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terça-feira, março 03, 2020

Entendendo a religião do Candomblé e Ifá - pt. 5 - O bem e o mal no contexto teológico

  Entendendo a religião do Candomblé - pt 5

O modelo metafísico yorùbá para o bem e o mal

 

Observem que tudo o que existe no Àiyé é uma igual criação do Olódùmarè.

No contexto teológico cristão existe uma especialização do conhecimento chamado teodiceia, que é nossa ligação com deus frente a questão do bem e do mal. Esta relação do bem e do mal é um dos temas mais amplamente tratados pelos teólogos cristãos devido ao conflito que isso traz para eles.

A religião cristão tem um conceito teístico de que deus é puro amor. Isso foi adotado e espalhado a partir da visão de deus com o cristo, que trouxe amor e união universal aos povos, contudo esta visão tardia contrasta muito com a visão original do deus judaico, que elegeu um povo e somente ele para ser seus escolhidos e preferidos.


Lembro ainda que o deus judaico era rancoroso, raivo, mesquinho e agressivo. O Cristo foi, pelos católicos, a reinvenção de deus e mais ainda, quem inventou a religião católica de paz e amor universal foi Paulo de Tarso, ele foi o verdadeiro arquiteto ou marketeiro do que hoje é o catolicismo.

Este paradoxo entre, ser o deus do amor e também permitir o mal sobre a terra assim como a presença do diabo como uma força competindo pelas almas eternas, representa uma dicotomia na teologia católica. Isso é tão extremo e estranho que dá origem infindáveis textos e contos para analisar, explicar e justificar isso, sempre sem sucesso, porque a polêmica permanece.


Este tema serve para inúmeras obras de ficção e depois filmes que mostram isso sob os pontos de vistas mais distintos e originais, criando teses fantásticas sobre a relação entre o céu e a terra.


A grande questão continua sendo, sempre, porque deus é todo poderoso e admite que o mal, através do diabo, assole seus filhos preferidos. Pior, o diabo não é uma punição temporária, ele captura as almas eternas das pessoas sem que elas tenham chance de refazer seus erros.

O amor e união nunca estiveram no núcleo da religião judaica e na manifestação de seu deus Jeová, que desde a expulsão do paraíso se mostra como rancoroso.


Vou considerar aqui que na religião cristã existe o conceito de renascimento uma vez que foi o concílio de Nicéia II que ela decretou que o renascimento não fazia parte da teologia católica (a explicação disso está no apêndice 1) em uma decisão polêmica. Considerar isso, o renascimento, apesar de ir contra o entendimento da igreja hoje, resolve um problema igualmente enorme que é o de que cada alma permanente nasce apenas uma vez, elimina eu ter que tratar a questão absurda que seria uma pessoa ser condenada a uma vida miserável, por diversos motivos e jamais ter a chance de mudar isso ou de viver algo diferente.


Condenar uma alma eterna a uma única existência é uma coisa cruel demais para ser justificada e assim, vamos desconsiderar essa impiedade, apesar de não ser o entendimento de igreja católica.


Ficamos então com o problema criado pela teologia, como está hoje, na qual o mal, teve origem no próprio Jeová, com o anjo caído e este deus mantêm isso sem nada fazer. Em sua visão mesquinha se uma pessoa comete erros sérios em sua vida natural, se sede a tentações e é condenado ao inferno sofrerá eternamento até o fim dos tempos.

Essa visão de deus combina bastante com o deus do primeiro testamos, o deus mesquinho e rancoroso e condenou a humanidade eternamento pelo seu pecado original e que expulsou do seu paraíso suas criações apenas porque elas, humanamente, cometeram um erro, devido o mal que ele mesmo também criou.


Punição incondicional devido a um único erro.


Essa visão de deus procurou ser mudada com o deus paz e amor representado pelo Cristo, mas o contexto teológico proposto pela religião não mudou.

Quem adota essa religião tem que adequar ou se conforma a esta visão como sendo coerente. Não entendo que seja.


A visão teológica proposta pelos yorùbá é muito distinta.

O mal existe, mas é parte de nossa jornada no mundo natural, ele não se propaga para o mundo supernatural, o órun (Ọ̀run), e não condena almas eternas a um fim definitivo.

O modelo do cosmo yorùbá é muito, mas, muito distinto. Ele representa uma interação dinâmica de opostos: céu e terra; dia a noite; homem e mulher; corpo e alma; vida e morte; bem e mal; duro e macio; frio e quente; esquerda e direita; certo e errado; vida e morte; sucesso e falha, e por assim vai.


Estes opostos complementares são evidentes através do entendimento de um provérbio popular yoruba:


Tibi, tire la dá Ilé aiye


O mundo físico evolui entre o bem e o mal



Nossa vida no Àiyé é baseada na busca do equilíbrio entre esses opostos em ambos os polos fazem parte da vida e do equilíbrio do mundo.


Todos devem se lembrar o filme Matrix onde havia um mundo virtual, a matriz, cujo modelo matemático de estabilidade dependia desse equilíbrio. Na conversa entre Neo e o arquiteto, uma das cenas mais famosas do filme e que trouxe luz a tudo e, cuja complexidade, até hoje não é entendida por muitos, o arquiteto citou que a matriz não sobreviveu aos modelos anteriores onde todos eram felizes.


