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segunda-feira, março 02, 2015

O Babalawo e a Teologia

O Babalawo e a Teologia

Revisão 2


Por mais que o Bàbáláwo seja proficiente em Ifá, é necessário conhecer muito bem a teologia e a teogonia da religião. Esse conhecimento é necessário para entender as histórias e interpretar as informações que o jogo traz através dos Odù e orientar as pessoas sobre a religião que elas procuram.

Se o Bàbáláwo não compreende corretamente a metafísica das relações entre o mundo espiritual e natural, as divindades, suas relações com as pessoas, se não entende a natureza e comportamento dos orixá, os diversos tipos de espíritos, os limites de ajé e egun, as questões ligadas a ori, ou mesmo, se tem uma compreensão equivocada desta teogonia, enfrentará problemas na sua atividade.

Ifá não é agnóstico. O ifá que temos aqui no Brasil, seja vindo de Cuba ou da África são de origem Yoruba. Ifá é um culto que faz parte de uma religião, a religião dos Yoruba. O Bàbáláwo é considerando um sacerdote religioso, ele não é um advinho, um mágico, um curandeiro ou um vidente. Um Bàbáláwo somente pode exercer seu trabalho porque é um representante de Orunmilá para trazer às pessoas o axé de Olodumarê.

Ifá é religião e a prática do Bàbáláwo está ligada a existência de deus. O motivo porque o oráculo de Ifá é importante é porque Orunmilá, a divindade que responde neste oráculo, foi a testemunha do nosso destino quando nos ajoelhamos à frente de Olodumarê antes de nascermos, pedindo a ele o nosso destino. É a religião e não a ciência humana que explica Ifá.

Ifá pode ser usado para qualquer pessoa, claro, mas isso não o torna agnóstico ou desprovido de religião ou apenas uma manifestação de religiosidade (seja lá o que mentes confusas queiram dizer sobre isso).


Esta e qualquer outra religião pode ser aplicadas a todos os seres vivos. Não existe nesta religião nada que a restrinja apenas aos nascidos de tribos Yoruba. Esta religião fala de deus, dos seres humanos e do mundo.

A religião entende que todos os seres que nascem vão a Olodumare e pendem a ele por seu destino. Ifá não é agnóstico, ele está ligado a uma religião, está ligado a importância, influencia e presença de deus e seus representantes na nossa vida. Mais ainda os exemplos que Ifá usa, as recomendações de ifá e as liturgias seguem a pratica da religião a que este culto pertence.

A pessoa que vai a Ifá não precisa trocar de religião, mas, ela tem que saber que esta indo a um oráculo religioso e não a um vidente qualquer, um curandeiro de esquina.

Ser um Bàbáláwo é ser um representante direto de uma religião porque somente a religião pode explicar a importância e o funcionamento o oráculo de Ifá.

Você perderá perdendo tempo se procura um Bàbáláwo que diz que ele lida com religiosidade e não religião ou que diz que Ifá não é religião. Você perde tempo porque esse Bàbáláwo não sabem quem é ou o que faz. Se ele não sabe isso como vai poder ajudar você?

O que observo muito é o Bàbáláwo que aprende uma coisa ou outra da teogonia e teologia de sua religião de forma muito irregular, assim tudo para ele é uma coisa ou outra. Desta forma aparecem aqueles que falam que tudo é ori. Outros nem entende o que é ori de fato. Outros dizem que tudo é egun, esses são os mais comuns, alguns acham que sabem fazer coisas para Ajé, mas, esses nem sabem com o que estão lidando.

Isso é como foi a onda dos abikus no candomblé (que ainda existe, ô coisa fora de moda...). Os babalorixa viam abikus em todo mundo, alguns faziam isso de safadeza mesmo, outros porque não sabiam mesmo. Até hoje isso ainda existe e basta ter um irmão morto para o seguinte virar abiku.

Tudo isso que estou falando pode parecer meio estranho a vocês, mas são coisas bem distintas na formação de um sacerdote. Uma coisa é a pessoa aprender o que um Bàbáláwo precisa saber para lidar com o seu oráculo. Este conhecimento é obtido nos tratados de Odù e com o iniciador dele, porque existe muito conhecimento adicional, oral e explicativo, como eu já disse, o tratado não representa IFÁ, é apenas um guia de referência. O Bàbáláwo tem que estudar o tratado e cada Odù, aprender como se usa isso, o significado das coisas e as cerimonias associadas. Isso vai lhes dar conhecimento importante, mas, restrito ao significado e histórias que cada Odù tem e ao ofício do Bàbáláwo.

Este é um tipo de conhecimento que o Babalawo deve adquirir. É importante, mas, é um tipo. Podemos dizer que em muitos casos é um conhecimento mecânico não envolve profundidade ou meditação.

