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sábado, fevereiro 06, 2021

Onde fica a sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)? - [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 44]

Texto anterior:  As informações de Alex Cuoco

 

Onde fica a sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run)?

 

Esta é a questão mais importante neste tema e por esta razão inicio com a mesma.

Como pode ser observado, o relato de, Verger, Salami e Cuoco são bastante similares, porque são baseados nas mesmas histórias. O material do Cuoco é bem mais detalhado e tem muitas histórias que mostram diferentes aspectos dos Àbíkú, incluindo a história da cidade de Awaiyé e outros (não mostrados aqui), que relatam que, em alguns casos, é impossível mesmo para o Bàbáláwo impedir o retorno dos Àbíkú. A leitura dos mitos de Cuoco é obrigatória para um Bàbáláwo.

As histórias dos Àbíkú mostram vários tipos de ocorrência dos casos e de soluções para eles, mas, elas também deixam claro que nem mesmo o Bàbáláwo pode resolver todos os casos e que a interferência de Iyàjanjàsá ou Olóìkó poder impossibilitar esta solução (ver Cuoco). Esse é mais uma vez o elemento teológico da imprevisibilidade, o elemento aleatório que retira da religião a obrigação de 100% infalível.

Para iniciar a minha análise o ponto fundamental é o entendimento de que existe um Ìrònà, que este local supernatural, ou espiritual, como se chame, é, na verdade, um estado intermediário entre o Àiyé e o órun (Ọ̀run).

Salami aborda isso diretamente e também o faz Osamaro Ibie (IFISM The complete Work of Órunmila, Pag. 20) que igualmente reconhece a existência de um espaço intermediário onde vivem os Àbíkú e Ajé (Àjẹ́). Ele cita de “… Tão logo eles atravessam as últimas sete montanhas antes dos limites do órun (Ọ̀run), eles chegam a uma zona cinzenta entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. Esta zona cinzenta é chamada de “Hades”, a qual é a zona das “fadas” (Àbíkú)….”.

O Ìrònà não é um espaço apenas para o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), é onde também estão localizados as ajé (Àjẹ́) e os Ajogun. Isso significa que os espíritos que interferem mais diretamente na nossa vida no Àiyé estão localizados nesse espaço espiritual, ou energético intermediário. Isso não quer dizer que eles colaborem entre si, que sejam a mesma coisa e que façam as coisas juntos ou cooperem, indica que esse espaço energético, o Ìrònà abriga espíritos que tem o mesmo tipo de atuação junto a nós, ou melhor, podem atuar junto a nós.

É fantasioso buscar, para justificar o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), um modelo no qual existe o trânsito livre de espíritos entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. Isso chega a ser alegórico, porque esse livre trânsito não encontra espaço em nenhuma outra parte da teologia, somente aqui, com egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é que existe essa figura. Recorrendo ao que está nos versos podemos, sim, aceitar o evento de um espírito que vai a Oníbodé e declara que irá para o Àiyé e voltara em breve, vou tratar deste tipo de espírito de ciclo curto mais adiante, mas, entender que o Àbíkú, descrito como um espírito livre e sem compromisso, também faz a mesma coisa e mais, que seus companheiros também, bastam ir a Oníbodé e falar que vão ao Àiyé, dar uma voltinha, para infernizar ou acompanhar seu companheiro, sem nenhum compromisso com renascimento é teologicamente falando um absurdo.

Toda a teologia e cosmogonia da religião yorùbá indica um outro modelo, o modelo em que órun (Ọ̀run) e Àiyé estão separados e que o caminho entre eles é somente através do útero da mulher, do renascimento. Os mitos de Orí são baseados nesse modelo, assim como o culto de Orixá (Òrìṣà) se baseia nessa separação e na necessidade de se preparar os Elegùn para serem a extremidade Àiyé na ponte que receberá o Orixá (Òrìṣà) que está na outra ponta, no órun (Ọ̀run).

As próprias Ajé (Àjẹ́), não ficam no órun (Ọ̀run) e nem tiveram passagem livre para vir ao Àiyé, elas tiveram que vir no estômago de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), conforme está descrito no Odù osá (Ọ̀sá) Méjì e aqui ficaram, estão no Ìrònà, elas não tem tráfego entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé.

Conforme Salami descreve, o Ìrònà é o espaço intermediário, que a pessoa passa para chegar ao Àiyé e nesse caminho enfrentará como dificuldades os espíritos do mal e, se não tiver escolhido um bom Orí, chegará prejudicada no Àiyé.

