão de coubertain que criou as olimpíadas modernas somente para amadores (Ele apenas queria afastar, como fez por muito tempo as classes mais pobres da disputa).

Padres são remunerados, monges são sustentados, literalmente pelas comunidades onde vivem.

Ifá exige dedicação e gastos para se manter. Mesmo pessoas que trabalham e são Bàbáláwo precisam cobrar para fazer frente aos seus gastos devido a esta atividade religiosa. O Bàbáláwo tem que periodicamente se submeter a cerimônias e ebós devido ao exercicio da atividade como Bàbáláwo. Lidar com o supernatural, suas energias e os problemas das pessoas transfere para o Bàbáláwo, suascasa e vida energias que devem ser neutralizadas.

Assim, um Bàbáláwo cobra pelo que faz, mas, isso não é um trabalho para ser rico. Se você procura um Bàbáláwo que seja rico ou muito bem de vida em função do que faz, pensem muito bem, porque é você que vai pagar pela gasolina azul dele ( como a gente falava antigamente...).

Não use para Ifá o mesmo raciocínio que usa para médicos, onde quanto mais caro e mais difícil a consulta, melhor o médico é.
se você vai a Ifá de fato, não importa se a consulta custa R$1 ou R$10. Quem fala com você é Órunmila (Ọ̀rúnmìlà). O Bàbáláwo é o intermediário. O divino, Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) vai falar com você tão bem em uma consulta de 1 ou de 10. O que você tem que saber é se aquela pessoa é de fato um Bàbáláwo e se leva a sério o que faz.

Além disso, você pode anotar ou pedir para que sejam anotados os Odù da consulta e os Ebó. Isso é seu, você pagou por isso. Existe um padrão para essa anotação. Você pode levar isso para qualquer Bàbáláwo interpretar para você.

Essa é outra grande diferença entre Ifá e os outros oráculos. Uma vez feita a consulta, qualquer Bàbáláwo pode interpretar e fazer os Ebós. Se você não gostou desse, procure outro para fazer os ebós ou mesmo para que ele interprete para você. Nesse aspecto é igual a médico....você pode levar seus exames para validar o diagnóstico e receitas. Ifá é igual.

Fique atento porque os gastos de uma consulta não se esgotam no valor daquela consulta. Em quase todos os casos haverá sempre um ebó a ser feito, esse é o jeito de ifá. Pode ainda envolver oferendas ou sacrifícios a orixas, mas vou comentar a seguir isso. Nesse momento eu chamo a atenção que, a menos que você não vá fazer o ebó indicado ( ebó de ifa é uma coisa mais simples ) que o ebó vai custar pelo menos o mesmo que uma consulta.

Dessa maneira já vá montando o seu orçamento baseado nisso, você vai gastar no mínimo o dobro do valor da consulta, certamente mais, tudo vai depender do bom senso e ética do Bàbáláwo.

Observem, não estou dizendo aqui que todo Bàbáláwo é aético. Estou dizendo que vocês devem ficar atentos, não existe garantia de virtude. Isso é vida normal, mundo real, tem gente que nem é Bàbáláwo e finge que é.

A questão de ire e osogbo

Este texto não tem objetivo de explicar sobre o conteúdo da consulta e sim fazer recomendações e explicações gerais para quem vai a uma consulta. Mas, mesmo com este sentido não dá para não comentar sobre o estado do odù, devido a alta significância disso na relação de consumo cliente – Bàbáláwo.

Após o Bàbáláwo determinar o odù principal ele deve determinar se ele veio trazendo ire ou osogbo / ibi.

Muitos se referem a esta parte do processo sendo como determinar se ele está positivo ou negativo. Minha visão disso é diferente e vou explicar a seguir. Esta diferença de entendimento, que estou propondo agora, é significativa como um fator importante que afeta a relação consulente-Bàbáláwo.

