Pesquisar este blog

sábado, fevereiro 06, 2021

Onde fica a sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)? - [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 44]

Texto anterior:  As informações de Alex Cuoco

 

Onde fica a sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)?

 

Esta é a questão mais importante neste tema e por esta razão inicio com a mesma.

Como pode ser observado, o relato de, Verger, Salami e Cuoco são bastante similares, porque são baseados nas mesmas histórias. O material do Cuoco é bem mais detalhado e tem muitas histórias que mostram diferentes aspectos dos Àbíkú, incluindo a história da cidade de Awaiyé e outros (não mostrados aqui), que relatam que, em alguns casos, é impossível mesmo para o Bàbáláwo impedir o retorno dos Àbíkú. A leitura dos mitos de Cuoco é obrigatória para um Bàbáláwo.

As histórias dos Àbíkú mostram vários tipos de ocorrência dos casos e de soluções para eles, mas, elas também deixam claro que nem mesmo o Bàbáláwo pode resolver todos os casos e que a interferência de Iyàjanjàsá ou Olóìkó poder impossibilitar esta solução (ver Cuoco). Esse é mais uma vez o elemento teológico da imprevisibilidade, o elemento aleatório que retira da religião a obrigação de 100% infalível.

Para iniciar a minha análise o ponto fundamental é o entendimento de que existe um Ìrònà, que este local supernatural, ou espiritual, como se chame, é, na verdade, um estado intermediário entre o Àiyé e o órun (Ọ̀run).

Salami aborda isso diretamente e também o faz Osamaro Ibie (IFISM The complete Work of Órunmila, Pag. 20) que igualmente reconhece a existência de um espaço intermediário onde vivem os Àbíkú e Ajé (Àjẹ́). Ele cita de “… Tão logo eles atravessam as últimas sete montanhas antes dos limites do órun (Ọ̀run), eles chegam a uma zona cinzenta entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. Esta zona cinzenta é chamada de “Hades”, a qual é a zona das “fadas” (Àbíkú)….”.

O Ìrònà não é um espaço apenas para o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), é onde também estão localizados as ajé (Àjẹ́) e os Ajogun. Isso significa que os espíritos que interferem mais diretamente na nossa vida no Àiyé estão localizados nesse espaço espiritual, ou energético intermediário. Isso não quer dizer que eles colaborem entre si, que sejam a mesma coisa e que façam as coisas juntos ou cooperem, indica que esse espaço energético, o Ìrònà abriga espíritos que tem o mesmo tipo de atuação junto a nós, ou melhor, podem atuar junto a nós.

É fantasioso buscar, para justificar o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), um modelo no qual existe o trânsito livre de espíritos entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. Isso chega a ser alegórico, porque esse livre trânsito não encontra espaço em nenhuma outra parte da teologia, somente aqui, com egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é que existe essa figura. Recorrendo ao que está nos versos podemos, sim, aceitar o evento de um espírito que vai a Oníbodé e declara que irá para o Àiyé e voltara em breve, vou tratar deste tipo de espírito de ciclo curto mais adiante, mas, entender que o Àbíkú, descrito como um espírito livre e sem compromisso, também faz a mesma coisa e mais, que seus companheiros também, bastam ir a Oníbodé e falar que vão ao Àiyé, dar uma voltinha, para infernizar ou acompanhar seu companheiro, sem nenhum compromisso com renascimento é teologicamente falando um absurdo.

Toda a teologia e cosmogonia da religião yorùbá indica um outro modelo, o modelo em que órun (Ọ̀run) e Àiyé estão separados e que o caminho entre eles é somente através do útero da mulher, do renascimento. Os mitos de Orí são baseados nesse modelo, assim como o culto de Orixá (Òrìṣà) se baseia nessa separação e na necessidade de se preparar os Elegùn para serem a extremidade Àiyé na ponte que receberá o Orixá (Òrìṣà) que está na outra ponta, no órun (Ọ̀run).

As próprias Ajé (Àjẹ́), não ficam no órun (Ọ̀run) e nem tiveram passagem livre para vir ao Àiyé, elas tiveram que vir no estômago de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), conforme está descrito no Odù osá (Ọ̀sá) Méjì e aqui ficaram, estão no Ìrònà, elas não tem tráfego entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé.