...Este ponto de entrada no útero da mãe é espiritualmente crítico. Ifá diz entre a cidade do Céu e da Terra, existem tantos níveis de reinos espirituais que a próxima alma espiritual iria encontrar. Sua conquista das forças determinaria sua capacidade de chegar à Terra com todos os bens que desejava (e que lhe foi dado) no mercado de Ojùgbòròmẹkùn. Ifá diz que os dezesseis Odù principais, representando as forças benevolentes, estão localizados nesses níveis. Mas também existem as bruxas negras, os feiticeiros, Àbíkú e todas as forças Ajogun. É aqui que eles ficam à espreita para dar uma olhada no conteúdo de seus desejos. Ifá diz que essas forças malévolas estão posicionadas de tal forma que antes que alguém entre na Terra, eles já sabiam onde atacá-lo.
Esta etapa tem muitas consequências para a vida do viajante à cidade da Terra. Suas ações aqui são críticas para a manifestação das coisas boas que ele desejou como seu destino. Este é outro lugar para testar seu livre arbítrio, que entrou em vigor logo após ter Ẹ̀mí. Isso também pode ser denominado como o selo final, após o qual se torna impossível…

...Deste poema, Ifá afirma novamente que qualquer um vindo da cidade do Céu para a Terra encontraria essas forças negativas e positivas em Ìrònà, o meio do caminho. Estas forças positivas são para garantir que a jornada para a cidade
da Terra está livre de problemas, garantindo a preservação do destino escolhido pelo homem e para que o homem seja visto como comprometido com a adoração a Olódùmarè. Eles são o primeiro conjunto de forças a se encontrarem para que possam preparar o homem para os problemas à frente com os Ajogun. Mas as forças negativas se certificarão de que as coisas que o homem escolhe como seu
o destino sejam viradas para muitos problemas para ele e frustrar ele em sua vida.

A escolha de um bom Orí está ligada a isso, a prosperidade no Àiyé, um bom Orí que resistiu ao ataque das forças do mal é aquele que vai garantir a pessoa a facilidade de prosperidade. Isso está, desta forma, tratado por Salami e também está no Odù Ogbè Ògúndá, conforme transcrito por Wande Abimbola (Sixteen Great Poems of Ifa).

Osamaro Ibie foi bem direto ao posicionar a separação entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé:

...há sempre uma tendência de ver o homem estritamente de uma perspectiva biológica. Um homem e uma mulher acasalam e um filho nasce deles e o novo filho é visto como uma entidade independente, já vimos que no início da habitação terrestre, os seres humanos viajavam para este mundo sob a liderança de um ou de outro das divindades, veremos nos próximos capítulos que a estada de um homem no mundo é apenas uma continuação de suas atividades no céu, já vimos que antes que o homem viesse a viver no mundo, os habitantes do céu continuaram viajando seus pés de e para a terra, completaram suas atribuições na terra, e voltaram para o céu, foi Èşu quem bloqueou a passagem livre entre o céu e a terra e fez do útero feminino o caminho de passagem entre os dois lugares. Antes, a pelve de todos os animais, como nas plantas, ficava na testa e não era reconhecida nem respeitada, tanto nos animais quanto nos seres humanos. A pélvis, que era um organismo vivo no céu, foi para a divinação e foi aconselhada a fazer um sacrifício com um bode preto para Èşu e assim o fez. Depois disso, Èşu pediu à fêmea para abrir as pernas e extrair a pélvis de sua testa "e" posicionou-a entre as pernas. Ele então extraiu uma parte da pele do corpo do bode preto com o qual a pélvis fez o sacrifício para ele, e Esu usou-o para cobrir a pélvis em sua nova morada entre as pernas femininas.
Depois disso, Èşu foi para a fronteira do céu e da terra e bloqueou para sempre com escuridão total. Essa parte do sistema planetário se aproxima do que na mitologia grega é chamado de Erebus (Ìrònà). Foi Èşu quem o bloqueou permanentemente e ordenou que ao invés de manter os portões do céu permanentemente ocupados por viajantes vindos da terra para pedir filhos no céu, a partir de então, qualquer um, animais e humanos, que quisesse ter filhos deveria apelar para a pélvis, e o útero de todas as mulheres foi feito para simbolizar a escuridão e os mistérios de Erebus (Ìrònà). O período de gestação que uma fêmea leva para dar à luz um filhote também se aproxima do tempo que costumava levar para diferentes espécies da família animal viajarem de e para o céu para ter um filho.

Além disso no Candomblé temos um mito conhecido, no formato orixalizado, que reputa a Oxalá (Òṣàlá) a separação entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. O mito a seguir está descrito por Prandi (Mitologia dos Orixás, pag. 514). Lembro que o processo de orixalização fez parte da diáspora em todos os lugares. As divindades Olódùmarè, Exú (Èṣù), Ori e Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), bem como outros inrumolé (Irúnmọlẹ̀) não foram trazidos e toda a teologia e cosmogonia foi adaptada e identificada quase que somente por Orixá (Òrìṣà). Em alguns lugares isso foi muito exagerado e mal feito, como em Cuba, onde eles criaram uma cosmogonia própria, visto que lá conceitos muito básicos da teologia, como Ori e Exú (Èṣù) entre outros, não existiam para eles. No Brasil isso ocorreu, também, mas em menor intensidade e mais focado em Olódùmarè que aqui era tratado como se fosse Oxalá (Òṣàlá), o Orixá (Òrìṣà) da criação. Aqui, os inrumolé (Irúnmọlẹ̀) eram conhecidos, mas, no dia a dia o papel deles era atribuído a um Orixá (Òrìṣà).

