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quinta-feira, março 12, 2015

Consciência Moral e os Critérios de Autocorreção e Autoeducação transmitidos pela religião dos Orixá

Consciência Moral e os Critérios de Autocorreção e Autoeducação transmitidos pela religião dos Orixás


Por Lenny Francis*


Tenho visto ao longo do tempo, um conjunto de pensamentos expressos que dizem que na religião dos orixás não existe bem e mal, pois estes são relativos; de que não existem virtudes a serem desenvolvidas nos seres humanos e que a única coisa que temos que nos preocupar é de cumprirmos os tabus de nosso orixá.

Esta fala é muito usada para justificar o uso do oráculo e dos ebós para alimentar uma série de paixões e vontades de clientes que não abrem mão de verem seus desejos realizados, muitas vezes passando por cima da vontade de outros envolvidos.

Nega-se a ideia de virtudes e de desenvolvimento das mesmas, afirmando muitas vezes que as virtudes são critérios cristãos de moralidade e que não estaríamos inseridos dentro do contexto cristão, por isso não deveríamos segui-los.

Nada mais longe da realidade, pois as virtudes são atemporais, e não estão contextualizadas a um lugar (como a Europa, por exemplo), pois são atributos do espírito humano.

As primeiras menções a estas virtudes são justamente os mitos religiosos. A coragem, a justiça, a temperança, a sabedoria, as astúcia, etc., estão presentes em inúmeras estórias mítico-religiosas. Além do que, os primeiros estudos sistemáticos realizados sobre as virtudes do espírito são os dos filósofos. Sócrates, Platão, Aristóteles e os estoicos, por exemplo, inseridos em um contexto pré-cristão, dito “pagão” pelo cristianismo, identificaram e explanaram estas características do espírito humano bem antes que os patrísticos e os escolásticos da igreja o fizessem. E é importante ressaltar que estes só o puderam fazer, ao se atentarem para a genialidade e a sensibilidades de seus predecessores.

Nesse sentido o argumento que de devemos rejeitar estas virtudes por fazerem parte de um contexto cristão é balela. Coisa de gente que não estuda e repete como papagaio o que outros (que muitas vezes são mal intencionados) dizem por aí.

Em segundo lugar, o bem e o mal existem e mesmo que não tenhamos, na religião dos orixás, ifá, etc., uma entidade que represente o mal, este existe e é referenciado na religião. Basta ver os ajogun, por exemplo.

Em meus estudos sobre a filosofia clássica, entendi que o mesmo critério de que há na história da humanidade um acúmulo de descobertas e informações que visam o despertar da humanidade para as verdades transcendentes a ela, pode ser usado, como o foi, pelos cristãos, mas também por qualquer pensador de qualquer sistema religioso que se dedique a reflexão honesta e ao estudo destes paralelos.

Como o Marcos Arino sempre coloca em seus textos, o objetivo da existência é sermos felizes, e o da religião é nos tornar pessoas melhores (considero que isto está mais do que demonstrado em seus textos). Trago então minha compreensão sobre o que acredito serem verdades que estão mais do que presentes na religião yorubá de modo geral, pois são essências que estão em sua base. Mas para isso é preciso entender como nascem certos erros interpretativos ou mesmo desvios de conduta e quais seriam as formas de evita-los.

A consciência é o elemento pessoal que sofre influência diretamente do sistema de crenças e valores da pessoa. Se o sistema de crenças e valores da pessoa está distorcido por ter sido constituído de uma “bagagem espiritual” debilitada em termos de virtudes do espírito (caso não tenham sido trabalhadas em encarnações passadas), além de um sistema cognitivo baseado em distorções perceptivas (como a de que virtudes são parte apenas da crença cristã ou que foram inventadas por ela) ; o resultado é acreditar que as distorções compõe o campo de nossa consciência e por isso não se tem problemas com seu imperativo ético-moral.

Por isso não podemos crer que a ética e a moral sejam um sistema relativo ou interno a cada sujeito. De caráter intrinsecamente pessoal e relativamente moldado ao caráter de uma religião, como a cristã ou a budista ou a muçulmana, ou a dos orixás, por exemplo. As verdades transcendentes são a de que existe um Deus absoluto, e que existe uma hierarquia espiritual com direitos, deveres e ordens estabelecidas pelas leis criadas por Ele para atuarem em diferentes partes de sua criação (os Orixás, Orunmila, Exu, Entidades e Guias, Ancestrais, etc. são parte deste sistema); de que somos imortais em espírito e que fomos criados em carne para sermos felizes, e que esta felicidade depende do desenvolvimento (ou descoberta) de virtudes inerentes ao espírito como o equilíbrio, a fé, a bondade, a coragem e a justiça; de que as hierarquias espirituais atuam em nós para nos ajudar a concretizar nossos caminhos que nos levem a certeza de nossa felicidade e desenvolvimento. Mas também é uma verdade perene a existência do mal como ausência de virtudes e acomodação aos excessos (vícios) ou sua busca incessante e inconsequente.

As premissas anteriores independem de religiões, mas podem ser trabalhadas por fiéis de todas elas, desde que imbuídos de ter a verdadeira noção da realidade de si mesmo. Portanto conhecer-se é a ferramenta essencial neste processo. Para isso o contato com o Sagrado, na forma de uma ampla espiritualidade ou de uma prática religiosa específica pode significar um precioso auxílio. No caso da religião do Candomblé, Ifá, Umbanda este autoconhecimento é parte (ou deveria ser) da própria estrutura da prática religiosa. O oráculo, as consultas espirituais om entidades e guias podem nos ajudar muito nesse caminho.

Uma vez que o autoconhecimento verdadeiro é iniciado, a nossa autocorreção e autoeducação tende a equilibrar o sistema cognitivo, permitindo realmente uma atuação real e baseada nas virtudes absolutas do equilíbrio entre a bondade, a justiça e a fé que se tornam verdadeiramente o imperativo de nossas consciências para a condução de nossas ações privadas e públicas.

O resultado é que uma vez em paz com nossas consciências, deveremos honrá-la nas batalhas do dia-a-dia. Mas, lembremos, devemos primeiramente estar em paz com nossa consciência real (e não aquela forjada nas distorções) antes de a honrarmos (que é apenas a expressão pública destes princípios que regem nossa real consciência).

Dentro do Ifá, o Iwa Pele, o bom caráter é sempre a escolha e o esforço do sujeito de querer ser melhor.

Estas verdades independem de nós. São transcendentes e estão aí para quem quiser se dar ao trabalho de estudar e analisar as mesmas dando a si mesmo a chance real de avaliar se suas opiniões são fruto de uma distorção puramente humana alimentada por paixões de todos os tipos ou da expressão do Sagrado em sua vida. 


* Lenny Francis, é antropólogo e professor da universidade de Rio Verde

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