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domingo, março 15, 2020

Explicando o Candomblé para qualquer pessoa

Explicando o Candomblé para qualquer pessoa



O Candomblé é um culto, isto é, é apenas uma parte de uma religião maior e essa religião é a religião Yorùbá. Eu vou explicar aqui, da maneira mais direta e simples possível como é essa religião, suas crenças e suas práticas para que as pessoas possam gostar ou desgostar do Candomblé pelo que ele é, e não pelo que ele não é.

Para entender uma religião não podemos nos reter em olhar somente suas práticas e ritualística. Isso não te explica nada de uma religião, a prática ritual é o meio da religião atingir seus propósitos, mas não é a religião.

O que todo mundo tem que entender de cada religião é, qual é a proposta da religião para a pessoa e para a sua vida e, além disso, qual é o efeito dela, a religião, na sociedade, é isso o que interessa, o que ela faz em prol do indivíduo e da sociedade. O objetivo de uma religião não é adorar a deus com um fim, isso é fé cega. Toda religião te dá conhecimento, entendimento e quer fazer de você uma pessoa melhor.

Eu espero com esse texto dar um instrumento efetivo para que as pessoas do Candomblé e Ifá possam entender a verdadeira extensão de sua religião e explicar sua religião para as demais pessoas, leigos e interessados.

RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

Falar de religiões da matriz afro-brasileira é bastante complexo. Eu tenho um vídeo no canal do youtube e um texto no Blog tratando exclusivamente deste tema que é bastante confuso porque existem várias tradições religiosas no Brasil.

Aqui vou tratar apenas do Candomblé e de Ifá.

Contudo, o mesmo nome Candomblé, abrange 2 tradições religiosas muito diferentes, uma chamada Candomblé Jeje, que está ligada a raiz religiosa do Dahomey e outra chamada Candomblé Ketu que está ligada a raiz religiosa Yorùbá. Apesar de terem o mesmo nome, “Candomblé”, representam religiões diferentes.

Eu, aqui, estou falando da religião que o Candomblé Ketu representa, de raiz Yorùbá, que é a mesma que o Ifá brasileiro representa também.

O que eu vou falar, de forma geral, pode se aplicar as demais tradições afro-brasileiras ligadas à raiz religiosa Yorùbá, que são o Batuque e o Nagô, mas, eu não posso dar certeza disso.

Chamo a atenção para a questão das famosas nações de Candomblé. No meu texto sobre esse assunto, que está no Blog, eu esclareço isso de uma vez por todas, mas, não quero aqui abordar isso. Assim esqueçam a questão de nações, eu uso Candomblé Ketu para representar todo o Candomblé ligado a raiz Yorùbá. As nações são sub-grupos pouco relevantes para o assunto de religião.

Assim, daqui para a frente vou me referir a tudo como somente RELIGIÃO. Mas, como explicado estejam avisados que estou me referindo ao Candomblé Ketu e a Ifá.

O papel da religião na sociedade

A primeira coisa para entender a religião, é entender qual era o papel da religião na sociedade yorùbá. A religião yorùbá é parte de uma séria de ações que a sociedade adotava no sentido de promover a união e a harmonia. Os yorùbá em uma palavra para descrever isso, chamam de ifogbontaayese, isto significa o desenvolvimento de estratégias para promover na comunidade, a paz, a felicidade e a união entre eles.

Claro que isso funcionou enquanto o europeu não apareceu lá para fazer o escravagismo.

A religião na sociedade yorùbá era um instrumento de união e harmonia e isso vai ficar mais claro à frente.

O cosmo metafísico

A religião estabelece como modelo para a nossa existência, de que existe um mundo supernatural, o órun (Ọ̀run). Esse é o nosso lar verdadeiro, é lá que vivemos. Eles dizem que a passagem na terra, no chamado Àiyé, é temporário, vivemos aqui para nos divertir, para amar, para ter aventuras, para ter emoções, para sentir sabores e para viver em família, principalmente.