Essa situação de orixalização começou a ser corrigida a partir da década de 50 do século XX, com o acesso dos sacerdotes às obras de pesquisadores e antropólogos. Em cuba esse processo de africanização fez um efeito muito grande, uma vez que eles são uma pequena ilha, a comunicação mais fácil e conhecimento controlado por poucas pessoas, eles inseriram rapidamente as divindades que faltavam fazendo um certo estrago no todo (minha opinião), mas, hoje, se comportam como se sempre tivesse sido assim lá, bem no estilo cubano.

O mito a seguir, da separação do órun (Ọ̀run) e do Àiyé, é bem tradicional no Candomblé.

Obatalá separa o Céu da Terra

No início não havia a proibição de se transitar entre o Céu e a Terr; A separação dos dois mundos foi fruto de uma transgressão, do rompimento de um trato entre os homens e Obatalá. Qualquer um podia passar livremente do Orum para o Aiê. Qualquer um podia ir sem constrangimento do Aiê para o Orum. Certa feita um casal sem filhos procurou Obatalá implorando que desse a eles o filho tão desejado. Obatalá disse que não, pois os humanos que no momento fabricava ainda não estavam prontos. Mas o casal insistiu e insistiu, até que Obatalá se deu por vencido. Sim, daria a criança aos pais, mas impunha uma condição: o menino deveria viver sempre no Aiê e jamais cruzar a fronteira do Orum. Sempre viveria na Terra, nunca poderia entrar no Céu. O casal concordou e foi-se embora. Como prometido, um belo dia nasceu a criança. Crescia forte e sadio o menino, mas ia ficando mais e mais curioso. Os pais viviam com medo de que o filho um dia tivesse curiosidade de visitar o Orum. Por isso escondiam dele a existência do Céu, morando num lugar bem distante de seus limites. Acontece que o pai tinha uma plantação que avançava para dentro do Orum. Sempre que ia trabalhar em sua roça, o pai saía dizendo que ia para outro lugar, temeroso de que o menino o acompanhasse. Mas o menino andava muito desconfiado. Fez um furo no saco de sementes que o pai levava para a roça e, seguindo a trilha das sementes que caíam no caminho, conseguiu finalmente chegar ao Céu. Ao entrar no Orum, foi imediatamente preso pelos soldados de Obatalá. Estava fascinado: tudo ali era diferente e miraculoso. Queria saber tudo, tudo perguntava. Os soldados o arrastavam para levá-lo a Obatalá e ele não entendia a razão de sua prisão. Esperneava, gritava, xingava os soldados. Brigou com os soldados, fez muito barulho, armou um escarcéu. Com o rebuliço, Obatalá veio saber o que estava acontece Reconheceu o menino que dera para o casal de velhos e ficou furioso com a quebra do tabu. O menino tinha entrado no Orum! Que atrevimento! Em sua fúria, Obatalá bateu no chão com seu báculo, ordenando a todos que acabassem com aquela confusão. Fez isso com tanta raiva que seu opaxorô atravessou os nove espaços do Orum. Quando Obatalá retirou de volta o báculo, tinha ficado uma rachadura no universo. Dessa rachadura surgiu o firmamento, separando o Aiê do Orum para sempre. Desde então, os orixás ficaram residindo no Orum

Sem querer ser extensivo e entediante, em Ifá encontramos também alguns versos descrevendo a mesma coisa, Olódùmarè chama de volta os Orixá (Òrìṣà) ao órun (Ọ̀run), não vou transcrevê-los aqui, apenas afirmo a sua existência, de modo que essa separação não é uma coisa da diáspora ou do Candomblé é um componente da religião.

Desta forma sigo com o objetivo de que conhecimento e análises tem que ser baseados em versos e, mais, tem que manter a consistência com a teologia como um todo, não podemos ter uma teologia em contêineres.

Considero pacificado o pensamento que o órun (Ọ̀run) e o Àiyé são instâncias dimensionais diferentes, que não existe tráfego livre entre essas instâncias, que o tráfego passa pela vontade de Olódùmarè, que como está documentado no verso de Ogbè Ògúndá, estabelece um rito de nascimento que passa por ele (a entrevista de Olódùmarè que está em Ìwòrì Méjì ) e que o tráfego entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé têm um controlador, uma divindade Oníbodé, que é subordinada a Olódùmarè.

Não temos relato em versos de divindades indo e vindo ao Àiyé, muito menos os Orixá (Òrìṣà), que são os ministros de Olódùmarè destacados a cuidar da humanidade e que poderiam ter esse privilégio. Não tem.

