O Bàbáláwo e a Teologia
Ifá
é parte de uma religião
Por
mais que o Bàbáláwo seja proficiente em Ifá, quero dizer que
conhece significado de Odù e
cerimônias, é necessário conhecer muito bem a teologia e a
teogonia da religião. Esse conhecimento é necessário para entender
as histórias e interpretar as informações que o jogo traz através
dos Odù e orientar as pessoas sobre a religião que elas procuram.
Se
o Bàbáláwo não compreende corretamente a metafísica das relações
entre o mundo espiritual e natural, as divindades, suas relações
com as pessoas, se não entende a natureza e comportamento dos orixá,
os diversos tipos de espíritos, os limites de ajé e egun, as
questões ligadas a ori, ou mesmo, se tem uma compreensão equivocada
desta teogonia, enfrentará problemas na sua atividade.
Ifá
não é agnóstico. O ifá que temos aqui no Brasil, seja vindo
de Cuba ou do Golfo da Guiné são de origem Yorùbá. Ifá é um
culto que faz parte de uma religião, a religião do povo Yorùbá. O
Bàbáláwo é considerando um sacerdote religioso, ele não é um
adivinho, um mágico, um curandeiro ou um vidente. Um Bàbáláwo
somente pode exercer seu trabalho porque é um representante de
Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà)
para trazer às pessoas o axé de Olódùmarè.
Ifá
é religião e a prática do Bàbáláwo está ligada a existência
de deus. O motivo porque o oráculo de Ifá é importante é
porque Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà),
a divindade que responde neste oráculo, foi a testemunha do nosso
destino quando nos ajoelhamos à frente de Olodumarê antes de
nascermos, pedindo a ele o nosso destino. É a religião e não a
ciência humana que explica Ifá.
Ifá
pode ser usado para qualquer pessoa porque todas as pessoas fizeram
isso independente de onde nasceram ou de que religião professam
agora em vida. Ifá não é agnóstico, ele está ligado a uma
religião, está ligado a importância, influencia e presença de
deus e seus representantes na nossa vida.
Ser
um Bàbáláwo é ser um representante direto de uma religião porque
somente a religião pode explicar a importância e o funcionamento o
oráculo de Ifá.
Você
perderá perdendo tempo se procura um Bàbáláwo que diz que ele
lida com religiosidade e não religião ou que diz que Ifá não é
religião. Você perde tempo porque esse Bàbáláwo não sabem quem
é ou o que faz. Se ele não sabe isso como vai poder ajudar você?
O
que observo muito é o Bàbáláwo que aprende uma coisa ou outra da
teogonia e teologia de sua religião de forma muito irregular, assim
tudo para ele é uma coisa ou outra. Desta forma aparecem aqueles que
falam que tudo é ori. Outros nem entende o que é ori de fato.
Outros dizem que tudo é egun, esses são os mais comuns, alguns
acham que sabem fazer coisas para Ajé, mas, esses nem sabem com o
que estão lidando.
Isso
é como foi a onda dos abikus no candomblé (que ainda existe, ô
coisa fora de moda...). Os babalorixa viam abikus em todo mundo,
alguns faziam isso de safadeza mesmo, outros porque não sabiam
mesmo. Até hoje isso ainda existe e basta ter um irmão morto para o
seguinte virar abiku.
Tudo
isso que estou falando pode parecer meio estranho a vocês, mas são
coisas bem distintas na formação de um sacerdote. Uma coisa é a
pessoa aprender o que um Bàbáláwo precisa saber para lidar com o
seu oráculo. Este conhecimento é obtido nos tratados de Odù e com
o iniciador dele, porque existe muito conhecimento adicional, oral e
explicativo, como eu já disse, o tratado não representa IFÁ, é
apenas um guia de referência. O Bàbáláwo tem que estudar o
tratado e cada Odù, aprender como se usa isso, o significado das
coisas e as cerimonias associadas. Isso vai lhes dar conhecimento
importante, mas, restrito ao significado e histórias que cada Odù
tem e ao ofício do Bàbáláwo.
Este
é um tipo de conhecimento que o Bàbáláwo deve adquirir. É
importante, mas, é um tipo. Podemos dizer que em muitos casos é um
conhecimento mecânico não envolve profundidade ou meditação.
Não
é automático ou mesmo natural que o Bàbáláwo, por aprender ifá
e os odù, estará automaticamente aprendendo a teologia, teogonia e
a metafísica da religião, não é assim. Estas coisas fazem parte
de outro conhecimento. Não confunda um conhecimento com o outro.
Esta
é a maior balela com os Bàbáláwo repetem. Eles se impõe sobre os
demais sacerdotes dizendo que tudo é Ifá e que ifá tem tudo da
religião. Não é verdade, a pessoa não vai aprender religião
através dos Odú, pelo contrário pode até desaprender. Os Odù
contêm mensagens complexas para as pessoas que consultam, existem
informações que se contradizem entre os Odù, claro, cada pessoa ou
cada problema é uma coisa e tudo tem que ser endereçado pelo Odù,
o que é certo para um é errado para outro.
Se
você usar então os tratados cubanos, ai que não vai aprender nada
mesmo. São muito confusos, histórias mal feitas, uso em excesso de
orixá e da forma incorreta.
Eu
já vi pessoas que são iniciadas com 15 anos, as vezes menos. Outras
que nunca tiveram nenhum contato com a religião yoruba, somente
conheceram ifá e foram habilmente convencidas a se iniciarem.
O
que estas pessoas, adolescentes ou pessoas com seus vinte e poucos
anos, sem nenhuma ou pouca experiência de vida vão poder adicionar
a seus consulentes? O que essas pessoas sabem de religião ou da
religião que estão? O que elas terão aprendido da religião? O que
saberão de orixá? Qual a experiência ou contato que terão? O que
suas experiências de vida adicionarão a elas no seu trabalho como
Bàbáláwo?
Quando
você vai em um oráculo você não fala com Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà).
Você fala com uma Bàbáláwo
que deve interpretar o que recebe e ele mesmo, o Bàbáláwo
é que deve falar e entender suas questões e problemas.
O
que pessoas com pouca inteligência e principalmente com pouca
experiência de vida, são sucessos e fracassos para se lembrar vai
pode adicionar à sua consulta? Nada.
O
que estrangeiros que vêm atrás de dinheiro vão de fato adicionar
as suas questões e dúvidas?
Aprender
a religião em si, a teologia e teogonia é outra coisa. Requer
outras fontes e principalmente muito mais estudo adicional e
dedicação. Sem um bom conhecimento da teogonia, a própria
interpretação do Bàbáláwo ficará um pouco prejudicada em alguns
casos. O iniciador dele pode até ter um bom domínio da religião,
mas terá tempo e disponibilidade para ensinar tudo o que sabe? Acho
difícil, nem o iniciador e muito menos o iniciado vai ter tempo de
disponibilidade para isso. O iniciador pode ser uma pessoa para
discutir assuntos mas estará disponível para ensinar de cátedra?
Se,
neste contexto, estamos falando de uma pessoa iniciada dentro da
tradição cubana então é caso complicado. Os cubanos têm uma
visão própria da teologia e teogonia, muito afastada da visão
yoruba, tão afastada que existem cubanos que gritam aos 4 cantos que
IFÁ nasceu em cuba, ou que somente o ifá cubano preserva o
verdadeiro ifá e que os yoruba não sabem mais nada de ifá. Eu
achava que isso era apenas ufanismo e arrogância, coisas bem típicas
de cubanos, mas, hoje acredito que esta é uma avaliação ingênua
de minha parte, possivelmente isto é uma forma deles justificarem
esses grandes desvios.
Em termos de orixá, a visão deles tem muuuito pouco haver com a nossa do candomblé. Para uma pessoa como eu, que aprende a teologia e teogonia buscando fontes confiáveis yoruba e conhece orixá a partir da visão prática e teórica do candomblé, eu vejo os cubanos com uma parte desta religião, sem dúvida, mas uma variante que tomou caminhos diferentes. Eles desconhecem aspectos importantes da teologia e orixá é teoria apenas, quase não tem incorporação.
Em termos de orixá, a visão deles tem muuuito pouco haver com a nossa do candomblé. Para uma pessoa como eu, que aprende a teologia e teogonia buscando fontes confiáveis yoruba e conhece orixá a partir da visão prática e teórica do candomblé, eu vejo os cubanos com uma parte desta religião, sem dúvida, mas uma variante que tomou caminhos diferentes. Eles desconhecem aspectos importantes da teologia e orixá é teoria apenas, quase não tem incorporação.
Mas
voltando ao nosso tema, e sendo objetivo, o conhecimento consistente
da teologia permite ao Bàbáláwo responder e entender de forma mais
extensiva o seu oráculo. Sei que é um pouco complicado entender
isso que estou colocando, mas conhecer bem a sua religião através
da teologia e teogonia permite ao Bàbáláwo melhor compreender as
metáforas que existem nos versos de odù bem como possibilitam que
ele faça uma melhor dosimetria do que recomendará ao consulente.
Acima de tudo vai permitir a ele desenvolver melhor o aconselhamento.
O
Bàbáláwo
que repete que Ifá não é religião está omitindo fatos. Ifá é
religião e faz parte de uma religião, para interpretar os Odù
você tem que conhecer a teologia
da religião. Não se tratade decorar significados de Odù.
Estou
adicionando mais informação de maneira, que vamos a mais
explicações. A consulta a Ifá tem 2 aspectos. O primeiro é que a
partir do odù sacado você determina o ebó a ser feito e o executa.
Isso é bem simples, não precisa ser um Bàbáláwo brilhante e
altamente experiente. Se o Bàbáláwo for honesto ( vou explicar em
outro texto ) chega-se facilmente a um resultado padrão que, em
princípio atende bem ao problema do consulente.
Existem
Bàbáláwo que fazem isso bem rápido e mecanicamente.
A
segunda parte é que a partir do odù que saiu para a pessoa, o
Bàbáláwo deve ter a capacidade de juntar tudo e aconselhar o
consulente. Isso é bem mais difícil. Requer muito mais do que
conhecer o odù, entre os Bàbáláwo é dito que somente aqueles
realmente inspirados conseguem fazer isso é a hora em que ELA se
manifesta através deles e eles conseguem "falar ifá".
Isso é muito diferente de falar o que se decorou lendo os tratados
de odù.
Mas,
com ou sem Ela, o aconselhamento é uma parte importante da consulta,
possivelmente a parte mais importante. Neste processo, como citei, o
Bàbáláwo une o entendimento das mensagens de odù, combinando os
diversos odus que são relevantes à consulta, mais a teologia e sua
experiência de vida e como Bàbáláwo.
Isso
é Ifá. Ifá não é apenas fazer ebós e transmitir uma mensagem
simples e objetivo do problema que trouxe a pessoa ao oráculo, a
consulta. Ifá é perceber o que orunmila tem como mensagem de vida
para aquela pessoa, Ifá é uma oportunidade para a pessoa revisar
sua vida, afinal orunmila é o eleri ipin, o testemunho do nosso
destino. Se a consulta a ifa servir apenas para resolver coisas
mundanas e ordinárias de nossa vida, qual a diferença entre uma
Bàbáláwo e um vidente qualquer? Qual a distinção entre você ser
o sacerdote do eleri ipin?
