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Os demais espíritos do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)
É acreditar demais em coincidências imaginarmos que os Eré não façam parte do mesmo grupo dos egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), assim, temos que aplicar a lâmina de Occam (conceito filosófico) e entender que o mais simples e lógico é o correto e, desta forma, os Eré certamente pertencem ao mesmo grupo de espíritos que ficam no Ìrònà e formam, também o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Os Eré são, assim, uma parte deste grupo. Nós no Candomblé usamos a denominação Eré para os espíritos que são usados pelos Orixá (Òrìṣà), escolhidos por eles, para servir de ponte entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. Os Àbíkú também saem do mesmo grupo do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), assim, é natural entendermos que, temos mais espíritos disponíveis no egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) do que somente os cobertos por essas 2 classificações, bem como, não é correto supor que todos os espíritos do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) sejam Eré ou se transformem em Àbíkú.
Para dar mais informação e complexidade a essa questão vou adicionar um terceiro tipo de classificação que também pode ser usada para os espíritos do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), e desta vez um tipo muito importante que vai fechar o entendimento desta questão, que são as crianças trazidas para o nascimento pelos Orixá (Òrìṣà).
Como eu disse no início, entender o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) não foi fácil, ninguém tem isso pronto. Eu tive que juntar peças desse quebra-cabeça e, para isso, juntei informações de Bàbáláwo em livros, coisas que li em versos, minha experiência no Candomblé, minha experiência em ifá e um trabalho de campo, junto a esses espíritos.
Em ifá existem 2 cerimônias de nascimento, uma chamada Ikọsẹwaye e a outra chamada Imorí. A primeira tem a finalidade de determinar o Odù de nascimento de uma criança recém-nascida, só pode ser feita até o oitavo dia de nascimento. A segunda realizada até o terceiro mês, apenas, é usada para estabilizar o espírito no corpo, determinar a origem familiar e o Orixá (Òrìṣà) de nascença. Ambas são muito importantes para qualquer nascido e devem ser feitas.
Na cerimônia de Imorí existem 3 origens familiares para um espírito renascido. Ele pode ter vindo da linhagem paterna, da linhagem materna ou vindo de Orixá (Òrìṣà). Essa terceira via é a mais importante nessa nossa conversa aqui, Ifá me mostrou que existem espíritos que podem ser inseridos nas famílias trazidos por Orixá (Òrìṣà).
O que seria isso?
Antes de explicar, mais uma nota de atenção. Esse texto é muito denso, são muitas informações. Junto com a questão da localização, da composição esta questão da origem do nascimento através de Orixá (Òrìṣà) é determinando para entender o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Eu só consegui evoluir nesse assunto quando em Ifá aprendi isso e quando estudei as cerimônias de nascimento. Sem entender essa origem de Orixá (Òrìṣà) de fato a pessoa não vai entender o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Continuando, uma das situações que eu entendia para esta origem de Orixá (Òrìṣà), era a de pessoas que após retornarem ao órun (Ọ̀run), tiveram uma avaliação ruim da vida por Olódùmarè, o julgamento final e por seus atos feitos na vida, tiveram alguma punição. Este é o julgamento de deus sobre nossa vida, um elemento importante nessa religião porque traz consequência e responsabilidade para o que fazemos. É uma das características que destaca a religião yorùbá de outros cultos africanos mais simples.
Uma das penalizações que esses espíritos podem ter é ficarem isolados por algum tempo em um dos 9 órun (Ọ̀run) e serem deslocados de sua linhagem familiar. Passam a ser espíritos solitários. Em algum momento eles terão nova chance de se integrar a uma linhagem familiar, diferente da sua e, desta maneira, nascerão em uma nova família.
Atenção, os 9 órun (Ọ̀run) que a religião define são parte do órun (Ọ̀run), estão localizados no órun (Ọ̀run) e não são partes do Ìrònà. O Ìrònà não é um desses 9 órun (Ọ̀run).
Ao ser isolado em um dos órun (Ọ̀run) de punição, o espírito sofrerá e pode até mesmo ser designado para renascer, por exemplo, como um animal, como parte desse sofrimento. Mas, sem dúvida, perder seus laços familiares é o pior castigo para os yorùbá, uma sociedade muito familiar.
Sabendo disso eu supunha que esses espíritos vindos de Orixá (Òrìṣà) tivessem essa origem. Seriam espíritos que foram punidos, perdendo sua linhagem familiar e precisam renascer em outra família. Para que isso possa ocorrer o Orixá (Òrìṣà) o traz para uma nova família.
Essa versão é verdadeira, mas não é a única verdade. Outros tipos de espíritos podem vir a ser integrados a uma nova família pelas mãos de um Orixá (Òrìṣà), mas não são essas almas punidas, são as crianças perdidas e rejeitadas pelos pais.
Esse é um caso muito triste.
Uma das partes do protocolo de nascimento é que, antes de vir ao Àiyé, nós determinamos o tempo que ficaremos aqui. Isso é escolhido por nós e declarado nos portões do órun (Ọ̀run) à Oníbodé, mas, antes disso já o fizemos a deus, Olódùmarè. Desta maneira ficaremos no Àiyé o tempo que, nós mesmos, escolhemos. Se morremos de forma natural, nossa volta ao órun (Ọ̀run) ocorre como esperado. Se morremos de um acidente ou incidente não previsto também ocorrerá, mas, se nos suicidarmos ou intencionalmente nos arriscarmos e provocarmos nossa morte, somos designados a ficar no Àiyé até o dia marcado para o retorno.
Esse mecanismo parece estranho e esquisito, mas é assim mesmo que é descrito. É uma metáfora ou um mecanismo metafísico estranho, sim é, mas diz diretamente para as pessoas darem valor as suas vidas porque se tratarem a vida com desprezo poderão ter uma consequência indesejada, bastante ruim. A religião yorùbá valoriza muito a vida.
Observem bem, se o modelo teológico e transcendente mostrasse que podemos renascer muitas vezes, que a vida no Àiyé é temporária e nossa casa é no órun (Ọ̀run) e estivéssemos livre para fazer o que quiser na vida, sem consequências e sem penalidades, o Àiyé seria na verdade um inferno com as pessoas podendo cometer quaisquer tipo de atos e indignidades.
É o julgamento de Olódùmarè que faz toda a diferença nisso, podemos renascer, vamos esquecer tudo no órun (Ọ̀run), nossa vida será um livro em branco que vamos ter o prazer, a alegria e aventura de escrever, mas essa é uma jornada com responsabilidades e consequências.
Nesse processo temos elementos importantes: o estabelecimento de objetivos para a vida e do prazo de vida e, mais do que tudo, o esquecimento de nossa origem anterior. É isso que nos fixa na necessidade de desenvolvermos o Ìwà e nos esforçarmos em nossa vida, caso contrário todo mundo que achasse que a vida estava chata se mataria para voltar e começar de novo a construção teológica não ficaria em pé. Essa “matrix” seria muito instável.
Se inserirmos nesse modelo as crianças que morrem nessa condição, como se tivessem procurado a morte, sido desleixadas com a vida, teremos mais um tipo de espírito, desta vez um espírito ainda na sua condição infantil mas que ficará destinado a ficar no Ìrònà. Muitos podem questionar que os espíritos não são infantis, que todo espírito é adulto, creio que isso é uma visão (idiota) que o kardecismo traz, mas, isso não é uma verdade. Se fosse assim, não teríamos crianças, nunca, teríamos adultos em corpos de crianças e não é isso o que ocorre. Não somos espíritos que fingem ser crianças. Os espíritos vem para o Àiyé totalmente desprovidos de conhecimento de vidas anteriores e nascem, sim, como crianças, tendo que evoluir e construir no Àiyé a sua personalidade e caráter, estando sujeitos neste processo a todo tipo de infortúnio. Somente quando voltarem ao órun (Ọ̀run) vão recuperar a consciência anterior.
A chave disso tudo é a chamada árvore do esquecimento (ver no capítulo, Entre dois mundos), sem ela a vida no Àiyé seria impossível no modelo atual. O que existe, sim, é o esquecimento do espírito de tudo o que ele sabia para poder construir tudo de novo.
Sem esse esquecimento esse desligamento de nossa consciência perene não poderíamos escrever a cada vida um novo capítulo nosso livro, não teríamos o prazer com as descobertas, com os novos prazeres, com as emoções, com o conhecimento e claro com as pessoas e a relação entre elas.
É claro que esse processo, como tudo, não é 100% e, imagino, que alguns espíritos nascem com parte do conhecimento anterior. Esses são os casos raros de prodígios, crianças que nascem sabendo de tudo ou avançadas em áreas de conhecimento que é impossível para uma criança normal, seja motora como intelectual.
Desta maneira se os espíritos morrem em sua fase infantil serão crianças sim. Essas crianças são incorporadas ao egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e terão que ficar no Ìrònà com seus pares do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) até o dia do seu retorno. Esse é o dogma da religião.
As crianças que tem morte natural, acidentes, doenças retornarão para o órun (Ọ̀run) onde serão recebidas por seus familiares e se prepararão, caso queiram e tenham a oportunidade para um novo renascimento.
Nesse conjunto cabe alertar para um tipo especial, as crianças de ciclo curto de vida. Não são Àbíkú, mas, são espíritos que escolheram ter um ciclo curto de vida, são aquelas que são acometidas de doenças graves na infância ou juventude ou algum momento da vida, mas, que não se tornaram adultos ou envelhecerão até o fim de sua existência natural. Não posso afirmar que todas os que morrem jovens de doenças raras ou graves, como o câncer sejam os espíritos de ciclo curto, não tenho elementos para afirmar isso. Mas, tenho elementos baseados em minha experiência como Bàbáláwo para afirmar que, as crianças de ciclo curto existem. Morrerão crianças ou jovens, mas, morrerão de forma planejada, aquela doença não foi apenas o acaso, elas trouxeram de nascença intencionalmente. A incidência disso é significativa em relação a essas crianças com doenças graves na infância.
Mais uma vez, nem todos que morrem jovens são esse caso, o nascimento e o corpo tem, sim, um elemento de aleatoriedade que pode determinar genes de doenças e o nosso próprio ambiente pode levar a isso.
O Bàbáláwo tem que ter a capacidade de entender e diferenciar todos esses casos. Cada caso tem um tratamento diferente e reverter a situação de pessoas de ciclo curto exige um grande esforço tão complicado ou PIOR do que os Àbíkú.
Um último tipo de espírito e também o mais importante e que na minha visão constitui o corpo principal do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), é um tipo importante e muito triste, será o das crianças que foram rejeitadas pelos pais e morreram em função disso. Incluem-se nesse lamentável grupo, crianças mortas pelos pais, crianças que sofrem agressões paternas e maternas (de toda a natureza) e morrem devido a isso, crianças que se matam devido a essa rejeição e as famosas crianças abortadas.
Nessa infeliz categoria ficarão os espíritos que devido a rejeição que sofrerão, no Àiyé, se perdem de sua linhagem e não voltam para o órun (Ọ̀run), ficam no Ìrònà. Como eu disse os espíritos que morrem de forma natural ou sem culpa, normalmente serão resgatados pela família voltando para o órun (Ọ̀run). Mas, as vítimas de rejeição se perderão nesse retorno. Se ela é rejeitada pela família ficará no Àiyé, no Ìrònà até o dia de seu retorno final, que foi programado com Oníbodé.
O egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é então formado em sua maioria no Ìrònà por esse infeliz grupo de espíritos. Os Eré fazem parte deste grupo de espíritos perdidos, por sua culpa ou por rejeição, como um subgrupo, mas eu achei importante destacá-los.
O que os Orixá (Òrìṣà) fazem é, numa demonstração de que Orixá (Òrìṣà) é amor e que deus é amor, usar esses espíritos, como os Eré, para que eles tenham propósito e finalidade e em determinado momento, que varia de acordo com a situação que levou para lá cada um deles, os Orixá (Òrìṣà) vão nesse grupo e escolhem um deles para renascer e, assim, voltar a uma linhagem familiar e apagar essa história ruim.
Por isso que no Imorí, cerimônia de Ifá feita entre o nascimento e o terceiro mês de nascido, podemos ter 3 origens, a família do pai, a família da mãe e trazido por Orixá (Òrìṣà).
Ninguém deve ficar frustrado porque a criança que recebeu não faz parte de sua linhagem, pelo contrário, essa pessoa está tendo a oportunidade de ouro de fazer a sua caridade para deus e receber nos seus braços um espírito maltratado e rejeitado. É uma missão importante e difícil.
Texto seguinte A origem dos Àbíkú, quem são eles?
Boa noite, como faço para entrar em contato com o senhor ?
ResponderExcluirpor aqui ou pelo email ogbeogunda@gmail.com
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