Conforme Salami descreve, o Ìrònà é o espaço intermediário, que a pessoa passa para chegar ao Àiyé e nesse caminho enfrentará como dificuldades os espíritos do mal e, se não tiver escolhido um bom Orí, chegará prejudicada no Àiyé.

...Este ponto de entrada no útero da mãe é espiritualmente crítico. Ifá diz entre a cidade do Céu e da Terra, existem tantos níveis de reinos espirituais que a próxima alma espiritual iria encontrar. Sua conquista das forças determinaria sua capacidade de chegar à Terra com todos os bens que desejava (e que lhe foi dado) no mercado de Ojùgbòròmẹkùn. Ifá diz que os dezesseis Odù principais, representando as forças benevolentes, estão localizados nesses níveis. Mas também existem as bruxas negras, os feiticeiros, Àbíkú e todas as forças Ajogun. É aqui que eles ficam à espreita para dar uma olhada no conteúdo de seus desejos. Ifá diz que essas forças malévolas estão posicionadas de tal forma que antes que alguém entre na Terra, eles já sabiam onde atacá-lo.
Esta etapa tem muitas consequências para a vida do viajante à cidade da Terra. Suas ações aqui são críticas para a manifestação das coisas boas que ele desejou como seu destino. Este é outro lugar para testar seu livre arbítrio, que entrou em vigor logo após ter Ẹ̀mí. Isso também pode ser denominado como o selo final, após o qual se torna impossível…

...Deste poema, Ifá afirma novamente que qualquer um vindo da cidade do Céu para a Terra encontraria essas forças negativas e positivas em Ìrònà, o meio do caminho. Estas forças positivas são para garantir que a jornada para a cidade
da Terra está livre de problemas, garantindo a preservação do destino escolhido pelo homem e para que o homem seja visto como comprometido com a adoração a Olódùmarè. Eles são o primeiro conjunto de forças a se encontrarem para que possam preparar o homem para os problemas à frente com os Ajogun. Mas as forças negativas se certificarão de que as coisas que o homem escolhe como seu
o destino sejam viradas para muitos problemas para ele e frustrar ele em sua vida.

A escolha de um bom Orí está ligada a isso, a prosperidade no Àiyé, um bom Orí que resistiu ao ataque das forças do mal é aquele que vai garantir a pessoa a facilidade de prosperidade. Isso está, desta forma, tratado por Salami e também está no Odù Ogbè Ògúndá, conforme transcrito por Wande Abimbola (Sixteen Great Poems of Ifa).

Osamaro Ibie foi bem direto ao posicionar a separação entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé:

...há sempre uma tendência de ver o homem estritamente de uma perspectiva biológica. Um homem e uma mulher acasalam e um filho nasce deles e o novo filho é visto como uma entidade independente, já vimos que no início da habitação terrestre, os seres humanos viajavam para este mundo sob a liderança de um ou de outro das divindades, veremos nos próximos capítulos que a estada de um homem no mundo é apenas uma continuação de suas atividades no céu, já vimos que antes que o homem viesse a viver no mundo, os habitantes do céu continuaram viajando seus pés de e para a terra, completaram suas atribuições na terra, e voltaram para o céu, foi Èşu quem bloqueou a passagem livre entre o céu e a terra e fez do útero feminino o caminho de passagem entre os dois lugares. Antes, a pelve de todos os animais, como nas plantas, ficava na testa e não era reconhecida nem respeitada, tanto nos animais quanto nos seres humanos. A pélvis, que era um organismo vivo no céu, foi para a divinação e foi aconselhada a fazer um sacrifício com um bode preto para Èşu e assim o fez. Depois disso, Èşu pediu à fêmea para abrir as pernas e extrair a pélvis de sua testa "e" posicionou-a entre as pernas. Ele então extraiu uma parte da pele do corpo do bode preto com o qual a pélvis fez o sacrifício para ele, e Esu usou-o para cobrir a pélvis em sua nova morada entre as pernas femininas.
Depois disso, Èşu foi para a fronteira do céu e da terra e bloqueou para sempre com escuridão total. Essa parte do sistema planetário se aproxima do que na mitologia grega é chamado de Erebus (Ìrònà). Foi Èşu quem o bloqueou permanentemente e ordenou que ao invés de manter os portões do céu permanentemente ocupados por viajantes vindos da terra para pedir filhos no céu, a partir de então, qualquer um, animais e humanos, que quisesse ter filhos deveria apelar para a pélvis, e o útero de todas as mulheres foi feito para simbolizar a escuridão e os mistérios de Erebus (Ìrònà). O período de gestação que uma fêmea leva para dar à luz um filhote também se aproxima do tempo que costumava levar para diferentes espécies da família animal viajarem de e para o céu para ter um filho.