Este
aconselhamento é a soma de conhecimento de ifá mais o conhecimento
da religião. O Bàbáláwo fala como um sacerdote da religião, não
como uma pessoa qualquer. Não se trata de usar apenas bom senso e
experiência. Trata-se de se dirigir às pessoas como um
representante de uma religião. Para isso o Bàbáláwo tem que
conhecer a teologia da sua religião.
Existe
um fator complicador. Se ele estiver lidando aqui no Brasil com um
iniciado, um iyawo, egbon ou ogan, por exemplo, e não conhecer a
teologia, orixá e o candomblé, sua atuação terá que ser restrita
e cuidadosa. Em primeiro lugar, ao lidar com uma pessoa ligada a uma
casa religiosa ele tem que ser extremamente ético e atento para não
causar problema. Tem muita gente que é muito perturbada e se
confunde com muita coisa.
Em
segundo lugar, se ele não tiver aprendido a teologia e a prática do
candomblé, se conhecer apenas o que ensinaram a ele sobre a visão
lukumi então não deve falar nada. Saber pouco e ainda saber uma
tradição que é completamente diferente do candomblé não vai
ajudar ninguém. Existirão situações que ele não conhece e não
saberá tratar com os consulentes.
Cubanos
que foram formados no lukumi e esses brasileiros que aprenderam com
eles, ou seja, que sabem muito menos do que eles, recomendarão ações
erradas e podem causar problemas. O mesmo vale para pessoas com
formação em candomblé e que se deparem com alguma pessoa iniciada
no lukumi ou na YTR. Nesses casos, o conhecimento de teologia não
vai ajudar muito. O Bàbáláwo terá que ser muito cuidadoso e
tratar da vida da pessoa sem se envolver nos seus assuntos
religiosos.
As
vezes isso é difícil porque as pessoas podem procurar um Bàbáláwo
para confrontar alguma situação sua. O Bàbáláwo deve ter
maturidade para não se envolver desnecessariamente em problemas que
poderiam ser evitados. Ética é muito importante.
A
última coisa que pode envolver o conhecimento ou não conhecimento
de teologia, são os casos em que as coisas são feitas e não
funcionam ou não são de efeito permanente.
Podem
existir situação nas quais as ações do Bàbáláwo terão curta
duração, não vão resolver o problema, os ebós vão se suceder
sem que exista uma resposta adequada. Não estou falando nenhuma
novidade, muitos já devem ter visto isso ocorrer. Também ocorre em
Ifá.
Isto
geralmente esta associado a um conhecimento oh interpretação
equivocada da teologia e teogonia. A coisa mais comum e besta que eu
vejo são aqueles idiotas que em face de um problema ou situação
dizem que: tudo é Ori. Não diga! E o que mais? Fica todo mundo
fazendo aquela cara de "ah é?" sem entender e sem saber o
que fazer com essa frase idiota. Claro que tem ainda os que dizem que
tudo é egun, ou encosto ou feitiço.
A
realidade é que aquela pessoa que está ali consultando Ifá para
outra pode não compreender plenamente sua religião, não como quem
está consultando imagina, não compreende de fato como aquelas
energias do supernatural se manifestam e influenciam a vida da
pessoa, podem também não distinguir qual o melhor caminho a trilhar
para buscar uma solução.
Existem
problemas simples, mas, existem também os complicados, que lidam com
coisas mais inéditas e que saem do lugar-comum. Pode ser uma
comparação besta, mas você pode ter aqueles médicos de SUS para
os quais tudo é virose e os especialistas de fato. Quando coincide
você estar com virose mesmo o médico do SUS vai acertar, será
ótimo para você, mas, nem tudo é virose não?
Se
o Bàbáláwo não entende o contexto geral não vai saber também o
que fazer objetivamente para ajudar quem o procura. Isso é o que
resulta nos casos onde os ebós nao fazem efeito, o consulente
retorna recursivamente ao oráculo, os ebós e oferendas aumentam de
tamanho, o consulente procura muitas pessoas.
Isso
também o resultado da falta de conhecimento da teologia e teogonia.
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