ANTERIOR: O mundo natural, o Aiye
A morte e o pós-vida
Neste momento no qual a estrutura metafísica do mundo de acordo com os Yorùbá já está explicada, assim como o trânsito entre os mundos natural e supernatural também já foi explorado, o entendimento da morte e pós-vida já está bem simplificado, mas temos muitos detalhes importantes.
As almas vivem em um ciclo contínuo entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé e o que motiva elas a isso é o prazer da vida no Àiyé junto com sua família. Apesar disso, a morte é e sempre será um dos fenômenos mais temidos pelas pessoas e a busca do seu entendimento jamais será pacífica.
Na minha avaliação, o autor que mais se dedicou a entender isso no contexto africano, da África que nos interessa aqui, foi Geoffrey Parrinder e depois Jonh Mbiti. Os textos de Parrinder foram base para outros e suas palavras são citadas em repetição, em sua abordagem para a morte e principalmente para a alma.
Assim como Mbiti, Parrinder se dedicava a analisar as religiões da África sub-saariana, entre a África oriental e central de uma forma integrada, ele via nesta grande região geográfica um contexto comum, sem, contudo, usar a forma mais ideologizada que Mbiti fazia. Entretanto ambos o faziam de forma similar.
O curioso e comum aos dois é que eles citam mas não se detêm muito nos Yorùbá. Minha avaliação é que a religião Yorùbá estava alguns degraus acima das demais e em vários conceitos destoava das demais, sendo assim, mais fácil estabelecer similaridades entre as demais não Yorùbá. Contudo o povo Ashanti, Bini e Igbo eram bastante citados. Já os Bantus da África central eram comuns em refletir as coisas mais básicas e elementares, representando assim, como a gente conhece aqu,i uma raiz mais primária de religião e da cultura da África central.
A origem da morte
O entendimento geral era que a morte entrou na vida humana por acaso, por um descuido e que isso não foi um projeto de deus ou parte de qualquer punição.
Mbiti diz que deus tinha a intenção de que o homem vivesse para sempre e deu para o primeiro homem um ou mais de 3 presentes que eram, imortalidade, ressurreição e a habilidade de se tornar jovem novamente. Contudo, todos esse 3 foram perdidos e a morte veio ao mundo.
Em muitos mitos que se espalham pela região da África que citei, é dito que, deus, enviou uma mensagem para o primeiro homem que ele iria ou viver para sempre ou nascer de novo se ele morresse. Essa mensagem foi dada a um animal para levar ela ao homem. O animal escolhido foi o camaleão, mas o camaleão demorou demais no caminho e atrasou a mensagem para o homem que não a recebeu. Enquanto isso, deus, Olódùmarè, enviou outro animal mais rápido, normalmente dizem que foi um pássaro, um lagarto ou uma lebre, com outra mensagem, dizendo que as pessoas morreriam. A segunda mensagem alcançou as pessoas antes da mortalidade ou ressurreição e desde então, a morte permanece no mundo.
Existem outras versões, todas similares. Por exemplo em Sierra Leone, é dito que deus enviou ao mesmo tempo o cachorro com a mensagem de imortalidade e um sapo com a mensagem de morte. No caminho o cachorro alcançou a mulher quando ela estava preparando a comida para seu filho e ele esperou até ela dar alguma comida para ele. O sapo continuou a jornada sem parar e chegou na cidade do homem e disse “A morte chegou”. O cachorro viu isso e foi correndo dizer “A vida chegou”, mas era tarde demais.
A presença do cachorro neste mito se Sierra Leone é curiosa porque ele também aparece em outro mito, desta vez Yorùbá que explica porque as pessoas perderam a oportunidade de viver para sempre.
“No começo do mundo quando o
Criador fez os homens e as mulheres e os animais, todos eles viveram
juntos na terra da criação. O Criador era um grande chefe, cuidava
de todos os homens, e um ser muito bondoso, que ficava muito triste,
sempre que qualquer um deles morria. Então um dia ele mandou para o
cão, que era seu mensageiro principal, e lhe disse para ir para o
mundo e transmitir a sua palavra a todas as pessoas que para no
futuro, sempre que qualquer um deles morresse o corpo era para ser
colocados em um recinto e cinzas de madeira seriam lançados sobre
ele, e o corpo era para ser deixado sobre o solo, e em 24 horas se
tornaria vivo novamente.
