TEXTO ANTERIOR Mitos sobre egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)
As informações de Ayo Salami
O Bàbáláwo Ayo Salami em seu livro “The Man & the Society”, o qual eu recomendo que seja lido, assim como outras obras do mesmo autor, que tem volume e qualidade de informação, publicou uma seção sobre os Àbíkú. Salami chega bem próximo da visão que eu entendo ser a mais coerente e ele traz confirmações importantes sobre minhas teses.
Ele adiciona ao tema mais informação do que Verger.
Eu não vou transcrever o texto dele, vou destacar o que ele traz de informação e o que eu vou listar está desta exata maneira no livro dele.
Salami reconhece que os Àbíkú não residem no órun (Ọ̀run) e desta maneira a dita sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) também não está no órun (Ọ̀run). Salami diz que o Àbíkú residem no espaço intermediário chamado de Ìrònà e é deste espaço que os Àbíkú saem e voltam entre o Àiyé. No Ìrònà eles formaram uma sociedade de iguais com suas próprias regras. É nesse mesmo espaço, o Ìrònà que também residem a ajé (Àjẹ́) e os Ajogun.
“Àbíkú são algum tipo de criança travessa que veio originalmente da cidade do Céu para a cidade da Terra para peregrinar; mas ao invés de voltar para o céu após a vida na Terra, eles permaneceram no Ìrònà . De lá, eles vêm para a Terra e de volta aos seus caprichos. Eles formaram uma espécie de camarilha com suas próprias regras e regulamentos, assim como as das bruxas que também vivem entre o Céu e a Terra. (Salami, The Man & the society, pag. 75)
Estou destacando esse trecho porque entender que estamos lidando com o Ìrònà e não com o órun (Ọ̀run) é a chave do que eu vou explicar adiante, isso é o que explica tudo.
Ele diz que, hoje em dia, o mito dos Àbíkú se misturou com o próprio entendimento da medicina moderna, de modo que muitas mortes de crianças podem, de fato serem atribuídas a doenças e condições ruins de higiene e não a intercorrência de Àbíkú, contudo, uma coisa não exclui a outra. De fato, mortalidade infantil não é incomum, mas, o Bàbáláwo tem que ter a capacidade de distinguir uma coisa da outra, porque não é apenas morrer criança que determina isso, existem outros elementos.
O grande destaque da sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é de fato os Àbíkú. Àbíkú é uma palavra que significa “aquele que nasce para morrer”.
A característica de Àbíkú é nascer muito cedo, não necessariamente no parto e não necessariamente quando bebê ou criança. Um Àbíkú pode sim crescer e morrer mais velho, tudo depende do acordo que ele fez para o seu retorno.
Assim, a visão no Candomblé de que pessoas que sofrem aborto ou crianças que morrem durante o parto como sendo sinais de Àbíkú é errada. Abortos e mortes, ainda dentro do útero ou durante o parto, devem ser associadas a atuação de ajé (Àjẹ́) e não de Àbíkú. Um Àbíkú tem que nascer e para nascer não basta sair do útero, ele precisa respirar e cortar o cordão umbilical, porque apenas quando é uma vida autônoma, respirando e não estando mais ligada a mãe é que ele, de fato, ela nasceu.
Salami afirma que a missão dos Àbíkú é causar sofrimento aos seus pais, mas a determinação da duração de sua vida e variável. O que é sempre forte é sua ligação com seu grupo que fica no Ìrònà.
A manutenção de um Àbíkú no Àiyé é bem difícil e não depende de recursos médicos, isso é trabalho apenas para um Bàbáláwo. Existe um ditado yorùbá que diz “Àbíkú sọ olóògùn dèké” que significa, os Àbíkú transformam a medicina em uma mentira. Não haverá solução para um Àbíkú que quer morrer.
Salami nos oferece sua versão para o verso do Odù Ọ̀ṣẹ́ Ògúndá, que é considerado o principal Odù ligado a Àbíkú. Mais uma vez, se quiser entender a religião tem que ler as histórias.
Eu sublinhei umas passagens que considero importantes desta história.