A presença dos Orixá (Òrìṣà) ocorre através das pessoas que são preparadas para isso, por iniciações, feitas para despertar isso, sendo que a essência do Orixá (Òrìṣà) já existe na pessoa antes do seu nascimento, a pessoa no Àiyé e o Orixá (Òrìṣà) no órun (Ọ̀run), já são ligados. A iniciação não cria o Orixá (Òrìṣà) na pessoa, apenas desperta uma energia, uma essência, que a pessoa veio ao mundo com ela, a essência do próprio Orixá (Òrìṣà) fazendo parte dela.

Antes de fechar esta conclusão destaco o texto a seguir retirado de Cuoco (pag. 634) que explica a necessidade de um elégùn.

Elégùn

Um orixá é um elemento puro, uma força da natureza e ase, que é uma energia que só se torna visível quando o orixá possui os humanos e se torna um deles. A pessoa que o orixá escolheu possuir é chamada de "elegun", aquela que obteve o privilégio de ser "montada" pelo orixá. Em Yorubaland, os pais de uma criança recém-nascida geralmente consultam um Bàbáláwo para determinar o destino da criança. Nesse momento, o orixá-chefe da criança é certificado e ele se torna um futuro elégùn. Por volta dos sete anos de idade, a criança receberá cuidados espirituais de um padre guardião, que pertence ao mesmo orixá da criança. Isso é feito para que a criança viva na atmosfera de seu Orixá (Òrìṣà) designado.
Por meio da possessão, os corpos dos devotos tornam-se veículos que permitem aos orixás retornar à terra para serem saudados, participarem de ritos cerimoniais, bem como receberem sacrifícios e serem capacitados a se comunicarem diretamente com aqueles que os evocaram. Na terra Yorùbá, o termo Iyawoorisa é frequentemente dado a um elégùn, que significa "esposa do orixá" (Iyawo). Este termo é usado para referir-se a homens e mulheres e não representa uma ideia de união nem de posse carnal, mas sim de subordinação e dependência. Normalmente é realizada uma cerimônia de consagração de um novo elégùn. O noviço, deve suportar um longo ritual de iniciação de seu orixá. Um lugar sagrado especial para a iniciação é estabelecido e o futuro elégùn deve ir lá alguns dias antes do início das cerimônias, a fim de atender aos preparativos. O novato então viverá em um local privado que deve ser próximo ao "igbo iku" (a floresta da morte), que é o local onde as cerimônias acontecerão. Apesar do nome, este local não é uma floresta real, mas sim um cômodo simples de uma casa ou qualquer outro cômodo vazio. A permanência do noviço no igbo iku representa a passagem ao Órun (Ọ̀run) infinito, entre a existência antiga e profana do noviço e a nova que será consagrada ao seu orixá. O noviço é então submetido a ingerir infusões feitas com folhas e raízes sagradas, que irão reforçar a ligação entre ele e seu futuro Orixá (Òrìṣà) . Essas infusões, que contêm ase, o poder do Orixá (Òrìṣà), têm um efeito influente na mente do novato ou contribuir para levá-lo a um estado de entorpecimento e sugestão, o que o torna um ser dócil, pronto para a iniciação e para receber seu orixá. Uma vez que o processo de iniciação é concluído, o novato renasce como um elégùn. Da ai em diante, seus sentidos serão constantemente aprimorados e poderão ser: avaliados durante os rituais de adoração. Um elégùn é mais vulnerável à possessão de um orixá durante cerimônias religiosas onde tambores, cantos e danças criam uma atmosfera carregada de axé (àṣẹ) que permite que o orixá adorado monte em seu corpo. No estado de transe, o elégùn se torna um orixá e é adorado por outros devotos, que oferecem sacrifícios e o saúdam. Por sua vez, o evocado Orixá (Òrìṣà) oferece orientação aos devotos através do elégùn.

O culto de Orixá (Òrìṣà), oferece aos associados, crentes, o contato com o Orixá (Òrìṣà) e com a religiosidade e para isso é necessária a preparação dos elégùn para que o Orixá (Òrìṣà) se faça presente no Àiyé. Não se trata, esta, de uma religião contemplativa, mas uma religião de ação e reação, de circulação de axé (àṣẹ) e neste sentido é o Orixá (Òrìṣà) o ministro de Olódùmarè é quem traz isso para as pessoas.

Para que a religião possa ser praticada é necessária a presença do Orixá (Òrìṣà), repito esta não é uma religião de contemplação e de fé cega, não guiamos nossa vida por proibições e medos, sem Orixá (Òrìṣà) não tem religião e é necessário o Orixá (Òrìṣà) presente para vermos e tocarmos. Não temos que ficar imaginando um Orixá (Òrìṣà) ele se apresenta. O supernatural, o divino não é uma fantasia na nossa cabeça.

Para que esta religião ocorra é necessária a presença do Orixá (Òrìṣà) e isso será feito através da iniciação e da preparação do elégùn, que é a cabeceira da ponte entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. O elégùn é quem estabelece a ligação com o Orixá (Òrìṣà) que está no órun (Ọ̀run), atenção, no órun (Ọ̀run) separado do Àiyé, dimensionalmente distintos. A via que liga o órun (Ọ̀run) e o Àiyé será o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e isto veremos mais adiante.

Se o órun (Ọ̀run) e o Àiyé estivessem ligados energeticamente ou dimensionalmente, então bastaria o Orixá (Òrìṣà) estalar os dedos e aparecer aqui no Àiyé, nós veríamos uma imagem dele e não de um elégùn montado. Poderia ainda fazer uma entrada mais dramática, saindo de dentro de uma garrafa, como uma nuvem de fumaça colorida. Podia inclusive falar com a gente a partir do órun (Ọ̀run), imagina todo mundo em um terreiro e aquela voz soando nas nossas cabeças, tipo deus em filmes de Hollywood.

Se não é nada disso que ocorre então órun (Ọ̀run) e Àiyé estão separados.

E mais, lembro da existência dos fantasmas, almas que se perdem quando morrem e ficam vagando pelo Àiyé. Isso jamais ocorreria, as almas estariam o tempo todo indo e vindo.

Para nossa vinda ao Àiyé, está pacificado também, que o único caminho é o útero da mulher. Este é o portal. Um novo corpo é criado no Àiyé, energeticamente ligado a essa dimensão e o útero é o que faz a passagem do espírito entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé. A questão do útero é extremamente importante na mulher. No Odù Òfún Méjì está a descrição de que Olódùmarè deu a Odù a mítica esposa de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) o poder total sobre o axé (àṣẹ), que é a energia de Olódùmarè. Foi Odù a mulher, que recebe de Olódùmarè o poder supremo que é representado pela cabaça. Todos os Orixá (Òrìṣà) da criação, conforme descrito no Odù oxé (Ọ̀ṣẹ́) Òtúwá eram masculinos, eles tinham a ação, mas, somente Odù foi a mãe, a que recebeu o poder de gerar vida. Ela traz na mão na sua vinda ao Àiyé a cabaça da criação, na verdade, o útero dado por Olódùmarè para ela ser a mãe da humanidade. Esta questão do útero, de Odù de Óba (Ọba) Àiyé e Ìyá Nlá estão explicados no Odù Òfún Méjì.

O útero é o repositório do axé (àṣẹ) e por isso mesmo a mulher e não o homem é o elégùn preferencial. Mesmo o Bàbáláwo recebe o seu poder, o seu axé (àṣẹ) da mulher. A fonte de poder do Bàbáláwo é o Igbá Odù, que é necessário para ele se tornar um Bàbáláwo. O Igabdu é a representação do útero da mulher e isso é lhe dado pela própria Odù, conforme verso existente em Òfún Méjì. Sem isso o poder do Bàbáláwo não se manifesta, foi o útero de Odù na cabaça que dá o poder ao Bàbáláwo.

O Bàbáláwo é um sacerdote que trabalha continuamente com a ligação órun (Ọ̀run) – Àiyé e seus 2 únicos instrumentos para isso são o ópon Ifá (Ọpọ́n Ifá) ifá, uma representação do Àiyé e um portal energético para o órun (Ọ̀run) e o Igbádù.

Digo mais, afirmo que o modelo de um órun (Ọ̀run) e um Àiyé ligados tornaria impossível a vida no Àiyé. Um dos elementos importante na vinda para uma nova vida, conforme descrito por Ibie e por Salami, de maneira um pouco diferente, mas, com o mesmo significado, como está no Odù Ìrsòsùn Méjì, é que ao vir para o Àiyé nós perdemos o contato e a lembrança de memórias, somos um livro em branco, deixamos o órun (Ọ̀run) para trás.

Mesmo o nosso Énikeji (Ẹnìkéjì), nossa divindade pessoal, a divindade mais importante para nós, nosso anjo-da-guarda não tem contato com a gente aqui! Ele somente se comunica de forma bastante restrita através do oráculo de Ifá.

Sem esse isolamento seria impossível viver uma nova vida, assim como seria impossível viver se ficarmos sendo continuamente importunados por espíritos do órun (Ọ̀run) que nos conhecem. Salami cria a figura da árvore do esquecimento para estabelecer esse processo de esquecimento.

Qualquer outra religião, séria, no mundo, que prevê o renascimento de uma alma também tem o mesmo processo de esquecimento e isolamento.

Acreditar não só na comunicação aberta entre o órun (Ọ̀run) a e Àiyé bem como acreditar que familiares no órun (Ọ̀run), como esposa e filhos interferem aqui em nosso destino, como dizem alguns Bàbáláwo (Ifayemisi Elebuibon em Égbe (Ẹgbé) Órun (Ọ̀run) : the comrades of heaven, é um desses desenganados), é ser desprovido de conhecimento ou de má intenção, ao querer inventar problemas para as pessoas resolverem.