Além disso no Candomblé temos um mito conhecido, no formato orixalizado, que reputa a Oxalá (Òṣàlá) a separação entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. O mito a seguir está descrito por Prandi (Mitologia dos Orixás, pag. 514). Lembro que o processo de orixalização fez parte da diáspora em todos os lugares. As divindades Olódùmarè, Exú (Èṣù), Ori e Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), bem como outros inrumolé (Irúnmọlẹ̀) não foram trazidos e toda a teologia e cosmogonia foi adaptada e identificada quase que somente por Orixá (Òrìṣà). Em alguns lugares isso foi muito exagerado e mal feito, como em Cuba, onde eles criaram uma cosmogonia própria, visto que lá conceitos muito básicos da teologia, como Ori e Exú (Èṣù) entre outros, não existiam para eles. No Brasil isso ocorreu, também, mas em menor intensidade e mais focado em Olódùmarè que aqui era tratado como se fosse Oxalá (Òṣàlá), o Orixá (Òrìṣà) da criação. Aqui, os inrumolé (Irúnmọlẹ̀) eram conhecidos, mas, no dia a dia o papel deles era atribuído a um Orixá (Òrìṣà).

Essa situação de orixalização começou a ser corrigida a partir da década de 50 do século XX, com o acesso dos sacerdotes às obras de pesquisadores e antropólogos. Em cuba esse processo de africanização fez um efeito muito grande, uma vez que eles são uma pequena ilha, a comunicação mais fácil e conhecimento controlado por poucas pessoas, eles inseriram rapidamente as divindades que faltavam fazendo um certo estrago no todo (minha opinião), mas, hoje, se comportam como se sempre tivesse sido assim lá, bem no estilo cubano.

O mito a seguir, da separação do órun (Ọ̀run) e do Àiyé, é bem tradicional no Candomblé.

Obatalá separa o Céu da Terra

No início não havia a proibição de se transitar entre o Céu e a Terr; A separação dos dois mundos foi fruto de uma transgressão, do rompimento de um trato entre os homens e Obatalá. Qualquer um podia passar livremente do Orum para o Aiê. Qualquer um podia ir sem constrangimento do Aiê para o Orum. Certa feita um casal sem filhos procurou Obatalá implorando que desse a eles o filho tão desejado. Obatalá disse que não, pois os humanos que no momento fabricava ainda não estavam prontos. Mas o casal insistiu e insistiu, até que Obatalá se deu por vencido. Sim, daria a criança aos pais, mas impunha uma condição: o menino deveria viver sempre no Aiê e jamais cruzar a fronteira do Orum. Sempre viveria na Terra, nunca poderia entrar no Céu. O casal concordou e foi-se embora. Como prometido, um belo dia nasceu a criança. Crescia forte e sadio o menino, mas ia ficando mais e mais curioso. Os pais viviam com medo de que o filho um dia tivesse curiosidade de visitar o Orum. Por isso escondiam dele a existência do Céu, morando num lugar bem distante de seus limites. Acontece que o pai tinha uma plantação que avançava para dentro do Orum. Sempre que ia trabalhar em sua roça, o pai saía dizendo que ia para outro lugar, temeroso de que o menino o acompanhasse. Mas o menino andava muito desconfiado. Fez um furo no saco de sementes que o pai levava para a roça e, seguindo a trilha das sementes que caíam no caminho, conseguiu finalmente chegar ao Céu. Ao entrar no Orum, foi imediatamente preso pelos soldados de Obatalá. Estava fascinado: tudo ali era diferente e miraculoso. Queria saber tudo, tudo perguntava. Os soldados o arrastavam para levá-lo a Obatalá e ele não entendia a razão de sua prisão. Esperneava, gritava, xingava os soldados. Brigou com os soldados, fez muito barulho, armou um escarcéu. Com o rebuliço, Obatalá veio saber o que estava acontece Reconheceu o menino que dera para o casal de velhos e ficou furioso com a quebra do tabu. O menino tinha entrado no Orum! Que atrevimento! Em sua fúria, Obatalá bateu no chão com seu báculo, ordenando a todos que acabassem com aquela confusão. Fez isso com tanta raiva que seu opaxorô atravessou os nove espaços do Orum. Quando Obatalá retirou de volta o báculo, tinha ficado uma rachadura no universo. Dessa rachadura surgiu o firmamento, separando o Aiê do Orum para sempre. Desde então, os orixás ficaram residindo no Orum

Sem querer ser extensivo e entediante, em Ifá encontramos também alguns versos descrevendo a mesma coisa, Olódùmarè chama de volta os Orixá (Òrìṣà) ao órun (Ọ̀run), não vou transcrevê-los aqui, apenas afirmo a sua existência, de modo que essa separação não é uma coisa da diáspora ou do Candomblé é um componente da religião.

Desta forma sigo com o objetivo de que conhecimento e análises tem que ser baseados em versos e, mais, tem que manter a consistência com a teologia como um todo, não podemos ter uma teologia em contêineres.

Considero pacificado o pensamento que o órun (Ọ̀run) e o Àiyé são instâncias dimensionais diferentes, que não existe tráfego livre entre essas instâncias, que o tráfego passa pela vontade de Olódùmarè, que como está documentado no verso de Ogbè Ògúndá, estabelece um rito de nascimento que passa por ele (a entrevista de Olódùmarè que está em Ìwòrì Méjì ) e que o tráfego entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé têm um controlador, uma divindade Oníbodé, que é subordinada a Olódùmarè.

Não temos relato em versos de divindades indo e vindo ao Àiyé, muito menos os Orixá (Òrìṣà), que são os ministros de Olódùmarè destacados a cuidar da humanidade e que poderiam ter esse privilégio. Não tem.

A presença dos Orixá (Òrìṣà) ocorre através das pessoas que são preparadas para isso, por iniciações, feitas para despertar isso, sendo que a essência do Orixá (Òrìṣà) já existe na pessoa antes do seu nascimento, a pessoa no Àiyé e o Orixá (Òrìṣà) no órun (Ọ̀run), já são ligados. A iniciação não cria o Orixá (Òrìṣà) na pessoa, apenas desperta uma energia, uma essência, que a pessoa veio ao mundo com ela, a essência do próprio Orixá (Òrìṣà) fazendo parte dela.

Antes de fechar esta conclusão destaco o texto a seguir retirado de Cuoco (pag. 634) que explica a necessidade de um elégùn.