Um rei em particular cujo título é Oniki na cidade de Ìkilà estava sob o terror de Àbíkú. Ele tivera muitos filhos do que qualquer pessoa na cidade, mas nenhum deles sobrevivera. Quase todas as crianças morreram em seu primeiro dia na Terra; aquele que não morreu no primeiro dia morreu durante sua cerimônia de nomeação. Muitos morreram quando começaram a falar; a situação era tão ruim que ele consultou curandeiros. Eles tentaram tudo ao seu alcance, mas foi em vão. Apesar de todas as mortes, o rei não perdeu as esperanças. Quando a próxima de suas esposas ficou grávida, ele resolveu consultar Ifa. Ele pediu a Bàbáláwo que viesse e divinasse para ele. É por causa de Àbíkú que você chamou essa adivinhação, disseram a ele. Sim, ele respondeu em afirmação, sentando-se ereto na beira de sua cadeira. Então você tem que oferecer sacrifício a Ògún para que ele te deixasse; é apenas um Àbíkú que vem e vai, mas desta vez, qualquer um que vier até você não poderá retornar, concluíram os Bàbáláwo.
A princípio, o rei perguntou cinicamente que conexão havia entre Ògún e Àbíkú;
“- como esses dois estão conectados e qual é a função de um no outro?” Ele se perguntou.
Mas de alguma forma, ele foi persuadido a oferecer o sacrifício, o que ele fez. Enquanto isso, na casa de Oniki, havia um caçador itinerante particular que estava peregrinando com o rei: seu nome era Ọdẹ́bíyìí. Ele chegou por volta de quando o rei pediu a divinação. Seu método de caça era ir para as florestas profundas, fazendo um acampamento escondido no topo de uma árvore de onde ele pudesse veja todos os animais vagando para fazer um bom tiro.
Alguns dias após a oferta dos sacrifícios pelo rei Oniki, Ọdẹ́bíyìí foi para as florestas profundas como de costume, escondendo-se no topo de uma árvore. Quando estava prestes a cochilar, ouviu algumas vozes humanas abaixo. Furtivamente, ele estendeu o pescoço para saber o que estava acontecendo e ver quem estava falando. Ele viu um ser estranho que parecia uma mulher; ela tinha dezesseis seios e sentou-se em uma esteira preta que apareceu do nada. As criancinhas ao seu redor começaram a falar uma após a outra. Um diria que estava indo para a casa de Alárá, o outro diria que estava indo para a casa de Ajerò, outro para a casa de um rei na antiga cidade de Ìwó. A missão deles era roubar da respectiva casa para trazer de volta à sua sociedade. Mas um em particular atraiu a atenção da Ọdẹ́bíyìí; ele o ouviu dizer: Estou indo para a casa de Oniki. A esposa faria o parto hoje e eu entraria no útero para nascer em troca. Mas eu não ficaria por muito tempo antes de desejar que meus companheiros viessem para mim e me levassem de volta. Quando seria a hora? O estranho ser com dezesseis seios perguntou. Deve ser quando a primeira lenha que vai ser usada para fornecer calor para a mãe e o bebê queimar até virar cinzas. Mas se eles não permitirem que eu volte então, como todos vocês sabem que os humanos são cheios de truques que podem contornar meu objetivo, seria quando eu crescer até minha altura chegar ao topo da porta inferior; mas se as duas opções falharem, então vocês, meus amigos, devem vir e me levar de volta por qualquer método disponível para vocês.
Ọdẹ́bíyìí estava dentro do acampamento, observando tudo o que diziam como se estivessem encenando uma peça. Embora assustado, ele não disse uma palavra, nem fez qualquer movimento para despertar suas suspeitas. O Ògún a quem o rei ofereceu sacrifício não os fez perceber que havia alguém ouvindo tudo o que diziam. Logo após a última de suas deliberações, como um flash que vieram, todos eles desapareceram na colina de molde atrás da árvore sobre a qual Ọdẹ́bíyìí estava posicionada. Ele demorou para ver se viria mais alguma, nenhuma veio e já era tarde. Ele furtivamente desceu do topo e saiu da floresta na ponta dos pés. Alternando caminhada e corrida, ele deixou a floresta e assim que chegou aos arredores do palácio ouviu gritos de alegria. “- Que este fique com você”. “- Este não morrerá, ele pagara por todos aqueles que morreram anteriormente“. Parabéns Káábíèsí!. “- Este é o próximo rei visto que é um menino”. Os visitantes estavam chegando da esquerda e da direita.
