Serão os Orixá (Òrìṣà) elementos da natureza ?
Parte 1 de 3
NÃO! ELES NÃO SÃO!!
Este texto é um pouco extenso, mas, trata de um assunto importante que principia o entendimento desta religião. Eu canso de ver gente incansavelmente falando esta bobagem de maneira que estou republicando este texto.
Mas não parem de ler. Este não é um texto velho, é um texto revisto.
É o primeiro texto do ano e vou aproveitar esse período de verão para revisitar alguns assuntos mais antigos e importantes que foram publicados aqui, junto é claro com assuntos novos.
Além de abordar os tema importantes e já tratados, é também um objetivo principal esclarecer a religião para pessoas que não a conhecem ou que ainda são neófitos, assim, estou alterando a linha geral (anterior) de textos do Blog para torná-los mais acessíveis.
A motivação de eu estar escrevendo sobre este assunto é que existe um conceito generalizado que associa os òrìṣà (orixá) a elementos da natureza no sentido literal (e não figurado) de forma que cada òrìṣà (orixá) é dito ser um elemento da natureza.
Esta, é uma bobagem que está sendo repetida milhares de vezes e que com isso acabou virando uma verdade para muitos, principalmente aqui nas tradições da diáspora. Estou aqui dando minha contribuição para acabar com isso, porque, depois de me debruçar sobre esse assunto, analisando referências teológicas e, mais ainda, versos de odù, eu tenho uma opinião completamente divergente e gostaria de apresentar aqui, no fim cada um avalie o que acha que é correto, se é a versão de que eles são elementos da natureza ou se é a versão que eu estou apresentando.
Vocês decidem...
Assim principiando, pessoas quando questionadas sobre a religião ou mesmo sobre òrìṣà (orixá) iniciam afirmando que o Candomblé é uma religião ligada da natureza e que os òrìṣà (orixá) são a própria natureza ou, elementos grandioso desta natureza, como agua, terra, pedra, fogo, trovão, vento, etc...
Isto esta errado. De fato não são muitas pessoas que conhecem bem a religião e essa tem sido a saída mais fácil para as pessoas responderem aquilo que não sabem. Não precisa fazer muito esforço, vai ser muito fácil encontrar este ideário em livros ruins e na internet em textos copiados e mal produzidos.
Assim, repetindo o posicionamento deste texto, pessoas descrevem para outras que os òrìṣà (orixá) são os elementos da natureza, mas, isso é um engano. Esta é minha posição e vou explicar aqui neste texto.
A minha conclusão após avaliar esta situação é que este erro ocorre por diversos fatores. O principal é que é fruto de um sincretismo religioso, equivocado, entre religiões que não guardam semelhança. É uma forma equivocada de compara ou tornar equivalentes diferentes religiões feito por pessoas levianas. Por fim, e mais importante ainda, é uma parte do grande processo que houve, inclusive entre os ditos estudiosos, de desprezar a religião Yoruba e em função da dificuldade ou do preconceito para entendê-la de fato.
Podemos encontrar e ter que aceitar uma posição, por exemplo de que os òrìṣà (orixá) seriam ancestres, pessoas que foram divinizadas e desta forma pai da nação Yorùbá. Podemos também entender que mesmo em vida eram pessoas poderosas dotadas de forte poder mágico e que os permita manipular alguns elementos primários da natureza, mas, jamais podemos confundir os òrìṣà (orixá) com elementos da natureza.
Alguns podem neste momento questionar: Por que estou eu aqui querendo questionar isso? Minha resposta é simples, para que se possa de fato entender o que é esta religião e entender a sua proposta para tornar melhor a vida das pessoas.
Eu não tenho dúvida que entendendo o cosmo Yorùbá esta compreensão fica muito mais simples, assim como ficaria muito mais simples eu falar sobre esse assunto, mas, não podemos transformar este assunto em uma novela, de maneira que o Cosmo Yorùbá fica para outra oportunidade.
Mas, é importante entenderem que na religião Yorùbá existe uma divindade suprema, que esta acima de tudo e de quem vem toda a criação e manutenção dos seres viventes, ela é Olodumare, o deus Yorùbá. Abaixo dele existe todo um mundo espiritual com divindades de diversos tipos e hierarquias. Um tipo muito especial e que nos interessa são os òrìṣà (orixá). Estas divindades tem como objetivo nos ajudar em nossa vida no mundo natural.
Nossa ligação com os òrìṣà (orixá) é muito íntima e todos temos na formação do nosso corpo físico um pedaço de um òrìṣà (orixá) que se torna então o nosso òrìṣà (orixá) e um dos nossos protetores. Temos, todos, um protetor principal que é uma divindade pessoal, que aqui no Candomblé chamamos de Orí. De fato, como muitas palavras Yorùbá, Orí serve para muitos significados, mas, entendamos que um dos significados é de uma divindade pessoal e nossa protetora maior.
Em relação aos òrìṣà (orixá) existem 2 tipos principais. Existem os que são os òrìṣà (orixá) da criação, que já existiam antes do mundo natural ser criado por Olodumare (da Gênese).
Existem também os òrìṣà (orixá) filho, ou eborá, que surgiram depois e que normalmente são seres humanos divinizados. Sim, é muito importante entender isso. O ser humano por suas obras e importância para sociedade pode ser divinizado e se transformar em um òrìṣà (orixá), com mesmo status dos òrìṣà (orixá) da criação.
Ao se transformar em òrìṣà (orixá) ele irá também fazer parte do corpo das pessoas que nascem no mundo natural.
Aqui temos mais um conceito para entender, os Yorùbá entendem que existe um mundo espiritual que é um reflexo no mundo natural. As pessoas vivem no mundo espiritual e ciclicamente nascem (encarnam) no mundo natural. Ao nascer aqui elas necessitam de um corpo, esse corpo é produzido por um òrìṣà (orixá) e recebe elementos que vai individualizá-lo tornando cada indivíduo único.
Nesse processo de individualização o òrìṣà (orixá) fará parte. Assim, nosso espirito vive no mundo espiritual de forma independente de òrìṣà (orixá), mas, quando nascemos aqui no mundo natural um deles irá fazer parte íntima de nossa existência e de nossa proteção para que possamos viver e atingir os nossos objetivos para essa vida.
Esses elementos que são agregados ao nosso corpo físico (orixá, odù, Ori, alma, caráter e ancestralidade) nos transformam na pessoa que somos.
Nesta concepção errada que fazem de òrìṣà (orixá), Xangô virou o fogo e o trovão. Oyá virou o vento e o raio. Óxun virou a água. Os demais não sei bem o que viraram. Mas a correspondência que esses malucos fazem de òrìṣà (orixá) e elemento da natureza é falha e confusa por si só.
Então veja, quem entende alguma coisa de òrìṣà (orixá), sabe que Ṣàngó (Xango) é um eborá, um òrìṣà (orixá) divinizado e não um dos òrìṣà (orixá) originais assim. Como ele poderia ser o fogo, o trovão ou um vulcão, que são elementos que existem desde o início dos tempos? O vento é ọya (óia) ? Mas ela também é divinizada, assim, o vento já existia antes dela ela, e ela não poderia ser o vento,uma força da natureza. Na nigéria a sua história esta associada com um Rio. Ọ̀Ṣun (Oxun) é uma irúnmalẹ̀ (irunmalé) um òrìṢà (orixá) original da criação e poderia sim estar ligada com a água, mas ser a agua? Jamais, ele esta na realidade intimamente ligada com outras qualidades. Por fim, sem exaurir o estoque de bobagens, as pessoas dizem que Ọ̀Ṣàlá (Oxalá) é o ar, por que? Nunca encontrei isso no versos de Odu.
Isso mais parece uma brincadeira de ligar coisas da coluna da direita com a da esquerda, assim coloque os òrìṣà (orixá) que você conhece na esquerda e os elementos da natureza que você conhece na direita, ligue agora um com o outro. Provavelmente vão faltar coisas de um lado e de outro ou mais de um vai estar ligado a mesma coisa. O que estou dizendo em palavras bem simples é, isso é uma bobagem.
Essa é uma visão muito onírica dos òrìṣà (orixá), um sincretismo com a religião greco-romana e com religiões europeias, como a bruxaria tradicional, wicca, etc...
O preconceito é a raiz disso tudo. As pessoas não esperavam encontrar uma religião complexa junto a um povo simples, como os Yorubas, assim, elas avaliaram superficialmente a religião e fizeram associações dela com outras que eles conheciam.
Essa ligação de uma divindade com os elementos da natureza existe em algumas tradições religiosas, muitas delas politeístas puras de fato, que não é o caso da religião Yorùbá. A mim parece mais uma forma de sincretizar a religião africana com formas politeístas e animistas seja por preguiça ou preconceito.
Por esta razão, dizer que os òrìṣà (orixá) são as forças da natureza como eu canso de ouvir é o mesmo que dizer que Ṣàngó (Xango) é São Jerônimo, Ọya é Santa Barbara, Ògún é São jorge. É o mesmo que ouvir babalorixá explicando a vida e a reencarnação usando a doutrina espírita.
Além desta explicação inicial que já pode ser suficiente para muitas pessoas vamos aprofundar a análise desta questão dividindo o assunto em partes e explicando cada uma delas.
Primeiro vamos falar sobre a responsabilidade do sincretismo nesse processo. Depois vamos tratar da influencia do entendimento incorreto da cosmogonia da religião. Vamos comentar um pouco sobre o problema gerado por estudos ruins feitos por antropólogos e estudiosos e, por fim, vamos falar um pouco do cosmo Yoruba para situar o entendimento de todos no modelo que eu considero adequado.
Como sempre lembro que tudo o que é escrito aqui representa a minha opinião, representa a minha análise sobre o que eu estudei e vivencio e estou muito longe de me considerar o dono da verdade ou mesmo infalível.
Após esta postagem vou explicar como se determina Odù negativo no merindinlogun. Como podem lembrar postei ha pouco tempo uma critica às pessoas que dizem que determinados Odù são negativos por definição. Para que não fique apenas na critica vou explicar como elas deveriam fazer e aproveitar para explicar porque se faz 4 caídas.