Elégùn

Um orixá é um elemento puro, uma força da natureza e ase, que é uma energia que só se torna visível quando o orixá possui os humanos e se torna um deles. A pessoa que o orixá escolheu possuir é chamada de "elegun", aquela que obteve o privilégio de ser "montada" pelo orixá. Em Yorubaland, os pais de uma criança recém-nascida geralmente consultam um Bàbáláwo para determinar o destino da criança. Nesse momento, o orixá-chefe da criança é certificado e ele se torna um futuro elégùn. Por volta dos sete anos de idade, a criança receberá cuidados espirituais de um padre guardião, que pertence ao mesmo orixá da criança. Isso é feito para que a criança viva na atmosfera de seu Orixá (Òrìṣà) designado.
Por meio da possessão, os corpos dos devotos tornam-se veículos que permitem aos orixás retornar à terra para serem saudados, participarem de ritos cerimoniais, bem como receberem sacrifícios e serem capacitados a se comunicarem diretamente com aqueles que os evocaram. Na terra Yorùbá, o termo Iyawoorisa é frequentemente dado a um elégùn, que significa "esposa do orixá" (Iyawo). Este termo é usado para referir-se a homens e mulheres e não representa uma ideia de união nem de posse carnal, mas sim de subordinação e dependência. Normalmente é realizada uma cerimônia de consagração de um novo elégùn. O noviço, deve suportar um longo ritual de iniciação de seu orixá. Um lugar sagrado especial para a iniciação é estabelecido e o futuro elégùn deve ir lá alguns dias antes do início das cerimônias, a fim de atender aos preparativos. O novato então viverá em um local privado que deve ser próximo ao "igbo iku" (a floresta da morte), que é o local onde as cerimônias acontecerão. Apesar do nome, este local não é uma floresta real, mas sim um cômodo simples de uma casa ou qualquer outro cômodo vazio. A permanência do noviço no igbo iku representa a passagem ao Órun (Ọ̀run) infinito, entre a existência antiga e profana do noviço e a nova que será consagrada ao seu orixá. O noviço é então submetido a ingerir infusões feitas com folhas e raízes sagradas, que irão reforçar a ligação entre ele e seu futuro Orixá (Òrìṣà) . Essas infusões, que contêm ase, o poder do Orixá (Òrìṣà), têm um efeito influente na mente do novato ou contribuir para levá-lo a um estado de entorpecimento e sugestão, o que o torna um ser dócil, pronto para a iniciação e para receber seu orixá. Uma vez que o processo de iniciação é concluído, o novato renasce como um elégùn. Da ai em diante, seus sentidos serão constantemente aprimorados e poderão ser: avaliados durante os rituais de adoração. Um elégùn é mais vulnerável à possessão de um orixá durante cerimônias religiosas onde tambores, cantos e danças criam uma atmosfera carregada de axé (àṣẹ) que permite que o orixá adorado monte em seu corpo. No estado de transe, o elégùn se torna um orixá e é adorado por outros devotos, que oferecem sacrifícios e o saúdam. Por sua vez, o evocado Orixá (Òrìṣà) oferece orientação aos devotos através do elégùn.

O culto de Orixá (Òrìṣà), oferece aos associados, crentes, o contato com o Orixá (Òrìṣà) e com a religiosidade e para isso é necessária a preparação dos elégùn para que o Orixá (Òrìṣà) se faça presente no Àiyé. Não se trata, esta, de uma religião contemplativa, mas uma religião de ação e reação, de circulação de axé (àṣẹ) e neste sentido é o Orixá (Òrìṣà) o ministro de Olódùmarè é quem traz isso para as pessoas.

Para que a religião possa ser praticada é necessária a presença do Orixá (Òrìṣà), repito esta não é uma religião de contemplação e de fé cega, não guiamos nossa vida por proibições e medos, sem Orixá (Òrìṣà) não tem religião e é necessário o Orixá (Òrìṣà) presente para vermos e tocarmos. Não temos que ficar imaginando um Orixá (Òrìṣà) ele se apresenta. O supernatural, o divino não é uma fantasia na nossa cabeça.

Para que esta religião ocorra é necessária a presença do Orixá (Òrìṣà) e isso será feito através da iniciação e da preparação do elégùn, que é a cabeceira da ponte entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. O elégùn é quem estabelece a ligação com o Orixá (Òrìṣà) que está no órun (Ọ̀run), atenção, no órun (Ọ̀run) separado do Àiyé, dimensionalmente distintos. A via que liga o órun (Ọ̀run) e o Àiyé será o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e isto veremos mais adiante.

Se o órun (Ọ̀run) e o Àiyé estivessem ligados energeticamente ou dimensionalmente, então bastaria o Orixá (Òrìṣà) estalar os dedos e aparecer aqui no Àiyé, nós veríamos uma imagem dele e não de um elégùn montado. Poderia ainda fazer uma entrada mais dramática, saindo de dentro de uma garrafa, como uma nuvem de fumaça colorida. Podia inclusive falar com a gente a partir do órun (Ọ̀run), imagina todo mundo em um terreiro e aquela voz soando nas nossas cabeças, tipo deus em filmes de Hollywood.

Se não é nada disso que ocorre então órun (Ọ̀run) e Àiyé estão separados.

E mais, lembro da existência dos fantasmas, almas que se perdem quando morrem e ficam vagando pelo Àiyé. Isso jamais ocorreria, as almas estariam o tempo todo indo e vindo.

Para nossa vinda ao Àiyé, está pacificado também, que o único caminho é o útero da mulher. Este é o portal. Um novo corpo é criado no Àiyé, energeticamente ligado a essa dimensão e o útero é o que faz a passagem do espírito entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. A questão do útero é extremamente importante na mulher. No Odù Òfún Méjì está a descrição de que Olódùmarè deu a Odù a mítica esposa de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) o poder total sobre o axé (àṣẹ), que é a energia de Olódùmarè. Foi Odù a mulher, que recebe de Olódùmarè o poder supremo que é representado pela cabaça. Todos os Orixá (Òrìṣà) da criação, conforme descrito no Odù oxé (Ọ̀ṣẹ́) Òtúwá eram masculinos, eles tinham a ação, mas, somente Odù foi a mãe, a que recebeu o poder de gerar vida. Ela traz na mão na sua vinda ao Àiyé a cabaça da criação, na verdade, o útero dado por Olódùmarè para ela ser a mãe da humanidade. Esta questão do útero, de Odù de Óba (Ọba) Àiyé e Ìyá Nlá estão explicados no Odù Òfún Méjì.

O útero é o repositório do axé (àṣẹ) e por isso mesmo a mulher e não o homem é o elégùn preferencial. Mesmo o Bàbáláwo recebe o seu poder, o seu axé (àṣẹ) da mulher. A fonte de poder do Bàbáláwo é o Igbá Odù, que é necessário para ele se tornar um Bàbáláwo. O Igabdu é a representação do útero da mulher e isso é lhe dado pela própria Odù, conforme verso existente em Òfún Méjì. Sem isso o poder do Bàbáláwo não se manifesta, foi o útero de Odù na cabaça que dá o poder ao Bàbáláwo.

O Bàbáláwo é um sacerdote que trabalha continuamente com a ligação órun (Ọ̀run) – Àiyé e seus 2 únicos instrumentos para isso são o ópon Ifá (Ọpọ́n Ifá) ifá, uma representação do Àiyé e um portal energético para o órun (Ọ̀run) e o Igbádù.

Digo mais, afirmo que o modelo de um órun (Ọ̀run) e um Àiyé ligados tornaria impossível a vida no Àiyé. Um dos elementos importante na vinda para uma nova vida, conforme descrito por Ibie e por Salami, de maneira um pouco diferente, mas, com o mesmo significado, como está no Odù Ìrsòsùn Méjì, é que ao vir para o Àiyé nós perdemos o contato e a lembrança de memórias, somos um livro em branco, deixamos o órun (Ọ̀run) para trás.

Mesmo o nosso Énikeji (Ẹnìkéjì), nossa divindade pessoal, a divindade mais importante para nós, nosso anjo-da-guarda não tem contato com a gente aqui! Ele somente se comunica de forma bastante restrita através do oráculo de Ifá.

Sem esse isolamento seria impossível viver uma nova vida, assim como seria impossível viver se ficarmos sendo continuamente importunados por espíritos do órun (Ọ̀run) que nos conhecem. Salami cria a figura da árvore do esquecimento para estabelecer esse processo de esquecimento.

Qualquer outra religião, séria, no mundo, que prevê o renascimento de uma alma também tem o mesmo processo de esquecimento e isolamento.

Acreditar não só na comunicação aberta entre o órun (Ọ̀run) a e Àiyé bem como acreditar que familiares no órun (Ọ̀run), como esposa e filhos interferem aqui em nosso destino, como dizem alguns Bàbáláwo (Ifayemisi Elebuibon em Égbe (Ẹgbé) Órun (Ọ̀run) : the comrades of heaven, é um desses desenganados), é ser desprovido de conhecimento ou de má intenção, ao querer inventar problemas para as pessoas resolverem.

No meu entendimento esse trafego livre, tendo em sua origem o órun (Ọ̀run) com o Àiyé, não faz o menor sentido. Além de minha opinião, construída através de minhas pesquisas e análises, podemos também usar o texto de Salami descrevendo Ìrònà, o espaço intermediário entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé, onde residem outros espíritos mais presentes entre nós, como o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), os Ajogun e as ajé (Àjẹ́). Mesmo Osamaro Ibie também cita a existência do Ìrònà. A passagem pelo Ìrònà e os problemas que encontramos nessa passagem, é parte do relato sobre o nascimento que será feito mais à frente.