“- Que tipo de coincidência é essa?” Ele se perguntou em voz alta. Ọdẹ́bíyìí entrou e rapidamente chamou a atenção do rei Oniki. Káábíèsí,
“- posso falar com você por um momento, por favor?”
“- Sobre o quê? “ Perguntou o rei.
Ọdẹ́bíyìí contou sua história ao rei, que ficou surpreso ao ouvir uma história que nunca tinha ouvido na vida.
De acordo com a sugestão de Ọdẹ́bíyìí, o rei ordenou que incontáveis toras de madeira fossem fornecidas para a mãe lactante, para que o fogo não se apagasse. Ele também ordenou que a porta que separava a câmara interna da sala fosse reconstruída para permitir que um adulto crescido passasse sem que sua cabeça tocasse o topo.
E assim a vida continuou na casa de Oniki; passou o medo de que a criança morresse no primeiro dia na Terra; a cerimônia de nomeação foi feita sem nenhum obstáculo (ao contrário das outras crianças que geralmente morrem na cerimônia de nomeação) e a criança foi chamada de "Mọ́lùmọ”. “- Oh, talvez ele tenha adiado sua morte para quando pudesse falar”, o rei se perguntou ; apreensivo, mas esperançoso sobre a criança que não tinha morrido.
À medida que Mọ́lùmọ crescia, o rei percebeu que ele ficaria na porta, na ponta dos pés, tentando ver se sua cabeça tocava o topo.
“- Então é verdade!” disse o rei para si mesmo.
Ele ordenou que a porta fosse completamente removida. “- Quando não houver porta, eu quero ver o que sua cabeça tocaria".
Passado
o tempo que ele combinou com seus companheiros de seu retorno, os
companheiros resolveram ir pegá-lo sozinhos. E foi assim que eles se
reuniram em sua multidão e se dirigiram para a casa de Oniki.
Ao
chegarem ao pátio, no meio da noite, eles irromperam em uma canção
patética dizendo:
Mọ́lùmọ
The child of Oniki
Mọ́lùmọ
I call you again
You are the child of Oniki
Why did we not see you again?
Mọ́lùmọ ouviu a canção e respondeu de dentro da casa:
sou
Mọ́lùmọ
O filho de Oniki
Eu sou o próprio Mọ́lùmọ
O
filho de Oniki
Eu deveria ter ido antes desta hora
Meus
companheiros
Ọdẹ́bíyìí o caçador foi aquele que me
impediu
Os companheiros tentaram tudo o que podiam: causar confusão na casa de Oniki na esperança de causar a morte de seu companheiro, mas o sacrifício que os Bàbáláwo ofereceram no início neutralizou todos os seus esforços. Quando não conseguiram, eles partiram para sua residência e não vieram incomodar Mọ́lùmọ para sempre. E então ele se tornou uma criança sobrevivente de Oniki.
Eu marquei os seguintes trechos dessa história e vou comentar:
morreram em seu primeiro dia na Terra; aquele que não morreu no primeiro dia morreu durante sua cerimônia de nomeação. Muitos morreram quando começaram a falar;
Conforme já disse a criança precisa morrer para depois nascer. Existem outras histórias de Àbíkú onde a criança morre no dia do seu casamento. Desta maneira, não é verdade a crença de Àbíkú morra sempre jovem, bem como não é verdade que morra no útero.
a situação era tão ruim que ele consultou curandeiros. Eles tentaram tudo ao seu alcance, mas foi em vão.
Médicos não salvam Àbíkú.
sacrifício a Ògún
De acordo como encontro nos versos de Ifá, diversos inrumolé (Irúnmọlẹ̀) estão envolvidos na salvação de Àbíkú. Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), sempre está, mas Ògún e iroko também podem estar envolvidos assim como Xangô (Ṣàngó).
Estou indo para a casa de Oniki. A esposa faria o parto hoje e eu entraria no útero para nascer em troca. Mas eu não ficaria por muito tempo antes de desejar que meus companheiros viessem para mim e me levassem de volta.
Vou abordar isso em outro lugar, mas, de acordo com o que eu encontro em Ifá a criança enquanto no útero é parte da mulher. O espírito que habitará o corpo só o faz junto com o Ẹ̀mí.
Os companheiros tentaram tudo o que podiam: causar confusão na casa de Oniki na esperança de causar a morte de seu companheiro,
Essa é uma característica da atuação do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e que pode ser observada por qualquer um.
O sacrifício feito pelo Bàbáláwo para impedir a morte dos Àbíkú é conhecido como Ẹbọ àrúyẹ ìpínhùn – Sacrifício para terminar com a aliança.
Salami diz também que os Àbíkú se reúnem entre si no Àiyé. Eles fazem reuniões noturnas no pé de uma árvore. Nos versos de Ifá essa árvore é o Ìrókò. Essas reuniões contam com os espíritos que ficam no Ìrònà como também com os espíritos dos renascidos. Assim criança Àbíkú renascida, durante a noite, cairiam sono profundo, ficando imóveis e quase impossível de acordá-las. Nesses momentos seus espíritos estariam fora do corpo reunidos com seus amigos do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).
Ayo Salami inclui mais uma história em seu relato que não se trata de verso e sim de um relato real, da vida real, o qual vou explicar a seguir bem resumidamente porque será importante quando eu fizer meus comentários.
Segundo Salami, ele testemunhou isso em 1982. Havia um casal, juntos por 15 anos e com 3 filhos, não eram amadores ou principiantes em criar filhos. Mas, depois do terceiro o problema começou, a quarta criança, uma menina morreu na cerimônia de nome. Isso acabou com a festa mas o pai não queria que o sofrimento durasse até o dia seguinte. Eles justaram as pessoas fizeram uma cova e enterraram a criança. Logo a seguir ouviram um barulho na terra e abriram novamente para ver o que havia ocorrido, o corpo havia desparecido.
A mulher ficou grávida de novo e teve outra menina que também morreu na cerimônia de nome. O pai enterrou a da mesma maneira mas, infligiu marcas no corpo da criança e cortou sua mão esquerda.
A mulher novamente ficou grávida, um menino agora e o pai tinha certeza que seria um Àbíkú e, desta maneira, não preparou nada de especial para a cerimônia de nome que seria no nono dia de nascimento. A criança nasceu sem a mão esquerda. Os médicos inventaram explicações, mas a criança morreu 2 anos depois em circunstâncias estranhas. Mais uma vez o pai enterrou e também tirou seus olhos. Pois bem, a próxima criança nasceu sem a mão e cego, ela morreu poucos dias depois de nascer. Os pais desistiram de ter mais um filho.
Salami teoriza que os Àbíkú atacam as pessoas retirando do útero da mãe a alma que nasceria, assim eles seriam invasores e substitutos. As almas que são deslocadas do nascimento pelos Àbíkú vagam como fantasmas pelo Àiyé e devem ficar no Àiyé até o dia marcado para o se retorno, o dia original de sua morte.
Eu não concordo totalmente com essa afirmação, entendo que tem uma explicação mais simples, mas, o que eu direi e o que o Salami disse tem a mesma base de entendimento.
Salami segue a crença do mal associado aos Àbíkú. Se considerarmos como ele diz os Àbíkú como um mal que se abate sobre a pessoa temos que classificar com Àbíkú como um mal teológico.
Nas suas explicações e análises dos versos ele não estabelece nenhuma explicação ou causa, chega mesmo a citar como se fosse o acaso, ao contar uma história de uma mulher que se encontra por acaso com uma criança no mercado e a partir daquele encontro passou a ser mais uma vítima de Àbíkú.
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