No meu entendimento esse trafego livre, tendo em sua origem o órun (Ọ̀run) com o Àiyé, não faz o menor sentido. Além de minha opinião, construída através de minhas pesquisas e análises, podemos também usar o texto de Salami descrevendo Ìrònà, o espaço intermediário entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé, onde residem outros espíritos mais presentes entre nós, como o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), os Ajogun e as ajé (Àjẹ́). Mesmo Osamaro Ibie também cita a existência do Ìrònà. A passagem pelo Ìrònà e os problemas que encontramos nessa passagem, é parte do relato sobre o nascimento que será feito mais à frente.

Para levar adiante esse modelo dos membros do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) indo e vindo entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé, em termos de consistência teológica, teremos que jogar fora tudo o que está explicado na religião para as demais áreas e colocar o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) em uma bolha com uma teologia e cosmogonia própria, que só serve para esse tema. Isso não faz o menos sentido.

Esse relato, desta forma, consta das histórias, mas é bastante discutível e eu não o aceito nesta forma, deve haver um mal entendimento ou problema de tradução, isso não bate com o restante da teologia yorùbá. Para atender a esse modelo de vinda do órun (Ọ̀run) teríamos um modelo com espíritos indo e vindo livremente entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé e esse relato não existe nem para os Orixá (Òrìṣà).

Desta forma, para os Òrìṣà (Orixá (Òrìṣà)) e até Énikeji (Ẹnìkéjì), divindades poderosas e superiores, atuarem no Àiyé, junto a nós, temos essas condições especiais e regras e para os espíritos comuns não temos? Os Àbíkú ficam em trânsito aberto?

Conforme está no literalmente nos mitos, um Àbíkú quando nasce pede aos seus companheiros para irem buscá-lo, caso a família seja bem-sucedida nos esforços de retê-lo no Àiyé. Para isso seus camaradas saíriam do órun (Ọ̀run) indo ao Àiyé na sua forma de espíritos. Ainda, pelo que relatei, os camaradas dele podem, querer vira aqui para atormentá-lo na vida, durante a noite e, temos ainda, nas histórias o relato de que eles se reúnem entre si, como espíritos, em florestas.

Isso é o que está nos mitos, não podemos ter dúvidas, mas, se substituirmos, nesses mesmos mitos, a vinda do órun (Ọ̀run) pela vinda e convivência de espíritos entre nós, estando eles, o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run), no Ìrònà todos os mitos ficam perfeitos, as coisas passam a se encaixar com o resto.

Não existe sentido nesse relato como descrito nos mitos. Desta forma, minha afirmação é que, isso está traduzido ou entendido incorretamente. Vamos lembrar que, esses mitos, nunca foram escritos, eles eram transmitidos oralmente até serem documentados em algum momento da segunda metade do século XX. Todos os mito fazem sentido no que dizem, exceto pela suposição de que o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) seja localizado no órun (Ọ̀run).

Em yorùbá não podemos nos fixar em palavras, isso é diferente nesta língua, palavras tem muitos significados. Assim se eles não estão no Àiyé ou seja não são Ara Àiyé (corpos, membros no Àiyé) o que sobra é ser Ara órun (Ọ̀run) eles não tem a expressão Ara Ìrònà e nem seria necessária, o que não é Àiyé é órun (Ọ̀run).

Encerrando a questão de localização, seja pelas referências, como pela própria lógica, o egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é localizado no Ìrònà um espaço intermediário entre o Àiyé e o órun (Ọ̀run). Nesse nível energético os espíritos podem conviver com a gente no Àiyé e influenciar positivamente e negativamente nossa vida. Outros tipos de espírito podem residir nesse intermédio, como as ajé (Àjẹ́), os fantasmas e os espíritos que trabalham na Umbanda, por exemplo.

Dessa maneira o Ìrònà é um espaço energético conhecido e comum a muitas religiões. Para o nosso caso, aqui, que estamos tratando do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é o nível energético que permite a comunidade dos espíritos juvenis conviverem e manterem comunicação, conforme descrito nos versos.

Não confundir ou associar o Ìrònà ao purgatório católico. A ideia do purgatório existe na religião yorùbá, é um, ou alguns, dos nove órun (Ọ̀run). Os espíritos vão para um dos purgatórios depois do julgamento de Olódùmarè sobre sua vida no Àiyé.

 

TEXTO SEGUINTE:  http://www.orunmila-ifa.com.br/2021/02/o-que-e-sociedade-egbe-egbe-orun-orun.html

 

 

 

Mitos sobre egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) - [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 43]

 

As informações de Alex Cuoco

 

Alex Cuoco é um brasileiro que foi viver ainda jovem nos EUA. Ele publicou um livro excelente chamado “African Narratives of Orishas, Spirits and Other Deities”. É um equivalente ao livro do Prandi, “Mitologia dos Orixá”, mas o Prandi mistura muito no seu livro, ele inclui patakis cubanos e isso deturpa muito o que ele mostra porque os cubanos criaram uma teogonia própria e os pataki são uma péssima fonte.

O livro do Alex Cuoco é bem extenso, são quase 1.000 páginas, mas, contém bastante texto sobre Orixá (Òrìṣà). Neste livro ele tem muitos mitos sobre Àbíkú e um resumo no final dos textos. É sobre o que ele sintetizou em seu resumo, a opinião dele que vou descrever a seguir, visto que é um resumo dos diversos mitos que estão no livro.

Segundo Alex, os Àbíkú são um fenômeno comum entre diversos povos da mesma região. Os yorùbá, Akan, Nùpe, Ìgbò, Hausa e Fante acreditam na mesma coisa. De fato existe um compartilhamento de crenças religiosas por povos desta região que, mesmo sendo de etinias diferentes e tendo cultos religiosos distintos, possuem muitas crenças em comum, na verdade são bem próximos um do outro.

Eles acreditam que os espíritos Àbíkú residem em áreas desabitadas, florestas e áreas arborizadas, principalmente em torno de árvores de Ìrókò. Os Àbíkú ficam em trânsito entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé permanecendo por pouco tempo na terra.

Os Àbíkú fazem parte de uma sociedade chamada “Égbe (Ẹgbé) Ará órun (Ọ̀run)” que tem meninos e meninas e, cujos garotos, são liderados por uma deidade chamada Iyàjanjàsá e, as meninas, são chefiadas por uma deidade chamada Olóìkó. Contudo foi Ọlọ́fin Aláwaiyé aquele que trouxe eles para dentro do mundo pela primeira vez para a cidade de Awaiyé, em um grupo de 208 Àbíkú. É em Awaiyé que pode ser encontrada a floresta sagrada do Àbíkú onde os pais dos Àbíkú vão fazer suas oferendas de maneira a manter suas crianças no mundo. A cidade de fato existe.

Seguindo os textos bases, os Àbíkú vão do órun (Ọ̀run) para o Àiyé e declaram para Oníbodé suas intenções o tempo que ficaram no mundo (curto). Eles prometem a seus companheiros retornar independente dos esforços que seus pais façam para eles ficarem.

Quando o tempo de partida chega seus companheiros vão para o Àiyé para lembrá-los de suas promessas. No Àiyé os companheiros residirão em áreas como pântanos, rios, os muros das casas onde moram seus companheiros renascidos, nos banheiros das casas e nos quintais.

Este tráfego entre o órun (Ọ̀run) e o Àiyé, como ele descreveu, de fato, não é possível assim. Não podemos para explicar o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) aceitar que existe um livre tráfego de espírito e para todo o resto da teologia isso não existir. Lembro que o mito da separação do órun (Ọ̀run) e do Àiyé está acima disso e esse mito não pode valer, para os Orixá (Òrìṣà) por exemplo e não valer para o egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run). Isso é uma inconsistência sistêmica nessa narrativa. Qualquer parte da religião tem que estar alinhado com o todo, não podemos tratar tudo como se fossem coisas estanques. É nesse sentido que a tese de Salami do Ìrònà e também minha é o modelo mais adequado.

Os quintais são os lugares preferidos pelos companheiros, porque é neste local que os yorùbá enterram as placentas depois que são colocadas em uma jarra chamada de Isásùn, a qual é coberta com folhas de palmeira e búzios. É a partir desses lugares que esses emissários chamam seus companheiros renascidos para voltar para casa ou ficam atormentando os que decidiram ficar.

O pacto entre os membros do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é bem sério e os Àbíkú que não renasceram farão de tudo para que ele seja comprido. Existe a capacidade dos pais, através de Ifá, fazerem a alma do filho de romper com essa sociedade e a alma pode, assim, se libertar desse ciclo de vidas curtas. Uma vez feito isso eles nunca mais serão importunados pela sociedade egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).

Como parte do pacto, o Àbíkú renascido deve compartilhar aquilo que ganha com seus companheiros, desta forma, uma criança Àbíkú sofrerá de mal-nutrição, porque, o que come será compartilhado entre seus companheiros. Os companheiros manterão contato com o renascido continuamente para que esse não esqueça de sua promessa. Os companheiros surgem em sonhos e poderão causar acidentes e doenças.

Observe que a tese de que os companheiros compartilham dos alimentos comidos vai ao encontro do modelo do Ìrònà. Os espíritos no Ìrònà precisam dessa energia transmutada para se manterem ativos em nossa dimensão.