Quando o cão já tinha viajado
meio dia ele começou a se cansar, assim, como ele estava perto da
casa de uma velha senhora, olhou para dentro e vendo um osso com
alguma carne nele ele fez uma refeição dele e depois foi dormir,
esquecendo-se inteiramente a mensagem que tinha sido dado a ele para
entregar.
Depois de um tempo, quando o cão
não retornou mais, o criador chamou uma ovelha, e enviou-o para fora
com a mesma mensagem. Mas as ovelhas eram muito tolas e estando com
fome, começaram a comer as ervas doces pelo caminho. Depois de um
tempo, porém, ele lembrou que tinha uma mensagem para entregar, mas
esquecera qual era exatamente, assim quando ela andou entre o povo
disse-lhes que a mensagem que o Criador lhe havia dado para dizer às
pessoas, é que sempre que qualquer um deles morrer eles devem ser
enterrados debaixo da terra.
Pouco tempo depois, o cão se
lembrou da sua mensagem, então ele correu para a cidade e disse às
pessoas que elas deveriam colocar as cinzas de madeira sobre os
corpos e deixá-los no solo e que eles voltariam à vida depois de 24
horas. Mas o povo não acreditou nele, e disse: “Nós já recebemos
a palavra do Criador pelas ovelhas, que todos os corpos devem ser
enterrados.”
No
início, quando havia apenas o homem, a mulher e seu pequeno filho,
deus, disse que nenhum dos 3 morreria, mas, quando eles ficassem
velhos, eles teriam novas peles em seus corpos. Ele colocou as novas
peles em um pacote e confiou ao cachorro entregar isso ao homem. O
cachorro foi para a viagem com o pacote, mas, no caminho ele
encontrou outros animais que estavam comendo arroz e abóboras. Os
animais convidaram o cachorro para compartilhar a refeição. Durante
e refeição eles perguntaram o que estava dentro do seu pacote e ele
contou a história das novas peles sendo enviadas para o homem.
A
cobra roubou silenciosamente o pacote e compartilhou as peles comas
outras cobras. O cachorro teve que confessar ao homem que as peles
foram roubadas e ambos foram a deus. Contudo era tarde demais e as
cobras ficaram com as peles e desde então os homens morrem. As
cobras foram punidas sendo mandadas embora das cidades para viverem
sozinhas e se o homem encontra uma cobra ele tentará matá-la,
sempre.
Ele voltou a Olódùmarè e explicou o ocorrido. Olódùmarè, então, mandou outros Orixá (Òrìṣà) e todos ele retornavam sem conseguir trazer o barro para Oxalá. Iku, aceitou a missão e foi lá trazer o barro para Oxalá, não dando atenção aos gritos do barro.
Por causa disso IKU, a morte, ficou encarregado por Olódùmarè de retornar o barro que foi retirado de volta quando as pessoas morrem.
Esse, é claro, é um mito complementar, que não explica a morte, mas apenas o que se faz depois que ela ocorre, contudo, está inserido neste contexto.
Esses mitos enfatizam a ideia de que, como eu disse antes, a morte veio quase como um engano e desde então permaneceu entre o homem. Dessa forma não existe a visão punitiva de deus para com a humanidade no Àiyé. Esta abordagem é bem diferente da que todos estão acostumado com o deus raivoso, vingativo e temperamental retratado pelos judeus e católicos.
Como estamos tratando de religião Yorùbá, temos que saber que a divindade Yorùbá IKÚ, que é a morte, é masculina. Em Ifá existem muitos versos com a presença de Ikú, envolvendo todos os orixá (Òrìṣà), incluindo Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) que é salvo da morte por IYEWA. A mitologia em torno da divindade morte é bastante rica, lembrando que, IKÚ é um inrumolé (Irúnmọlẹ̀), uma divindade genérica e não um orixá (Òrìṣà).
Aprofundar na mitologia de Ikú não adiciona nada a este texto e,
desta forma, vamos nos a ter aos aspectos teológicos da morte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário