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sexta-feira, abril 05, 2013

Teologia Yorùbá O Cosmo Yoruba - Parte 1

Teologia Yorùbá

O Cosmo Yoruba - Parte 1


Introdução

 

Os Yorùbá desenvolveram uma religião própria e distinta, a religião Yorùbá. Não existe um nome especial para ela, alguns podem chamá-la de Religião Tradicional Yorùbá, é uma opção, mas esse nome é normalmente aplicado a uma das tradições religiosas existente (mais à frente vamos abordar a questão das tradições religiosas). A religião Yorùbá é original e autêntica e não tem vínculo com nenhuma outra religião existente.

A manifestação Yorùbá não pode ser confundida com os sincretismos com o catolicismo que foram feitos nas tradições religiosas originadas na diáspora, e mesmo nas terras Yorùbá, que confundiram os seus conceitos teológicos com os do catolicismo. O sincretismo foi um processo temporário, uma consequência do próprio processo de dominação escravagista e esta gradualmente e aceleradamente sendo eliminado.

A religião Yorùbá tem conceitos teológicos próprios. Possui uma cosmogonia bem definida, uma teogonia documentada, uma teodiceia distinta e um conjunto que oferece uma teologia rica. A gênese Yorùbá é original, sem similar com a de outras religiões. Suas liturgias são complexas e voltadas para o bem da pessoa e da comunidade. A religião oferece às pessoas uma visão clara do sentido de sua vida, do motivo de seu nascimento, ao sentido do que deve fazer em vida e ao seu destino após sua morte. Ela possui valores definidos que conduzem a formação de uma ética e de valores morais. 

Este conjunto permite considerarmos a manifestação Yorùbá como uma religião própria e autônoma. Ela não depende de conceitos e práticas de outras religiões. Com uma teologia independente ela oferece a seus seguidores um modelo metafísico próprio.

Essa riqueza conceitual permite-nos a definirmos como a Religião Yorùbá sem qualquer vínculo que possibilite ser considerada um culto ou uma seita. Esses 2 adjetivos devem ser considerados como pejorativos. 

Na religião Yorùbá o mundo natural recebe o nome de Àiyé e o espaço supernatural de Órun (ọ̀run). Atentem que, traduzir o Àiyé como terra, o planeta, é uma opção liberal. Mas traduzir o Órun (ọ̀run) como “céu” é uma maior ainda. O correto é entendermos como o mundo natural e o supernatural.

Toda religião estabelece uma concepção metafísica da existência como um todo e entender essa concepção é importante para entender qual a proposta que a religião estabelece para a vida das pessoas. Compreender a proposta de vida que a religião oferece é o que interessa em uma religião e o Cosmo é uma parte deste entendimento.

As concepções metafísicas das religiões variam, mas, com muitas similaridades entre si. Não existe sentido buscarmos saber qual é a concepção que corresponderá a realidade, o que importa é sabermos qual a concepção na qual acreditamos, ou melhor, qual concepção nos dá mais conforto para viver.

O divino Yorùbá é uma estrutura bem elaborada, apesar de complexa, porque em alguns aspectos, é pouco detalhado ou preciso (deixa lacunas). Contudo, ela é equivalente a das religiões mais conhecidas, populares e bem elaboradas do mundo. A religião Yorùbá esta longe de ser um modelo fetichista ou animista, como muitos quiseram caracterizar. Esta religião oferece um modelo consistente e previsível que permite a qualquer pessoa entender e se relacionar com ele.

Se esta religião tivesse tido o trabalho teológico de construção que teve o Catolicismo, por exemplo, seria um fenômeno mundial, e sem muito esforço. O trabalho feito em cima do catolicismo foi titânico a partir da invenção feita por Paulo de Tarso, que criou uma religião a partir de sua própria interpretação. 

Entretanto, se a religião Yorùbá é tão boa assim, como eu digo, por que foi abandonada na sua região de origem? A terra Yorùbá, sendo suplantada largamente pelo cristianismo e pelo islamismo?

Não sei, não sou estudioso disso. Os locais, Yorùbás podem responder. Eu posso apenas especular. Primeiro lembro que essas religiões abraâmicas, assim como o Budismo, são as ditas religiões universais. Não oferecem grande dificuldade de adoção. Tem um divino bem estabelecido e bem documentado. O proselitismo sobre elas é fácil.

As religiões semitas, como seu modelo monoteísta, exerce sobre o religioso e crente esta motivação em espalhar sua crença em detrimento a outras crenças. Devemos lembrar que a violência religiosa sempre esteve associada às religiões semitas.

Poderia elencar mais algumas possíveis causas aqui, de menor relevância talvez, mas será apenas especulação minha. 

A realidade é que, como em todo o mundo, o proselitismo das religiões semitas é um rolo compressor e passou por cima da bem estabelecida e original religião Yorùbá. Já ouvi uma tese que diz que a diáspora negra não foi por acaso, e que se não fosse por ela os orixá (Òrìṣà) não teriam se preservado como divindade religiosa.

Sem dúvida não podemos negar que se dependesse apenas da preservação da religião na terra Yorùbá ela já estaria perdida.

O modelo teológico Yorùbá será explicado, neste texto, da forma estruturada. O objetivo a ser atingido é o de eliminar confusões e má interpretações e possibilitar que as pessoas, através do entendimento do modelo teológico Yorùbá, possam praticar o significado da religião em suas vidas de forma plena, 

Como toda proposta, esta pode não agradar a todos, mas, é resultado de uma longa e cuidadosa avaliação, com cruzamento de fontes, análise e busca de coerência. Nada esta sendo inventado, apenas esta religião esta sendo tratada com o respeito e a originalidade que ela merece.

Eu me lembro de uma discussão entre Pierre Verger e a Juana Elbein quando esta lançou o livro Os Nago e a Morte. O Verger foi caustico em suas críticas através de um artigo chamado Etnografia religiosa Yorùbá e probidade científica. Ele colocou a Juana no mesmo nível de péssimas referência de autores dos primórdios das publicações sobre o povo Yorùbá.

Sob o aspecto técnico as críticas deveriam ser válidas, mas, ele foi injusto ao equiparar ela a outros muito piores e mais mal intencionados do que ela. Aliás Verger fez um bom trabalho de analisar referências bibliográfica para entender de onde vieram interpretações equivocadas sobre o povo e a religião. Ele buscou a origem de equívocos que foram copiados sucessivamente depois por outros autores, inclusive brasileiros, como Nina Rodrigues.

Mas, a Juana não se deu ao trabalho de responder às críticas de Verger. Ela apenas resumiu de forma muito objetiva e, na minha visão brilhante, que ela e o Verger tinham formas distintas de ver a religião. Ela via a religião Yorùbá como uma coisa maior, mais complexa e densa e ele Verger a tratava como uma religião menor, um animismo.

Minha visão é que as críticas de Verger eram válidas, mas, se atinham a aspectos bem específicos que poderiam, sim, serem erros de interpretação e também as famosas pegadinhas linguísticas Yorùbá. Contudo, concordo mais ainda com a Juana em relação a forma como o Verger via a religião. Basta ver seus livros. Ele descreve coisas que viu, mas, não analisa ou explica. Ele não busca um contexto maior, não oferece uma visão mais abrangente e não transmite ao seu leitor a riqueza teológica da religião. A Juana se dispôs a ver isso de forma distinta e fazer o mesmo que outros autores também o fizeram como Parrinder, Mbiti, Idowu e Awolalu. 

O divino Yorùbá, naturalmente e sem esforço, oferece a quem é confuso ou quer criar dificuldade (para vender facilidade), uma ampla possibilidade de atuação, em função da natureza elástica da quantidade de divindades e da complexidade de ritos.

Muitas pessoas se preocupam com isso, em explorar a quantidade e criar para cada uma delas uma complexidade própria. Na maior parte das vezes, inventada, com grande riqueza de detalhes. Assim descrevem a religião como um enorme “panteão” de “deuses” e se perdem em uma infindável colcha de retalhos tentando explicar a religião. Não conseguem, de fato. Conseguem se confundir, confundir as pessoas e com isso gerar uma complexidade sem utilidade.

Vamos assim mudar essa abordagem viciada “de baixo para cima” e procurar entender a religião “de cima para baixo”. A abordagem mais comum é aquela que erroneamente tenta explicar a religião a partir dos orixá (Òrìṣà). Não é possível. Os orixá (Òrìṣà) são a ponta final, a vanguarda de todo o contexto metafísico e teológico da religião Yorùbá.

Você consegue explicar a alguém o que é uma pessoa ou o que é uma vida através dos seus dedos ou mãos? Você consegue explicar a alguém o que é uma corrida ou o trabalho de uma equipe mostrando a chegada de uma prova? Você consegue explicar o que é o futebol mostrando apenas os gols de uma partida?
A SEGUIR: O MODELO TEOGÔNICO

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