Para viver aqui, recebemos um corpo que será o receptáculo temporário de nossa alma. A morte é o preço que pagamos para viver, quando o receptáculo se esgota, morremos e nossa alma volta para o mundo espiritual.

Esse ciclo se repetirá várias vezes.

Este cosmo foi criado e é controlado por um deus superior, um deus único, chamado Olódùmarè. Este é o nome de deus para os yorùbá, contudo, como no judaísmo existem outros nomes para deus.

Além de Olódùmarè existem outras divindades criadas por Olódùmarè para o representar e atuar por ele, seja no órun (Ọ̀run) como no Àiyé. O nome geral dados as divindades que existem no órun (Ọ̀run), ministros de Olódùmarè, é inrumolé (Irúnmọlẹ̀).

É Olódùmarè quem controla o funcionamento da natureza, é dele que vem o poder, mas, são os inrumolé (Irúnmọlẹ̀) que atuam em seu nome.

Neste conjunto de divindades, chamadas inrumolé (Irúnmọlẹ̀), existem um tipo especial chamado de orixá (Òrìṣà). Dessa maneira os orixá (Òrìṣà) são uma parte do conjunto total de divindades.

O modelo da religião é desta maneira, composto de um deus maior e superior a tudo, Olódùmarè e divindades que o representam, mas, com restrições, somente Olódùmarè pode tudo e tem o controle sobre tudo e não divide isso com ninguém.

Contudo não temos acesso direto a Olódùmarè. Nosso acesso é através das divindades que ele criou. Essas divindades não são deuses menores, são ministros de Olódùmarè e o representam nas suas ações.

Esse modelo cósmico é todo voltado para a vida no Àiyé, apesar de, como eu disse aqui, ser uma aventura temporária. Nos versos de Ifá não existem descrições de situações e aventuras no órun (Ọ̀run). Não existe descrição de atividades das divindades no órun (Ọ̀run), mas é bem claro que, no órun (Ọ̀run), existimos nós, as divindades e Olódùmarè. O órun (Ọ̀run) deve ser um lugar tranquilo e pacato.

Toda a ação existe para manter o Àiyé.

Renascimento

É uma religião reencarnacionista, nós renascemos várias vezes, mas não existe nenhum objetivo maior nisso.

Nós renascemos porque queremos, porque gostamos, porque a vida é uma aventura e porque gostamos de vivê-la aqui em família.

Acima de tudo, vivemos para sermos felizes. Nascemos para ser feliz. Existe um compromisso, uma aliança de deus com a gente, por nossa felicidade, aqui, nesta vida. Lembrem-se disso que acabei de falar, porque, essa aliança, domina tudo o que se faz nessa religião.

Não existe nessa religião a ideia de que a vida é um sofrimento ou que temos karmas para superar, não existe esse conceito de karma que é tão popular entre os espíritas, aliás, não existe nenhum vínculo entre o Candomblé e o espiritismo.

É um erro crasso chamar o Candomblé de religião espírita. Isso é uma bobagem sem fim.

O bom caráter

A religião diz que devemos ser pessoas de caráter, e que o caráter é a beleza interior das pessoas. Uma pessoa só é bela se tem beleza interior. Dessa maneira, a religião trabalha o indivíduo para que ele seja uma pessoa virtuosa e de caráter.

Fazendo isso a religião está entregando para a sociedade uma pessoa melhor que contribuirá com sua união e harmonia.

São falsas as afirmações de que o Candomblé seria uma religião sem ética e sem pecado.

É o contrário disso. Vou falar sobre esse tema em um vídeo complementar, nesse momento, peço que acreditem que no que estou dizendo.

Assim, para entendermos o ciclo e as relações, a religião é uma ação pela união e harmonia da sociedade e para isso ela trabalha os indivíduos para que estes sejam pessoas melhores e úteis, através da aquisição do bom caráter, que é chamado ÌwÀ e possam, então, trabalhar pela sociedade.