Para levar adiante esse modelo dos membros do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) indo e vindo entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé, em termos de consistência teológica, teremos que jogar fora tudo o que está explicado na religião para as demais áreas e colocar o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) em uma bolha com uma teologia e cosmogonia própria, que só serve para esse tema. Isso não faz o menos sentido.

Esse relato, desta forma, consta das histórias, mas é bastante discutível e eu não o aceito nesta forma, deve haver um mal entendimento ou problema de tradução, isso não bate com o restante da teologia yorùbá. Para atender a esse modelo de vinda do órun (Ọ̀run) teríamos um modelo com espíritos indo e vindo livremente entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé e esse relato não existe nem para os Orixá (Òrìṣà).

Desta forma, para os Òrìṣà (Orixá (Òrìṣà)) e até Énikeji (Ẹnìkéjì), divindades poderosas e superiores, atuarem no Àiyé, junto a nós, temos essas condições especiais e regras e para os espíritos comuns não temos? Os Àbíkú ficam em trânsito aberto?

Conforme está no literalmente nos mitos, um Àbíkú quando nasce pede aos seus companheiros para irem buscá-lo, caso a família seja bem-sucedida nos esforços de retê-lo no Àiyé. Para isso seus camaradas saíriam do órun (Ọ̀run) indo ao Àiyé na sua forma de espíritos. Ainda, pelo que relatei, os camaradas dele podem, querer vira aqui para atormentá-lo na vida, durante a noite e, temos ainda, nas histórias o relato de que eles se reúnem entre si, como espíritos, em florestas.

Isso é o que está nos mitos, não podemos ter dúvidas, mas, se substituirmos, nesses mesmos mitos, a vinda do órun (Ọ̀run) pela vinda e convivência de espíritos entre nós, estando eles, o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), no Ìrònà todos os mitos ficam perfeitos, as coisas passam a se encaixar com o resto.

Não existe sentido nesse relato como descrito nos mitos. Desta forma, minha afirmação é que, isso está traduzido ou entendido incorretamente. Vamos lembrar que, esses mitos, nunca foram escritos, eles eram transmitidos oralmente até serem documentados em algum momento da segunda metade do século XX. Todos os mito fazem sentido no que dizem, exceto pela suposição de que o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) seja localizado no órun (Ọ̀run).

Em yorùbá não podemos nos fixar em palavras, isso é diferente nesta língua, palavras tem muitos significados. Assim se eles não estão no Àiyé ou seja não são Ara Àiyé (corpos, membros no Àiyé) o que sobra é ser Ara órun (Ọ̀run) eles não tem a expressão Ara Ìrònà e nem seria necessária, o que não é Àiyé é órun (Ọ̀run).

Encerrando a questão de localização, seja pelas referências, como pela própria lógica, o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é localizado no Ìrònà um espaço intermediário entre o Àiyé e o órun (Ọ̀run). Nesse nível energético os espíritos podem conviver com a gente no Àiyé e influenciar positivamente e negativamente nossa vida. Outros tipos de espírito podem residir nesse intermédio, como as ajé (Àjẹ́), os fantasmas e os espíritos que trabalham na Umbanda, por exemplo.

Dessa maneira o Ìrònà é um espaço energético conhecido e comum a muitas religiões. Para o nosso caso, aqui, que estamos tratando do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é o nível energético que permite a comunidade dos espíritos juvenis conviverem e manterem comunicação, conforme descrito nos versos.

Não confundir ou associar o Ìrònà ao purgatório católico. A ideia do purgatório existe na religião yorùbá, é um, ou alguns, dos nove órun (Ọ̀run). Os espíritos vão para um dos purgatórios depois do julgamento de Olódùmarè sobre sua vida no Àiyé.

 

TEXTO SEGUINTE:  http://www.orunmila-ifa.com.br/2021/02/o-que-e-sociedade-egbe-egbe-orun-orun.html

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário