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sábado, fevereiro 06, 2021

O Égbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e os Àbíkú [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 40]

 

O Égbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e os Àbíkú

Introdução

Você vai ler agora um texto poderoso em termos de conteúdo.

Esse é um tema bastante interessante, visto o grande grau de desinformação que existe sobre o mesmo, devido a falta de fontes confiáveis e o excesso de mistificação sobre o assunto. Eu mesmo, levei muitos anos para reunir fontes confiáveis e consistente para poder entender esse assunto, em si mesmo e dentro do contexto geral da religião e também, poder confirmar, através da prática de Ifá, esse conhecimento.

Existe um critério é importante e que não é observado por muita gente que fala sobre essa religião, que é a questão da consistência e simplicidade. Não basta apenas conhecermos o assunto, suas práticas, ritos e mitos. Não podemos, em cada tema da religião construirmos uma nova base teológica, para aquele tema, formando uma teia de possibilidades e, principalmente, complexidade. O conhecimento proposto, tem que se encaixar em relação ao restante da religião de forma consistente e harmônica.

Isso gera um grande problema, que é a necessidade da pessoa primeiro conhecer o todo para depois poder falar de alguma coisa ou de partes. Devido ao trabalho necessário e complexidade disso, o caminho adotado é o mais simples, a pessoa se concentra apenas no seu problema, necessidade ou vontade imediata e é essa a razão pela qual nascem as idiossincrasias teológicas. Isso é uma realidade. O que piora isso é o fato de que não existe um conjunto da obra, um livro que reúna o conjunto para servir de uma base mínima para ser discutida.

Se não conseguimos encaixar essa visão particular no contexto geral da religião, existe uma grande possibilidade de termos uma visão errada sobre o mesmo. A base para evitar isso é a pessoa conhecer a religião como um todo, primeiro, em vez de ficar se “especializando” em detalhes. Mergulhar em detalhes, é o caminho para os erros, a pessoa olha uma única coisa e já se acha especialista. Mas, pode ser pior, ela fica aprendendo em pedaços e fica “especialistas” em partes, mas, cada uma dessas partes não se combina com as outras. O problema é facilmente resolvido adicionando complexidade, tudo é complicado, ai, fica fácil de falar.

Mas isso poderia evitado facilmente se a pessoa, pelo, menos procurasse algumas informações adicionais, se pensasse um pouco mais sobre o assunto.

Este tem sido o critério adotado em todo esse livro, ser consistente com o todo.

O que vou fazer, a seguir, é dar uma explicação religiosa, baseado na teologia Yorùbá, de fenômenos que afetam muito a sociedade e que são vistos como malefícios, mas, são uma das páginas mais tristes da nossa relação, como pessoas e almas, com a estrutura metafísica da religião.

Este não é um tema complexo.

O que é complexo é o emaranhado de explicações que tem que serem dadas e as consequências dessas explicações e modelos confusos que são estabelecidos para explicar e justificar o assunto, porque o fazem do jeito errado.

Durante um bom tempo, baseado nas informações que eu tinha disponível, eu passei a considerar o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e principalmente os Àbíkú, como uma componente do mal teológico desta religião, contudo, como tempo, o que se abriu para mim foi o contrário, de verdugos passaram a serem vítimas do mal (explicar mal na sua forma teológica não será feito aqui). Os Àbíkú são almas que temos que lamentar e ajudar, mas, isso, somente será para os muito fortes, os eleitos.

As famílias não são amaldiçoadas pelos Àbíkú. Os Àbíkú não existem aleatoriamente para fazerem famílias sofrerem, os espíritos humanos não tem esse mal intrínseco, é justamente o contrário, os Àbíkú foram espíritos que morreram na infância e que foram amaldiçoados pelas famílias originais com a rejeição e após a morte. Devido a isso elas não retornam ao órun (Ọ̀run), ficam em um espaço intermediário chamado Ìrònà, onde criam novos laços familiares, com seus companheiros de mesma sina.

Os Àbíkú não são “demônios” que atormentam as famílias ou maldições que as perseguem. São o resultado de sentimentos muito humanos, como medo, decepção, raiva e rejeição. Entendendo assim passamos a olhar os Àbíkú de uma forma humana e não supernatural, inexplicável.