Como já ocorre no candomblé e com outros videntes, o jogo é apenas a porta de entrada para outros negócios. Vocês nunca devem perder esta perspectiva de negócio que está envolvida porque isso é, de fato, o que determina o resultado de muitos jogos. Entender isso facilita o entendimento do comportamento associado às pessoas nesta atividade oracular.

Não é a expectativa do olhador que o atende (seja ele Bàbáláwo ou outro) que a relação entre vocês se conclua com a consulta ao oráculo. Quem vai a um oráculo é porque tem problemas, não vai ali para bater papo, e o olhador é acima de tudo um profissional para resolver problemas através do supernatural. Para a muitos Bàbáláwos, o que ele faz não é um sacerdócio, bom, também é um sacerdócio (da forma como ele gostaria de se ver), mas sem nenhuma dúvida é uma profissão, ou também um negócio.

O valor da consulta sempre leva em consideração o valor de mercado dela, mas não é com isso que o Bàbáláwo se mantêm. O mais relevante é a perspectiva de fazer novos negócios, de ebós a iniciações, após a consulta (como resultado dela). Isso é igual ao valor do jornal em uma banca de jornal. O valor que a gente paga não deve cobrir o custo do papel. O que permite o jornal ser impresso e circular são os anúncios que ele contém. Também como a TV que é de graça para nós, mas mantida pelos anunciantes.

A gente vê na praça, videntes que dizem que a consulta dele tem um valor mínimo, incentivando assim as pessoas a procurá-lo. De fato, a consulta tem mesmo um valor baixo, na verdade o trabalho de venda dele será sobre o psicológico do consulente em função do que ele vai ver no jogo (sendo criativo ou não). Ele vai trabalhar as ambições e medos do consulente, independente dos problemas (e gravidade) que eles tenha de fato. Afirmo que essas pessoas são boas no que fazem, isto é, induzir as pessoas a gastarem dinheiro em trabalhos com eles e muitas vezes são também muito boas na sua vidência.

Outras inovam, dizem que o valor da consulta já inclui o trabalho posterior. Isso é só marketing. Tomem cuidado.

Com o Bàbáláwo não é diferente.

Como eu disse quase toda consulta a Ifá leva a um ebó, claro, existem os casos que pode não ser necessário, mas o normal é ter mesmo e prefiro me dirigir a regra e não a exceção. A questão de ter o ebó é parte da estrutura do oráculo e é perfeitamente normal e esperado.

Devemos, em primeiro lugar, considerar que a consulta a Ifá, feita com o Ikin, já é um ebó. Esta é uma grande diferença entre ifá e outros oráculos.

A origem disto está na teologia explicada no inicio deste texto. Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) é o eleri ipin, o testemunho do nosso destino. Vamos a Ifá para recorrer a Olódùmarè através de Orumilá, quando precisamos de uma orientação em nossa vida para poder cumprir o nosso destino (ou objetivo de vida). Olódùmarè responde através de um odù. O odù não é apenas um sinal ou desenho, os sinais o representam, mas, uma consulta feita com um Bàbáláwo, traz o odù como a energia que Olódùmarè envia para nos ajudar. O odù é o axé de Olódùmarè que desde o momento da consulta através de Orumilá, Exu e principalmente dos orixá se manifestará na nossa vida.

O trabalho do Bàbáláwo é ser o intermediário disso e posteriormente, através do ebó conduzir e manipular este axé para que ele se manifeste em sua plenitude na vida de vocês e não seja perdido. O Bàbáláwo é um intermediário desta operação assim como o são os orixás que se apresentarão para ajudar a pessoa.

Quando Olódùmarè criou o aiye ele sabia que a vida teria interesses mas também dificuldades causadas pelos ajogun e ajé. Ele também sabe que o processo de nascimento pode ter falhas desde a escolha do Ori até a concepção física. Para que as pessoas pudessem superar tudo isso ele criou ifá. Ifá contém a palavra de Olódùmarè através dos seus versos e também os signos através das marcas de odù. Essas coisas transmitem o axé do Olódùmarè para as pessoas, as palavras de ifá rezadas a partir dos versos Invocam ou transportam o axé de Olódùmarè.