Pós vida

Em relação as nossas realizações, a religião diz que, seremos julgados por Olódùmarè depois que morremos e voltamos ao órun (Ọ̀run). Assim prestaremos conta do que fizemos em nossa vida e, Olódùmarè, nos avaliará pelo conjunto de nossa obra.

Podemos nesse momento sofrer punições temporárias, mas, as almas são perenes e não são condenadas ao fim de sua existência, em qualquer coisa que se assemelhe a um inferno. Não existe a figura do demônio ou do inferno, ou nada parecido com isso.

No pós-vida cabe a nós, também, cuidar de nossos familiares que ainda estão vivendo no Àiyé. Nossos familiares vivos, pedem e esperam nossa ajuda a partir do órun (Ọ̀run).

O destino

Vou falar agora sobre um conceito muito importante na religião.

A religião tem foco no indivíduo e na realização dos objetivos da sua vida. Esse é um dos principais atrativos que cativam as pessoas que a conhecem, mas, apesar disso, a religião exige o suporte de uma coletividade para ser praticada, não se pode praticar sozinho.

Antes de nascermos nós estabelecemos objetivos para a vida, o que queremos realizar, isso é similar ao conceito chamado Dharma, que existe no induísmo.

Com os nossos objetivos, vamos a deus, antes de renascermos, e pedimos para ele para realizá-los. Essa entrevista com deus, Olódùmarè, é muito importante. Deus concordará com nossos pedidos, como sempre faz, e também vai nos dar os instrumentos necessários para podermos realizar nossos objetivos.

Mas, além dos nossos próprios objetivos também recebemos outros que são dados por deus e que estão relacionados com quem somos, nossa família e outras vidas. Este é uma parte de nossa individualidade e ancestralidade. Isso seria, mais ou menos, similar ao conceito do Karma, do induísmo, mas, atenção o entendimento de Karma do induísmo é distinto do que fazem aqui os espíritas.

Um dos instrumentos que deus nos dá, nesse momento é uma anjo guardião pessoal, que é chamado de enikeji, mais comumente denominado no Candomblé de, Orí. Infelizmente o conceito de Orí é um muito amplo, ele envolve vários aspectos distintos e complementares e, tudo isso, é chamado indistintamente de Ori.

Enikeji, o nosso anjo guardião é o nosso primeiro instrumento dado por Olódùmarè, ele é considerado nosso duplo. Enikeji existe no Órun (Ọ̀run) que é o mundo espiritual e nós vivemos no Àiyé

Além do enikeji, deus, ou Olódùmarè, nos dá um axé (àṣẹ) pessoal. Axé (àṣẹ) é a energia vital que somente Olódùmarè tem, é a centelha de vida, o poder vital e espiritual que cada pessoa têm e é distinto. Olódùmarè dá um poder para cada pessoa, baseado no que essa pessoa conversou com ele na entrevista para o seu renascimento.

Na religião esse poder de Olódùmarè é identificado através do nome de Odù. Odù é apenas o nome geral que é usado para classificar o que Olódùmarè nos dá ou o que ele usa para influenciar o mundo.

Um parêntese aqui, Odù tem um significado complexo na religião, eu estou aqui fazendo uma absoluta simplificação, didática, quando resumo o poder que Olódùmarè nos dá com o nome de Odù, isso é quase uma licença poética.

Infelizmente, os yorùbá, cometeram o erro de ter uma linguagem muito simples e sem registro escrito, não existia grafia para a linguagem, isso foi uma das causas do seu enfraquecimento como povo e civilização. Em yorùbá, um mesmo nome adquire vários significados dependendo do contexto. Assim é com Orí, como eu disse, que requer uma explicação complexa, assim é com axé (àṣẹ) e assim é com Odù. Quem quer entender isso, procure o meu blog, tem textos explicando isso.

Além desse poder pessoal que posteriormente será traduzido para nós através da denominação chamada Odù, Olódùmarè designa para nós uma divindade que irá nos influenciar, porque fará parte da formação de nossa personalidade e dos nossos “poderes”. Essa divindade é o orixá (Òrìṣà).

Os orixá (Òrìṣà)

Orixá (Òrìṣà) são ministros de Olódùmarè. O conceito de ministro significa o de uma divindade que o representa e ao mesmo tempo tem seus poderes.

Os orixá (Òrìṣà) são divindades que existem para cuidar de nossa vida na terra. Esse é o sentido de sua existência.

Os orixá (Òrìṣà) não são as forças da natureza.

Quando nascemos temos uma ligação física e espiritual com um orixá (Òrìṣà) e isso influencia nossa personalidade de alguma forma e, esse orixá (Òrìṣà), será mais um guardião em nossa vida. Contudo, orixá (Òrìṣà), é um guardião coletivo, cuida de muitas pessoas, diferente de enikeji que é único.

Somos ligados diretamente a mais de um orixá (Òrìṣà) através do nosso nascimento e isso faz parte da constituição de nossa individualidade no Àiyé, o mundo natural, mas, todos os orixá (Òrìṣà), que têm poderes um pouco diferentes dados por Olódùmarè, estão prontos a nos ajudar.

Os orixá (Òrìṣà) são parte da aliança de deus com a nossa vida, parte do compromisso dele com nossa felicidade. A vida no mundo é cheia de perigos e temos os nossos objetivos para alcançar e nossas obrigações enquanto membros da sociedade. Os orixá (Òrìṣà) são o elemento de ligação entre nós e deus e aqueles a quem Olódùmarè deu a missão de nos orientar e suportar em nossa vida.

Não existe nesta religião o conceito de que lidamos diretamente com deus e muito menos de que ele seja onisciente e onipresente.

O controle do supernatural

Na vida na terra, no Àiyé, o mundo natural, nós contamos com o poder das divindades orixá (Òrìṣà). O supernatural tem energias e poderes que podem influenciar as coisas do mundo natural.

Isso é o que é traduzido pela palavra, magia, que é a capacidade de alterar coisas do mundo natural com energias supernaturais.

A base dessa energia é o axé (àṣẹ), a energia de Olódùmarè.

O axé (àṣẹ) é o conceito mais importante para a vida no Àiyé, no mundo natural.

A religião, também, faz parte do compromisso de Olódùmarè com o nosso sucesso e, assim, ela nos ensina e nos suporta para que através do uso dessa energia supernatural, do axé (àṣẹ), possamos fazer correções no rumo de nossas vidas, eliminando problemas, ameaças e ajudando com a nossa saúde.

Principalmente, essa energia, essa manipulação do supernatural, existe para corrigir o nosso comportamento e ações que nos levam a erros.

Além de nos ensinar e nos suportar no uso das energias do supernatural, a religião deve nos conduzir para que tenhamos um bom caráter ou o caráter ideal, o Ìwà. A religião transforma e muda as pessoas para que elas tenham o bom caráter e somente através desse bom caráter teremos sucesso e realização na vida.

O sucesso na vida não significa riqueza, significa realização de nossos objetivos. Vamos atingir a isso com Ìwà e com o nosso Orí.

O Axé (àṣẹ), o ebó (Ẹbọ) e o equilíbrio

Se existe uma palavra de define essa religião essa palavra é EQUILÍBRIO. Esta é a religião do equilíbrio.

A religião possui liturgias especiais para podermos manipular o axé (àṣẹ) e, através disso, nos ajudar na nossa vida. Essas liturgias recebem o nome genérico de ebó (Ẹbọ). Ebó (Ẹbọ) na verdade significa muitas coisas, essa é mais uma palavra com vários significados contextuais, mas, essencialmente, é a ação que provoca a manipulação do axé (àṣẹ) para nos ajudar.

