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sábado, maio 16, 2020

A morte e o pós-vida - A alma e o espírito [ Entendendo a Religião Yoruba - Pt.20]

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A alma e o espírito

Falar sobre o conceito de alma es espírito é bastante complicado em qualquer religião e, nesta aqui, não é diferente. Shakespeare escreveu sobre três almas. Alguns povos africanos, segundo Parrinder (African Traditional Religion), menciona cinco almas. 

Independente da quantidade é muito claro que este é um tema bastante confuso, sempre.
Então porque quero abordá-lo? Eu que sempre digo que quero ser prático e que não tenho compromisso com abordagens acadêmicas?

Porque isso faz parte do entendimento de nossa existência e é claro do processo de morrer. Afinal, se Ikú é a morte e ele não leva o nosso corpo embora e se, como eu disse nossa alma é permanente e fazemos ritos pós-morte o que Ikú nos toma para morrermos?
Examinando tanto o entendimento yorùbá como o Ashanti, que são similares podemos chegar a alguns elementos cuja existência é consistente com a ocorrência de outros fenômenos.

Nós temos nossa alma, que é imutável e perene. É nossa essência e é quem vem do órun (Ọ̀run). Os Ashanti chamam isso de ‘Kra. Além de nossa alma temos o espírito que traz a características esta vida, nossa personalidade e que interage com o corpo. Os Ashanti chamam isso de sunsum. É essa alma-personalidade que pode ser capturada pelas ajé (Àjẹ́) ou então pelos espíritos que incorporam nos corpos do elégùn ou médiuns..

Assim, a alma permanece no corpo porque ela é intocável mas o controle do corpo é assumido pelo outro espírito, através do sunsum, que domina assim o seu corpo.

Os yorùbá chamam esse espirito-personalidade de ókan (Ọkàn), que é a mesma palavra usada para coração. Como o coração, esta ligado com o sangue e o corpo. Ókan (Ọkàn) seria o equivalente ao sunsum dos Ashanti e desta forma a parcela espiritual que cuida do corpo e pode ser tomada e controlada.

Essa é a parcela de nossa existência que pode ser atacada por espíritos, fantasmas e ajé (Àjẹ́) e, desta forma, nos fazer perder nossa saúde e sanidade. O desequilíbrio da relação alma com o espírito-personalidade traz o desequilíbrio mental e psicológico.

Esse desequilíbrio é real, em minha experiência como Bàbáláwo já vi essas situações, de pessoas saudáveis que apresentam distúrbios de comportamento e mentais que prejudicam sua vida. As causas vão de maldições, espíritos (fantasmas), ajé (Àjẹ́) e Ẹgbẹ́ (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).

Nosso espírito perene é o émi (Ẹ̀mí), ele é a nossa vida, nossa alma. Esta alma está conectada a outro elemento o chamado Èémí, que é a respiração, mas, atenção, nós recebemos o Èémí de Olódùmarè, de forma que isso não é uma coisa física é uma força espiritual de vida. Olódùmarè é o Eleémí, o senhor da vida, aquele que possui a força da vida. No conceito yorùbá de dar a vida é Olódùmarè quem nos dá a respiração o sopro da vida, o Èémí.

Quando morremos o émi (Ẹ̀mí) retorna para o órun (Ọ̀run), desta forma Ikú, a morte nos tira o ókan (Ọkàn) nosso espírito que liga nossa alma ao corpo e sangue e o émi (Ẹ̀mí). Das diversas fontes que analisei, Parrinder é quem se deteve mais nesta questão de alma. Ele não deixa claro, mas é natural entendermos que Ikú leva o Èémí também.

Além desses elementos que já citei existe mais um que é a sombra. Por incrível que pareça, a sombra é considerado um elemento espiritual. Em Ifá existem ebó (Ẹbọ) para serem feitos com a sombra. O entendimento de sua função para mim, tenho que dizer, até hoje é bastante obscuro, gostaria de entender melhor. Òjìjì é o nome que a sombra recebe. 

A frase mais emblemática sobre ela é a de que os mortos não tem sombra, assim somente os vivos têm sombra. Para identificar mortos-vivos tem que se observar as sombras, porque os mortos não tem sombra. Assim como existem pessoas que têm visão de mortos, como se fossem vivos (já conheci alguns assim) eles devem observar a sombra, essas visões não podem ter sombra.

A sombra junto com a respiração são levadas pela morte, por Ikú.