Desta maneira a própria consulta, com Ikins, já é um ebó. Por isso é importante o uso de ikin e por isso o Bàbáláwo deve rezar o odu que sai na consulta.

Toda esta explicação teológica é para dizer que não concordo com a visão ou forma de explicar, não importa, que as pessoas usam, inclusive as que se dizem Bàbáláwo, de que um odù traz uma negatividade e por isso o ebó é necessário, sem o que a pessoa ficaria com a negatividade com ela.

Essa visão sempre existiu no candomblé, com os babalorixás tocando o terror com os odu, dizendo que tal odu era terrível, o outro provocava isso ou aquilo, levando às pessoas a crerem que eles, os odù, eram uma coisa ruim que agarrava em você e você tinha que se livrar dela.

Isso continua em Ifá, após sacar o odù o Bàbáláwo deve determinar se ele vem no estado de bênção, ou ire, ou de mal, ibi. Os cubanos não usam a palavra ibi, usam osogbo, que significa que, não é ire. As palavras mudam mas são usadas da mesma forma.

O uso desta interpretação de odù positivo ou negativo visa sempre o mesmo, induzir o consulente a fazer o ebó. Como Bàbáláwo eu digo que você deve fazer o ebó recomendado. O odu e o ebó são uma resposta divina a sua súplica. Não fazer é desperdiçar o axé que Olódùmarè envia para você a seu pedido, uma vez que, se você vai a Ifá é porque pede ajuda.

Apesar disso eu, como todo mundo, sei que o objetivo do vidente, olhador ou Bàbáláwo é que você faca o ebó. Existe uma transação mercantil em curso entre você e ele, e ele não quer de você apenas o valor da consulta, ele quer muito mais. A consulta é uma porta aberta às oportunidades. Esta é uma sombra que não pode ser ignorada nesse processo.

Em função disso é que o entendimento da orientação do odù é importante, porque esta interpretação é o principal motor das ações direcionadas ao consulente.

Cada um deve avaliar no que acredita, o que eu posso fazer é dar a minha visão. Neste sentido minha interpretação é que um odu sempre é positivo porque ele é axé. O problema já está com você, o odu sempre vem para ajudá-lo. Se você não fizer o ebó vai ter desperdiçado o axé. Também não descarto em alguns casos, principalmente em Ire algum desequilíbrio temporário, porque axé demais também atrapalha.

Na minha visão quando o odù vem em ire ele traz bênçãos para você, axé para impulsionar sua vida, ajudá-lo a melhorar, realizar algo, etc... Quando ele vem em ibi (também chamado de osogbo ou ayewo) ele vem para retirar ou neutralizar um mal que o ronda, uma sombra em você, etc... o axé do odù será usado para zerar sua conta, deixá-lo sem a influência da energia negativa ou da eminência de uma situação desfavorável.

Dessa maneira odù sempre é uma energia boa. Ele pode vir para alavancar sua vida ou para retirar a negatividade que já existe.

Minha visão da religião é sempre positiva. Os orixá estão sempre para nos ajudar, para trazer o bem para nós. Eu não mistifico situações, não vejo orixás exigindo coisas, cobrando coisas ou punindo que não os adora. Vivo bem e sem problemas com essa minha visão. A teoria na prática é a mesma, ou melhor, o rito e a teologia são o mesmo.

Assim eu recomendo que não se assustem com essa questão de ire ou osogbo. Nenhum mal foi jogado sobre suas cabeças. Acreditem no oráculo, sigam as recomendações tenham fé em deus e nos orixá. Mas, vocês não precisam de gente prevendo o fim do mundo. Ajam com prudência e fiquem de olho vivo nas espertezas. Depois da consulta decidam o que querem fazer. Se a pessoa que consultaram não passou confiança ou o ambiente que ele está ou que se cerca não é confortável para vocês, não façam nada. Não aumente o tamanho do seu problema.

Decidam com racionalidade o que querem fazer. Não tomem decisões por medo.

Por fim, em anos fazendo Ifá eu posso fazer uma afirmação definitiva, NUNCA, Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) determinou um ebó (Ẹbọ) que aquela pessoa não pudesse fazer. Eu disse nunca.

Já atendi pessoas que não tinham condição de fazer nada e Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) nada pediu. Algumas vezes pediu orações, ou trouxe o Odù já manifestado. Eu nunca me preocupo com o que Ifá pedirá no ebó (Ẹbọ) porque sei que SEMPRE é algo que o consulente pode fazer.

Se você vai a um Bàbáláwo e o resultado é algo que você não vai poder fazer, vai ficar sem dinheiro ou ele diz para você vender coisas ou se endividar, aconselho a se levantar e ir embora.

O uso de ìbò

A questão do uso de Ìbò é um pouco técnica e mais profunda e não sei se todos vão compreender, mas, é importante comentar.

Uma das coisas que mais torna ifá um oráculo interessante para o consulente é o uso dos ìbò (ibô). Os ibô são objetos que o Bàbáláwo coloca em ambas as mãos do consulente e este os embaralha colocando cada um e uma mão mas escondidos do Bàbáláwo, que não deve saber em qual mão está cada Ìbò. O objetivo deles é servir para responder as dezenas perguntas de sim ou não que surgem durante a consulta.

Um dos objetos significa SIM e o outro significa NÃO. A cada pergunta os objetos são novamente embaralhados. O Bàbáláwo define, às cegas, qual a mão o consulente deve abrir e, em função do conteúdo da mão, o tipo do ìbò, a pergunta será respondida com SIM ou com NÃO. O que o Bàbáláwo faz é usar os ikins ou opele para, através da ordem de senioridade dos odu determinar que mão deve ser aberta. O ìbò determina a resposta., mas, o Bàbáláwo não sabe a resposta antes da mão ser aberta.

Observem que é um trabalho colaborativo. Ifá diz ao Bàbáláwo qual mão deve ser aberta. Porém foi o consulente que colocou sem a ciência do Bàbáláwo, o ìbò que determina SIM ou NÃO. A resposta é o resultado do trabalho de ambos.

Chamamos isso de interação entre o oráculo e o Orí do consulente. Usando dessa maneira o Bàbáláwo não pode manipular as respostas, mas, acima de tudo o consulente participa do oráculo.

Os tipos de objetos são trocados de acordo com o tipo de pergunta, normalmente o objeto que significa NÃO é o mesmo, o que vai significar o SIM em cada pergunta é que muda. O objetivo do uso disso é fazer com que o oráculo interaja com o Orí com consulente, seu orixá individual e protetor.

Existem Bàbáláwo que estão deixando de usar isso. Existe uma forma de fazer o processo sem o ibô, que o Bàbáláwo emprega quando está sozinho ou jogando para ele mesmo. O que noto e que esta simplificação acaba atraindo as pessoas. Veja, já é uma simplificação usar o opele (Ọ̀pẹ̀lẹ̀), será uma maior ainda você dispensar o ibô. Claro que as pessoas têm explicações para isso, mas racionalizar é um processo fácil. O complicado é fazer o que deve ser feito.

Minha opinião é que o uso do ìbò é uma segurança e evita que o Bàbáláwo invente o que fazer e crie problemas que não existem. Além disso é uma forma do consulente participar da consulta.

A escolha de ebós e oferendas

Após o Bàbáláwo ter determinado o tipo e origem do estado do odù, ele parte para definir o ebó. Esta definição pode variar entre tradições, escolas e ramas, mas basicamente passa por determinar primeiro os elementos que serão necessários no ebó de ifá e se além disso será necessária alguma oferenda para uma ou mais divindades que se apresentarem para te ajudar.

O ebó de ifá é feito em cima do opon (Ọpọ́n Ifá) , o tabuleiro de ifá e é um processo composto de muitas rezas. A quantidade de elementos é bem menor do que comparado com o que se faz no candomblé e sua preparação bem mais simples.

As oferendas para divindades são convertidas em axé para você, orixá não come, quem come é seu corpo. Mas existe também o caso onde a oferenda é usada para aplacar ou afastar ajoguns ou ajés. Essas oferendas podem ser comidas votivas ou animais. Não existe regra, cada caso é um caso.

Mas o que eu aprendi na prática foi que Ifá nunca pede o que a pessoa não pode dar. Quando Ifá pede mais do que você pode dar é porque não é mais Ifá.

O grande problema nesta fase é o exagero. As pessoas pecam pelo excesso, assim, em vez de oferecerem pouco ou o mínimo necessário, iniciam oferecendo muito e fazendo questão de incluir animais. Não existe erro se a oferta é feita e o oráculo aprova. Contudo poderia também ter aceitado muito menos.

As coisas que alertei no assunto anterior, sobre os estados de Ire ou Osogbo e a forma de ver isso, interpretar isso e explicar isso ao cliente repercute aqui. Sem dúvida serão os "graves" casos de osogbo de determinarão muitos ebós e com muitas coisas. Por isso que expliquei a questão da orientação do Odù,

O que esta envolvido em grandes oferendas é sempre a mesma coisa, o vil metal, o dinheiro. Custa mais em material e custa mais na remuneração pelo serviço de executar aquilo. Quanto mais pessoas envolvidas, mais dinheiro. Ifá é diferente do candomblé neste aspecto. No candomblé as pessoas trabalham para a casa de forma que sempre a casa é quem recebe. Em Ifá no modelo cubano, não tem essa de casa e egbé. Cada um que vai la recebe para isso.

Eu digo que você deve fazer o que o oráculo indica, nem mais nem menos. Entretanto, dosar o que vai ser oferecido para aprovação é que são elas. Como eu alertei antes, toda vez que tem dinheiro envolvido você deve ficar atento. Isso, o dinheiro, muda tudo.

Na hora de determinar o ebó eu penso que sempre se começa com o pouco. Gradativamente se adiciona e uso de animais somente em último caso. Não que eu seja desses preocupado com animais, não sou, minha preocupação é com o consulente.

Não faça ebó como falta de opção. Faça se quiser e se confia na pessoa. Você pode desistir a qualquer momento.

A minha recomendação mais importante e valiosa é esta: se um ebó deu certo não adianta voltar lá pedindo um reforço. Não adianta fazer mais ebós ou fazer ebós maiores e mais complexos. Você não ganhará mais por isso. O ebó funciona na medida certa do que tem quer ser. Também traz o resultado certo que tem que trazer. Seria muito fácil se fosse assim, quanto mais ebó mais resultados, todo Bàbáláwo e babalorixá seria rico.

Uso de estórias na interpretação

A coisa mais importante em Ifá são as histórias dos odu. Elas são que tem as mensagens para o consulente. A consulta será tão boa e precisa quanto o Bàbáláwo se dedicar explorar e entender as estórias.

Você poderá encontrar Bàbáláwos que não se preocupam com as estórias. Isso ocorre porque nos tratados cubanos existem 2 tipos de informação. Existem uma série de pré – interpretações associadas a cada odu. Muitas pessoas se preocupam apenas em aprender isso fazendo que a consulta com elas fique muito objetiva. Os odus saem e elas já saem dizendo o que é o problema e, com suas respostas elas vão ajustando a interpretação delas. Como o ebó já foi tirado ela só precisa equalizar com você uma situação que você concorde, ai acabou.

Esse formato é igual ao dos babalorixás de candomblé. Eles fazem consultas com búzios de 15 minutos.

Mas ifá não é assim, ou melhor, não deve ser assim.

Você deve ouvir as estórias e interpretá-las junto com o Bàbáláwo associando as estórias a sua vida. As boas histórias deixam lições importantes para você. Acima de tudo o próprio consulente é quem analisa se aquela estória se encaixa na vida dele. O Bàbáláwo, através da visão do consulente sobre a estória consegue captar o que aflige aquela pessoa, quais são seus temores e os valores que ela tem.

A estória permite você avaliar sua vida e seu comportamento, suas ações e realizações. Ao se espelhar nos personagens e situações, você tem a oportunidade de fazer uma auto – avaliação.

A percepção deste conjunto de coisas permite ao Bàbáláwo entender de fato a origem dos problemas do indivíduo. Ajudá-lo a entender a origem é o que permite a essa pessoa corrigir sua vida. As pessoas não conseguem por si só ver essa causa raiz. Elas veem os problemas que tem como uma conspiração da vida e das pessoas ao seu sucesso. Elas buscam no jogo alguém que, então, resolva esses problemas com ela, esses problemas que não são dela e que estão atrapalhando sua felicidade.

O Bàbáláwo de verdade estará em uma consulta sempre de olho nas causas raiz, buscará aquilo que Ifá tem a falar aquela pessoa e que está ligada ao destino dela. Por isso que eu digo que teologia é importante. Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) é o eleri ipin, o testemunho do nosso destino, o que ele tem de relevante a falar para nós esta ligado a isso e é esta característica que personaliza ifá.

As pessoas vão a Ifá com um problema, mas, na consulta, ifá vai falar o que é importante para você saber. Depois o Bàbáláwo endereça o seu problema, mas, Ifá diz as pessoas aquilo que elas precisam ouvir para serem felizes e realizar o seu objetivo de vida.

O Bàbáláwo que em vez de focar nisso se ocupa com o imediato, não realiza a sua função como representante de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà. Esse viés de interpretação é objetivo mas não é um bom ifá. Para fazer isso vá a um jogo de búzios ou cartas que eles vão ser até melhores.

Bàbáláwos determinando orixá em jogo.

Não tem nada pior, mais idiota e baixo do que Bàbáláwo que se mete a, em consulta a Ifá, dizer orixá e coisas de orixá, seja para abiãs como iniciados. Isso é um hábito ruim, sem ética e desprovido de fundamento.

Isso sempre foi feito pelos olhadores de búzios, babalorixás ou não. Nunca prestou para nada, sempre foi motivo de piadas e sempre foi baseado em arquétipos. As poucas vezes que alguém acertava era apenas coincidência. O objetivo disso sempre foi comercial. O olhador busca através disso, da determinação de orixá, de pegadas que permitam a ele prender o interesse do consulente, fazer ele voltar e comprar mais coisas dele. Orixá sempre é um gancho muito bom, as pessoas adoram, igual horóscopo.

A pessoa vai para uma simples consulta de búzios e já sai dali com orixá, qualidade e juntó. É mole? Ninguém com 3 neurônios pode acreditar nisso. Para que a feitura? Para que os ritos de feitura? Quem passa por uma feitura ou participa entende facilmente a bobagem que é essa coisa de orixá em jogo. Falo de feituras de verdade, não essa coisa de 7 dias.

No caso de ifá o que mais encontro é Bàbáláwo que não sabe nada de orixá, dizem que sabe, falam que sabem, acham que sabem, mas acreditam que só porque virou Bàbáláwo se transforma automaticamente em especialista. Especialista de coisa nenhuma. Alguns são pessoas que podem até ter convivido em uma casa de candomblé visto e aprendido alguma coisa ou até bastante, mas, não eram e não serão babalorixás. Não adianta se comportar como um babalorixá frustrado, e como Bàbáláwo querer fazer aquilo que cabe a um babalorixá de direito e com propriedade para lidar com isso.

Outros, nunca foram de candomblé, nunca conviveram em um terreiro. A pessoa entra pela porta lateral de ifá, sem saber nada, é instruído em algumas coisas de lukumi e passa a se achar alguma coisa. Inicialmente eu digo que o lukumi está mais para uma umbanda omoloko melhorada do que para um candomblé, mas isso é apenas minha opinião idiota. Os cubanos não podem responder a isso porque eles não conhecem nem candomblé, nem omoloko e muito menos umbanda. Assim eles nem sabem o que eu estou falando.

Contudo aceito que pessoas antigas de lukumi, cubanos nascidos e feitos nesta tradição conheçam orixá, do jeito deles, mas conhecem. Os ritos lukumi são muito sérios e é uma tradição de orixá com história e esás.

Entretanto, brasileiros que entram com o bonde andando, sem formação e experiência nada sabem de nada. Não se pode comparar um lukumi que cresceu dentro disso e um brasileiro que cai de paraquedas nisso.

Essas pessoas, brasileiros, não conhecem nem o lukumi e muito menos o candomblé, fazem o mesmo que o pessoal de umbanda que vai para o candomblé faz, mistura uma coisa com a outra e sai tocando como se fossem gente de verdade.

Dessa forma cuidado ao darem ouvidos a Bàbáláwos quando se trata de orixá. Não é a praia dele.

Assentamentos e iniciações

A última orientação que eu posso dar é relação a assentamentos e iniciações.

Cuidado ao receber como indicação de ifá que você tem que ser iniciar, que Ifá te da caminho ou que a solução de seus problemas passa pela iniciação. Isso é só armadilha, ou, pelo menos, uma interpretação criativa. Os tratados estão repletos de indicação de iniciações, poucas são as sinceras.

De fato, existe muito pouca contraindicação a uma pessoa ser iniciada, praticamente qualquer pessoa pode ser. Entretanto é uma liturgia que vai custar 20 vezes ou mais o valor de uma consulta ou ebó, dessa forma, mexe muito no bolso das pessoas e isso abre os olhos do Bàbáláwo.

Nesse ponto é onde o Bàbáláwo mexe com a vaidade da pessoa. Ele diz para o cara que Ifá do caminho a ele, que Ifá o quer ou que ele somente vai resolver a vida dele se ele se iniciar. A pessoa se enche de vaidade, como se aquilo fosse fato e fica cego para o óbvio, está sendo enrolado.

Pessoas se iniciam sem saber o que querem com isso ou o que fazer com isso. Pessoas se iniciam sem saber o que serão beneficiadas com isso. Pior ainda, pessoas se iniciam sem saber se vão aprender alguma coisa. Pessoas que não devem fazer parte de ifá, como homossexuais e mulheres se iniciam para satisfazer seu ego criando uma mentira para elas mesmas.

Quem ganha com isso é apenas o Bàbáláwo. Você só perde.

Cuidado também com assentamentos.

Os tratados cubanos estão recheados com recomendações de receber assentos de orixá, Exu e egun. Tudo se reverte à necessidade de receber um assento. A origem disso normalmente está em uma história na qual determinado orixá atuou e resolveu algo, dessa maneira isso é a interpretado como a indicação de ter um assento da divindade é extremamente importante.

O lukumi é uma tradição sem muita ênfase em incorporação. Eles iniciam as pessoas em 7 dias e não tem o conceito de terreiro. Assim, de fato, incorporar não é o forte, acaba reservado para os mais antigos. Tem também o conceito de que quem incorpora na pessoa é um egun e não o orixá. Neste contexto assentos ganham muita ênfase. Eles adoram fazer e dar assentamentos. Veja, não entro no mérito de isso ser bom ou errado, se valem para alguma coisa ou não. Digo que isso faz parte da cultura religiosa deles.

Nos tratados de Ifá cubano, distribui-se assento por qualquer motivo. Mas, essa distribuição não é gratuita, custa mais dinheiro.

No candomblé a visão é muito distinta, assentos são chamados de igbas e somente iniciados recebem. Ficam guardados no terreiro e não fazem parte do dia a dia da pessoa, são relíquias, representações no aiye do orixá, que no candomblé, na teoria e na prática, é orixá mesmo e não um egun. O candomblé entende que o iniciado é o assentamento vivo do orixá e este, junto com o ori e o terreiro são sua proteção. Desta forma a ênfase é no processo de iniciação e não em Igbas.

Não existe no candomblé o hábito de fazer assentamentos para não feitos, para consulentes. Até mesmo para os iniciados, receber um igba é uma coisa muito importante e reservada para obrigação. É considerado um grande momento de transmissão de axé. O Igba é considerado pelo Candomblé uma transmissão de axé para a pessoa com a ligação da pessoa ao axé da casa,

O processo de elaboração dos igbas do candomblé e dos assentos lukumi é muito distinto, o do candomblé é personalizado e profundo nas pessoas que participam profunda mente da sua elaboração, no lukumi é quase um objeto, você recebe sem nem ter visto ele ser elaborado, quando chega, está lá, pronto.

Enquanto no candomblé não existe sentido um igba longe da pessoa devido a ligação visceral entre pessoa de igba, do lukumi e consequentemente no ifá cubano, você aluga ou empresta o uso de assentamentos e tem até o caso de pessoas que roubam assentos de outras. Isso no candomblé é impensável por concepção.

Desta forma a visão de assento e igba são muito diferentes. Mesmo o chamado santo lavado no Candomblé, que tem uso restrito, mas se assemelha um pouco ao assento lukumi, por ser dado a pessoas não iniciadas é completamente visceral com a pessoa que o recebe.

Mas, vou repetir, não estou questionando o que ou como o Lukumi faz suas coisas. O Lukumi é uma tradição legítima da religião Yoruba. O que estou fazendo é destacando algumas diferenças básicas entre como uma tradição vê uma coisa e como outra tradição vê essa coisa.

Estou buscando explicação do motivo da distribuição de assentamentos como uma prática adota no Lukumi e sem paralelo no Candomblé.

Apesar de eu falar de lukumi e candomblé, entendam que tudo o que se refere a lukumi está ligado a Ifá. Cuba é uma ilha pequena. Não existe muita variedade em nada. O ifá cubano usa o que o lukumi faz e no que diz respeito a orixá segue exatamente a mesma coisa.

Por essa razão é comum e normal encontrar nos tratados cubanos a recomendação de elaborar assentamentos para a proteção dos consulentes. Isso decorre de uma prática religiosa deles e de uma forma de interpretar o oráculo.

Mas como tudo em ifá é muito bem pago o problema disso está na cobrança que será feita para a elaboração dos assentamentos, afinal, nada é de graça em Ifá. Receber um assento é mais um vetor de aumentar a receita do Bàbáláwo.

Não caia nessa, você foi para uma consulta, não se envolva demais com aquela pessoa. O que você busca é ouvir os conselhos de ifá e fazer o ebó para se aproveitar do axé de Olódùmarè. Não faça nada além disso, não compre nenhum assentamento.

Interpretar que em função de uma história que é usada para entender o Odu, em função do papel exercido por um orixá na história você tem que ter um assentamento dele é um excesso de criatividade mercantil. Considere ainda que os cubanos inventaram essas histórias com orixás como personagens.

Nos versos originais, normalmente os personagens são pessoas diversas, algumas que surgem apenas naquela história, mas, também aparecem Orixás. No cubano, todos os personagens são Orixás e são mostrados cometendo as maiores barbaridades, porque eles assumem o papel dos certos e dos errados.

Não vejo como natural a interpretação que indica dar um assentamento de orixá.

Sua relação com ela é de consulente-Bàbáláwo, não mude isso com facilidade. Você vai a esta pessoa para resolver assuntos e ter orientações não para virar afilhado ou filho de santo. Mantenha o foco na sua vida e os problemas que foi resolver.

Meu conselho é o seguinte: Nunca faça assentamentos. Nunca faça iniciações porque foram recomendadas em jogo.

Nesses muitos anos, NUNCA, nunca, eu tive que dar qualquer tipo de assentamento para uma pessoa e muito menos fazer iniciações. Considerando os problemas que eu ajudei as pessoas a resolverem, considero que isso é desnecessário e que esses assentamentos que cubanos e africanos fazem são apenas PLACEBOS para ganharem dinheiro e terem um cliente cativo.