Tudo na religião gira em torno do equilíbrio do axé (àṣẹ) e, até mais ainda, no equilíbrio do comportamento.

O órun (Ọ̀run) e o Àiyé estão em dimensões diferentes, assim a comunicação entre os dois é bastante restrita. Para se obter axé (àṣẹ) no Àiyé, de modo a usá-lo para ajudar as pessoas a se equilibrarem temos que recorrer a coisas vivas que estão no Àiyé. Assim as folhas e alimentos são fontes de axé (àṣẹ), essa é uma das razões de porque as liturgias são baseadas em oferendas.

Os orixás não comem nada que é oferecido! O que eles fazem é retirar do material usado o axé (àṣẹ) que será usado na própria pessoa que ofereceu.

As folhas como fonte de terapia

É muito importante dizer que o principal elemento litúrgico na religião são as folhas.

Nós acreditamos que Olódùmarè, quando criou as folhas, deu a elas propriedades especiais através do seu axé (àṣẹ). Elas são usadas em magias e principalmente em terapias.

O Àiyé é um lugar complicado, com perigos e doenças. Olódùmarè em seu compromisso com nossa vida colocou as plantas para que possamos obter delas o axé (àṣẹ) para curar todo o tipo de doença e mal que nos aflige.

O uso das folhas é um dos principais conhecimentos da religião e é mais um dos elementos da aliança entre deus e nós.

Como eu disse e reforço, não estamos sozinhos, deus nos assiste o tempo todo.

Oráculo

Além disso, a religião possui um oráculo, que é o instrumento que temos para nos comunicar com deus, com nosso anjo guardião e com nosso orixá (Òrìṣà), para pedir ajuda e buscar orientação. Não existe receita pronta, tudo que é feito é precedido de uma consulta oracular.

Orixás não falam e não falamos com deus em nossas rezas. Orixás nos ouvem mas o oráculo é o instrumento sacro para podermos interagir com o divino, tudo que se faz liturgicamente nessa religião passa pelo oráculo.

O oráculo também pode ser usado para orientar as pessoas a tomar as melhores decisões da vida.

No Candomblé o oráculo usado é o Jogo de Búzios. Já no culto de Ifá o oráculo tem o mesmo nome do culto, Oráculo de Ifá.

Essa religião tem o compromisso de nos ajudar continuamente e constantemente. O oráculo é também parte da aliança de deus com nossa vida.

A religião como fator de união

A religião existe para atingir vários objetivos nesse contexto metafísico.

Ela nos ensina a manipular o supernatural para nos ajudar.

Ela nos fornece as orientações através do oráculo

Ela deve nos orientar a ter um bom Ìwà, o caráter.

Contudo, para atingir isso tudo ela exige muitas pessoas. Essa religião não pode ser praticada sozinha e requer pessoas com diferentes formações e especialidades, por exemplo:

- Pessoas que se preparam para ser os elementos de ligação com os orixá (Òrìṣà), permitindo a presença dos orixá (Òrìṣà) no Àiyé para nos trazer axé (àṣẹ), os chamados elégùn.

- Os olhadores de oráculo, os Bàbáláwo.

- Os invocadores do ambiente de ligação com o órun (Ọ̀run), os ogans.

- Os manipuladores do axé (àṣẹ) que são os sacerdotes, os Babalorixá (Bàbálórìṣà) e Iyalorixá (Ìyálòrìṣà).

Dentro de uma casa existem outras especialidades, pessoas que dedicaram a vida a aprender e exercer uma função na religião. É necessária uma grande comunidade especializada para a prática efetiva da religião e uma pessoa sozinha não consegue fazer isso.

Uma casa de Candomblé é composta de vários especialistas em várias áreas, desde cozinhar até a rezar. Temos ai ,então, o elemento de união da comunidade, é uma prática coletiva. A religião promove a união da comunidade em torno dela mesma, sem união e sem comunidade não existe prática da religião.

Voltando a questão do ciclo:

- nascemos com objetivos de vida, não temos um destino pré-fixado

- Olódùmarè nos dá os instrumentos para realizar os objetivos e termos sucesso e felicidade na vida

- Olódùmarè criou enikeji e os orixá (Òrìṣà) para suportar o nosso sucesso

- a religião desenvolve o nosso bom caráter e nos faz pessoas melhores para a vida em sociedade.

- a comunidade através da religião e de sua união suporta os seus membros na sua vida para que sejam felizes.

Esta é a síntese da tríade indivíduo-religião-comunidade.

A prática da religião

Essa deve ser a parte que as pessoas têm mais visibilidade, mais isso é apenas uns 10 a 20% do que é feito na religião, sem conhecer os conceitos que eu expliquei, até aqui, o entendimento da prática é impossível.

A religião é praticada intra-muros, ou seja, dentro dos muros da casa de Candomblé. A religião não é praticada na rua e as oferendas não são feitas na rua, isso é coisa da Umbanda.

Uma casa, terreiro ou templo de Candomblé é um local preparado para a prática da religião, no aspecto espacial e ritual. A casa tem os elementos sagrados necessários a prática da religião dentro dela.

Não existe possibilidade de uma casa de Candomblé ser pequena e sem um terreno amplo. Os famosos becos, são apenas isso mesmo, um beco, não são uma casa de Candomblé. Uma casa de Candomblé precisa de espaço, além disso tem que ser próxima a mananciais da natureza, como rios, florestas e mar.

A prática da religião na casa estabelece continuamente a ligação das pessoas com o divino, através de liturgias.

A principal liturgia do Candomblé é a realização do Xirê, que é uma prática festiva de integração entre nós e as divindades. O Xirê dura entre 3 e 4 horas e é composto por danças e música.

Esse formato visa a união da comunidade e uma integração alegre e festiva das divindades, orixá (Òrìṣà) com as pessoas. Através dessas músicas e toques (os tambores são considerados sagrados) se estabelece uma zona cinzenta entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé e as divindades orixá (Òrìṣà) (somente essas) podem se manifestar no mundo natural, através dos elégùn, interagindo com os presentes através da dança e através dessa mesma dança eles espalham o seu axé (àṣẹ) para as pessoas.

O objetivo dessa interação é, dessa maneira, os orixá (Òrìṣà) trazerem o axé (àṣẹ) de Olódùmarè para as pessoas. Participar de uma Xirê tem a finalidade de receber o axé (àṣẹ). Um Xirê é normalmente dedicado a um orixá (Òrìṣà) em especial, mas sempre contará com a presença de vários deles. É no Xirê que as pessoas podem receber as melhores bençãos dos orixá (Òrìṣà) para a sua vida e fazer pedidos. Os orixá (Òrìṣà) nos entendem mas não falam com a gente.

Ao fim do Xirê, existe quase sempre o oferecimento de uma refeição gratuita aos presentes, o Xirê é uma festa e confraternização. O Xirê é uma liturgia pública, como uma missa, mas, devido a sua complexidade e custo é feito com menor periodicidade.

Mais frequentemente existem, apenas para os membros da casa as rezas. As pessoas se reúnem em dias especiais para rezar para algum orixá (Òrìṣà). É uma prática devocional e tem a mesma finalidade do xirê, mas é apenas interna e normalmente não envolve nem música e nem dança, são rezas mesmo.

Adicionalmente, dependendo da quantidade de pessoas que existem na casa, existe um calendário de realização de liturgias para iniciação (a feitura), para complementar a iniciação (as obrigações) e para não iniciados e frequentadores (os Boris).

Essas liturgias são profundas e envolvem uma grande população para a sua realização. Algumas duram alguns dias e são também momentos de reunião, rezas e conciliação com os orixá (Òrìṣà).

Cada pessoa ao longo dos anos faz poucas dessas liturgias. A vida do iniciado ou do não iniciado (o abian) não é dominado por essas liturgias, em média faz uma dessas a cada 3 ou 4 anos, talvez mais.

Como uma casa às vezes tem muitas pessoas, ela pode ter uma atividade constante de liturgias, mas, cada vez, é uma pessoa diferente, que precisa de muita gente ajudando para ser realizada.

A atividade do oráculo é a que domina o dia a dia de uma casa. Como citei, tudo é feito a partir da orientação do oráculo e, dessa maneira, essa é a atividade que mais ocorre. O oráculo é uma atividade contínua e viva na religião.

Como resultado do oráculo são indicados a realização dos ebós e oferendas. Não vou explicar aqui sobre isso, mas entendam que ebós são liturgias que envolvem materiais e o ato de usá-los por uma pessoa habilitada, um ebó (Ẹbọ) é sempre uma manipulação de axé (àṣẹ) por um operador e através dos elementos. Eles são necessários para tirar negatividade ou atrair positividade.

As oferendas são uma oferta sacra de materiais, normalmente, comidas cozidas e que tem a finalidade de trazer bençãos e energias positivas para a pessoa. Uma oferenda é sempre algo que dá energia a quem oferece.

Como podem ver, uma casa de candomblé tem motivos para ter uma atividade constante.

O clero do candomblé

Esse é um assunto complexo, mas vou fazer o possível aqui.

Uma casa de Candomblé é composta por um dirigente, que será a Iyalorixá (Ìyálòrìṣà) ou o Babalorixá (Bàbálórìṣà). Somente haverá um deles, ou é um ou é outro.

Eles são os responsáveis pelo conhecimento e por fazer as liturgias na casa.

A casa também pode ter frequentadores iniciados, que serão os Iyawo, enquanto em formação, ou os Egbon quando completam sua formação.

Além desses tem os Ogans, que são homens e as Ekeji, que são mulheres. Essas pessoas são escolhidas por orixá (Òrìṣà) para essas funções e estão no alto da hierarquia da casa.

O outro grupo que complementa são os Abians, frequentadores não iniciados, são parte da casa mas não passaram pelos ritos de iniciação.

Fora esse grupo o que existe são os simpatizantes e frequentadores dos Xirês.

O Bàbáláwo é um sacerdote dirigente, do mesmo nível de um Babalorixá (Bàbálórìṣà) ou Iyalorixá (Ìyálòrìṣà) mas pertence ao culto de Ifá, não pertence ao Candomblé.

Candomblé, imagens e o ato de rezar

O Candomblé não tem imagens com finalidade sacra ou litúrgica. Não existe a representação de deus ou de orixá (Òrìṣà) através de imagens, no culto normal, não existe nenhum ritual ou culto baseado ou feito com imagens.

Imagens pertencem ao catolicismo e a Umbanda.

Se você encontrar uma imagem ou gravura em uma casa de Candomblé isso é apenas arte sacra, são itens decorativos.

Eu já pesquisei em diversos livros sobre arte yorùbá e definitivamente, imagens de orixá (Òrìṣà) não fazem parte da religião. Aqui, também, no Brasil, isso não existe. Como já citei o que existe é arte sacra, não existe o uso sacro de imagens.

Isso quer dizer que, no Candomblé, você não se ajoelha em frente a uma imagem para rezar, você não monta altares com imagens em casa ou nos terreiros.

O ato de rezar é feito em qualquer lugar, normalmente os devotos deitam no chão de barriga para baixo, rosto no chão e rezam para qualquer orixá (Òrìṣà) do mesmo jeito.

O que o Candomblé tem para o uso sacro são as relíquias sagradas, símbolos e objetos que tem função no culto. A representação do Orixá (Òrìṣà) é um símbolo sacro, mas é feita na forma de um conjunto de louças, normalmente bem bonitas. Esses símbolos, ficam em lugares reservados, fora dos olhares de visitantes e de acesso reservado.

O Candomblé não tem ídolos.

A feitiçaria

Uma das crenças importantes que a religião tem é a feitiçaria.

A religião acredita que o mal pode ser feito contra as pessoas e entre as pessoas através do supernatural.

Não existe pessoa imune a isso, o supernatural é fonte da bondade e da maldade, das bençãos e do malefício.

A religião preza por formar pessoas com caráter, com Ìwà e dessa maneira ela trabalhar para criar pessoas boas, mas, o mundo tem todo o tipo de pessoas.

O principal mal que existe é o que fazemos entre nós, é o malefício. O supernatural é como a “força” do filme Star Wars, você pode estar no lado de luz da força ou no lado negro, tudo é a “força”, no nosso caso tudo é o supernatural.

A religião desenvolve recursos para você combater a feitiçaria e, como eu disse, não existe ninguém que seja imune a feitiçaria e não esperem que deus interfira nisso, a vida no Àiyé cabe a nós.

Esta religião não ensina feitiçaria, não ensina a fazer feitiços, não ensina a fazer o malefício. Ao contrário, ela diz que as pessoas devem ter bom caráter.

O mal, a feitiçaria, os feiticeiros, sempre existiram no mundo. O supernatural é uma faca de dois gumes.

Se você encontrar uma casa onde se faça a feitiçaria e onde se venda o malefício, terá encontrado um lugar que não representa essa religião.

Os cultos da religião

A religião yorùbá é composta na verdade de 3 cultos distintos.

O mais importante e conhecido é o culto de orixá (Òrìṣà). O Candomblé é parte do culto de orixá (Òrìṣà). É esse o culto que abrange todas as pessoas, que nos assiste continuamente e cuida do nosso dia a dia.

O segundo culto é o de Ifá. Esse culto é muito novo no Brasil, iniciou aqui a partir do século XXI, com poucas iniciativas na última década do século XX.

Esse culto cuida apenas do oráculo e é feito pelo Bàbáláwo. Diferente do Candomblé que cuida das pessoas em tempo integral, da devoção e do desenvolvimento do Ìwà, o culto de Ifá especializa as pessoas que lidarão com o oráculo.

O terceiro culto é o de egungun, dos ancestres. Através deles, ancestres que já morreram voltam ao Àiyé para cuidar de assuntos relativos a comunidade. Esse culto foi trazido tardiamente ao Brasil e tem prática bastante restrita.

CONCLUSÃO

De forma geral essa é a religião e a prática do candomblé.

Nascemos muitas vezes e em cada vida temos objetivos.

A vida no mundo natural é cheio de perigos e deus criou nosso anjo da guarda, os orixá (Òrìṣà) e deu poder às folhas para nos ajudar nessa jornada.

Além disso criou o oráculo para nos comunicarmos com ele.

A religião é onde aprendemos a lidar com o supernatural para ajudar as pessoas no mundo a viverem a atingirem seus objetivos.

Uma casa prepara os sacerdotes da religião para lidar com os vários aspectos do supernatural e a casa além de ajudar a seus membros têm a missão de ajudar a humanidade.

Não é verdade que todo mundo tenha que ser iniciado, o que deus quer é que vivamos bem e sejamos úteis uns aos outros. Algumas pessoas precisam ser preparadas para lidar com o supernatural e orientar as pessoas na vida, mas, o que devemos é apenas viver.

É claro que vários temas foram simplificados mas o conjunto é isso mesmo que eu descrevi.

Se você quiser entender isso com mais detalhe leia o meu Blog e aguarde o livro Kindle que estará na amazon.com.br.

Se alguém tem dúvida ou curiosidade sobre o Candomblé e Ifá passe para essa pessoa este texto.



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