Existe um fenômeno conhecido de pessoas que viajam em sonhos. Nesse caso trata-se de émi (Ẹ̀mí), que se desliga de ókan (Ọkàn). As ajé (Àjẹ́) são conhecidas por atormentar e atingir as almas em sonhos. Pessoas que acordam em dor e crianças que choram à noite podem estar sendo atormentadas pelas ajé (Àjẹ́).

Mais uma vez Parrinder, explica uma tese interessante de Sir James Frazer, na qual as pessoas, feiticeiros, poderiam colocar seu espíritos em objetos externos, potes ou caixas e suas almas ficariam seguras, porque se eles fossem atacadas não poderiam ser feridos porque seu espírito estaria em segurança. Essa é uma ideia complexa sem muito suporte religioso, mas, é similar ao que foi fantasiado no Filme de Harry Porte, quando o vilão espalhou seu espírito em vários objetos e somente poderia ser ferido se todo esses objetos fossem encontrados e destruídos. Quem viu o filme entende então esse conceito de Sir James.

Para finalizar esse tema, gostaria de lembrar a todos que existe um tempo entre a morte da pessoa e sua ida para o órun (Ọ̀run). Esta afirmação sou obrigado a fazer baseado na rotina de cerimônias de pós-morte desta religião. Seja o que foi descrito por Parrinder ou Johnson, ou as descrições que fiz do Axexê, está implícito que para a eficácia disso temos que lidar como fato de que morrer não significa a ida da alma, émi (Ẹ̀mí) para o órun (Ọ̀run). Existe um intervalo.

Mais uma vez tenho que dizer que a teoria na prática, nesta religião, é a mesma. Minha experiência religiosa me mostra que é exatamente assim que ocorre.


Os fantasmas

O caminho entre o Àiyé e o órun (Ọ̀run) não é simples ou direto. Mbiti, Awolalu e Parrinder citam várias versões que coletaram com explicações que as almas devem percorrer caminhos, subir montanhas, atravessar um rio (essa é mais comum) e outras dificuldades e que devem estar “alimentadas” para isso, estando ai a justificativa de parte das práticas das cerimônias de pós-morte.

Como expliquei quer estejamos ligados ao culto de egúngun ou não a participação dos espíritos egúngun é clara nesse processo de condução. Lembro a todos que o divino, o supernatural existe de qualquer maneira, quer a gente reconheça ele ou não.

No Candomblé existem suficientes cerimônias para mobilizar esses espíritos, mesmo não sendo a especialidade do culto. Assim além das cerimônias de pós-morte que expliquei existem ebó (Ẹbọ) que são feitos para conduzir as almas para o órun (Ọ̀run), caso elas tenham se perdido e por aqui ficado.

Temos que considerar dois tipos de fantasma, o primeiro é o normal, os próprios espíritos dos mortos que aparecem em visões ou sonhos enquanto estão no processo de ida para o órun (Ọ̀run).

Essas aparições devem ser avaliadas pelos Bàbáláwo porque fantasmas podem trazer doenças as pessoas, principalmente as doenças que elas tinham. O Bàbáláwo deve examinar o que está ocorrendo e a razão e se for o caso realizar os ebó (Ẹbọ) para dar caminho ou afastar esses fantasmas.

Aqui no Brasil temos a Umbanda que é especializada em cuidar desses casos, muito mais que os Kardecistas.

O segundo são pessoas que morreram e não tiveram os seus ritos de passagem feitos. Pessoas que morrem em acidentes, pessoas que morrem longe de casa, pessoas cujos corpos nunca foram localizados. Pessoas enterradas e que não tiverem o seu segundo enterro. Caçadores que morrem nas florestas, pescadores que morrem no mar, pessoas que morrem em guerras, pessoas mortas por relâmpagos. Tudo isso pode gerar um fantasma.

Aqui no Brasil, no nosso meio religioso, junto a Umbanda, temos o conceito de que as almas das pessoas falecidas se não forem adequadamente recebidas e encaminhadas podem ser capturadas por feiticeiros. Elas serão então escravizadas e usada para o malefício, fazendo pessoas doentes ou as matando através de acidentes. Existem vários livros espíritas (Kardecistas) que tratam disso.

A religião yorùbá tem a crença de que todos temos uma data para voltar ao órun (Ọ̀run) e se esta data é antecipada devido ao suicídio a alma não poderá regressar ao órun (Ọ̀run), ela será barrada pela divindade Onibode órun (Ọ̀run), ou o porteiro do órun (Ọ̀run). Desta forma esta alma ficará no Àiyé até que chegar a data que ela definiu com Olódùmarè.

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