Os
jogos de confirmação em Ifá e no Candomblé
Os jogos de confirmação são aqueles feitos para confirmar liturgias do Candomblé. São Oráculos relativamente simples, mas extremamente importantes, porque o Oráculo é a forma oficial de comunicação entre o Àiyé e o órun (Ọ̀run), entre nós e o divino.
Quando pretendemos fazer algo direcionado ao divino, primeiro devemos consultar o divino através de um Oráculo. Não existe receita totalmente pronta ou “piloto automático”. Se necessitamos do divino, dos Orixás, devemos consultá-los para saber se:
- Somos merecedores?
- O problema pode ser resolvido por eles?
- O caminho para resolver é a pessoa que procuramos?
- Qual o processo ou elemento adequado?
O divino existe e as forças e energias supernaturais, isso não tenho dúvida, mas, o acesso a isso não é tão simples, não é apenas um botão que é apertado e traz resultados. Se fosse assim, a religião não seria necessário para nos instruir nesse acesso. Bastaria a gente descobrir qual “botão” apertar e pronto, tudo aconteceria.
Mas não é assim que as coisas funcionam.
O que a religião diz é isto que comentei, tem que haver o merecimento, as condições e a correta liturgia, sem esquecer o operador capaz de fazer o trabalho.
Existe um texto no Blog sobre ebó (Ẹbọ) que explica isso muito bem, com detalhes.
Se algo que você faz não da o resultado que espera, o errado não é o divino e sim essas condições. Assim, você pode estar precisando e também merecer, mas, se usar o processo errado ou a pessoa errada poderá não chegar a lugar algum. Por essa razão sempre tome cuidado com a indústria dos favores pagos. Rara é a ética nas pessoas que vivem de vender favores de intermediação ao divino, a indústria dos ebós.
Isso vale desde uma obrigação até uma simples oferenda ou ebó.
Assim, desde que você saiba o que está fazendo, como está fazendo e com quem está fazendo, os oráculos de confirmação são o último recurso que se lança mão para evitar enganos. Na verdade se bem usados impedem que você cometa uma besteira e também permitem ao sacerdote ético saber que ele pode estar cometendo algum erro.
Por excelência o Oráculo de confirmação é o Obi. É ele que deveria ser usado antes de qualquer trabalho, ebó, oferenda ou cerimônia.
No Ifá cubano usa-se, ainda, o e coco para substituir o Obi. Entendo que Cuba é um lugar que está em outra latitude, diferente do Brasil e Nigéria e que folhas que encontramos aqui e na Nigéria não existem lá, favas não existem, animais, etc... Assim eles procuraram uma forma de fazer um oráculo sem usar o Obi, buscando similaridade com o conceito do Opele. Mas aqui, no Brasil, não temos esse problema e não temos que usar nenhum coco.
No Candomblé, possivelmente por economia e alguma falta de material (o que duvido muito) se desenvolveu, em larga escala de uso, outro instrumento, a Cebola, aliás muito menos adequado do que os cocos cubanos. Esses últimos, os cocos mantêm a característica de concavo-convexo do opele.
Mas independente desses materiais existe ainda um outro instrumento que todos podem ter, os 4 búzios de exu ou mesmo o próprio erindinlogun. Eu acredito que conseguir 4 búzios não seja dificuldade para ninguém e não justifica o uso, no Candomblé, de nenhuma cebola.
O Orogbo é também um instrumento de confirmação assim como o cara. Mas, ambos, de uso mais restrito. No caso do orogbo é usado para Xango e o cara em situações muito especiais para Oxalá.
Mas indo ao tema do texto, os jogos de confirmação devem ser usados em 2 momentos. Primeiro eles devem ser usados antes de se iniciar qualquer procedimento. Você deve confirmar se está tudo pronto para começar ou se algum ajuste deve ser feito. Observe que isso é feito mesmo após você ter tomado todos os cuidados na consulta principal ao oráculo que definiu o que fazer. Mesmo que você tenha perguntado tudo com detalhes, antes de iniciar você deve confirmar.
Minha experiência mostra que muita coisa muda. Assim, desde uma oferenda até um Bori, quase sempre o oráculo faz algum reparo, complemento ou correção. Cada pessoa é uma pessoa e não se aplica tudo igual como se fosse uma receita.
Mas vejam, sim existem receitas e liturgias pré-definidas, não existe isso de que tudo é variável e definido a cada jogo. Existe um conjunto de ebós conhecidos, liturgias já definidas, oferendas conhecidas que são analisadas durante a definição do ebó (Ẹbọ). Essa coisa de que tudo é definido pelo jogo é feito apenas por pessoas que não tem conhecimento, que não aprenderam, assim apara elas só resta essa conduta de definir tudo em jogo.
O mundo real é a combinação do que aprendemos mais os ajustes que fazemos definidos pela consulta ou pelos oráculos de confirmação antes de iniciar o procedimento.
Assim, antes de iniciar algo, confirme se está tudo certo ou se ajustes devem ser feitos. Ninguém deve se preocupar com respostas negativas ou esperar sempre as positivas. Ao receber uma negativa antes de iniciar, isso é ótimo, você deve explorar essa resposta para descobrir onde está o problema.
Poder algo que falta, poder ser uma variação no processo, pode ser um problema com a própria pessoa que vai fazer (o babalawo ou babalorixá) que não se preparou adequadamente, pode ser com o local ou casa.
Minha experiência é baseada em um cuidado muito grande antes de fazer qualquer coisa. Não faço nada sem confirmar, sozinho, eu e meu oráculo, pelo menos uma vez. Quando é uma liturgia maior, uma obrigação ou um Bori, eu confirmo pelo menos 3 vezes o que será feito. Assim eu entro com bastante certeza no que vou fazer, mas, mesmo assim, uso o oráculo de confirmação para validar tudo e pegar instruções adicionais antes de iniciar.
O meu objetivo é fazer tudo certo e para isso uso os oráculos de confirmação com seriedade.
Somente se inicia com sinal verde. Se não se obtêm essa confirmação, não se inicia. Perder algum material ou tempo não significa nada.
Muita gente tem terror de oráculos de confirmação. São pessoas que não sabem lidar com o NÃO.
Eu os adoro. Quem está preocupado com o bem do que faz se protege com essas confirmações. Todo Bori ou ebó tem um senão, raros são os casos que não existe uma instrução adicional qualquer. Já vi inclusive situações que não era para começar, ou seja, não fazer aquele dia ou com aquela pessoa. Se a gente tem Fé de fato, temos que confiar nesses oráculos.
No fim do que foi feito se faz nova confirmação. Essa é a mais complicada porque vai dizer se o que foi feito foi ou não aceito. Se der negativa então temos que buscar, ali mesmo, novas instruções. Pode ser necessário fazer tudo de novo (e temos que saber a causa), pode ser que temos que complementar. Uma pessoa errada que participou, uma forma errada podem por tudo a perder. Se confirmamos no início não vai haver erro com os materiais, mas a condução, as pessoas, o seu coração, sua alma e seus pensamentos só aparecem durante.
No fim, se usa o mesmo oráculo do início para a segunda confirmação. As vezes se abre um novo Obi, tudo depende da liturgia ou do Bàbáláwo.
Em Ifá, se um Bàbáláwo receber um NÃO ela vai continuar o seu procedimento de modo a corrigir. Se está no opon (Ọpọ́n Ifá) vai continuar com outro tabuleiro buscando o objetivo final ou então abrir novamente o oráculo para saber o que fazer.
Simples não? Sim, mas a pessoa tem que saber usar esses instrumentos e tem que prática e confiança neles. Só assim dá certo.
O objetivo aqui não é ensinar a usar esses oráculos, isso fica para outra vez, mas eles são muito completos. Um Obi é um instrumento simples e complexo. Ele está muito além do sim e do não.
Nas mãos de quem sabe, o Obi fala.
O Grande engodo feito no Candomblé
No Candomblé a gente vê muitas coisas estranhas que fogem ao padrão. O problema é na falta de conhecimento e também na vaidade. A vaidade impede uma pessoa de ter a humildade de receber um não.
A primeira coisa, de fazer chorar, é a prática de se fazer a mesma pergunta inúmeras vezes. Observe o processo, a pessoa joga o Obi várias vezes e recebe NÃO, depois recebe um SIM e esse SIM anula todos os NÃO anteriores. Alguém pode achar que isso é correto? Faz algum sentido? Se não era para dar NÃO, não era melhor nem ter perguntado?
O que é o certo: Você faz a pergunta uma única vez. Se veio SIM é sim, caso contrário a resposta é NÃO. Ou você aceita o NÃO ou você pergunta qual o motivo do não e como se corrige. Não se faz a mesma pergunta a um oráculo mais de uma vez! Esta é uma regra conhecida por todo mundo que usa oráculo.
Se tem dúvida da resposta, por uma questão de técnica de uso, você pode repetir, ou se você quer confirmar você pode perguntar Uma outra coisa que complemente, mas não se repete pergunta. Aliás quando a gente repete, algumas coisas podem ocorrer, a primeira é receber a mesma resposta, a segunda é o oráculo confirmar que já responder aquilo, depois o oráculo o abandona e sai qualquer coisa, respostas sem consistência.
Em um Bori se joga para confirmar antes de iniciar. Mas e se a pessoa que está jogando o Obi receber 3 NÃO? Ela faz o que? Passar para outro continuar a perguntar? E se continuar a sair NÃO? Vai se passando para todo mundo na sala até sair o SIM?
Pois eu já vi isso acontecer, saíram 5 NÃO antes de um SIM. Sinceramente sei lá como isso foi SIM. Mas, sem dúvida é um SIM poderoso!
No caso do Bori, por que as pessoas não aceitam que aquele Ori pode querer uma coisa diferente? Pode querer mudar algo no processo? Não, a cegueira causada pela vaidade impede a pessoa de querer ver isso. Ela acha que as mesmas comidas sempre vão servir e o mesmo processo sempre vai servir e todo Ori sempre receber Obi e da mesma forma.
O mínimo que a pessoa deveria pensar é, se ele recebeu 3 não então significa que ELE não pode fazer aquele Bori. Assim a pessoa que recebeu um SIM deveria ser ela que executasse o Bori.
É óbvio isso, se você vai fazer algo e recebe NÃO, então não era para você fazer. Não é simples isso?
Ja vi em sacrifício para Exu, a pessoa usando os 4 búzios, receber 3 NÃO, depois o seguinte receber 3 NÃO e somente no terceiro aperecer um SIM. Será que o Exu não queria falar algo?
Isso desanima, bastante quem é de Ifá e cujo culto e a vida seja o Oráculo.
Igualmente ruim é o desconhecimento sobre a forma de usar. As pessoas pegam aquele obi, colocam juntinho tudo, deixam ele encostado no chão e soltam fazendo de tudo para os segmentos caírem certo.... Ja vi a pessoa dizer que foi SIM quando haviam segmentos colados um no outro!! Como??
Muitos ainda usam o protocolo de considerar que 3 segmentos abertos são SIM. Não são. Ou seja, tudo é feito para dar SIM.
Outro instrumento ruim é a cebola. A cebola não deve ser oráculo de nada. Não vou entrar no mérito de onde isso surgiu, suponho que ela seja o parente do coco cubano no Candomblé. Ela não tem consistência. Se tiver que ser usada mais do que uma vez, ela vai desmanchar. Mas a técnica de uso é simples, se abre em quadro, encosta no chão e solta os gomos (tudo para eles sempre abrirem). Claro, na rara hipótese de eles darem NÃO, joga-se de novo até dar SIM.
A cebola é o instrumento preferido para confirmações, é o mais fácil de ser falseado e quase sempre confirma tudo que se pergunta. Conheci uma pessoa que tinha uma técnica primorosa para jogar a cebola, jogar não ela com muito cuidado fazia ela abrir sempre com todos os gomos abertos.
No caso do Orogbo existe muita confusão. As pessoas as vezes tiram a casca (!!) e também cortam ele em quatro como se fosse um Obi.... ou simplesmente ao meio, em 2 partes. Bom não é assim. Hoje em dia é muito fácil aprender qualquer coisa.
Além disso, ja vi outros instrumentos menos normais como a maça (?). Eu nunca vi nenhum mito sobre a maça, aliás, será que tem maça na Nigéria? Mas uma pratica estranha é a pessoa usar vários instrumentos ao mesmo tempo. Assim a pessoa usa em seuencia e na mesma confirmação, o obi, orogo, cebola, maça, etc...Eu me pergunto, para que?
Eu suponho que seja “pirotecnia”. Partindo do princípio, como já disse, sempre vai dar SIM, quanto mais instrumentos a pessoa usar mais importante vai se sentir. Deve ser isso.
Se o Obi deu SIM por que usar outro instrumento? E se o orogbo ou a cebola dessem não? Claro que nunca dá, porque como eu expliquei vai ser jogada até dar 1 SIM.
O fato é que isso tudo é um engodo. As pessoas não fazem a confirmação para receberem um NÃO. Somente o SIM vai ser aceito. Dessa maneira você pode fazer o processo usando ao mesmo tempo Obi, orogbo, maça, cebola, coco, melancia, banana, jaca, não importa. Sempre vai ter que dar SIM.
Oráculos de confirmação devem ser usados antes de iniciar para fazer correções, colocar o que se esqueceu ou complementar os procedimentos.
Receber não é normal e ótimo, permite a pessoa que esta realmente interessada em fazer certo, preparar o procedimento correto para cada pessoa, mesmo em se tratando de uso de fórmulas prontas.
O uso no final também é necessário para saber se tudo deu certo, se deve ser refeito, a causa disso ou o que deve ser feito para complementar.
Os oráculos de confirmação são, assim, o instrumento dos bem-intencionados.
O que eles não podem é ser usados pelos incapazes, os que manipulam para que sempre seja SIM.
Fora a questão das técnicas e casos de uso de mencionei, existe ainda o procedimento padrão de refazer a pergunta várias vezes até receber um SIM.
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