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quinta-feira, maio 07, 2020

A morte e o pós-vida - O enterro e os rituais de morte [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 18 ]

O enterro e os rituais de morte

Os Yorùbá, assim como outros povos africanos, dão grande atenção aos rituais após a morte porque eles entendem que a morte é apenas um rito de passagem do mundo natural, o Àiyé para o mundo espiritual o órun (Ọ̀run).

A vida não deixa de existir, não existe extinção da vida. Os yorùbá se referem a morte como, voltar para casa, outros povos se referem como, ir embora, desaparecer, parar de respirar, dormir, fechar os olhos e várias outras expressões que tem o mesmo significado, o de que aquela pessoa não deixa de existir, apenas deixa de existir na dimensão do Àiyé.
A morte não é uma destruição do indivíduo, a vida vai além do túmulo, as pessoas lamentam a partida de uma pessoa sabendo que ela partirá para o pós-vida.

O funeral e os ritos de passagem associados, os rituais, têm a finalidade de marcar a separação do indivíduo que morreu de seu corpo e consequentemente do indivíduo com os vivos. Existe uma grande preocupação com isso, em estabelecer esse rito de passagem e assegurar que a alma volte ao órun (Ọ̀run) e não fique perdida no Àiyé.

O corpo do morto, após a consulta a Ifá, será lavado com água, sabão e ervas. Alguns passam óleos aromáticos. É costume em homens, raspar o cabelo do falecido, devido ao significado de separação. Existe também o hábito de membros da família, no velório, rasparem seus cabelos pelo mesmo significado. No caso das mulheres os seus cabelos são cuidadosamente penteados.

Os corpos serão vestidos com roupas pretas e brancas ou então com roupas finas e adornadas. Antes do enterro os corpos podem ser exibidos e fotografados. Essas cerimônias de preparação do corpo devem ser acompanhadas pelo primogênito da família uma vez que ele é o seu sucessor natural.

Explicado todo esse costume yorùbá, que não nos diz mais respeito uma vez que isso não será feito aqui, trago, então, o significado desse processo, que é a importância dada à lavagem do corpo. Segundo Awolalu, é para o espírito estar limpo para ser admitido no local dos ancestres e se ele não tiver sido adequadamente preparado, poderão não ser admitido e se transformarem em fantasmas, espíritos que ficam vagando no Àiyé e são chamados de Iwin ou Ixecú (Iṣèkú).

Essa questão de associar a não entrada no órun (Ọ̀run) a falta de limpar os corpos é bastante tosca, mas, ela chama a atenção para o que é importante, que é a necessidade de realização dos ritos post-morten para evitar que o espírito de perca no Àiyé. Essa preocupação é real e está presente é vários povos africanos da mesma região (ocidental e central).

Em tempos anteriores era comum as pessoas serem enterradas em suas casas, em quartos específicos, mas isso mudou depois para serem enterrados nos quintais das casas e das vilas familiares (compounds). O controle sobre o uso do corpo do morto estava no contexto da família. Hoje em dia, novas regras impedem ou restringem muito isso de forma que os rituais e mesmo o enterro tem restrições e temporalidade bem restrita para ser feito.
Os yorùbá entendem que se seus mortos são enterrados em cemitérios eles perdem o contato com eles e não poderão fazer os rituais periódicos de oferecer comida, água e Obi aos mortos.

As crianças que morriam e eram consideradas Àbíkú não eram enterradas em casa. Segundo Samuel Johnson (The history of the Yorubas), os corpos eram levados para matas ou florestas próximas e enterradas parcialmente, com pouca terra por cima para que fosse, comidos por animais, esse costume era para que esse espíritos nunca mais viessem assombrar a família.

Nos tempos antigos somente pessoas com dinheiro podiam ter caixões. As pessoas comuns eram enterradas enroladas em panos de algodão ou esteiras, como uma múmia. Também eram colocados galhos da árvore de Akoko sobre os quais a esteira era deitada. Se uma prancha de madeira puder ser comprada ela será colocada em cima do corpo na sepultura para evitar que a terra caia diretamente sobre o corpo.

Os caixões eram feitos muito maiores do que o necessário e o espaço era preenchido com roupas e bens pessoas dos falecidos. Era um costume dar, de presente, peças de roupa para o falecido. Se não houvesse presentes suficientes para preencher o caixão, peças de algodão eram colocadas para preencher os espaços vazios, era considerado um mau agouro o caixão ir vazio.

