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terça-feira, junho 04, 2013

O Cosmo Yoruba

O Cosmo Yoruba

Introdução

Os Yorùbá desenvolveram uma religião própria e distinta, a religião Yorùbá. Não existe um nome especial para ela, alguns podem chamá-la de Religião Tradicional Yorùbá, é uma opção, mas esse nome é normalmente aplicado a uma das tradições religiosas existente (mais à frente vamos abordar a questão das tradições religiosas). A religião Yorùbá é original e autêntica e não tem vínculo com nenhuma outra religião existente.

A manifestação Yorùbá não pode ser confundida com os sincretismos com o catolicismo que foram feitos nas tradições religiosas originadas na diáspora, e mesmo nas terras Yorùbá, que confundiram os seus conceitos teológicos com os do catolicismo. O sincretismo foi um processo temporário, uma consequência do próprio processo de dominação escravagista e esta gradualmente e aceleradamente sendo eliminado.

A religião Yorùbá tem conceitos teológicos próprios. Possui uma cosmogonia bem definida, uma teogonia documentada, uma teodiceia distinta e um conjunto que oferece uma teologia rica. A gênese Yorùbá é original, sem similar com a de outras religiões. Suas liturgias são complexas e voltadas para o bem da pessoa e da comunidade. A religião oferece às pessoas uma visão clara do sentido de sua vida, do motivo de seu nascimento, ao sentido do que deve fazer em vida e ao seu destino após sua morte. Ela possui valores definidos que conduzem a formação de uma ética e de valores morais.

Este conjunto permite considerarmos a manifestação Yorùbá como uma religião própria e autônoma. Ela não depende de conceitos e práticas de outras religiões. Com uma teologia independente ela oferece a seus seguidores um modelo metafísico próprio.

Essa riqueza conceitual permite-nos a definirmos como a Religião Yorùbá sem qualquer vínculo que possibilite ser considerada um culto ou uma seita. Esses 2 adjetivos devem ser considerados como pejorativos.

Na religião Yorùbá o mundo natural recebe o nome de Àiyé e o espaço supernatural de Órun (ọ̀run). Atentem que, traduzir o Àiyé como terra, o planeta, é uma opção liberal. Mas traduzir o Órun (ọ̀run) como “céu” é uma maior ainda. O correto é entendermos como o mundo natural e o supernatural.

Toda religião estabelece uma concepção metafísica da existência como um todo e entender essa concepção é importante para entender qual a proposta que a religião estabelece para a vida das pessoas. Compreender a proposta de vida que a religião oferece é o que interessa em uma religião e o Cosmo é uma parte deste entendimento.

As concepções metafísicas das religiões variam, mas, com muitas similaridades entre si. Não existe sentido buscarmos saber qual é a concepção que corresponderá a realidade, o que importa é sabermos qual a concepção na qual acreditamos, ou melhor, qual concepção nos dá mais conforto para viver.

O divino Yorùbá é uma estrutura bem elaborada, apesar de complexa, porque em alguns aspectos, é pouco detalhado ou preciso (deixa lacunas). Contudo, ela é equivalente a das religiões mais conhecidas, populares e bem elaboradas do mundo. A religião Yorùbá esta longe de ser um modelo fetichista ou animista, como muitos quiseram caracterizar. Esta religião oferece um modelo consistente e previsível que permite a qualquer pessoa entender e se relacionar com ele.

Se esta religião tivesse tido o trabalho teológico de construção que teve o Catolicismo, por exemplo, seria um fenômeno mundial, e sem muito esforço. O trabalho feito em cima do catolicismo foi titânico a partir da invenção feita por Paulo de Tarso, que criou uma religião a partir de sua própria interpretação.

Entretanto, se a religião Yorùbá é tão boa assim, como eu digo, por que foi abandonada na sua região de origem? A terra Yorùbá, sendo suplantada largamente pelo cristianismo e pelo islamismo?

Não sei, não sou estudioso disso. Os locais, Yorùbás podem responder. Eu posso apenas especular. Primeiro lembro que essas religiões abraâmicas, assim como o Budismo, são as ditas religiões universais. Não oferecem grande dificuldade de adoção. Tem um divino bem estabelecido e bem documentado. O proselitismo sobre elas é fácil.

As religiões semitas, como seu modelo monoteísta, exerce sobre o religioso e crente esta motivação em espalhar sua crença em detrimento a outras crenças. Devemos lembrar que a violência religiosa sempre esteve associada às religiões semitas.

Poderia elencar mais algumas possíveis causas aqui, de menor relevância talvez, mas será apenas especulação minha.

A realidade é que, como em todo o mundo, o proselitismo das religiões semitas é um rolo compressor e passou por cima da bem estabelecida e original religião Yorùbá. Já ouvi uma tese que diz que a diáspora negra não foi por acaso, e que se não fosse por ela os orixá (Òrìṣà) não teriam se preservado como divindade religiosa.

Sem dúvida não podemos negar que se dependesse apenas da preservação da religião na terra Yorùbá ela já estaria perdida.

O modelo teológico Yorùbá será explicado, neste texto, da forma estruturada. O objetivo a ser atingido é o de eliminar confusões e má interpretações e possibilitar que as pessoas, através do entendimento do modelo teológico Yorùbá, possam praticar o significado da religião em suas vidas de forma plena,

Como toda proposta, esta pode não agradar a todos, mas, é resultado de uma longa e cuidadosa avaliação, com cruzamento de fontes, análise e busca de coerência. Nada esta sendo inventado, apenas esta religião esta sendo tratada com o respeito e a originalidade que ela merece.

Eu me lembro de uma discussão entre Pierre Verger e a Juana Elbein quando esta lançou o livro Os Nago e a Morte. O Verger foi caustico em suas críticas através de um artigo chamado Etnografia religiosa Yorùbá e probidade científica. Ele colocou a Juana no mesmo nível de péssimas referência de autores dos primórdios das publicações sobre o povo Yorùbá.

Sob o aspecto técnico as críticas deveriam ser válidas, mas, ele foi injusto ao equiparar ela a outros muito piores e mais mal intencionados do que ela. Aliás Verger fez um bom trabalho de analisar referências bibliográfica para entender de onde vieram interpretações equivocadas sobre o povo e a religião. Ele buscou a origem de equívocos que foram copiados sucessivamente depois por outros autores, inclusive brasileiros, como Nina Rodrigues.

Mas, a Juana não se deu ao trabalho de responder às críticas de Verger. Ela apenas resumiu de forma muito objetiva e, na minha visão brilhante, que ela e o Verger tinham formas distintas de ver a religião. Ela via a religião Yorùbá como uma coisa maior, mais complexa e densa e ele Verger a tratava como uma religião menor, um animismo.

Minha visão é que as críticas de Verger eram válidas, mas, se atinham a aspectos bem específicos que poderiam, sim, serem erros de interpretação e também as famosas pegadinhas linguísticas Yorùbá. Contudo, concordo mais ainda com a Juana em relação a forma como o Verger via a religião. Basta ver seus livros. Ele descreve coisas que viu, mas, não analisa ou explica. Ele não busca um contexto maior, não oferece uma visão mais abrangente e não transmite ao seu leitor a riqueza teológica da religião. A Juana se dispôs a ver isso de forma distinta e fazer o mesmo que outros autores também o fizeram como Parrinder, Mbiti, Idowu e Awolalu.

O divino Yorùbá, naturalmente e sem esforço, oferece a quem é confuso ou quer criar dificuldade (para vender facilidade), uma ampla possibilidade de atuação, em função da natureza elástica da quantidade de divindades e da complexidade de ritos.

Muitas pessoas se preocupam com isso, em explorar a quantidade e criar para cada uma delas uma complexidade própria. Na maior parte das vezes, inventada, com grande riqueza de detalhes. Assim descrevem a religião como um enorme “panteão” de “deuses” e se perdem em uma infindável colcha de retalhos tentando explicar a religião. Não conseguem, de fato. Conseguem se confundir, confundir as pessoas e com isso gerar uma complexidade sem utilidade.

Vamos assim mudar essa abordagem viciada “de baixo para cima” e procurar entender a religião “de cima para baixo”. A abordagem mais comum é aquela que erroneamente tenta explicar a religião a partir dos orixá (Òrìṣà). Não é possível. Os orixá (Òrìṣà) são a ponta final, a vanguarda de todo o contexto metafísico e teológico da religião Yorùbá.

Você consegue explicar a alguém o que é uma pessoa ou o que é uma vida através dos seus dedos ou mãos? Você consegue explicar a alguém o que é uma corrida ou o trabalho de uma equipe mostrando a chegada de uma prova? Você consegue explicar o que é o futebol mostrando apenas os gols de uma partida?


Erros de terminologia

A religião Yorùbá tem sido rotulada erroneamente de diversas formas. Eu quis iniciar afirmando inicialmente a questão de politeísmo e paganismo, porque, sem dúvida, é talvez a mais importante consideração, mas existem outros erros de terminologia que são usados. Eu vou desconsiderar perder o nosso tempo falando de fetichismo.
 

Idolatria

Esta e outras religiões não cristãs (sempre isso...) são pejorativamente rotuladas de idólatras ou idolatrias. Essa afirmação, sem dúvida, é feita em função do próprio tratamento que a religião judaica da a esta questão dos ídolos como uma expressão negativa. Uma das mais importantes passagens do livro Judeu descreve Moises quebrando a tábua dos 10 mandamentos porque os Judeus haviam se voltado para o cultos a seus antigos deuses com, Ídolos.

Ídolo é uma palavra que tem origem no grego eidõlon. É usada para significar a representação entre a não existência e a realidade, uma imagem copiada da coisa real, uma sombra da real existência. Literalmente a palavra é aplicada para formas, imagens ou fantasmas. Uma imagem na mente, uma ideia, um espectro ou fantasma do que é real.
Sem dúvida nenhuma, a palavra significa a representação no mundo real de uma coisa que não existe, que não é real e que é real apenas na mente humana.

O maior problemas com o emprego dessas terminologias é o uso das palavras sem se ater ao seu significado original. James Bisset Pratt, um ateu, autor de alguns livros de referência sobre religião, assume que qualquer religião que faça uso visual, material de objetos na sua cultura é uma idólatra, ou, ainda, o que uso intenso disso é idolatria.

Acredito que esta opinião influenciou muita gente.

Se formos nos ater a esta definição, de J.B.Pratt, todas as religiões são idólatras e a Católica, uma das maiores correntes da religião Abraâmica será completamente Idólatra, talvez a mais idólatra de todas. Além da parte risível dessa consideração, podemos usar o bom senso e questionar se, a palavra “idolatria” pode ser aplicada para descrever toda uma religião.

A maior parte das religiões que fazem uso de “ídolos” (objetos e imagens), apenas utilizam como uma referência para demarcar um espaço sacro. A presença de símbolos da religião, quaisquer que sejam, de imagens a figuras, em um local comum, para o crente torna aquele lugar diferente do lugar mundano, separa o espaço sacro do secular.

As imagens, símbolos e gravuras ou ídolos, como devemos também chamar, são um elemento na ritualística da pessoa se desligar do mundano e entrar no seu mundo sacro. Assim junto com velas, incensos, essências, rezas e mantras, vão compor a ritualística que permite a pessoa transpor da realidade para a transcendência.

Não podemos, jamais, afirmar que, hoje em dia, que pessoas ao se prostrarem ante seus símbolos estejam supondo que o sagrado, o divino esteja naquelas imagens e objetos. Uma coisa é você rezar para o divino na frente de uma imagem outra é você rezar para aquela imagem.

Nesta parte do texto ainda é um pouco prematuro, mas, acreditem que, independente da forma como vamos tratar o nosso entendimento sobre ídolos, que a religião Yorùbá não tem qualquer intimidade com qualquer definição de idolatria. Ídolos não fazem parte da religião, normalmente, quando existem, são objetos de decoração de espaços comuns. Se o objetivo fosse comparar, poderíamos dizer que, com certeza, a religião católica é Idólatra e a Yorùbá não o é, porque na primeira os ídolos são parte importante e primária do espaço sacro e na segunda isso nem existe.
 

Animismo

Certamente esta será a classificação mais comum de ser atribuída à religião Yorùbá. Por especialistas e não especialistas, mas, vamos seguir o mesmo caminho entendendo primeiro o que é Animismo.

Edward B. Tylor popularizou este termo, Animismo. No seu livro Culturas Primitivas Vol. I e II ele define animismo como a doutrina de almas e outros seres espirituais em geral. As palavras de Tylor são:

A teoria do animismo é dividida em dois grandes dogmas, formando partes de uma doutrina consistente. Primeiro, em relação a alma de criaturas individuais, capazes de uma existência continuada depois da morte, ou seja, destruição do corpo. Segundo em relação a outros espíritos que avançam para a posição de divindades poderosas, não ligadas as pessoas, mas, tendo uma existência distinta.... assim animismo em sua forma plena, inclui a crença em almas em um estado futuro, em divindades controladoras e espíritos subordinados.
Tylor também relaciona sonhos e visões ao animismo, como uma forma de a alma se separar do corpo, além de outras almas que podem visitar o seu corpo. A experiência de morte ou o pós-morte também ocupa as suas atenções.

O trabalho de Tylor é muito interessante, mas segundo destaca Idwou, as pessoas devem ler o trabalho inteiro, os 2 volumes de sua obra e não apenas o primeiro volume.

Isso porque ao fim se entende que Tylor após fazer uma completa abordagem de evolução do animismo, sustenta que o animismo é um fator que esta presente em toda a religião, em toda as culturas e em qualquer nível de desenvolvimento. Ele fala do animismo dos selvagens e do animismo dos homens civilizados.

Uma das coisas mais instigantes do trabalho dele é a tese implícita do homem inventando a religião a partir de um estágio totalmente animista. Tylor não deixa claro se ele considera que o homem inventou a religião ou se as divindades existem no seu sentido absoluto antes dos homens as descobri-las. Ele sustenta que o antropormofismo é um fator predominante no animismo, no qual, inevitavelmente o homem deve pensar no todo e esta é a diferença entre as várias culturas, a medida e o nível do antropomorfismo.

O trabalho de Tylor, tomado por muitos como o patrono desta ideia, explica então que o animismo não esta limitado a uma cultura ou religião. Toda cultura e religião tem a presença do animismo em algum grau.

Em sua obra ele explica que a doutrina de almas da nascimento a doutrinas maiores onde os espíritos assumem proporções mais importantes e elevadas, deixando o escopo das pessoas para assumir um papel no mundo e nas forças naturais e ascendendo a existência de uma divindade suprema. Os espíritos passam do estágio de controlar pessoas ao de controlar a natureza e a vida a e fortuna do homem.

O politeísmo é, ou foi um estágio desse processo, assim como a busca pela unificação do divino levou a religiões monoteísta e Henoteístas como a prevalência da divindade suprema. Como citei ele não se posiciona se deus foi uma criação do homem ou o resultado da sua própria evolução e reconhecimento do divino.
Isso tudo é muito interessante, mas, em relação a religião Yorùbá, como outras religiões reencarnacionistas e que acreditam a presença do divina entre as pessoas através de seus médiuns, ele tem elementos animistas. Contudo, como definiu Tylor, animismo não pode ser aplicado unicamente para definir esta religião. A religião Yorùbá, como outras evoluiu para o conceito de uma divindade suprema e outras de nível intermediário.

Entre nós, a Umbanda, sem dúvida reúne as características de uma religião animista, visto que a sua prática pode ser apoiada em qualquer dogma religioso, seja com uma aproximação com o Yorùbá, como também o católico ou correntes orientais. O trabalho em si do culto esta baseado nos espíritos e a teologia religiosa é portável.
 

A cultura oral 

Para justificar essas afirmações que faço, transcrevo a seguir 2 trechos do corpo literário de Ifá. O primeiro é parte do mito da criação a gênese Yorùbá no qual Olódùmarè cria o mundo e dá para os orixá (Òrìṣà) a missão de criar o mundo físico e torná-lo habitável pelos seres vivos.

Para os que não sabem, a religião é baseada em uma cultura oral que foi de alguma forma preservada entre das dezenas de gerações e recentemente (seculo XIX e XX) documentada de forma a ser preservada. Cultura oral significa que o conhecimento era passado de pessoa a pessoa, de forma oral, e guardado na memória das pessoas. O povo Yorùbá perdeu um degrau importante em sua evolução, que foi a falta de um sistema de escrita.

Este processo oral possibilita que coisas sejam esquecidas (perdidas) ou que variações, intencionais ou não, surjam em histórias e mitos.

Não existe mito registrado que explique a origem de tudo. Em algum momento, Olódùmarè decidiu criar o Àiyé, mas, a existência perene dele, Olódùmarè mesmo e do próprio Órun (ọ̀run) não são referenciados. Contudo devemos lembrar que religião não é história e qualquer tentativa de estruturar a existência de tudo através dela é inútil.

Religião é uma referência de fé na existência humana baseado em valores humanos elevados e voltada para formar pessoas melhores. Todo o modelo religioso é um modelo metafísico e suas histórias são metáforas da existência real, voltadas para transmitir para as pessoas o que se espera delas.Dentro deste contexto de cultura oral, a qual teve tardiamente documentada em escritos o seu conhecimento e tradições, temos que ser cuidadosos com o que ouvimos e lemos. O cuidado deve-se à facilidade neste ambiente de nos depararmos com histórias inventadas (que não fazem parte da tradição histórica); histórias que foram modificadas intencionalmente ou casualmente; histórias de contexto restrito a uma região.

Em função disso temos que, sempre que possível, validar a história ou informação usando fontes distintas. As vezes não é possível obter duas fontes autenticamente distintas que registram ou transmitem a mesma história em diferentes versões. Nesse caso temos que usar o bom senso para avaliar se aquela história esta no formato adequado e dentro do contexto de outras que se conhece.

Discutir as fontes de informação, ou melhor, questioná-las tem sido uma diversão recorrente de novos autores que acham que eles são os confiáveis e tornam os anteriores não confiáveis. Apesar dessa crítica ter sido útil em um momento, principalmente em função da qualidade de alguns dos primeiros autores, mais recentemente tem sido apenas um trabalho de autoafirmação e destruição, que serve apenas aos críticas no sentido de estabelecer suas teses como verdadeiras.

Eu já perdi a conta de livros sobre a religião Yorùbá nos quais o autor começa com a mesma historinha de que os anteriores não compreendiam o que os nativos falavam. Começou a perder a graça quando eles passaram a falar deles mesmos, nativos, usando os mesmos argumentos.

A documentação escrita da cultura, história e religião Yorùbá é bem recente, data do século 19. Os primeiros autores se enquadravam nas seguintes categorias: exploradores e viajantes; missionários cristãos e antropologistas.

Nas 2 primeiras categorias os relatos muitas vezes incluíam ilações que transmitiam um desconhecimento do povo e cultura. Muitos casos eram apenas preconceito. No segundo grupo havia comumente o preconceito e a sua motivação profissional de desvalorizar a cultura do povo, principalmente a religião, para impor a sua.

Por fim o terceiro grupo nem sempre presou pela ética e probidade científica, assim, apesar de sua maior capacidade de descrever o que viam, muitas associações eram inadequadas e falta de aprofundamento com o povo que avaliavam produziu desvios. Pierre Verger se dedicou bastante ao trabalho de mapear os autores e obras de modo a desconstruir uma imagem negativa do povo e da religião.

Esses esclarecimentos são necessários para que entendam em um aspecto a forma como as teses sobre este assunto serão colocadas neste texto. Junto com afirmações, tenho também que mostrar alguma evidência de fontes confiáveis.

Em outro aspecto, quem lê sobre esta religião deve ficar atento ao fato de que muita gente escreve ou transcreve material ruim e pouco confiável, invenções que o bom senso mostram que não tem credibilidade ou que são apenas a visão de uma fonte única. Eu mesmo tenho o cuidado de não usar algumas fontes que até me são simpáticas, mas que não pude validar aquele entendimento.

Enfim essa tradição oral acabou gerando alguns problemas para a religião. Ao ler esse texto você deve esquecer um pouco as diversas versões e histórias qie já lei ou ouviu sobre a mesma coisa. Faz de conta que é a primeira vez. O volume de coisa inventada e errada é muito grande.


A gênese Yorùbá 

 


Eu estava decidido a não falar sobre a gênese Yorùbá neste trabalho. Na minha opinião é apenas uma história e pouco ou nada contribuiu para entender a religião. Esse assunto fica mais no campo da necessidade de existir um mito religioso que explique a criação do mundo, principalmente porque este é o primeiro livro da bíblia cristã. Assim todo mundo também tem que ter o seu “Gênesis”.

Os Yorùbá tem sua gênese. A gênese Yorùbá se inicia no momento em que Olódùmarè decide criar o Àiyé, o mundo natural, e para isso designa as suas divindades para esta tarefa.
“...o Àiyé existia e era uma enorme massa de água e matéria pantanosa, nada vivia neste lugar.

O que levou Olódùmarè a criar o Àiyé ninguém sabe, apenas é dito que ele teve a motivação de fazê-lo e colocou em execução.

Olódùmarè chamou Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá), uma das mais importantes divindades Yorùbá, à sua presença e o encarregou da tarefa, dando para ele os materiais que ia necessitar. Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) recebeu uma bolsa de terra solta (alguns dizem que foi uma concha de caramujo), uma galinha de 5 dedos e um pombo.

Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) foi para o limite entre o Órun (ọ̀run) e Àiyé e jogou a terra do saco sobre a água. Logo a seguir mandou a galinha de 5 dedos e o pombo que imediatamente começaram o seu trabalho de espalhar a terra por todo o Àiyé.

Isto foi feito até que uma grande porção da água fora coberta pela terra. Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá), então, voltou a Olódùmarè dizendo que já tinha concluído o seu trabalho.

Olódùmarè enviou o camaleão, que é um animal conhecido por ser muito cuidado e delicado na forma como se move e encontra caminhos. O camaleão neste primeira visita relatou que apesar de uma grande porção de terra já estar espalhada e uma superfície razoável estar coberta, que a terra ainda não era seca e segura o bastante para ser habitada.

Algum tempo depois foi feita uma segunda visita e o camaleão constatou que a área de terra era grande o bastante e já estava seca o bastante para ser usada.

O lugar sagrado por onde foi iniciado o trabalho de espalhar a terra pelo mundo foi chamado de Ifé (Ìfẹ̀), palavra que significa, aquilo que é amplo. De acordo com a tradição Yorùbá neste lugar foi fundada a cidade de Ile ifé (Ilé-Ifẹ́) , a cidade sagrada Yorùbá, o lugar onde o mundo começou e o lar de todos os habitantes.

Ainda hoje quando um estrangeiro chega em Ile ifé (Ilé-Ifẹ́) na Nigéria ele pode ser recebido com a saudação “bem vindo de volta a sua casa”, porque todos os seres humanos foram criados e iniciaram a população da terra à partir de Ile ifé (Ilé-Ifẹ́).

Olódùmarè colocou na nova terra a arvore do dendezeiro (Igi ọ̀pẹ) que daria sombra, bebida, óleo e nozes para comer. Outras árvores também foram plantadas para serem utilitárias para os novos habitantes. A Galinha e o pombo que foram usados para espalhar a terra deveriam agora espalhar as arvores que dariam subsistência aos futuros habitantes.

Os primeiros habitantes da terra teriam a água vinda do coco, uma palmeira, para matarem sua sede. Contudo essa água não se mostrou suficiente e Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) apelou para Olódùmarè por uma solução. Olódùmarè criou então a chuva que passou a cair sobre toda a terra.

Após isso Olódùmarè necessitava habitar o Àiyé e para isso os habitantes do Órun (ọ̀run) teriam que ter um corpo para poderem viver no novo mundo. Mais uma vez Olódùmarè pediu que Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) ficasse encarregado de confeccionar o corpo das pessoas, a partir de barro.
“... Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) foi designado também para uma outro trabalho especial. Ele seria o criador dos corpos dos homens para o futuro. Não é claro pela tradição oral quando esse trabalho foi iniciado, contudo, ele aceitou a tarefa.

Sua atribuição foi desde então moldar o físico dos homens a partir da terra da própria terra, do seu barro.

Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) se tornou o escultor divino, mas, o direito de dar vida aos corpos criados era reservado exclusivamente a Olódùmarè.

A instrução dada a Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) era que ele deveria preparar os corpos e deixá-los em uma sala preparada por Olódùmarè e deixar o lugar. Olódùmarè iria para lá e daria o sopro da vida para cada pessoa, completando a criação do homem.

Ao dar o sopro da vida Olódùmarè reserva para ele e somente ele, a capacidade de criar a vida e transmitir o seu axé (aṣẹ́) para cada ser humano. Cada ser humano recebe assim a partícula de vida vinda de Olódùmarè, seu axé (aṣẹ́) e suas virtudes divinas pessoais.
A história conta, ainda, que Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) ficou com inveja de Olódùmarè e queria ele mesmo ser quem dava vida às pessoas.
Ele preparou um plano para espionar Olódùmarè. Uma vez completada a forma que ele devia dar aos habitantes do àiyé, ele se escondeu em um canto esperando a chegada de Olódùmarè. Olódùmarè, contudo, percebeu isso e colocou Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) em sono profundo. Quando acordou o trabalho já estava feito. Desde então Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) se contentou com a parte do trabalho que lhe cabe.”

Este texto for retirado do livro “Olodumare – God in Yorùbá belief” de Abolaji Idowu.

Junto com essa história alguns comentários são pertinentes antes de continuarmos. O primeiro diz respeito a prerrogativa que Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) tem de fazer as formas humanas como ele quer. O nascimento de albinos , corcundas e alijados fazem parte de sua prerrogativa. Assim ele define cores marcas, etc... Alguns mitos sugerem que ele seja um beberrão e que quando bebe faz essas formas não normais.

Esse é um mito vulgar, mas, como toda metáfora serve apenas para indicar que esses desvios que ocorrem são feitos pelo próprio Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) e que ele pode fazê-lo. Os Yorùbá designam como pertencentes a Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) as pessoas que assim nascem.
Outra diz respeito ao envolvimento da divindade da morte Ikú, que é masculina. Quando Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) foi criar as formas do àiyé ele solicitou que pegasse o barro para isso, conforme instrução de Olódùmarè que os corpos fosse feitos da terra do próprio àiyé. Vários emissários foram enviados mas quando chegavam no àiyé, a terra chorava dizendo que não fosse tirado nenhuma parte dela.

Aquilo comovia todos os enviados e ninguém pode trazer a terra para fazer o barro. Ikú se prontificou a ir e pegou terra necessária, prometendo devolver o que fora tirado. Dessa maneira cabe a Ikú , a morte, devolver a terra o corpo de todas as pessoas restaurando assim o que Ikú tira para estes corpos serem feitos. O costume Yorùbá é que os corpos seja enterrados diretamente na terra para que a terra possa pegar de volta o que lhe foi tirado.
 

Este é o que chamo de um mito estrutural que, através de uma história cria uma visão metafórica que explica os fatos e fenômenos do àiyé. Existem muitos mitos e versos desta natureza, com a finalidade de estruturar a metáfora da religião sobre a vida.
 

Sobre a história da gênese existe uma variação muito conhecida e usada aqui no Candomblé. Nesta versão Odùduwà, uma outra divindade, assume a criação do mundo.
Nesse mito Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) muito arrogante não se prepara para a tarefa. Já Odùduwà, consulta Ifá e faz um Ebó (Ẹbọ) preparatório.

No meio do caminho Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá), Exú (èṣù) faz ele ficar com sede e Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) fura com seu cajado o troco do dendezeiro, de onde sai uma bebida, o vinho de palma, com o qual ele não só mata sua sede como se embebeda desmaiando ao pé da palmeira e não mais acordando.

Oduduwa então volta e relata a Olódùmarè o que ocorreu. Esse então dá para ele a bolsa da criação e pede que ele oduduwa crie o mundo. O resto do mito é igual mas com Oduduwa no lugar de Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá).

Como premio de consolação Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) fica com a criação do corpo das pessoas.

Mas, quem foi Odùduwà?


Neste assunto o mito religioso se mistura com o mito histórico. Odùduwà foi um histórico e poderoso líder do povo Yorùbá. Ele migrou de sua terra original, provavelmente no Egito e se estabeleceu nas terras Yorùbá, em Ile-Ìfẹ̀. Ele se estabeleceu em Ìfẹ̀ com seus seguidores e estabeleceu uma proeminente dinastia Yorùbá.

Segundo Idowu, Odùduwà se estabeleceu em um lugar onde já existia um líder local chamado Ọrẹ̀lúéré. Odùduwà se estabeleceu sem prestar qualquer respeito a ele e Ọrẹ̀lúéré preparou um ardil. Ele envenenou um dos filhos de Odùduwà e este teve que chamar Ọrẹ̀lúéré para ajudá-lo, porque Ọrẹ̀lúéré era tido como um excelente médico.

Odùduwà teve que se submeter temporariamente a Ọrẹ̀lúéré para ver seu filho curado e se colocou também sob a proteção de Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá) que era a divindade do local. Os recursos de Odùduwà eram muito superiores, mas, seu estabelecimento não foi feito sem uma fraca oposição dos que já habitavam lá.

A sociedade ògboní foi provavelmente instituida neste período, como uma oposição a Odùduwà, pelas pessoas que já habitam aquelas terras, para poderem preservar seus valores e costumes.

Mas Odùduwà se tornou muito grande e conquistou a terra de Ọrẹ̀lúéré e muitas terras em volta. Quando morreu passou a ser cultuado como um ancestre e depois um divindade. O nome Odùduwà não pertencia ao homem e sim uma divindade cujo culto foi trazido por ele. 


O conflito entre Ọrẹ̀lúéré e Odùduwà, virou o conflito entre Odùduwà e Orixá-nlá (Òrìṣà-nlá), sendo que o primeiro venceu o segundo e se tornou o governante e dono da terra. Com o passar das gerações a história deste conflito se transformou em um mito religioso no qual Odùduwà se torna o criador do mundo. O mito original Yorùbá ficou assim modificado para acomodar questões políticas e históricas.

Segundo Idowu, essa segunda versão não é a gênese original. Surgiu pela necessidade de acomodar a figura de Oduduwa, que se tornou orixá (Òrìṣà) e patrono na nação em Ilé Ìfẹ̀.
Na raiz desta história esta o fato de Odùduwà ser cultuado como uma divindade masculina ou feminina dependendo da região Yorùbá onde se esteja. Quando masculina a referência é ao homem, o conquistador e patrono da nação. Quando feminina a divindade trazida por essas pessoas.

No caso do Candomblé essa distinção pouco importa, Odùduwà não é tratado como uma divindade do dia a dia. Existe e é conhecido apenas na referencia teológica. O Lukumi cubano trata Odùduwà como uma divindade comum, mas o faz de uma forma completamente errada, baseada em erros bibliográficos, conforme Verger explicou,

No livro “Orun Aiye” de Jose Beniste existe uma descrição muito boa, bem mais extensa que esta que dei, sobre a história desses 2 mitos. O livro em português deve ser lido por aqueles que querem entender a religião e não vou transcrever aqui nenhum trecho. Não há necessidade. O meu objetivo era explicar a base da gênese Yorùbá e não tenho como deixar de explicar os 2 mitos conflitantes.

Mas a gênese Yorùbá não pode se restringir a apenas essa pequena história da criação do mundo. O próximo texto é retirado no corpo literário de Ifá do capítulo referente ao Odù Oxé Otuwa. Nestes versos, Olódùmarè envia os orixá (Òrìṣà) para o Àiyé com a missão de cuidar dos homens e ensiná-los as bases do culto para que eles possam cultuar suas divindades.



“...quando Olódùmarè enviou os Orixá (Òrìṣà),
os dezesseis primeiros, ao mundo,
para que viessem criar e estabelecer a vida na terra.
E vieram verdadeiramente nessa época.
As coisas que Olódùmarè lhes ensinou
nos espaços do Órun (ọ̀run) constituíram os pilares de fundação
que sustentam a terra para a existência de todos
dos seres humanos e de todos os Ebora (ẹbọra).
Olódùmarè lhes ensinou que
quando alcançassem a terra,
deveriam abrir uma clareira na floresta, consagrando-a
a Orò, o Igbò orò.
Deveriam abrir uma clareira na floresta, consagrando-a
a Eégún, o Igbó-Eégún que seria chamado Igbó-Opa (Igbó-Ọ̀pá).
Disse ele que deveriam abrir uma clareira
na floresta consagrando-a a Odù-ifá, o Igbó Odù,
onde iriam consultar o oráculo a respeito das pessoas.
Disse ele que deveriam abrir um caminho para os Orixá (Òrìṣà)
e chamar esse lugar igbó Orixá (Òrìṣà), floresta para adorar os Orixá (Òrìṣà).
Olódúmarè lhes ensinou a maneira como deveriam resolver
os problemas de fundação (assentamento) e adoração dos ójubo (ọjúbo) (lugares de adoração)
e como fariam as oferendas
para que não houvesse morte prematura,
nem esterilidade, nem infecundidade,
que não houvesse perda,
nem vida paupérrima, não houvesse nada
de tudo isso sobre a terra.
Para que as doenças sem razão
não lhes sobreviessem,
que nenhuma maldição caísse sobre eles,
que a destruição e a desgraça não se abatessem sobre eles.
Olódùmarè ensinou aos dezesseis Orixá (Òrìṣà) o que eles deveriam realizar
para evitar todas essas coisas.
Ele os delegou e enviou à terra,
a fim de executarem tudo isso...”.
Este importante texto pode ser encontrado, também com pequenas variações de versões em diversos autores. Igualmente não permite contestação de sua validade. Esta versão foi a retirada do livro “Os nago e a Morte” de Juana Elbein.
 
A religião Yorùbá tem como um elemento muito importante o culto a várias divindades e este culto pode ser devido a regionalidades ou também por aspectos teológicos funcionais com divindades exercendo algum papel importante na vida das pessoas. Mas, sempre, o poder organizacional e ordenador emana da divindade suprema. 

Olódùmarè – A divindade suprema Yorùbá


Olódùmarè é o nome da divindade suprema Yorùbá. Não existe gênero definido para Olódùmarè, ele é deus. Assim, nos referimos a ele como a divindade suprema ou como o deus supremo.

Como o deus supremo, ele foi o responsável por criar tudo o que existe e é quem mantêm o Órun (ọ̀run) e o Àiyé funcionando. O poder ordenador das coisas naturais e supernaturais esta nas suas mãos. Ele é o senhor absoluto do Órun (ọ̀run).

Anteriormente no trecho do verso do Odù Óxé Otua (Ọ̀ṣẹ́-Otùwá) ficou demonstrado que Olódùmarè enviou os orixá (Òrìṣà) para o Àiyé para nos suportar. No trecho a seguir, também retirado desse verso confiável, o mundo perde seu controle, a prosperidade desaparece e os orixá (Òrìṣà) são incapazes de resolver, tendo que recorrer a Olódùmarè para que este reestabeleça o funcionamento do Àiyé.

Sobreveio uma seca na terra.
Tudo estava seco!
Não havia orvalho!
Fazia três anos que tinha chovido pela última vez.
O mundo entrou em decadência.
Foi então que eles voltaram a consultar Ifá,
Ifá àjàlàiyé”.
Quando Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) consultou Ifá àjàlàiyé disse que deveriam fazer uma oferenda, um sacrifício, e preparar a oferenda de maneira que chegasse a Olódúmarè,
para que Olódúmarè pudesse ter piedade da terra
e se ocupasse dela para eles.
Porque Olódúmarè não se ocupava mais da terra.
Se isso continuasse a destruição seria inevitável;
era iminente.
Somente se pudessem fazer a oferenda,
Olódúmarè teria sempre misericórdia deles.
Ele se lembraria deles e zelaria pelo mundo.
Foi assim que prepararam a oferenda.
Eles colocaram:
uma cabra,
uma ovelha,
um cachorro e uma galinha,
um pombo,
uma preá,
um peixe,
um ser humano, e
um touro selvagem,
um pássaro da floresta,
um pássaro da savana,
um animal doméstico.
Todas as oferendas,
e ainda dezesseis pequenas quartinhas cheias de azeite de dendê
que eles juntaram nesse dia.
E ovos de galinha, e
dezesseis pedaços de pano branco puro.
Prepararam as oferendas apropriadas usando folhas de Ifá,
que toda oferenda deve conter.
Fizeram um grande carrego com todas as coisas.
Disseram então, que o próprio Èjì-Ogbè deveria levar essa oferenda a Olódúmarè.
Este trecho foi retirado do livro “Olodumare – God in Yorùbá belief” do Abolaji Idowu.
Na continuação do verso, todos falham em conseguir ir até Olódùmarè, eles encontram os portões do Órun (ọ̀run) fechados para eles. Somente Oxé tua (Ọ̀ṣẹ́tùwá) após consultar Ifá e com a ajuda de Exú (Èṣù) e de Ajé consegue ser bem sucedido em entregar a oferenda a Olódùmarè.
...Quando chegaram lá,
as portas já se encontravam abertas;
encontraram as portas abertas. Quando levaram a oferenda a Olódùmarè e Ele (Olódùmarè) a examinou,
Olódùmarè disse: "Haaa!
Você viu qual foi o último dia que choveu na terra?!
Eu me pergunto se o mundo não foi completamente destruído.
Que pode ser encontrado lá?"
Oxé tua (Ọ̀ṣẹ́tùwá) não podia nem abrir a boca para dizer qualquer coisa.
Olódùmarè lhe deu alguns "feixes" de chuva.
Reuniu, como outrora, as coisas de valor do Órun (ọ̀run),
todas as coisas necessárias para a sobrevivência do mundo, e deu-lhes.
Disse que ele, Oxé tua (Ọ̀ṣẹ́tùwá), deveria retornar...
Este trecho foi retirado do livro “Olodumare – God in Yorùbá belief” do Abolaji Idowu.
A prosperidade no mundo retornou após isso. Fica claro que Olódùmarè exercia acima de todas as demais divindades o controle sobre o mundo. As divindades eram impotentes sozinhas para trazer a prosperidade para o mundo natural e também as divindades não tinham acesso direto a Olódùmarè, somente Exú (Èṣù) tem esse acesso e neste verso Oxé tua (Ọ̀ṣẹ́tùwá).

A narrativa a seguir, também é encontrada no livro de Idowu. Segundo ele existe nos versos do Odù Ìròsùn Osó, mostra os orixás tentando obter o controle do mundo das mãos de Olódùmarè e falhando.

É uma narrativa muito interessante, mas, não tenho certeza de ter encontrado em outro autor além de Idowu. Creio que já vi, mas, nesse momento a obra de Idowu é a única fonte que posso citar.

“... Olódùmarè controla as estações e é claro os eventos. Ele é dessa forma o senhor do dia, isto é, cada dia deve sua existência a ele.
Ele é supremo sobre tudo no sentido absoluto...
... Ìròsùn Osó diz como as divindades – 1.700 fortes – uma vez conspiraram contra Olódùmarè. O assunto da disputa dizia respeito ao aspecto absoluto de sua autoridade e controle sobre tudo.
Eles cobiçaram seu status e questionaram seus direitos de tê-los.
Assim eles foram até ele, Olódùmarè, e solicitaram que ele deveria se afastar de sua alta posição.
Ele deveria em um primeiro momento, se afastar por 16 anos enquanto que eles, as divindade, teriam total e completo controle sobre o Àiyé e todos os seus assuntos.
Olódùmarè sabiam que eles eram tolos, mas concordou com a proposta deles.
Mas, disse que primeiro eles deveriam passar por um período de teste de 16 dias. Se fossem bem sucedidos eles ficariam com 16 anos de controle, como queriam. Todos concordaram.
Saíram da presença de Olódùmarè satisfeitos e foram se incumbir de suas novas responsabilidades. Tão logo eles deixaram a sua presença Olódùmarè desligou todos os seus mecanismos de controle e deixou o mundo natural na responsabilidade das divindades, assim como elas haviam solicitados.
Passados 8 dias, as divindades se deram conta da sua incapacidade. Tudo aquilo que eles tinham feito não dava certo. A chuva não caia, os rios secaram, as colheitas não brotavam, as folhas morriam.
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) foi consultado mas seu oráculo parou de responder.
A terra toda estava indo sucumbir.
Não restou nada às divindades que não fosse retornar a Olódùmarè e confessar a ele sua estupidez, reconhecendo sua força superior sobre tudo.
As divindades então cantaram:
Existem 1.400 divindade de casa
existem 1.200 divindades do mercado
contudo não existe uma divindade que se compare com Olódùmarè
Olódùmarè é o rei absoluto
Na nossa recente disputa
Èdùmarè foi quem venceu
sim, Èdùmàrè
... Nos versos de Odù, existem muitos dizeres que suportam essa afirmação, aqui esta um existente em Ìròsùn Òsá:
Ao senhor do Ori deve ser dada sua responsabilidade
Esta é a designação do oraculo para as 1.700 divindades
as quais devem render tributos anuais a Olódùmarè.”
Este trecho foi retirado do livro “Olodumare – God in Yorùbá belief” do Abolaji Idowu.

A narrativa deixa bem claro a capacidade suprema de Olódùmarè em controlar o mundo natural e sua supremacia sobre as demais divindades. Isso me leva a concluir que o modelo teogônico que se confirma é o de Olódùmarè ser uma divindade suprema e gênese da existência, ao invés de ser apenas uma divindade dominadora.


Alguns podem estranhar o motivo desse esforço em afirmar e demonstrar isso, mas, existem em alguns meios o questionamento deste modelo. O objetivo deste texto não é acadêmico e não me interessa aqui ficar explorando e contradizendo as demais teses. O modelo que esta sendo descrito aqui é um modelo consistente e que tem referências como bases, não são somente ilações.

Alguns podem gostar ou não das fontes ou gostar ou não das ideias, assim como também podemos gostar ou não das ideias dessas pessoas. Mas a construção coerente do cosmo Yorùbá é feita com os elementos que eu estou explicando e isso tudo se fecha completamente quando falamos do homem e das questão do destino e Orí.

O senhor do destino


O nosso destino e vida também estão nas mãos dele. Antes de viajarmos do Órun (ọ̀run) para o Àiyé vamos a Olódùmarè pedir que ele confirme as coisas que planejamos para nossa vida. A Olódùmarè cabe confirmar o nosso destino final. No modelo Yorùbá existem 3 tipos de destino para cada pessoa. Um deles é o que Olódùmarè nos encarrega de cumprir.

É ele também que no fim de nossa vida é o juiz de nossas realizações. O modelo teológico Yorùbá estabelece um processo de julgamento que leva em conta nossas ações ao longo de toda a nossa vida. Não somos julgados o tempo todo e por qualquer ato. Lembre-se que todas as criaturas são criações de Olódùmarè, nada ou ninguém tem privilégios, de forma que, nosso julgamento se baseia no que acumulamos de realizações ao longo de nossa vida e somente ao fim dela, quando nos reapresentarmos no Órun (ọ̀run) à Olódùmarè, seremos julgados por ele e somente por ele. Ele é o juiz supremo.

Ele é o único juiz do nosso destino e de nossas realizações. A religião estabelece assim uma prestação de contas sobre nossos atos e realizações, mas, levamos a vida toda para construir esse julgamento. Nesse momento poderemos receber punições e, em casos mais extremos, ter o nosso status no Órun (ọ̀run) modificado em função de nossas realizações no Àiyé e do respeito que obtivemos de nossa família.

Se formos bem sucedidos na nossa vida do Àiyé, tivermos atingido nossos objetivos e também obtido o respeito e consideração de nossos parentes, amigos e sociedade, nos tornaremos um Ara Órun (Ara ọ̀run) respeitável. Estaremos em grande conta com Olódùmarè. Poderemos à partir do Órun (ọ̀run), e dessa nossa posição de destaque, ajudar e socorrer os seus familiares em sua vida no Àiyé. Eventualmente poderemos até ser divinizados e nos transformamos em um orixá (Òrìṣà), como já ocorreu com personagens importantes do povo Yorùbá.

A família é um valor muito importante na religião, tudo gira em torno dela e o conceito da ancestralidades e descendência determina toda a questão da reencarnação.

Fica bem clara, como mostrado, a diferenciação do modelo cristão de moral e pecado. A religião Yorùbá tem valores, ética e moral muito rígidos e retos, ligados a família e a vida em sociedade, mas não tem o modelo de pecado & punição que a religião cristã estabelece e as pessoas se acostumaram.

Ela esta igualmente equidistante do modelo de não ter pecado e nem ética que é erradamente pregado por pessoas ligadas ao Candomblé, como uma virtude. Essas pessoas confundem a sua própria falta de ética, decoro e valores morais com a religião que elas dizem professar e que de fato ignoram.

Mas, a quase infinita paciência de Olódùmarè tem limites. Se uma pessoa exagera nos erros de sua vida, se ela, de alguma maneira, se torna uma pessoa insuportável para a sociedade, poderá sofrer a ira de Olódùmarè e irá morrer. A ira vem através de alguns orixá (Òrìṣà) que tem esse poder de exercer a ira de Olódùmarè. São poucos os que assim o podem, Xangô (Sango) e Ómólu (omolu) são 2 deles. Orixá (Òrìṣà) não tira a vida ou traz a infelicidade para ninguém, exceto os casos citados.

Uma das características de nossa vida é o tempo que determinamos para ficar no Àiyé, vivos. Quando vamos a Olódùmarè pedir o nosso destino, estabelecemos também o tempo que vamos viver. Este tempo é o nosso compromisso com Olódùmarè. Caso venhamos a morrer antes porque provocamos nossa morte ou porque nos suicidamos, o compromisso com Olódùmarè já estava estabelecido e não voltaremos ao Órun (ọ̀run) antes desse tempo. Isso nos fará ficar vagando no Àiyé como um espirito perdido até que se cumpra o tempo que nos comprometemos a cumprir.

Entendo, por ilação, que esse tempo não valerá para os casos onde nossa morte for acidental, sem nosso controle, ou provocada por outros.

Entre as punições que podemos receber esta nos afastarmos de nossa linhagem familiar e a de voltar ao àiyé na forma de animais, formas menos nobres.
 

A presença de Olódùmarè 


Olódùmarè, não é nem onisciente nem onipresente. Essas características, apesar de propaladas por muitos autores não aparecem nos versos de Ifá. Alguns autores africanos dão essas qualidades a ele, o que é muito natural de se esperar em um deus supremo e reflexo do deus abraâmico, mas, não encontrei o que justificasse essa afirmação nos versos de Ifá que já li. De fato vi o contrário. Entendo que muitos desses autores, principalmente os primeiros, tiveram uma formação escolar cristã, a maior parte deles eram reverendos (o que não deprecia suas obras), e o conceito do deus cristão domina um pouco suas mentes.


Sei que essa afirmação vai incomodar muita gente. Inúmeros são os que repetem isso principalmente porque essa afirmação estava contida em obras dos primeiros autores sobre a religião Yoruba, fossem eles europeus ou mesmo africanso, mas, o que eu afirmo é baseado no que eu observei por eu mesmo e não o que eu copiei de outros.

Olódùmarè toma conhecimento e partido das coisas a partir da informação que recebe das divindades que encarrega disso, notadamente Exú (Èṣù) e Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà). Os assuntos são levados a ele.

Apesar disso, Olódùmarè não é um deus distante, como muitos gostam de afirmar. Existe uma densa e consistente teogonia que nos assiste e acompanha nossa vida, como veremos mais adiante. De forma alguma somos desassistidos pelo divino. O que existe é um modelo diferente e que reflete a sociedade tradicional Yorùbá e que cria em torno de nós, de fato, o contrário, uma camada de superproteção.

Essa qualificação, de deus distante foi dada por ocidentais que encontraram um modelo cosmogônico distinto do que eles estão acostumados, visto que, eles, consideram o deus cristão, Jeová, é onipresente, onisciente e rezam diretamente para ele. Essa onipresença e onisciência é uma visão romântica visto que, o cristianismo, por exemplo, não tem nenhum instrumento que demonstre a real preocupação do divino com eles e que os permita interagir com esse divino.

O que eles tem é um modelo passivo no qual você ora e aguarda, acreditando que deus vai agir por você. No modelo cristão o mal, pode interagir diretamente na vida deles, é uma presença constante, mas o divino não tem essa obrigação. Basicamente eles tem que se conformar com a afirmação de que no fim da vida deles, quando morrerem vão encontrar com deus e ter a sua paz eterna.

A religião Yorùbá pensa diferente, precisamos ser felizes aqui e agora. Olódùmarè se preocupa com isso e coloca ao nosso redor um vasto conjunto de divindade, meios de comunicação e meios de correção de problemas. Assim, Olódùmarè pode ser tudo, menos um deus distante. Esta teia de proteção vai ficar clara mais à frente.

Os yorubanos, explicam, que assim é a sociedade deles. Existe em todos os níveis uma larga cadeia de hierarquia que funciona e deve ser respeitada. Desta forma, como eles explicam, você quando tem um problema não vai diretamente ao Rei reclamar ou pedir por você. Você tem uma hierarquia de pessoas a quem recorrer. O Rei assiste sua população através de seus representantes e ministros.

Olódùmarè colocou os orixá (Òrìṣà) para cuidarem de nossa vida no àiyé. Somos protegidos e assistidos por seus ministros, os orixá (Òrìṣà). São eles que cuidam da gente e é usando os orixá (Òrìṣà), Exú (Èṣù) e Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) que Olódùmarè sabe o que ocorre com a gente e passa aos seus ministros o poder para nos ajudar.

Quando os assuntos são levados a Olódùmarè este tem como saber a verdade que esta envolvida em tudo o que é dito e feito. Mesmo não sendo onisciente, Olódùmarè é quem pode saber o que reside em nosso coração, ele sabe exatamente quem somos, o que pensamos e o que queremos.

Entre Olódùmarè e os habitantes do Órun (ọ̀run) e do àiyé existem intermediários. São esses intermediários que, quando necessário trazem os assuntos a Olódùmarè. Todo o nosso relacionamento dentro desta religião é feito através das divindade que representam Olódùmarè.

Este modelo reflete o modelo da própria sociedade Yorùbá. Quanto mais importante e mais velho, menos pessoas tem acesso e mais esse acesso é feito por intermediários. Assim o modelo do cosmo não é diferente do próprio modelo da sociedade.

Todo o culto religioso às divindades é feito às divindades que Olódùmarè colocou para representá-lo. Nesta e em qualquer religião são cultuadas as divindades a quem podemos recorrer. Nenhum liturgia ou oferenda é feita a Olódùmarè, ele não precisa e nem intercede. Quem intercede são os seus ministros.

Olódùmarè esta sempre presente em nossa lembrança e rezas, sabemos que ele é o poder supremo, mas, nunca o tememos. Olódùmarè e seus ministros são puro amor.

Longe de ser um deus distante, Olódùmarè cria todas as condições para que sejamos felizes nesta vida. O compromisso de Olódùmarè é com a nossa felicidade e com o nosso destino em cada momento de nossa vida.

Olódùmarè é o único responsável por nos dar a vida. É ele quem unicamente tem o poder de dar o sopro da vida à nossa forma humana que é moldada por Orixá nla (Òrìṣà nla). Além disso ele nos da o nosso axé (aṣẹ́) e nossa centelha divina, nossa virtude divina, o pedaço único que Olódùmarè coloca em todos nós.

Não existe a referência que somos feitos sua imagem e semelhança. Quem constrói nossa aparência é Orixá nla (Òrìṣà nla) – Ọ̀ṣàlá. Ele constrói nosso corpo Ajalá constrói nossa cabeça.
 

O nome de deus

Olódùmarè não é o único nome pelo qual o deus supremo é chamado. Existem outros nome, sendo que o mais comum é Ólórun (Ọlọ́run).

A divindade suprema Yorùbá pode, além disso, ser chamada por vários outros nomes além dos 2 citados: Éléda (Ẹlẹ́da), Aláyè, Élémi (Ẹlẹ́mí) e Ólójó oni (Ọlọ́jọ́ Òní). Isso para citar os mais conhecidos, mas, sem dúvida os 2 primeiros são os mais populares.

Os nomes na sociedade Yorùbá são um capítulo muito especial. Os Yorùbá acreditam enormemente na força das palavras. Esta força esta ligada ao axé (aṣẹ́) que existe no nosso corpo e sai pela respiração e também a força que as palavras tem. Eles acreditam em encantamento como um instrumento de força e nomes fazem parte disso.

Nomes representam força e trazem significados. Cada nome Yorùbá tem um caráter e um significado por si só. A nenhuma criança é dado um nome sem um motivo ou significado. Uma criança jamais recebe um nome sem ter nascido. Os nomes na maioria das vezes são sentenças ou abreviação de sentenças e frases, que tem significado direto e ligação com ancestres, com a condição de nascimento, com os pais e também eventos em torno do nascimento.

Uma pessoa pode ter até 3 nomes diferentes e o nome real somente é conhecido pelos pais. Os nomes não são falados em vão, jamais. Eles entendem que quem conhece o nome da pessoa pode abençoá-lo e amaldiçoá-lo.

A primeira forma de se conhecer uma pessoa é saber o seu nome e seu significado. Existem 3 tipos de nomes que uma pessoa poder receber. O primeiro é o nome dados por deus (Olódùmarè) que esta ligado ao seu nascimento. O segundo é o nome dado por Ifá e o terceiro é o nome escolhido pelos pais.

Eles serão usado com cuidado, preservando sempre o nome original da pessoa. Muita gente nem vai conhecer o nome verdadeiro de uma pessoa, essa, segundo eles, é também uma forma de se proteger.

A etimologia de nomes Yorùbá é alvo de muito estudo pelos próprios Yorùbá. Existe um habito de abreviar uma frase inteira em um nome. Também palavras são formadas pela junção de outras 2 ou 3 palavras ou uma longa palavra resume uma frase. Isso torna a língua deles, sob alguns aspetos, bastante complexa porque podem existir palavras e expressões muito regionais ou locais a determinados lugares. Além disso eles usam muita a figura da onomatopeia nas frases e neologismos aparecem o tempo todo.

O caso do nome de deus é a mesma coisa. Cada um dos nomes dele tem um significado.

Não temos um nome próprio em si para deus, mas, expressões que exaltam suas qualidade e poderes.

Infelizmente não existe consenso para o significa do nome Olódùmarè e nem vou entrar nesta discussão, porque se tem uma coisa chata é a infidável discussão do significado de uma palavra e o nome se soma a esse contexto.

Os Yorubas comenteram alguns enganos em sua existência como povo, na minha opinião ;e claro. Não ter uma escrita foi uma delas, isso atrasou demais o seu desenvolvimento e fez com que uma sociedade bastante evoluida fosse superada. Outra é a linguagem em sí, muito confusa.

Podemos ver longas controvérsias sobre significado de palavras, justamente devido ao problema causado pela forma como a lingua gera nova formas de expressão, com aglutinações, elisões, etc.. como ja comentei.

Não vou aqui gastar palmos de linhas falando sobre os possíveis significados de Olodumare, por exemplo....

Para os demais nome temos significados, assim:

Éléda (Ẹlẹ́da) – senhor da criação. Este nome é usado para outras divindades de forma que não esta associado exclusivamente a deus. A divindade pessoal de cada pessoa, Orí, também é chamada assim e o orixá (Òrìṣà) pessoal também.

Aláyè – O senhor da vida.

Élémi (Ẹlẹ́mí) – O senhor que dá o sopro da vida.

Ólójó oni (Ọlọ́jọ́ Òní) – O senhor do dia de hoje

Ólórun (Ọlọ́run) – O senhor do Órun (ọ̀run) o espaço supernatural

Eu poderia ainda citar mais alguns nomes que transmitem poderes e qualidade de deus, mas, o conceito é esse. O Livro Orun Aiye do Jose Beniste faz uma abordagem boa sobre este tema de nome, recomendo consultá-lo.

Ao dar a uma mesma divindade vários nomes, que não são nomes próprios em si, mas títulos e qualidades, os Yorùbá foram muito mal compreendidos pelos poucos cultos europeus que fizeram os primeiros e mal feitos estudos da religião e do povo Yorùbá. Eles acreditaram que ao se deparar com mais de um nome para designar a divindade suprema que haviam várias divindades supremas, o que não era verdade. Assim ao invés de uma divindade suprema eles entenderam que haviam muitas.

O nosso cosmo Yorùbá se inicia então com o entendimento que existe uma divindade suprema, da qual emana todo o poder e que controla toda a existência. Esta divindade criou o universo e todas as suas criaturas e é dela que emana todo o poder que controla a existência.

A divindade não tem gênero.

É importante entender que Olódùmarè criou todas as criaturas, todos somos criação de Olódùmarè e, cada criatura existente, tem a centelha de Olódùmarè. Não existe preferencia, todas as criaturas, humanos, animais, vegetais e minerais são criações de Olódùmarè.
 

Questionamentos a divindade suprema


Eu não posso deixar de citar que existem questionamentos sobre a supremacia de Olódùmarè no modelo Yorùbá. O modelo que eu descrevi até agora, de forma bem direta e afirmativa, é o modelo com o qual eu concordo. Li muitos autores, estudei e analisei o tema, não só sob o ponto de vista da divindade suprema, como também, em relação ao restante do contexto teológico, opondo este conceito ao o que eu encontro nos versos de Ifá, no conceito de destino e Ori e na atuação dos orixá (Òrìṣà).

Na minha visão, o que eu expus, e que não é meu como já disse, e sim o que eu aprendi de outros, este modelo de deus supremo esta alinhado com todo o resto da teogonia e teologia. Não adianta defendermos modelos que sejam “franksteins” teológicos, como os que agradam a um grupo motivados por interesses locais mas que simplesmente se desmontam quando se tenta colocar o conjunto “em pé”.

Tudo o que descrevi faz sentido, complementa e tem seguimento para o resta da teologia que aqui será descrita. Igualmente esta alinhado em causa e consequências com centenas de histórias e versos que pude tomar conhecimento em Ifá.

Olódùmarè é o deus supremo, mas, além disso representa o topo de um modelo de divino próprio, completo e independente de outras religiões, principalmente é bem distinto do modelo abraâmico, usado pelas 3 religiões.

Contudo, todos podem ter sua opinião. Muitos dos autores que pesquisei, sendo que esmagadoramente os africanos, entendem também Olódùmarè assim. Alguns os criticam por terem sidos educados no modelo abraâmico e assim estariam copiando ou ajudando a divulgar esse modelo e criando facilidades para um sincretismo. Outros que estariam apenas copiando autores anteriores.

Ressalto que o texto anterior não é copiado de nenhum lugar. Como disse, li, pesquisei e analisei e construí este modelo baseado no que entendi.

Vou comentar a seguir 2 referências, uma é Verger a outra é Wande Abimbola. Eu não tenho dúvida da relevância de qualquer posição desses senhores sobre o tema. Cada um dele tem objetivos diferentes.

Verger em algum momento, aparentemente, se insurgiu contra este modelo de divindade suprema. Nos livros mais conhecidos dele, Orixás e Nota sobre o culto de orixás e voduns, Olódùmarè é descrito da forma tradicional, como o deus supremo. Verger, como qualquer outra pessoa pode mudar de ideia ao descobrir coisas novas ou se aprofundar em um tema que já tinha analisado anteriormente e Verger escreveu um artigo, que inicia questionando a supremacia de Olódùmarè.

Este artigo, publicado na revista Odu, chama-se Yorùbá High God e foi lido por mim muitas vezes. É uma material interessante, mas, muito confuso e sem objetividade.

Em Yorùbá High God, Verger, aparentemente se debruça sobre o tema com um viés de questionamento. Podemos dividir o texto, claramente em partes, que parecem ter sido reunidas ou escritas em momentos diferentes. Mas essas partes não se unem ou complementam ou fazem isso porcamente. Verger inicia com uma abordagem etimológica do tema citando autores que escreveram bobagens e que se copiaram. Esse material foi um estudo separado que ele fez e que acaba figurando, enchendo páginas, de alguns artigos que ele escreveu. É uma abordagem muito boa que trouxe luz a muitas coisas.

Nessa análise ele mostra que os primórdios da literatura sobre o povo Yorùbá foi bastante prejudicado pela péssima qualidade de escritores, entre estudiosos amadores, mal preparados ou mesmo mal intencionados, muito material errado foi produzido originalmente e pelo efeito da cópia e transcrição, acabou sendo propagado como verdade, gerando materiais piores. Algumas dessas ideias erradas persistem até hoje.

Devemos lembrar que um dos maiores legados do Verger não foi exatamente ajudar a construir uma teologia da esta religião, mas sim, ir na África e conhecer os lugares e sociedades descritas em trabalhos existentes e através disso ele trouxe a verdade, a informação real, destruindo teses erradas e desmistificando a cultura Yorùbá.

Mas a seguir dessa análise, Verger desenvolve a tese de que existe historicamente uma proximidade muito grande dos Yorùbá com o islamismo, presente nos países vizinhos, e com o cristianismo através dos colonizadores europeus e que, a visão de ter um deus supremo, poderia ter vindo desta influência. Ele chega a citar que em algum momento a pergunta sobre uma divindade suprema não tinha resposta e que era necessário explicar o que ela seria para se obter uma resposta positiva.

Nesse ponto, ainda, ele toca uma coisa que foi abordada por outros autores, que é o fato de que muitas vezes os nativos confirmavam o que lhes era perguntado somente para satisfazer quem perguntava e continuar a ser remunerado pelas respostas. Isso é verdade, mas deve ser usado com cuidado porque pode apenas ser usado para envenenar ideias e pesquisas legítimas.

Verger encerra os seus questionamentos sem apresentar nenhuma conclusão ou opinião. Como sempre faz, eles desfila a nossos olhos uma séries de argumentos sem se comprometer com nenhum deles ou acreditar e qualquer um deles.

Sobre esses questionamentos algumas coisas podem ser ditas. A parte relativa a etimologia é muito bem feita mas afeta de forma pontual alguns conceitos e ideias. Ele voltou a esse tema, ou iniciou este tema, não sei, em outro artigo chamado Etimologia religiosa Yorùbá e probidade científica, e, de fato, a sua pesquisa serve para explicar a origem de alguns erros que foram se espalhando. Um dos principais e mais embaraçosos erros foi o caso de Oduduwa, que na tradição Cubana de Lukumi é tratada como uma divindade ligado ao negro, à morte e isso foi devido a um erro gigantesco existente em um livro muito ruim.

Pois é, os cubanos leram o livro errado e criaram um culto baseado em uma figura e relação que não existe na religião. Existem centenas de caminhos de iniciação para Oduduwa e mesmo no Ifá Cubano existe uma cerimonia para isso, sendo que eles estão tratando de uma coisa que não existe! Nunca existiu! Se isso tivesse vindo de pessoas escravizadas não seria tão errado. Só pode ter vindo de leitura de livro... o que é muito embaraçoso para os Lukumi, não?

Em relação a influência de outras religiões, de fato, isso é uma possibilidade. Verger não afirma e nem pode afirmar nada em relação a isso. Eu me interesso por religiões e muitas religiões de lugares completamente diferentes tem uma estrutura metafísica muito similar. Não se trata de coincidência e sim de que podemos acreditar que as religiões tratam do mesmo divino com interpretações diferentes. Dessa maneira a sua similaridade.

Encontrar uma divindade suprema na religião Yorùbá e na religião Abraâmica não é uma surpresa. Dizer que uma influenciou a outra e trouxe para dentro dela um conceito inexistente é uma possibilidade, claro, mas uma tese que não pode ser provada e isso é muito ruim.

A tese de que eu coloco de que as religiões, ao longo de toda a face da terra e da humanidade, intemporalmente, tem estruturas similares é uma tese que pode ser comprovada. Dessa forma a primeira tese, da influência, passa ser apenas uma fofoca irresponsável se você não tem como provar.

O próprio Verger em seu artigo relaciona os portugueses e outros europeus como os que primeiro fizeram a associação de Olódùmarè com uma divindade suprema ou pela busca de uma divindade suprema.

Também considero natural você ter alguma dificuldade em uma religião para buscar um conceito que uma outra têm uma vez que os locais nunca haviam pensado daquela forma. Assim, perguntar diretamente qual a sua divindade suprema, pode não ter resposta e pode exigir que o pesquisador entenda sem preconceitos o que que esta estudando para que este possa ter suas conclusões e posteriormente confirmá-las sem expor ao entrevista o que espera ouvir. Isso é o método científico ético.

Assim, traduzir Olódùmarè como a divindade suprema pode requerer explicação e interpretação uma vez que o conceito daquela forma não tinha essa relevância para os locais. A conclusão de que Olódùmarè é equivalente a uma divindade suprema de outras religiões terá que ser, sempre uma ilação do pesquisador e não do pesquisado.

A gente vê isso o tempo todo em várias áreas de conhecimento, principalmente quando olha a sociedade e a cultura, incluindo a religião. Devemos encarar isso com naturalidade. A pratica de buscar associar o que aprendemos de novo aos modelos que já conhecemos é corrente e ao mesmo tempo válida e perigosa. Pode nos induzir ao erro ou a criar figuras pré concebidas que depois teremos dificuldade para desfazer.

Dessa forma, perguntar para os Yorùbá qual é a divindade suprema deles, é completamente idiota, assim como deduzir que essa ideia não existia e que foi copiada do modelo abraâmico pelos europeus os muçulmanos vizinhos é igualmente idiota. Considerando que provar é impossível sem um trabalho muito grande, é preferível nem levantar isso.

Após essa fase de questionamentos, sem conclusões, Verger explica a visão da divindade suprema Yorùbá, como um deus distante e não presente no dia a dia, mas se esquece de explicar o motivo disso. Aborda também longa e inutilmente a questão do nome e por fim aborda a questão do conceito de axé (aṣẹ́), esse sim o mais importante para se entender a divindade suprema, sem contudo se aprofundar ou concluir nada.

Eu vejo esse texto em 2 partes, em uma ele questiona e na segunda ele da argumentos ou informações a favor. Assim, como disse no início, parece ser um questionamento, mas, é muito confuso.

Na sua tradicional abordagem, Verger relata fatores pró e contra, fontes e contradições dessas fontes, sem contudo se posicionar, analisar, consolidar ou propor nada. Ele decidiu passar como a pessoa que conheceu o povo Yorùbá e o descreveu e também como o crítico do que se escreveu sobre o povo, baseado no que aprendeu junto ao povo. Mas, pessoas fazem referência a esse material como um contraponto, lamento, não é.

Ao ler esse artigo a gente entende porque Verger se insurgiu tão forte contra a Juana Elbein e seu livro os Nago e a morte. A Juana ousou analisar e propor modelos a partir das informações que obteve.

Outro que, recentemente, questiona a divindade é Wande Abimbola. Suas posições são tardias em relação ao seu posicionamento inicial e ele faz isso mais veladamente. Como disse as pessoas podem mudar de opinião sobre o que já concordaram, vale sempre a ultima posição. A motivação de Abimbola parece ser mais um ataque a Idowu e também ao seu interesse de posicionar Ọ̀rúnmìlà como sendo ela própria a divindade suprema.

Abimbola para não se expor colocou o seu filho, Kola, para contrariar isso e escrever contra Idowu.

Kola Abimbola fez isso em um livro bobo e igualmente ele usa argumentos bobos para contradizer Idowu. Ele se fixa em interpretações subjetivas de palavras Yorùbá, discordando de interpretações que Idowu fez, não discute teogonia. É apenas um capítulo idiota, com pouca inteligência e muita mesquinharia.

Eu pessoalmente ouvi Abimbola aqui no Brasil usando para classificar a religião Yorùbá com as mesmas palavras que Idowu sugeriu. Idowu em seu livro African Traditional Religion (p.136) sugere que a religião Yorùbá seja classificada como um “monoteísmo implícito” ou um “monoteísmo difuso”, as mesmas palavras usadas por Abimbola em discurso na UERJ no congresso Orixá World.

Assim, as posições de Abimbola através da voz de seu filho, e não dele, são bobas, não acrescentam nada ao tema.

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Iemanja e o Ori

Iemanja e o Ori


Veja uma versão mais completa e atualizada deste texto em:

Sobre Iemanjá e o Ori 


Essa versão aqui é mais antiga de 2012, veja a versão nova no link acima


Eu considero que nesse tema abordo um dos grandes desvios do Candomblé. Assim como o tema das pessoas associarem os Orixá (Òrìṣà) a elementos da natureza (altamente polêmico) e a associação de números a Odù (altamente popular). São 3 temas que merecem uma abordagem de questionamento em relação a religião Yorùbá e a tradição do Candomblé. Todos os 3 temas já foram abordados por mim. Esta versão aqui é uma expansão do texto original e quero usar essa questão de Oxalá (Òṣàlá) e Iemanjá para explorar um tema mais amplo e necessário.

Esse tema já foi abordado no Blog anteriormente de uma forma bem simples e objetiva. Esse texto aqui é bem mais detalhado e fala sobre muito mais coisas. Quem não quiser de dar ao trabalho de ler, pode ver a primeira versão ou ficar apenas na minha afirmação que: Iemanjá (Yemọjá) não é mãe de ori nenhum, essa coisa foi uma invenção porque não existe nenhuma referência na religião ligando Iemanjá (Yemọjá) a ser Iya Ori.

Quem quiser mais informações basta seguir lendo.

Esse BLOG pode ser lido por muita gente, mas não tenho como tratar do tema cobrindo toda a matriz afro-brasileira e suas nuances, de maneira que, o que digo aqui esta relacionado a raiz religiosa Yorùbá e a tradição religiosa do Candomblé Ketu e pode não ser adequado às demais tradições religiosas da matriz afro-brasileira.

Mas acharei muito curioso se isso foi igual nas demais tradições religiosas.

Antes de abordar o tema preciso ressaltar uma coisa que falo sempre. O Candomblé é uma tradição da diáspora e em função disso adotou aspectos que o diferenciam da forma como a YTR conduz o culto na Nigéria. É isso o que uma tradição faz em uma religião, assim a YTR ou qualquer outra tradição que possa existir na Nigéria ou no Benin, ou em outros lugares do novo mundo, podem adotar um formato para o culto e mitos um pouco distintos, sem que isso estabeleça uma religião distinta da nossa. Lá, fora daqui, eles fazem como querem o culto deles e isso é problema deles e não nosso.

Não existe subordinação do Candomblé ao culto Africano e à forma africana de praticar a religião. Os africanos do golfo do Benin fazem sua religião lá como eles querem e nós aqui o mesmo. O Candomblé é uma tradição religiosa ligada à religião africana do grupo Yorùbá, mas desenvolveu aqui no Brasil um culto próprio. O Candomblé pertence à mesma religião Yorùbá mas sua prática foi ajustada ao nosso povo e sociedade. O Candomblé não é derivado do culto tradicional, ele está ligado à religião.

Esse comentário é necessário para que ninguém pense que estou sugerindo que o Candomblé ou qualquer outra tradição religiosa da matriz afro-brasileira, esteja errado e deva mudar. Não tem que mudar nada. Entretanto, sim existem alguns aspectos que podem ser ajustados em função da religião, nunca do culto.

É claro que existe um processo de reafricanização presente no Candomblé, que ajusta, ou ajustou, ao longo tempo alguns entendimentos, mas isso, a reafricanização positiva deve ser adotada com cuidado porque, de forma alguma, pode interferir no processo de formação das nossas tradições religiosas locais.

Eu denomino de reafricanização positiva os ajustes que buscam corrigir desvios na teologia e teogonia e não aqueles que buscam mudar práticas, cultos, liturgias, ritos, formatos e elementos. O que procura mudar a tradição é a reafricanização negativa e é promovida por quem não entendeu o que é criar uma tradição religiosa ou o que significa matriz religiosa afro-brasileira ou querem fixar aqui tradições estrangeiras como Lukumi e YTR. 

Por que ajustar a teologia e teogonia são importantes?

A razão disso é prática, teologia e teogonia contêm informações importantes que estão contidas na religião e são úteis para saber como lidar com o supernatural e o sentido da religião em nossas vidas. Essas 2 coisas, lidar com o supernatural e trazer um sentido e compreensão maior da nossa vida e do nosso relacionamento com as pessoas e a sociedade são duas virtudes muito elevadas e importantes da religião e fazem parte da minha definição moderna de religião. 

Religião não se resume a adorar a um deus, louvar ele 5 vezes ao dia e querer morrer para se encontrar com ele. Nenhum deus precisa ser adorado o dia todo, o tempo todo ou estabelecer a adoração como forma de se relacionar. Deus não precisa disso e muito menos esse seria o sentido da vida das pessoas. Se existem religiões que tomaram desvios foram essas que fazem isso, possivelmente estão adorando a um demônio, de fato.

O tema aqui, deste texto diz respeito a isso e eu estou usando essa questão de Oxalá (Òṣàlá), Iemanjá e Orí para abordar isso.

A associação de Oxalá (Òṣàlá) como pai de Orí e principalmente de Iemanjá como mãe de todas as cabeças, a Iya Orí para muitos, é uma bobagem adotada no Candomblé. A razão disso é que não existe base na religião para isso e vou explicar aqui.

A causa deste desvio não é difícil de entender e é baseada em dois fenômenos importantes de entender. O primeiro é o que eu chamo de orixalização da teogonia e o segundo, que em parte gerou o primeiro, foi não vinda para o Brasil de partes da teologia, alguns conceitos da religião se perderam e criaram lacunas bem como provocaram o processo de orixalização.

Antes de iniciar eu preciso dar 2 definições muito importantes porque estou me referindo a 2 termos técnicos que tem que ser entendidos.

Teologia, tem várias definições:
  1. Teologia é o estudo crítico da natureza do divino, seus atributos e sua relação com os homens
  2. Teologia é o estudo da existência de Deus, das questões referentes ao conhecimento da divindade, assim como de sua relação com o mundo e com os homens.
  3. Ciência ou estudo que se ocupa de Deus, de sua natureza e seus atributos e de suas relações com o homem e com o universo. Conjunto dos princípios de uma religião; doutrina.
Para entendermos uma religião temos que entender sua teologia, que são seus princípios, seus dogmas e a explicação de sua proposta para nos relacionarmos com deus.
As religiões abraâmicas adotaram esse termos teologia como se fosse exclusivamente deles, muita gente traduz isso assim, mas a teologia é a visão geral proposta pela religião do nosso relacionamento com deus.

Entendam que deus existe sem as religiões, eu faço parte dos que acreditam que deus é único, mas é traduzido nos diversos povos através das religiões. Uma religião esta sempre fortemente ligada a um povo e sua cultura, é a forma daquele povo entender deus e sua relação com a gente e nossa vida.

Existem muito que questionam religiões universais, dizendo, com razão que não é possível separar a religião do povo que a criou. Isso é verdade, existem religiões que somente existem no seu povo original, como o Judaísmo e o Hinduísmo.

As religiões universais, que são exportadas mundo afora carregam dentro de si os valores e a ética do povo que a criou, isso não pode ser diferente. Algumas como o catolicismo passaram ao longo dos séculos por um processo de consolidação dessa universalização e criaram um conjunto próprio de valores e ética voltados para aqueles que as adotarem.

Teogonia:
      1. Teogonia significa "o nascimento dos deuses". Ela constituía, com os poemas de Homero, a cartilha na qual os gregos aprendiam a ler, a pensar, a entender o mundo e a reverenciar o poder dos deuses. De certa forma, a Teogonia é o mais antigo tratado de mitologia grega que chegou até nós.
      2. Theos, deus + genea, origem / Refere-se a gêneses dos Deus e sobre a origem do mundo. É um conjunto de deidades (conjunto de forças ou intenções que materializam a divindade), que formam a mitologia (estudo das lendas / história de uma cultura em particular), de um povo.
Claro que não estamos falando de religião grega, aliás isso tem sido um enorme estorvo para qualquer religião não abraâmica, o de ser sempre comparado a religião politeísta grega, mas, em religiões que tem um conjunto mais rico de divindades e que mesmo assim não são politeístas, o termo teogonia é útil para delimitar uma área de conhecimento.

A teogonia se aplica a religiões que tem o seu divino mais rico, não faz sentido junto às religiões abraâmicas. Com a teogonia entendemos a proposta da religião para nos relacionarmos com ela através de divindades menores ligadas ao deus principal.

Existe alguma dificuldade em lidar com esses termos porque as religiões abraamicas dominam o cenário intelectual e tudo é feito em torno delas, assim, é bastante difícil discutir e definir outras religiões sem recorrermos a neologismos ou definições próprias.
Em religiões que lidam com o supernatural e tem o compromisso de suportar a vida das pessoas no mundo, o entendimento dessas 2 coisas adquire aspectos muito mais importantes e práticos.

Eu quero lembrar a todos que enquanto as religiões abraâmicas se preocupam em salvá-lo através da morte, dizendo que somente após a morte você contra a paz e a tal “vida eterna” ao lado de deus (…!) o Candomblé, religião Yorùbá, se preocupa em salvar você aqui, em vida, em te dar uma vida melhor para você usufruir. Existe de fato uma aliança entre deus e nós pela nossa felicidade.

DIFERENÇAS COM A PRÁTICA NO GOLFO DO BENIN


Antes de as pessoas ficarem preocupadas com as variações que nossas tradições religiosas fizeram nos cultos, devem saber que mesmo lá no golfo da guiné, os mitos e o próprio culto religioso, são regionais e variações existem nos formatos de como a religião é praticada dependo de se estar em Ifé (Ilé Ifẹ̀), Óyó (Ọ̀yọ́), Obeokuta, etc... Inclusive, até a Teogonia pode mudar. Cada lugar destes dá maior ou menor importância a algum aspecto da religião e importância a Orixás distintos. Vejam, por exemplo, a questão de Odùduwà e Oxalá (Òṣàlá) em Ifé, onde o mito da criação do mundo (cosmogonia) foi alterado parta incluir Odùduwà no lugar de Oxalá (Òṣàlá) , uma alteração eminentemente política (ver Idowu).

Essa variação e multiplicidade de Orixá (Òrìṣà) é uma das características da religião. Orixá (Òrìṣà) podem ser muitos e distintos, com alguns deles sendo comuns a várias ou muitas áreas. A quantidade de orixá (Òrìṣà) não é relevante à religião, o que é importante é a sua existência. É por isso que dizem que tem 401 orixá (Òrìṣà) á direita. Os Yorùbá não tinham aritmética, assim quando eles dizem 400 querem apenas dizer que é uma quantidade muito grande (para ser contada). O número 1, em 401, dizem (J. Elbein), significar que sempre pode ter mais algum, assim, são muito e podem ser mais.

Não existe essa fixação em 16 orixá (Òrìṣà), somente, como temos aqui. Existe, aqui, uma convenção local que arredonda o número 16, tipo conta de chegar, mas isso é aqui. A realidade é que não existe número pré-determinado, nem 200, nem 400 e muito menos 16.

Creio que uma pergunta evidente pode vir a todos: Por que muitos orixá (Òrìṣà)?

A resposta não é complicada e também está ligada a questão de o que são os orixá (Òrìṣà).
Podemos responder: e por que não podem ser muitos? Qual o problema?

O fato de termos muitos orixá (Òrìṣà) não afeta a visão da religião de que existe um deus superior. Os orixá (Òrìṣà) são ministros de deus, e ser ministros significa que eles o representam e têm seus poderes para atuar junto à nossa vida.

Na sociedade Yorùbá a característica eminente dos orixá (Òrìṣà) é a regionalidade, lá tudo é basicamente família, linhagem e aldeia. Os orixá (Òrìṣà) os representam enquanto família e sociedade tribal, existe um enorme aspecto de ancestralidade envolvido nos orixá (Òrìṣà), uma das definições de orixá (Òrìṣà) é representar um ancestre comum.

Essa definição errada, que fazem aqui, de associar orixá (Òrìṣà) a elemento da natureza, lá no golfo, não cabe, orixá (Òrìṣà) está muito mais para ser um ancestre do que um elemento, a natureza pertence a Olódùmarè, o deus maior. 

O que os orixá (Òrìṣà) têm como ministros de Olódùmarè são suas forças, poderes de domínios, alguns se especializam em determinadas funções genéricas, como cuidar de crianças (orixá (Òrìṣà) das águas em geral), prosperidade (idem), vitórias (os guerreiros), colheitas, ética e moral (Xangô (Ṣàngó)), etc… Mas muitos fazem de tudo para as pessoas deles. De fato eles têm preferências de oferendas (comidas) ou poderes exclusivos, lembrando que orixá (Òrìṣà) é o aspecto humano de deus com o qual nós nos identificamos, eles fazem parte do se chama de analogia entis. A individualidade também é parte dos orixá (Òrìṣà) assim eles tem poderes diferentes e personalidade diferentes, os orixá (Òrìṣà) refletem muito a nossa própria humanidade.

Essa visão de que orixá (Òrìṣà) é natureza e uma bobagem mal copiada do modelo grego, lembram que eu já disse que todas as religiões não abraâmicas acabam sendo traduzidas como iguais a religião grega, sem terem nada haver com aquele modelo.

O candomblé, em sua formação, por exigência das características locais, realizou um processo de concentração dos cultos de diversos orixá (Òrìṣà) em uma única tradição religiosa e centralizados em uma única casa e sacerdote. Esse modelo nada tinha haver com o modelo Yorùbá do culto, altamente especializado. Devido à formação da população (de escravizados) aqui foi necessário configurar uma nova forma de culto, diferindo enormemente de como era a prática na origem.

O modelo que adotamos aqui levou naturalmente a desenvolver uma outra dinâmica na prática do culto e também foi altamente influenciado por um sincretismos interno entre grupos e entre raízes religiosas diferentes. Sem dúvida o Candomblé Jeje que já tinha esse modelo “familiar” com casas com várias divindades influenciou muito na formatação do Candomblé Yorùbá no Brasil.

De outro lado os ritos dos Candomblé Yorùbá também influenciaram a forma de como Candomblé Jeje se organizou localmente.

A realidade é que as tradições afro-brasileira do culto de Orixá (Òrìṣà) e Vodun, tiveram que se reorganizar totalmente, adaptando a religião a sociedade, valores, locais e materiais disponíveis. A religião em sua base continuou a mesma, mas, o culto foi ajustado à nossa população.

Esse processo de forma natural teve que ajustar os mitos da tradição oral e até mesmo a criar mitos e relações para poder estabelecer as bases da tradição afro-brasileira. 

Neste processo pesou esta adaptação mas também em grande parte o distanciamento da origem com aspectos e cultos que não foram lembrados e dessa forma não trazidos e implantados aqui. Não houve um processo altamente organizado de importar exatamente o que havia entre os Yorùbá, foi implantado o que as pessoas lembravam ou o que era mais relevante.

Lembro que o grupo do Candomblé Ketu se tornou muito relevante na matriz e influenciou os demais porque como parte do processo de reorganização da religião, pessoas libertas voltaram ao golfo da guiné para revisitar a religião e voltaram inclusive com pessoas para ajudar a formatação e adaptação da religião através da tradição de orixá (Òrìṣà). Esse trabalho, bem feito, influenciou outras tradições religiosas que copiaram muito do que o Candomblé ketu fazia.

Para ficar claro, o estabelecimento do Candomblé no Brasil é bem tardio em relação ao processo de vindas de pessoas escravizadas. O fluxo de escravização iniciou no século XVI indo até o século XIX, mas o registro da primeira casa de Candomblé na Bahia está em 1830. Antes disso o que haviam eram calundus que eram basicamente uma estrutura Bantu, familiar e voltada para curandeirismo e feitiçaria.

Como a escravidão somente acabou em 1889, durante todo o século XIX houve um fluxo de escravos libertos indo e vindo do golfo da guiné trazendo elementos, informações e pessoas para constituir a tradição de Orixá (Òrìṣà) aqui no Brasil, dessa forma as coisas não foram feitas de improviso, nem de memória, foram estruturadas.

É ilusório achar que a religião aqui foi organizada apenas baseada no que os escravizados lembravam, isso seria impossível, somente os mais jovens e inexperientes na religião eram trazidos como escravos.

Processo similar ocorreu em Cuba com o culto de Orixá (Òrìṣà), mas lá as mudanças foram muito mais profundas em relação a origem e as mudanças e criações que os cubanos fizeram foram muito maiores abrangendo os mitos, teogonia e até a musicalidade. Lá em Cuba devido a uma lei que obrigava a uma responsabilidade contínua com o escravizado independente da idade (velhos), somente pessoas muito jovens foram escravizadas, não eram levados pessoas experientes de maneira que o conhecimento da religião entre os escravizados era de pouco a nenhum.

Dessa maneira não é verdade a estória que cubanos contam aqui de que foram para Cuba, milhares de Bàbáláwo e que estes estabeleceram o culto de Ifá lá. Isso de fato é mentira, só foi para Cuba gente muito nova e isso explica porque a tradição religiosa de lá ficou tão diferente. Os Bàbáláwo foram também uma introdução bastante tardia.

No Brasil, apesar de tudo, o culto a orixá (Òrìṣà) se estabeleceu com sucesso em formato e prática. Foi um estabelecimento pleno, em toda sua plenitude e conservamos razoavelmente bem a ligação com a religião e melhoramos eficientemente o culto. As casas integrando todos os orixá (Òrìṣà), o Xirê, a organização, estética, limpeza e até a musicalidade que temos são muito superiores a forma como o culto é feito no golfo da guiné pelas tradições locais de orixá (Òrìṣà) (RTY). 

Minha opinião é que o Brasil teve e tem muito a ensinar, os africanos têm é que aprender como fazemos aqui o culto de orixá (Òrìṣà) e copiar o que fazemos. Isso já ocorre de fato, o Candomblé exporta para outras tradições o seu formato de culto. Os cubanos vieram aqui para aprender sobre Orí, um culto que eles não sabiam nada. Os africanos vieram aqui copiar o nosso formato de Xirê, de casas com mais de um orixá (Òrìṣà), entre outras coisas. A escritora Stephania Capone, se dedicou a estudar e a documentar isso nos seus livros, a África que veio se encontrar no Brasil.

A religião tradicional Yorùbá (RTY), que tem um culto diferente do nosso e tem na verdade que aprender e copiar o que nossas tradições desenvolveram. Eles tem que copiar desde aspectos estéticos como também ritos e padrões de limpeza. Digo mais, nós não temos nada a aprender com eles, só eles tem que aprender com a gente e a presença da RTY aqui é inadequada.

Lembro a todos que o culto de Orixá (Òrìṣà) no golfo da guiné não é majoritário na população, hoje, na melhor hipótese e nas melhores regiões não deve passar de 30% da população e existem lugares onde foi superado pelas religiões abraâmicas. A religião ressurge lá muito mais para atender ao comércio religioso com o novo mundo do que através da fé real do povo nos orixá (Òrìṣà).

É relevante a quantidade de pessoas que são muçulmanas de fato e se apresentam como sacerdotes da RTY ou de Ifá apenas para poder fazer comércio de religião. Não existe fé de fato por trás de parte da prática religiosa nas regiões do golfo da guiné (Benin e Nigéria).

Desta maneira achar que o que é praticado na África é um modelo para nós é uma enorme bobagem.

É neste contexto é que devemos entender a reafricanização, também como uma forma de evolução do que já temos.

RESUMO PARCIAL
Para não nos perdermos vamos fazer uma “freada de arrumação”.
O que eu disse até aqui é que uma coisa é a religião Yorùbá, a visão metafísica de deus e do divino e outra coisa são os cultos e tradições religiosas que estabelecem como a religião é praticada.
Existem uma tradição religiosa no golfo do Benin e temos as tradições religiosas da Diáspora. A prática da religião está longe de ser uniforme na pequena área Yorùbá da Nigéria e Benin e as tradições da diáspora adotaram uma prática adequada à localização em cada local.
Não existe ligação, dependência ou referência entre a RTY e o Candomblé, são práticas religiosas diferentes de uma mesma religião.

ORIXALIZAÇÃO


Mas, apesar de todo esse histórico da preparação do estabelecimento da tradição de religiosa do Candomblé Ketu, não foi possível trazer para cá todos os cultos ou mesmo tudo da religião. A religião Yorùbá não é simples, ela é bem completa e sofisticada e é composta de vários cultos separados que lidam com especializações diferentes da religião e além disso eles estão bastante integrados com a cultura e sociedade.

Algumas coisas foram impossíveis de vir e o que se estabeleceu aqui no Brasil, foi a tradição de orixá (Òrìṣà). Não quero com isso, mais uma vez, dizer que existe qualquer prejuízo na nossa prática e muito menos que a prática no golfo do Benin seja a mais completa, como já disse, lá é tudo regional e a prática não é uniforme, ainda mais hoje em dia no qual a religião tradicional é absolutamente minoritária. O que é feito no golfo está muito longe de ser referência para qualquer um.

Para entendermos o que eu digo, como partes que não vieram, em termos de culto, teríamos que falar extensivamente sobre isso e, mesmo assim, podemos chegar à conclusão de que, essas diferenças, não tem relevância real por serem práticas específicas ou outras que somente têm sentido naquela sociedade e não na nossa.
Eu acredito que houve um sentido real na tradição ter se estabelecido no Brasil da forma e formato como foi. As pessoas tiveram muito tempo para fazer isso e certamente discutiram o que fazer e decidiram fazer da maneira como foi.

Como eu já falei, as sociedades são diferentes, os valores são diferentes a ética é diferente, não se traz cultura de um povo, não se leva cultura de um povo para nenhum outro lugar.

Na criação da tradição religiosa afro-brasileira ocorreu um processo que eu chamo de orixalização da teologia e teogonia, no qual partes desses conceitos religiosas que foram omitidos, esquecidos ou apenas não trazidos foram substituídos por orixá (Òrìṣà) na função que seriam de um outro Inrumolé (Irúnmọlẹ̀). 

Inrumolé (Irúnmọlẹ̀) é o nome Yorùbá para espíritos e divindades é um nome geral. Orixá (Òrìṣà) é um tipo específico de divindade, um tipo que está ligado às pessoas, são os protetores das pessoas (ver isso no Odù oxéotuwa) e Inrumolé (Irúnmọlẹ̀) é o nome geral das divindades, principalmente aquelas que não tem a função de ser um orixá (Òrìṣà).

O contexto metafísico Yorùbá não é composto apenas de orixá (Òrìṣà) existem muitas outras divindades com atribuições diferentes e que compõe e rico contexto religioso. No processo de introdução da religião aqui ocorreu uma simplificação desse contexto e praticamente tudo ficou relacionado aos orixá (Òrìṣà). Estes que tem a missão específica de suportar nossa vida no Àiyé como ministros de Olódùmarè, acabaram resumindo nele todo o contexto metafísico da religião, a própria figura de Olódùmarè somente foi introduzida tardiamente.

Essa orixalização foi, dessa forma, um processo massivo de simplificação da teogonia, com efeitos sobre a teologia. As divindades se resumiram a orixá (Òrìṣà) e estes assumiram funções que seriam de outros criando assim, no orixá (Òrìṣà) uma concentração de poder e atribuições.

Certamente essa não é uma opinião unânime e muita gente pode entender diferente, mas, é o que penso.

A partir principalmente da década de 90 a religião passou por um ciclo de aquisição de novas informações, que não foi por acaso. Juntou a abertura da sociedade para o Candomblé e deste para a sociedade com a entrada de pessoas com educação formal de mais alto nível e também o acesso dessas pessoas a literatura internacional com mais informações sobre a religião.

A qualidade da informação em geral mudou, com Verger e outros autores de língua estrangeiras e com a redução da importância dos primeiros pesquisadores nacionais, como Nina Rodrigues, que não adicionavam qualidade ao contexto religioso.

Hoje em dia, os versos e mitos Yorùbá são mais conhecidos, assim como, o entendimento da teologia e da teogonia devido a mais pessoas terem estudado a religião com mais intimidade e esse conhecimento ter chegado até nós. Verger foi um dos precursores disso, da informação de boa qualidade já que muito porcaria foi e está sendo produzida. 

Dessa maneira, um dos aspectos positivos da reafricanização é quando desfazemos o processo de orixalização que a religião sofreu e restauramos a teologia com os personagens originais, seja através de adotarmos a narrativa correta como também o Inrumolé (Irúnmọlẹ̀) correto.

Um exemplo do processo de orixalização é Olókun. Este orixá (Òrìṣà) é muito importante na religião e seu culto não foi trazido ao novo mundo. Mesmo lá no golfo do Benin, ele assume uma sobreposição de funções no culto religioso em relação a outros orixá (Òrìṣà). Em Ifé é um orixá (Òrìṣà) feminino mas no restante da região Yorùbá é masculino. É considerado o orixá (Òrìṣà) primordial das águas, de todas as águas do mundo e sua origem e importância vêm a teogonia dos Bini, um povo distinto dos Yorùbá. É possível que tenha sido um culto “importado” pelos Yorùbá dos Bini.

Olókun esta, absolutamente, ligado a fartura e prosperidade. No Odù Ìworì Méjì no verso que narra a partida de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) do mundo, o verso diz que ele atravessa o domínio de Olókun (o oceano) para chegar ao órun (Ọ̀run).

Aqui no Candomblé o seu culto não foi trazido. Ele é orixá (Òrìṣà) e não faz parte das divindades do Candomblé. Ele não é desconhecido, as pessoas sabem quem é, mas isso não as faz localizar no dia a dia do seu culto.

Aqui suas forças e domínios (mar) se confundem com Iemanjá (Yemọjá), por exemplo que é um orixá (Òrìṣà) predominante em Obeokuta. Para acomodar essa superposição com Iemanjá (Yemọjá) foi estabelecido que Olókun seria o domínio do mar profundo e de Iemanjá (Yemọjá) a costa, as águas rasas, mas isso é absolutamente uma acomodação local.

Essa acomodação de Iemanjá (Yemọjá) com a beira do mar possivelmente esta ligada a necessidade de conviver com Óxun (Ọ̀ṣun) que aqui no Candomblé ficou com as águas doces dos rios. Mas lá no golfo Iemanjá (Yemọjá) é também um orixá (Òrìṣà) de água e de rio. 
 
Vale alertar que estudando essa questão de orixá (Òrìṣà) de água ela não é de forma alguma simples, vários orixá (Òrìṣà) feminino estão ligados a água na região Yorùbá e são normalmente cultuados em locais diferentes. Existe uma palavra yorùbá para generalizar esse tipo de orixá (Òrìṣà), porque são vários, eles são chamados de ọlọ́mọwẹ́wẹ́.

Como eu disse antes e afirmo, existem muitos orixá (Òrìṣà). Na diáspora houve essa concentração e simplificação, reconheço que foi útil, mas, trouxe consigo esse processo de orixalização. Quando a gente se aprofunda na religião verifica que:
  • Existem muitos orixá (Òrìṣà).
  • Existem inrumolé (Irúnmọlẹ̀) que não são orixá (Òrìṣà).
  • Os mitos com os inrumolé (Irúnmọlẹ̀) são um pouco diferentes.
No processo de formação de nossas tradições, Óxun (Ọ̀ṣun) recebeu alta relevância (que de fato têm) e sua ligação foi estabelecida com as águas e com o Rio e Iemanjá (Yemọjá) foi designada para ter uma ligação com o mar. Olhando para a origem Yorùbá isso lá não é assim, Iemanjá (Yemọjá) é ligada com águas de Rio também, mas Iemanjá (Yemọjá) e Óxun (Ọ̀ṣun) têm cultos principais em regiões diferentes. O mar é considerado como ligado a Olókun, que na verdade domina todas as águas e não somente o mar profundo.

Neste caldo poderia incluir ainda Oya que lá nos Yorùbá também é associada com um Rio, mas em regiões distintas de Óxun (Ọ̀ṣun) e Iemanjá (Yemọjá) e, aqui, essa referência aquática, não existe. Nanã foi outro orixá (Òrìṣà) possivelmente importado dos Jeje, Dahomey, que aqui coube as águas barrentas, a água primordial que em princípio é de Olókun , o orixá (Òrìṣà) da água primordial.

Aqui, depois da orixalização, Olókun é conhecido e lembrado e tem ligação com o alto-mar, Óxun (Ọ̀ṣun) ficou ligada às águas doces e rios, sobrou para Iemanjá (Yemọjá) o mar costeiro, perto da praia. Creio que as lagoas ficaram com Nanã, não lembro se tem isso, mas as águas barrentas sem dúvida nenhuma.

Como podem ver é muita especialização para uma água só!
Não podemos também desprezar que mesmo aqui a importância dos orixá (Òrìṣà) é distinta, assim na Bahia Iemanjá (Yemọjá) assume uma importância maior, tudo lá é Iemanjá (Yemọjá), e aqui no Rio, outro centro importante do Candomblé a pedominância é de Óxun (Ọ̀ṣun), que é o orixá (Òrìṣà) mais importante e mais aqui no Rio as pessoas querem ser de Oxun mas não de Iemanjá (Yemọjá).

O objetivo não é detalhar isso, apenas mostrar que isso existe. Isso é apenas uma amostra do resultado na nossa tradição de termos reunido e concentrado em um mesmo culto orixá (Òrìṣà) que lá nos yorùbá são cultuados em regiões diferentes. Lá eles tem muitos orixá (Òrìṣà) e são regionais assim eles separam isso naturalmente. Nós unimos tudo isso e, além disso, acomodamos influências externas e sincretismos internos com outras tradições religiosas como a do Candomblé Jeje, que apesar de distinto influenciou e foi influenciado pelo Candomblé Ketu.

Nosso processo de consolidação teve que lidar com isso e acomodar essas junções e diferenças. Por essa razão que digo que não podemos comparar e questionar as nossas tradições versus a tradição religiosa Yorùbá. 
 
Esse pessoal que vai na África fazer turismo religioso e volta de lá cheio de especialidade e conhecimento criando canal e rádio no Youtube para aparecer de especialista sem ter conhecimento e experiência para isso e fica dizendo como os cultos são feitos na África, são apenas uns ignorantes em fraldas e que não tem ideia do que foi o processo de formação da nossa tradição religiosa própria e o que fizemos para acomodar em um mesmo culto influências de várias regiões e etnias.

Ai eu afirmo, que porcaria de RTY é essa que aqui adota um formato de culto de vários orixá (Òrìṣà) em uma mesma casa? Imitando o que nossas tradições desenvolveram ao longo de anos? A RTY é acima lá? Duvido só se também copiaram a diáspora.

RESUMO PARCIAL
Como parte do processo de formação da tradição local, uma casa reuniu orixá (Òrìṣà) de diferentes regiões e que no golfo do Benin tinham importância diferente em regiões diferentes. Muitos deles, lá no golfo, tem similaridades em relação ao objetivo do culto e finalidade de ser recorrer a eles.
Essa acomodação levou a necessidade de mudar as especialidades e domínios de cada um para acomodá-los no mesmo culto e mesmo assim existem sobreposições evidentes.
No geral a acomodação levou a pequenas alterações no entendimento dos orixá (Òrìṣà) que pode ter incluído transformar orixá (Òrìṣà) em qualidade de outro orixá (Òrìṣà) aqui.

Outro aspecto da orixalização que temos que abordar é que a religião tem em sua teogonia mais divindades do que somente orixá (Òrìṣà), como já falei, orixá (Òrìṣà) é um tipo especial de divindade, as divindades gerais são os inrumolé (Irúnmọlẹ̀). Os inrumolé (Irúnmọlẹ̀) assumem na teologia e teogonia funções específicas não ligadas a cuidar das pessoas, dessa forma, como repito sempre, orixá (Òrìṣà) cuida das pessoas.

Aqui no Brasil (como em outros países) os orixá (Òrìṣà) assumiram a predominância em tudo e substituíram, em geral, os inrumolé (Irúnmọlẹ̀). Esse é o principal processo de orixalização, houve uma redução de orixá (Òrìṣà), houve uma concentração deles em uma mesma casa e eles substituíram os inrumolé (Irúnmọlẹ̀), eles passaram a ser os “atores” de toda a teologia. 

Essa orixalização foi acompanhada de uma revisão de mitos para acomodar a participação do orixá (Òrìṣà) e não do inrumolé (Irúnmọlẹ̀) original, dessa forma, algumas interpretações mudaram. 
 
Cabe aqui comentar uma diferença bastante significativa nas tradições do Brasil e de Cuba, isso é minha observação. Não sei exato o aspecto histórico, apenas posso deduzir por poucas referências, mas, o Lukumi de Cuva se caraterziou por ter muitos orixá (Òrìṣà) de “comida”, orixá (Òrìṣà) que eles não tinham culto e iniciação e mantiveram a referência e a presença em oferendas. Dessa maneira os lukumi parecem ter implantado uma teogonia maior, mas, isso é ilusório, eles apenas mantiveram referências sem ter informações melhores, mais profundas e precisas do culto a esse orixá (Òrìṣà). Mesmo a parte de oferenda é uma adaptação aos recursos deles.

Um autor cubano é muito direto em dizer que em Cuba eles fazem bem, ou de fato, é Iemanjá (Yemọjá) e erinlé (ou oxossi) e que, todos, os demais que eles iniciam tem processos muito “parecidos” com esses.

O Candomblé, por sua vez, com pequenas exceções estabeleceu o culto dos orixás que de fato inicia, com ritos próprios e diferenciados e não tem essa figura de orixá (Òrìṣà) “de mesa”. Existem alguns orixá (Òrìṣà) que são conhecidos, falados e citados, mas isso não os inclui nos ritos, basicamente existe a informação, mas se as pessoas não têm “as folhas” elas não os incluem.

Isso é uma diferença importante e relevante, muita gente não entende isso e acha que os cubanos do Lukumi tem mais variedade do que nós, na verdade é o contrário, tudo deles é muito menor, menos detalhado e mais distante do original Yorùbá.

Acredito que o processo de criação do Candomblé, com as idas e vindas dos libertos contribuiu enormemente para essa questão de qualidade e aproximação com os Yorùbá. Veja por exemplo a parte oral, rezas e cantigas. Nos cubanos tudo parece uma rumba.
O processo de reafricanização positiva que eu mencionei é quele que restaura as partes da teologia e teogonia da religião original, adicionando informação e conteúdo e sem afetar a forma como o culto e a nossa tradição religiosa foram construídas.

É um processo de informação, enriquecimento e restauração sem afetar a nossa própria construção prática.

Espero que essa longa introdução tenha servido para nivelar o conhecimento dos processos que estão envolvidos nessa explicação. Falar que Iemanjá (Yemọjá) não é e nunca foi Iya Orí é fácil, mas, compreender baseado no que faço essa afirmação é mais difícil.

RELAÇÃO DE ORIXÁ COM ORÍ


Quando buscamos na teologia que está documentada atualmente a construção de Orí, não existe nenhuma menção a orixá (Òrìṣà), muito menos a Iemanjá (Yemọjá).

Antes de seguir, mais um parêntese é necessário. É claro que pessoas podem questionar a literatura que documenta a teologia, sim, tudo pode ser questionado, ainda mais se você não concorda. 
 
As referências que uso são de autores conhecidos, muitos deles da religião, que na minha avaliação tem conteúdo consistente com o que eu sei e lógica intrínseca nas afirmações que fazem, cujas as informações são confirmadas por outros autores e estes não me pareçam estar diretamente ligados entre sí e usem como referências versos e não apenas afirmações que dependam apenas de acreditar neles.

Mesmo assim, claro, tem gente que poderá concordar, de forma que não tem jeito, a unanimidade pode ser impossível e cada um faça sua avaliação.

Em primeiro lugar eu procurei entender a teologia em torno de Orí, consultando muitas referências e isso me permitiu construir um modelo baseado em versos documentados. Nenhum verso de Ifá liga Iemanjá a Ori. Ori é Ori. Uma consulta também a relatos de tradição oral, feitos por Nigerianos e Beninenses, não mostra nenhum tipo de ligação de Iemanjá com Orí. 
 
Os mitos de Ori são claros em relação a origem e o processo de criação, o envolvimento de Olódùmarè, de oxalá e de Ajalá. Eu lamento muito que muita gente hoje em dia fale sobre Orí sem saber nada disso, sem ter obtido informações mínimas ou ter conseguido entender o que leu.

O Candomblé foi muito pródigo e ter mantido o culto de Orí e disponibilizado para todos os seus seguidores, é possivelmente a principal cerimônia do Candomblé, mais importante do que a própria iniciação. 
 
O culto a Orí não existia no Lukumi cubano, eu constatei isso no início deste século, ninguém la sabia nada disso. Eles vieram aqui aprender para reproduzir e vender a cerimônia. Mesmo os africanos do golfo do Benin, pouco sabiam e o culto lá era muito restrito. Orí é uma coisa que as pessoas vêm atrás do Candomblé para fazer direito. Quem quiser acreditar que acredite, ninguém falou isso para mim, eu vi isso.

Apesar de bem equacionada a liturgia do Bori, aqui no Candomblé se desenvolveu uma relação com Iemanjá (Yemọjá) e com Oxalá (Òṣàlá). As duas são resultados dos processos que eu citei anteriormente, de que os inrumolé (Irúnmọlẹ̀) foram substituídos por orixá (Òrìṣà) e que mitos foram alterados ou criados para acomodar isso.

Essa acomodação não prejudicou a liturgia e nem a sua aplicabilidade, apenas era uma referência inadequada. O que abunda não prejudica, na maior parte dos casos. Com o processo de reafricanização positiva, pudemos entender isso e corrigir o entendimento com os mitos corretos, mas, mesmo assim, mesmo sabendo dos mitos de Orí as pessoas ainda insistem com essa ligação e chamam Iemanjá (Yemọjá) de Iya Orí.

Vejam isso é um erro, Iemanjá (Yemọjá) não tem nada a ver com Orí. Mas as pessoas que falam isso apenas seguem o que a orixalização introduziu.

Reginaldo Prandi relata explicitamente esse processo que eu chamei de orixalização do culto. Ele diz “Ajàlá está esquecido no Brasil, tendo sido substituído por Iemanjá, a dona das cabeças, a quem se canta, no xirê, quando os iniciados tocam a cabeça com as mãos para lembrar esse domínio, e na cerimônia de sacrifício à cabeça (Bori), rito que precede a iniciação daquela pessoa”

Existe um mito regional do culto de orixá (Òrìṣà) que diz o seguinte:

"Quando Yemoja veio do orun [mundo ancestral] para o aiye [planeta Terra], ao chegar descobriu que cada Òrìsà já tinha seu domínio na terra dos homens, e nada havia sobrado para ela. Queixou-se a Olodumare [deus criador], que disse a ela ser seu dever cuidar da casa de seu marido Obàtálá [rei das roupas brancas], de sua comida, de sua roupa, de seus filhos. Yemoja se revoltou. Ela não tinha vindo do Orun para o aiye para ser dona de casa e doméstica. E tanto falou, tanto reclamou, que Obàtálá foi ficando perturbado, até que finalmente enlouqueceu. Ao ver seu marido[nb 9] nesse estado, Yemoja pensou na atitude que Olodumare iria ter com ela quando chegasse do Orun. E procurou os melhores frutos, o óleo mais claro e encorpado, o peixe mais fresco, o iyan mais bem pilado, um arroz bem branco, os maiores pombos brancos, o obi mais novo, o melhor atare, ekuru acabado de cozinhar, ori muito bom, os igbin mais claros, orógbó macio, água muito fria, e com isso tratou a cabeça de Obàtálá. Ele foi melhorando com os ebós, e um dia ficou completamente curado. Olodumare chegou do Orun para visitar Obàtálá. Falou à Yemoja que havia visto tudo o que acontecera, e deu-lhe os parabéns por ter curado tão bem a cabeça de seu marido. Dali para frente, Yemoja iria ajudar os homens que fizessem más escolhas de ori [destino, força vital], a melhorar suas cabeças, com uma oferenda determinada pelo oráculo de Ifá, através de Orunmilá [deus do destino dos homens].

Como eu falei, sempre deve existir muito cuidado com fontes. A origem deste mito é da região de Obeokuta e nessa região o culto a Iemanjá (Yemọjá) é proeminente. Pessoas dessa região, como o excelente autor Baba Tunde Lawal, nos seus textos atribuem enorme importância a Iemanjá (Yemọjá) sobrepondo-a a outros orixá (Òrìṣà) em função e importância.

Eu comentei sobre isso no início deste texto e é por esta razão que toda aquela introdução é necessária, vocês tem que entender os diversos processos que existem em torno da religião. 
 
Diferente daqui onde temos um padrão no entendimento dos orixá (Òrìṣà) em todos o país independente da tradição, lá o culto é muito regional e, em cada região, as pessoas dão relevância ao orixá (Òrìṣà) da região, não existe como aqui orixá (Òrìṣà) nacional.

Da mesma forma como em Ifé (Ilé Ifẹ̀) o mito da CRIAÇÃO mundo foi acomodado (alterado) para incluir a participação de Odùduwà é natural que as pessoas busquem um papel mais relevante para o orixá (Òrìṣà) principal da sua regia da teologia.

O mito é bem mal feito. Iemanjá (Yemọjá) nunca foi esposa de Oxalá (Òṣàlá). Olódùmarè não vêm ao Àiyé. Iemanjá (Yemọjá) enche o saco de Obatalá até esse enlouquecer (?!) e depois ela o cura e fica assim sendo cuidadora das cabeças? Só se fosse uma psicopata. Aliás a fama de Iemanjá (Yemọjá) é estar ligada a pessoas de cabeça ruim, doidas, deve ser por isso que ninguém quer ser de Iemanjá (Yemọjá).

Eu desconsidero esse mito citado. É muito ruim.

A ligação com Oxalá (Òṣàlá) também é em substituição a Ajalá. Oxalá (Òṣàlá) molda o corpo humano completa, com cabeça inclusive, mas o Orí Inú é feito por Ajalá, um inrumolé (Irúnmọlẹ̀).

Ao entender corretamente a teologia, conforme está em versos de Ifá documentados por Wande Abimbola, uma vez feita a escolha do Orí o papel de Ajala se encerra. Ele não faz outro Orí e muito menos corrige o que foi feito. O processo de correção é feito no Àiyé através do oráculo e de oferendas, o Bori, é o Bori que corrige as imperfeições.

A menção de Ajalá e Oxalá (Òṣàlá) no Bori é apenas um respeito a eles que participaram da nossa criação.

Eu já ouvi Babalorixa, mal informado, dizendo em cama de Bori: “que ajala lhe molde um bom ori...” Infelizmente isso é apenas desconhecimento dele, não tem nada de grave. Está fazendo uma liturgia, muitas das vezes corretamente, sem entender os dogmas. Como esta no Odù Ogbe Ogunda, Ajalá já moldou e o acaso ou a falta de preparação podem levá-lo a escolher um Orí ruim.

Uma vez moldado o Ori, Ajala não vai mais fazer nada com o Ori. Acabou. O cuidado deve ser antes de escolher o Ori como está no Odù Ogbe ogunda.

Não quero abalar as crenças de todos, mas, um pouco de calma em generalizações. Uma delas é a de que Oxalá (Òṣàlá) seria pai de todos e Iemanjá (Yemọjá) mãe de todos.

A referência a Oxalá (Òṣàlá) pode ser justificada pelo fato dele ser o criador do corpo de todos, mas, é só isso. Cada pessoa esta ligada a um orixá (Òrìṣà) e é esse o orixá (Òrìṣà) importante na vida dela. Na verdade a gente está ligado a esse orixá (Òrìṣà) e ao nosso Orí, que é o nosso anjo da guarda. Orí é uma definição um pouco complexa, enquanto divindade pessoal, o anjo da guarda pessoal, Enikeji, junto com o orixá (Òrìṣà) são os que são significativos na nossa vida.

Esse conceito de pai de todo e mãe de todos é absolutamente sem qualquer referência real. Não existe vínculo de Iemanjá (Yemọjá) com Oxalá (Òṣàlá) e muito menos nosso com Iemanjá (Yemọjá) a menos que ela faça, de fato, parte de nossa vida.

Igualmente o Candomblé, pelo menos o Ketu, não tem o conceito de termos Pai e Mâe espiritual. Nós temos o nosso Orí, nosso Orixá (Òrìṣà) e um orixá (Òrìṣà) ajuntó, um segundo orixá (Òrìṣà) principal que nos acompanha. Contudo não existe divisão de gênero e ambos pode ser do mesmo gênero. Assim sendo não existe o conceito de orixá (Òrìṣà) pai e orixá (Òrìṣà) mãe, isso é inexistente.

No caso do Candomblé Ketu temos ainda o chamado “enredo” que são outros orixá (Òrìṣà) ligado a pessoa devido a laços dela e de qualidades. Não sei como isso é tratado em outras tradições religiosas da matriz afro-brasileira (jeje, Batuque, Xangô (Ṣàngó), etc..), mas no Ketu que está ligada a raiz religiosa Yorùbá é assim como eu disse. Não existe Pai e Mãe.
Nossa relação é com nosso orixá (Òrìṣà), com Orí, com o Ajuntó e em bem menor grau com o “enredo”.

Uma pequena pesquisa na internet vai retornar dezenas de resultados ligando a Umbanda a esta questão de Pai e Mãe espiritual e até mesmo, pasmem, orixá (Òrìṣà) de frente e juntó. Em se tratando de Umbanda isso tudo ai é absolutamente impensável, infelizmente a Umbanda tem um problema sério de identidade e fica querendo imitar o Candomblé sem ter nenhum vínculo com ele.

Na Umbanda existe essa consideração de Oxalá ser pai de todos e Iemanjá ser mãe de todos. Mas a Umbanda nada tem haver com o Candomblé e com Orixá (Òrìṣà).

Como curiosidade, informo que o Lukumi entende que cada pessoa tem um orixá pai e um orixá mãe. É por isso e por outras que quem já viu diz que eles parecem uma Umbanda