As novas famílias, que os recebem, foram eleitas, pelos Orixá (Òrìṣà), para recuperar essas almas e precisam entender essa árdua missão. Quando elas não entendem ou não tem a capacidade para isso, elas sofrem. Os Àbíkú, dessa maneira, são o resultado de uma relação bastante humana e são uma consequência de um mal maior cometido antes contra essas as almas infantis.

Desta forma o trabalho sacerdotal nessa religião, através do Bàbáláwo (que deveria ter esse conhecimento), é o de recuperar essas relações, seja a esperança ou a confiança da alma que renasce, bem como, o entendimento da família que o recebe. O trabalho de Ifá tem que ser transformador e não punitivo e excludente, não tem família a ser protegida e nem espírito a ser punido.

Osamaro Ibie (Ifism the complete work of Órunmila, pág. 48) destaca acertadamente que, “Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) não resolve nenhum problema através da confrontação exceto se todas as formas disponíveis de conciliação falharam. Nós frequentemente procuramos a ajuda das divindades mais agressivas para fazer o trabalho sujo para nós.”. Essa é a essência de Ifá buscar o equilíbrio e a conciliação.

Esta é a visão que vou explicar longamente neste texto.

Seguindo o entendimento, na minha visão, que tem que ser usado na obtenção do conhecimento desta religião, tudo o que tratamos e afirmamos tem que ser baseado em leitura e interpretação de versos. Nós devemos fazer uma análise dos versos, que são metáforas e parábolas, buscando o seu sentido transcendente e dar um entendimento mais amplo e também mais relativo, não literal, como é feito em toda religião. Mas temos, também, que estar atentos, visto que, com o passar do tempo, histórias podem ter sido alteradas e simplificadas. Temos sempre que buscar o sentido maior, mas, sempre também, nos basearmos nos versos para isso. Assim, depois, encaixar isso no contexto teológico mais amplo, buscar um entendimento que seja baseado no bom senso, no normal e alinhado com a nossa humanidade.

Não podemos fazer afirmações dentro de um tema específico da religião que não seja suportada por versos, mitos ou um conhecimento da tradição oral fortemente estabelecido. Alerto que usar a tradição oral é bastante complicado, quando digo tradição oral, me refiro a ritos que são feitos pela sociedade de forma ampla e que podem ser analisados e entendidos no contexto que estamos tratando. Ao usar “tradição oral” por ela mesma, podemos nos basear em histórias inventadas ou distorcidas, essa expressão de origem de informação já foi bastante usada para disfarçar a falta de conhecimento real. Alegar o uso da “tradição oral” não pode ser passaporte livre para criar conhecimento do nada. Outro cuidado diz respeito a regionalidade. Quando se fala daquela região da África, abrangida hoje pela Nigéria e Benin, estamos falando de muitas etnias e diferenças culturais, é uma diversidade grande, apesar de muito próximas geograficamente uma da outra.

Um bom exemplo de uso da tradição oral é mostrado por Batatunde Lawal (Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) Spectacle). O livro é dedicado ao espetáculo de Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́), mas é impossível falar de Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́) sem falar de Àbíkú e ajé (Àjẹ́). Lawal mostra como a sociedade trata na prática estas questões através do culto de Ìyá Nlá, a mãe terra, que esta diretamente ligado a Gélede (Gẹ̀lẹ̀dẹ́), mas ele descreve os festivais e até rituais, mas, não busca tratar dos versos e mitos de origem, visto que seu trabalho é sobre a externalização desta questão. Isso é tradição oral, é mostrar evidência, habitos, crenças e ritos baseados no que a sociedade faz de fato.

Em função disso, eu vou inicialmente expor uma base de mitos que fazem parte do conhecimento da religião e que foram a base inicial para minhas análises e conclusões. Repito, a partir desses mitos e sempre usando eles junto com minha prática eu construí o conhecimento que aqui vou expor.

Antes que pensem que estou querendo complicar tudo, entendam que, para compreender essa religião, vocês devem de fato ler os versos e as histórias. Eu posso junto com isso fazer minhas análises e explicações, mas, é necessário conhecer a fonte da informação que transmitimos.

É muito fácil alguém ler um verso e destacar o que interessa e descartar o que atrapalha nas suas ideias, transmitindo para outros apenas o que lhe convêm.

Desta maneira, eu reúno a seguir as fontes que achei mais relevante. Elas devem ser lidas com calma e entendidas porque, depois, tudo o que eu falar será baseado nelas.

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