Foi preciso criar um modelo de equilíbrio para manter a estabilidade do conjunto e manter a motivação de todos para viver.

Isso é apenas um filme e um roteiro, mas, o mundo metafísico yorùbá é similar e garanto que os yorùbá não criaram o seu modelo depois de ver o filme.


O modelo metafísico tem um mundo natural que se equilibra entre opostos e agentes divinos que suportam esse equilíbrio como uma coisa natural e inerente ao modelo. Assim no modelo Yorùbá, a descrição do mal é que ele é um oposto complementar e natural a um estado de bem.

Repetindo é como se para existir a luz e ela ser percebida, é necessário existir as trevas. A luz só existe porque existe o seu oposto e onde ha luz não ha trevas.


A prosperidade é o oposto da miséria e entre os dois existe a ação de transformar um no outro e essa transformação ou manutenção depende da ação humana. Se a pessoa trabalha ela terá prosperidade, se a pessoa não faz nada sofrerá de miséria. Existe o esforço de criar o estado oposto e de mantê-lo.

Assim o entendimento do mal no mundo, no sentido teológico é este, opostos que se complementam. Um não existe sem o outro. No sentido básico da metafísica Yorùbá, o mundo é uma equação de EQUILÌBRIO. Eu já disse isso eu vou repetir muitas vezes. Se existe uma palavra que define essa religião é essa EQUILIBRIO.


Tudo o que é feito através desta religião é para trazer equilíbrio e nesse sentido, teologicamente é isso que afeta as pessoas. A presença de ajé (Àjẹ́), as feiticeiras, esta diretamente ligada a esta sentido de opostos complementares e busca de equilíbrio.

Quando a gente se aprofunda em ajé (Àjẹ́) e entende suas ações é que isso fica claro. Vou abordar ajé (Àjẹ́) mais à frente neste texto.


Ajé (Àjẹ́) representa a ação da força teológica de estabelecer o equilíbrio ou melhor de forçar o desequilíbrio para ele seja restabelecido. Assim, no contexto teológico ajé (Àjẹ́) é muito importante no entendimento do bem e do mal.


Os Ajogun fazem parte disso mas são mais naturais, ajé (Àjẹ́) representa a ação.


Tenham atenção que estou tratando do mal e bem no sentido teológico, naquele em que isso vem do mundo e assim pode ser atribuído a criação de deus. A questão de todos é porque deus permite que soframos.


No entendimento yorùbá, deus não nos imputa sofrimento, não temos um elemento diabólico para culpar ou combater como os católicos têm o diabo.

O bem e o mal existem no mundo, são opostos um do outro e são nossas ações de atingir e de manter que nos permitem atrair isso para nós o bem ou o mal. Assim, não podemos ficar parados no Àiyé, nosso sucesso e prosperidade depende de nossas ações para serem atingidos e mantidos.


O Àiyé não é um paraíso onde tudo esta ao nosso alcance, é um mundo onde podemos  atingir e realizar tudo o que queremos e planejamos para nós e para a sociedade, mas temos que equilibrar nossas forças e ações para atrair isso, os princípios estão no mundo.


Nesse ponto não posso deixar de citar a religião Indu. Lá o entendimento metafísico deles é que deus na verdade é uma trindade, Brahma o criador, Shiva o destruidor e Vishnu o mantenedor. A vida na terra é manter o equilíbrio entre essas 3 forças, assim nosso trabalho tem que criar as coisas, mantê-las e destruí-las quando sua utilidade não mais atende a necessidade.

Shiva, o destruidor não é o mal, ele é o mesmo princípio teológico que citei aqui da busca pelo equilíbrio, ele destrói aquilo que precisa se renovar, seja porque não tem utilidade ou porque já atingiu a sua utilidade e precisa de renovar através de Brahma.


Este princípio teológico de equilíbrio é similar ao conceito Yorùbá, o que muda é a forma como cada religião define o modelo e os agentes.



Contudo, observem, isso se aplica a mundo natural que é uma jornada de nossa alma eterna, uma jornada passageira. Não existe descrição do mal como parte do mundo supernatural e muito menos a condenação eterna a alma permanente devido a uma existência equivocada.


Existe, sim, uma punição por erros na vida, pelo mal que causamos, mas, somos avaliados por deus pela vida como um todo e não por episódios isolados. O que pode nos levar a uma punição, temporária é o contexto completo da vida. Esse tema do julgamento de deus sobre nossa vida vou abordar quando tratar da morte, mais a frente.
 

O modelo yorùbá se baseia no equilíbrio e convivência entre os opostos e isto ocorre dentro de nossa jornada temporária no Àiyé.


De um lado temos as divindades da direita para trazer o bem, a saúde, a prosperidade, a saúde e a felicidade e de outro as forças malevolentes com seus opostos, a morte, a paralisia, o desastre, a doença, a perda, os problemas, a esterilidade, as maldições, etc…

Entre esses dois, estamos nós humanos, com nossas almas eternas no mundo natural.

Atenção, o sentido aqui é falar sobre o mal no sentido teológico. O mal existe no mundo na forma de ações das pessoas. Sobre isso o mal causado por humanos vou abordar em outro momento.


CONTINUA EM PARTE 5B

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