Em relação ao local de sepultamente, eu procurei informações e encontrei até estudos acadêmicos recentes sobre essa questão. De fato, ainda hoje pessoas são enterradas nas vilas (compounds). Isso é uma prática geral. As estatísticas mostram que independente da tribo/cultura (Yorùbá, Ibo, Hausa) ou religião (cristã, islâmica ou tradicional) pessoas são enterradas majoritariamente em casas e não nos cemitérios. Ou seja, enterrar mortos no quintal está ligado com a cultura e não com a religião. Nesse estudo (Problem and Prospect of Housing the Dead in Nigeria, Olajide, Sunday Emmanuel 1, ALABI, Oluwole Titilayo2, AKINLABI, Tomide, 2013) tem um registro que eu tirei a proporção da população por religião, não são números oficiais, apenas do estudo. A religião tradicional tem 4% da população na amostra do estudo e a cristã tem 60%.

Em tempos muito antigos havia o costume de enterrar com os reis mortos, pessoas ligadas a ele, como mulheres e escravos. No Dahomey isso era uma carnificina e apenas corrobora a minha visão de que tudo do Dahomey ser muito tosco, incluindo a raiz religiosa, totalmente zoomórfica. O hábito de agregar divindades de outros povos a sua religião, como vemos aqui no Candomblé, onde as casas de Candomblé Jeje acabam repletas de orixá (Òrìṣà) yorùbá e, suas divindades, acabam sendo minoritárias, vem de tempos antigos quando um dos reis de lá (ou mais de um), tinha como método de conquista, incorporar as divindades dos povos conquistados para facilitar a sua dominação. Ele não estava muito preocupado com religião e sim com conquistas e por esta razão a religião dele acabou absolutamente confusa, como é aqui no Brasil.

No caso Yorùbá isso era uma estratégia política, algumas pessoas na corte do rei eram previamente escolhidas e nomeadas, no palácio real, para serem enterradas junto. O objetivo disso, na verdade, era fazer com que essas pessoas fossem as mais preocupadas com a vida do rei e dessa forma o rei ganhava protetores contra traições.

Na prática, para as pessoas comuns se estabeleciam substitutos, assim, um animal seria sacrificado no enterro em vez de pessoas, como será descrito adiante. Mas, alguns pertences dos mortos eram, de fato, colocados junto com o morto no caixão, como muitas culturas o faziam também.

Segundo Parrinder, “...a cova será cavada pelos filhos, depois que o caixão desce a cova é feito um sacrifício e o sangue escorre para dentro da cova. Os filhos ficaram de costas para o túmulo e jogarão mingau de milho brando em cima do caixão (ainda de costas) e rezarão a seu pai pedindo por benção: “possa você descansar em paz, possa esta causa conhecer a calma, possa eu ter filhos para jogar o mingau em mim”. A cova é enchida ainda com as costas voltadas para ela. Depois do enterro ele farão uma celebração com tambores e dança (possivelmente o axexê)...

Parrinder ainda adiciona:

Os yorùbá, após o enterro, tem ainda o ritual feito pelo culto de Eégún ou Orò. A viúva, ou viúvas, são levadas para fora da cidade para um lugar com vários montes de terra, um para cada mulher, mais um que representa o morto. Em cada um deles tem um inhame e eles pegam o inhame como último presente que podem esperar do falecido.

Uma semana ou mais depois, um dos egúngún vai a casa à noite. Todas as luzes são apagadas e ele chama o falecido. Então, outro egúngún que está escondido responde como o falecido e aparece na casa. Uma oferenda é feita a ele e ele abençoa as esposas e filhos do homem morto como se ele fosse a própria pessoa.
Quando uma mulher morre, os parentes dela preparam uma miniatura de coração que é colocada em uma cabaça. Os enlutados levam para a floresta e o nome da mulher é falado 3 vezes e a resposta vem das árvores. Um egúngún aparece e recebe o coração, abençoa os que estão dando e retorna. O coração posteriormente é joga em um rio. Os EWE jogam no mar. O simbolismo disso é que o coração da mulher é sua principal atenção e está ligado com a energia da casa.

Este texto de Parrinder (African Traditional Religion) é na verdade é o mesmo texto usado por Samuel Johnson (The history of the Yorubas). Johnson adiciona a informação de que as esposas do falecido devem dormir no chão nú, sem nenhuma esteira por 3 meses após o enterro.

Na descrição de Johnson, a cerimônia com os egúngun é feita no décimo terceiro ou décimo sétimo dia depois da morte.

No dia 13 ou 17, a cerimônia final é realizada: Por conselho do Alagba, eles fornecem uma quantidade de búzios, um cachorro, dois pratos de inhame amassado ou farinha de inhame cozido, duas panelas, cerveja nativa, nozes-de-cola, milho ressecado, uma enxada e um cutelo, e duas cobertas de tecido nativo para uma roupa de Egugun. No meio da noite, um homem vai e senta no telhado da casa do falecido; outro que personifica o morto, é escondido no quintal, mas a uma curta distância do anterior; um terceiro é o Egugun chamado que não está vestido, vindo na companhia do Alagba, falando em um tom de voz vazio, mas emocionante, gritando: ”E gbe mi".(Me levante).

Imediatamente várias vozes são ouvidas “Levante aqui, levante lá ”, como se estivessem carregando o Agan e o encontrassem pesado. Ao entrarem na vila da família, as viúvas e as outras mulheres devem correr para os quartos e apagar todas as luzes. O Agan é então conduzido para a túmulo do falecido, onde a cerimônia especial é realizada. Ele canta claramente o nome do falecido, para que o substituto possa ouvi-lo, ao mesmo tempo avisando-o para não atender ao seu chamado, mas ao do homem no telhado.

Este último golpeia a enxada na mão com o cutelo como um sinal para atrair a atenção do substituto escondido. Depois disso, ele chama em voz alta o nome do falecido assim como fez o Agan. Ele chama três vezes e, na terceira chamada, que também é a última, uma voz calma é ouvida da falsificação, simulando o dos mortos.
Nesta fase, as viúvas e todos os outros enlutados começam a chorar e a lamentar pelos mortos; o cachorro é então abatido e a carne é levada para os Alagbas.

Na manhã seguinte, o Egugun do falecido aparece em seu traje habitual, com um acompanhante Egugun, ambos saindo da casa do Alagba. Ele segue para sua antiga casa, onde está uma esteira para fora para recebê-lo. Ele abraça todos os seus filhos, senta-se por turnos de joelhos e os abençoa, prometendo dar saúde, força, vida-longa e o descanso. Ele aceita presentes de todos os parentes. Os homens dão búzios amarrados e as mulheres búzios soltos. Após isso eles levam todos os presentes recebidos na capela de Egugun ou para o Alagba, onde o Egugun será despido e uma boa festa é feita da carne do cão abatido no dia anterior
Os búzios amarrados contribuídos pelos homens retornam a cada um deles. Os búzios sem corda das mulheres, são distribuídos entre aqueles que tomaram parte da cerimônia, incluindo, claro, o Alagba.

No caso de uma mulher, a cerimônia é mais simples. As mesmas ofertas geralmente são necessários, exceto a enxada e o cutelo. O os parentes são ordenados a adquirir um coração em miniatura e colocá-la em uma nova cabaça para encontrar o Egugun da matrona falecida emergindo do bosque de Egugun.

No dia marcado, eles seguem para o bosque com tambores, os órfãos carregando cada um rabo de cavalo em seu ombro, como um sinal de luto. Então um dos homens do Alagba grita três vezes o nome da matrona morta, assim como na cerimônia semelhante ao detalhado acima; um Egugun responde do bosque e do a voz é afogada com percussão e canto. O Egugun com o Paka (um atendente) agora sai do bosque e caminha para as crianças órfãs para receber a nova cabaça contendo o coração em miniatura; abençoa o doador e volta com ele para o bosque. A coração é posteriormente enterrada em silêncio na margem do rio ou dentro do bosque.

O período de luto para homem ou mulher é o acima mencionado, três meses, período durante o qual os homens devem permanecer sem lavar, barba por fazer e as mulheres com cabelos desgrenhados e vestido inalterado. Ao término deste prazo, em um dia designado todos eles fazer a barba pelos mortos, e seus cabelos são jogados para fora pela parede da casa. Eles então desfilam pelas ruas, vestidos da melhor maneira possível, cantando e dançando em homenagem aos mortos, e chamando em uma casa depois do outro para voltar graças aos simpatizantes. As crianças dos falecidos, gerados ou adotados, agora carregam os rabos de cavalos em suas mãos pelas quais eles se distinguem daqueles que não têm conexão imediata com a família.

Na divisão da propriedade, as viúvas, conforme mencionado acima, passam a posse das crianças e dos parentes mais próximos, o direito sendo cada um determinado por votação. Cada parente masculino envia ao redor de seu palito (escova de dente nativa) com seu nome a mulher de sua escolha; eles devem rejeitar a proposta duas vezes como se resolvessem permanecer viúvas a vida inteira; mas na terceira e última proposta, com lágrimas nos olhos, eles faça a sua escolha e sejam retomadas. Isso conclui a última cerimônia.

Apesar de ser a mesma coisa de Parrinder, eu preferi colocar essa descrição maior de Johnson para entenderem o envolvimento de egungun e o destino da família do morto.
Vou repetir, tudo isso que descrevo é por uma questão de curiosidade e conhecimento, praticar essa religião não implica ter que seguir rituais e práticas de outras culturas e a formação de uma tradição religiosa local, neste caso aqui, o Candomblé, significa acomodar essas questões e estabelecer o que é possível para ser feito em nossa sociedade.

Quando faço essas descrições tenho o objetivo de situar o contexto e o sentido de liturgias, nunca de querer estabelecer que isso deve ser feito.

Eu tive a experiência de ver essas questões sendo tratadas por uma amiga, que sabia que ia morrer, devido a ser doente terminal e que lidou com essas questões, de planejar como seriam realizados seus ritos funerários no hospital, logo após morrer e também dos próprios ritos de enterro.

É bastante difícil, hoje em dia, controlarmos tudo o que queremos, mas, existe sim, algum controle sobre a preparação do corpo e a realização dos rituais de post-morten, e isso é que é importante. Essas questões rituais não são apenas um problema para quem é do Candomblé, Judeus lidam com as mesmas questões e outras religiões ou cultos também. Apesar de os católicos não estabelecerem nada para isso e desta forma moldarem o comportamento geral às suas ordenações, cabe a cada religião se afirmar e buscar o seu direito legítimo.

Logo que a pessoa morre é feito o ritual para desligar a ligação entre o corpo do morto e o orixá (Òrìṣà). Esse ritual pode ser feito antes do corpo entrar no caixão (melhor) ou depois que o corpo já está no caixão. O correto é as pessoas da casa do falecido participarem da preparação do corpo junto ao agente funerário. Nem sempre as pessoas tomam essa iniciativa e deixam para fazer a cerimônia no caixão já está na capela do cemitério e ali certamente não é o local mais adequado.

As pessoas da casa da pessoa deveriam ir na agência funerária e fazer a preparação do corpo conforme eu descrevi anteriormente. Isso é simples, possível, prático e exequível. Se é um ritual da religião que não vai contra a sociedade local, deve ser feito.

A cerimônia envolve o que se chama de retirada do Oxu (Oṣu). A colocação do Oxu (Oṣu), foi um ritual que a pessoa fez quando foi iniciada. O Oxu (Oṣu) representa a ligação com o orixá (Òrìṣà) da pessoa para que ele possa incorporar, contudo, mais do que isso é uma ligação com a pessoa que o iniciou e com a casa em que ele foi iniciado.

Uma pessoa quando se inicia, de acordo com a religião, se liga com 3 elementos. O primeiro é o iniciador porque é ele, suas mãos e axé (àṣẹ) que fazem todo o processo. Segundo com a casa, porque é na casa que ela faz o processo e a religião entende que existe uma ligação do axé (àṣẹ) da pessoa com o axé (àṣẹ) da casa. Em terceiro com o orixá (Òrìṣà). Essa última é a mais questionável, porque a pessoa já está ligada no nascimento ao orixá (Òrìṣà). Dessa maneira a retirada do Oxu (Oṣu) é, de fato, a quebra ritual da ligação com o iniciador e casa.

Nesse mesmo ritual é feito um bori na pessoa para que ela possa fazer a passagem para o órun (Ọ̀run). Esse momento pode parecer estranho, porque será feito um Bori em um morto, mas, convêm lembrar que, o Bori, trata da ligação aiye-orun entre a pessoa o seu anjo guardião, o enikeji e essa relação ainda existe no recém-morto. A realização de um ritual simples de Bori vai ao encontro de dar energia para que o espírito possa encontrar o seu caminho de ida ao órun (Ọ̀run).

Após a retirada do Oxu (Oṣu) e do bori é feito a preparação do caixão do morto, que vai receber alguns elementos. Não cabe aqui neste texto descrever essas cerimônias e nem o procedimento de preparação do caixão.

Aqui no Brasil o enterro é finalizado com o féretro até a cova e pode seguir o rito local que é simples mas adequado, mas, como explicado, não é o momento principal. O féretro é puxado pelas pessoas de Óiá (Ọya) e o caixão ao entrar nos portões do cemitério deve ser carregado ACIMA dos ombros e não pela alça do caixão ou em um vagão de transporte. O protocolo é esse carregar o caixão acima do ombro.

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