Não é automático ou mesmo natural que o Bàbáláwo, por aprender ifá e os odù, estará automaticamente aprendendo a teologia, teogonia e a metafísica da religião, não é assim. Estas coisas fazem parte de outro conhecimento. Não confunda um conhecimento com o outro.

Esta é a maior balela com os Bàbáláwo repetem. Eles se impõe sobre os demais sacerdotes dizendo que tudo é Ifá e que ifá tem tudo da religião. Não é verdade, a pessoa não vai aprender religião através dos Odú, pelo contrário pode até desaprender. Os Odù contêm mensagens complexas para as pessoas que consultam, existem informações que se contradizem entre os Odù, claro, cada pessoa ou cada problema é uma coisa e tudo tem que ser endereçado pelo Odù, o que é certo para um é errado para outro.

Se você usar então os tratados cubanos, ai que não vai aprender nada mesmo. São muito confusos, histórias mal feitas, uso em excesso de orixá e da forma incorreta.

Eu já vi pessoas que são iniciadas com 15 anos, as vezes menos. Outras que nunca tiveram nenhum contato com a religião yoruba, somente conheceram ifá e foram habilmente convencidas a se iniciarem.

O que estas pessoas, sem nenhuma ou pouca experiência de vida vão poder adicionar a seus consulentes? O que essas pessoas sabem de religião ou da religião que estão? O que elas terão aprendido da religião? O que saberão de orixá? Qual a experiência ou contato que terão? O que suas experiências de vida adicionarão a elas no seu trabalho como Bàbáláwo?

Aprender a religião em si, a teologia e teogonia é outra coisa. Requer outras fontes e principalmente muito mais estudo adicional e dedicação. Sem um bom conhecimento da teogonia, a própria interpretação do Bàbáláwo ficará um pouco prejudicada em alguns casos. O iniciador dele pode até ter um bom domínio da religião, mas terá tempo e disponibilidade para ensinar tudo o que sabe? Acho difícil, nem o iniciador e muito menos o iniciado vai ter tempo de disponibilidade para isso. O iniciador pode ser uma pessoa para discutir assuntos mas estará disponível para ensinar de cátedra?

Se, neste contexto, estamos falando de uma pessoa iniciada dentro da tradição cubana então é caso complicado. Os cubanos têm uma visão própria da teologia e teogonia, muito afastada da visão yoruba, tão afastada que existem cubanos que gritam aos 4 cantos que IFÁ nasceu em cuba, ou que somente o ifá cubano preserva o verdadeiro ifá e que os yoruba não sabem mais nada de ifá. Eu achava que isso era apenas ufanismo e arrogância, coisas bem típicas de cubanos, mas, hoje acredito que esta é uma avaliação ingênua de minha parte, possivelmente isto é uma forma deles justificarem esses grandes desvios.

Em termos de orixá, a visão deles tem muuuito pouco haver com a nossa do candomblé. Para uma pessoa como eu, que aprende a teologia e teogonia buscando fontes confiáveis yoruba e conhece orixá a partir da visão prática e teórica do candomblé, eu vejo os cubanos com uma parte desta religião, sem duvida, mas uma variante que tomou caminhos diferentes. Eles desconhecem aspectos importantes da teologia e orixá é teoria apenas, quase não tem incorporação.

Mas voltando ao nosso tema, e sendo objetivo, o conhecimento consistente da teologia permite ao Babalawo responder e entender de forma mais extensiva o seu oráculo. Sei que é um pouco complicado entender isso que estou colocando, mas conhecer bem a sua religião através da teologia e teogonia permite ao Bàbáláwo melhor compreender as metáforas que existem nos versos de odù bem como possibilitam que ele faça uma melhor dosimetria do que recomendará ao consulente. Acima de tudo vai permitir a ele desenvolver melhor o aconselhamento.

Estou adicionando mais informação de maneira, que vamos a mais explicações. A consulta a Ifá tem 2 aspectos. O primeiro é que a partir do odù sacado você determina o ebó a ser feito e o executa. Isso é bem simples, não precisa ser um Babalawo brilhante e altamente experiente. Se o Babalawo for honesto ( vou explicar em outro texto ) chega-se facilmente a um resultado padrão que, em princípio atende bem ao problema do consulente.

Existem Bàbáláwo que fazem isso bem rápido e mecanicamente.

A segunda parte é que a partir do odù que saiu para a pessoa, o Bàbáláwo deve ter a capacidade de juntar tudo e aconselhar o consulente. Isso é bem mais difícil. Requer muito mais do que conhecer o odù, entre os Bàbáláwo é dito que somente aqueles realmente inspirados conseguem fazer isso é a hora em que ELA se manifesta através deles e eles conseguem "falar ifá". Isso é muito diferente de falar o que se decorou lendo os tratados de odù.

Mas, com ou sem Ela, o aconselhamento é uma parte importante da consulta, possivelmente a parte mais importante. Neste processo, como citei, o Bàbáláwo une o entendimento das mensagens de odù, combinando os diversos odus que são relevantes à consulta, mais a teologia e sua experiência de vida e como Babalawo.

Isso é Ifá. Ifá não é apenas fazer ebós e transmitir uma mensagem simples e objetivo do problema que trouxe a pessoa ao oráculo, a consulta. Ifá é perceber o que orunmila tem como mensagem de vida para aquela pessoa, Ifá é uma oportunidade para a pessoa revisar sua vida, afinal orunmila é o eleri ipin, o testemunho do nosso destino. Se a consulta a ifa servir apenas para resolver coisas mundanas e ordinárias de nossa vida, qual a diferença entre uma Babalawo e um vidente qualquer? Qual a distinção entre você ser o sacerdote do eleri ipin?

Este aconselhamento é a soma de conhecimento de ifá mais o conhecimento da religião. O Babalawo fala como um sacerdote da religião, não como uma pessoa qualquer. Não se trata de usar apenas bom senso e experiência. Trata-se de se dirigir às pessoas como um representante de uma religião. Para isso o Babalawo tem que conhecer a teologia da sua religião.

Existe um fator complicador. Se ele estiver lidando aqui no Brasil com um iniciado, um iyawo, egbon ou ogan, por exemplo, e não conhecer a teologia, orixá e o candomblé, sua atuação terá que ser restrita e cuidadosa. Em primeiro lugar, ao lidar com uma pessoa ligada a uma casa religiosa ele tem que ser extremamente ético e atento para não causar problema. Tem muita gente que é muito perturbada e se confunde com muita coisa.

Em segundo lugar, se ele não tiver aprendido a teologia e a prática do candomblé, se conhecer apenas o que ensinaram a ele sobre a visão lukumi então não deve falar nada. Saber pouco e ainda saber uma tradição que é completamente diferente do candomblé não vai ajudar ninguém. Existirão situações que ele não conhece e não saberá tratar com os consulentes.

Cubanos que foram formados no lukumi e esses brasileiros que aprenderam com eles, ou seja, que sabem muito menos do que eles, recomendarão ações erradas e podem causar problemas. O mesmo vale para pessoas com formação em candomblé e que se deparem com alguma pessoa iniciada no lukumi ou na YTR. Nesses casos, o conhecimento de teologia não vai ajudar muito. O Babalawo terá que ser muito cuidadoso e tratar da vida da pessoa sem se envolver nos seus assuntos religiosos.

As vezes isso é difícil porque as pessoas podem procurar um Babalawo para confrontar alguma situação sua. O Babalawo deve ter maturidade para não se envolver desnecessariamente em problemas que poderiam ser evitados. Ética é muito importante.

A última coisa que pode envolver o conhecimento ou não conhecimento de teologia, são os casos em que as coisas são feitas e não funcionam ou não são de efeito permanente.

Podem existir situação nas quais as ações do babalawo terão curta duração, não vão resolver o problema, os ebós vão se suceder sem que exista uma resposta adequada. Não estou falando nenhuma novidade, muitos já devem ter visto isso ocorrer. Também ocorre em Ifá.

Isto geralmente esta associado a um conhecimento oh interpretação equivocada da teologia e teogonia.A coisa mais comum e besta que eu vejo são aqueles idiotas que em face de um problema ou situação dizem que: tudo é Ori. Não diga! E o que mais? Fica todo mundo fazendo aquela cara de "ah é?" sem entender e sem saber o que fazer com essa frase idiota. Claro que tem ainda os que dizem que tudo é egun, ou encosto ou feitiço.

A realidade é que aquela pessoa que está ali consultando Ifá para outra pode não compreender plenamente sua religião, não como quem está consultando imagina, não compreende de fato como aquelas energias do supernatural se manifestam e influenciam a vida da pessoa, podem também não distinguir qual o melhor caminho a trilhar para buscar uma solução.

Existem problemas simples, mas, existem também os complicados, que lidam com coisas mais inéditas e que saem do lugar comum. Pode ser uma comparação besta, mas você pode ter aqueles médicos de SUS para os quais tudo é virose e os especialistas de fato. Quando coincide você estar com virose mesmo o médico do SUS vai acertar, será ótimo para você, mas, nem tudo é virose não?

Se o babalawo não entende o contexto geral não vai saber também o que fazer objetivamente para ajudar quem o procura. Isso é o que resulta nos casos onde os ebós nao fazem efeito, o consulente retorna recursivamente ao oraculo, os ebós e oferendas aumentam de tamanho, o consulente procura muitas pessoas.

Isso também o resultado da falta de conhecimento da teologia e teogonia.



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