O Ṣáworo é um recurso usado para afastar os companheiros, trata-se de um cordão com um guizo amarrado, que é colocado no calcanhar das crianças e este barulho afasta os Àbíkú. O mesmo é considerado para roupas vermelhas. Além deste tipo com guizo, o Ṣáworo pode ter outros modelos. Muito anteriormente era feito com búzios, depois passou a ser anéis de ferro, mesmo sem o guizo. Este modelo de apenas um anel de ferro, na verdade mais de um que fazem barulho quando a criança de move é, possivelmente o mais tradicional e conhecido.

Um recurso mais desesperado das mães é fazer pequenas incisões na pele da criança e esfregar pimenta para causar dor ao Àbíkú e eles deixar o corpo da criança. Existem também folhas específicas para essa finalidade que são transformadas em pó. Nesse caso é considerado que o espírito Àbíkú reside no corpo da criança junto com a alma verdadeira e, desta forma, poderia ser expulso.

Quando uma criança Àbíkú morre é dado um péssimo tratamento para o corpo. Existem casos no qual ela não é enterrada, sendo deixada na floresta para apodrecer. Outras é enterrado em florestas distantes da casa dos pais. Ainda existe o hábito, como descrito no texto do Salami de mutilar o corpo da criança e a mãe invoca maldições e pragas para aquele Àbíkú, antes de enterrá-lo. Eles acreditam que o Àbíkú ficará com medo da mãe e não voltará assim como o corpo mutilado não atrairá mais. Também acredita-se que o corpo do próximo nascido poderá ser pesquisado se tem as mutilações que foram feitas no anterior, como também descrito no Salami.

A seguir vou transcrever 2 mitos sobre os Àbíkú. Para quem lê pode parecer aborrecido isso, mas, destaco que para entender essa religião tem que ler os versos e mitos. Não podem se guiar apenas pelas análises e interpretações feitas por outros, como eu, porque não vai aprender Ifá de verdade.

1 - Os Àbíkú chegam no mundo, pela primeira vez, em awaiyé

Um dia, Ifá foi consultado em nome de Aláwaiyé, que estava vindo de Órun (Ọ̀run) para o mundo, e que estava trazendo com ele, duzentos e oitenta Àbíkú para a Terra. O Bàbáláwo lançou Ifá em seu nome e disse: “Ah! Arbusto pequeno, arbusto pequeno! Escuro, escuridão! Aqueles que conhecem o trabalho das trevas, não causem problemas para a lua!”
Aláwaiyé, que é o chefe dos Àbíkú no Órun (Ọ̀run), chegou e convocou todos os Àbíkú para se reunirem para sua jornada. Quando os Àbíkú chegaram à orla do órun (Ọ̀run), cada um declarou ao Oníbodé, guardião do portão, o tempo que ele ou ela ficariam no mundo.

- Um Àbíkú disse: “Ha! Assim que eu ver minha mãe, eu voltarei!”

- Uma garota disse: “No momento em que meus pais marcarem um dia para meu casamento, eu voltarei!”

- Outra disse: “Assim que der à luz uma criança, voltarei!”

= Um menino disse: “Assim que eu construir uma cabana, voltarei!”

- Uma menina disse: “Ha! No momento em que meus pais conceberem outro filho, eu voltarei!”

- Outro menino disse: “Assim que eu começar a andar, voltarei!”

Como os Àbíkú deveriam chegar ao mundo pela primeira vez, Aláwaiyé foi o líder encarregado de levar todos eles para a cidade de Awaiyé. No entanto, antes de sua chegada, os Àbíkú traçaram um plano secreto de combinação entre eles para garantir que sempre poderiam retornar a Órun (Ọ̀run) e voltar à terra, quantas vezes quisessem. Um Àbíkú disse: - “Ha! Após nossa chegada ao mundo, cada um de nós fará quatro conjuntos de vestimentas vermelhas, cada uma com uma bandagem e um gorro que valerão quatrocentos búzios.”. Outro disse: - “Se alguém descobrir nossas proibições quando chegarmos ao mundo ou se alguém descobrir o nome das roupas que fazemos ou se nossas mães descobrirem nosso segredo sobre as coisas que combinamos, ficaremos no mundo com eles.” Um menino disse: - “Se nossos pais descobrirem nossos segredos, ficaremos no mundo quando chegarmos em Awaiyé.”

Quando chegou a hora de Aláwaiyé levar os Àbíkú ao mundo, eles foram pela primeira vez e então voltaram para Órun (Ọ̀run). Eles foram uma segunda vez e voltaram para Órun (Ọ̀run) mais uma vez. Eles foram e saíram pela terceira, quarta, quinta e sexta vez. Quando eles chegaram pela sétima vez, o povo de Awaiyé consultou um Bàbáláwo e disse:

- “Ah, queremos saber o que podemos fazer para que nossos filhos permaneçam no mundo! Não queremos mais que eles morram!”

O Bàbáláwo lançou Ifá em seu nome e disse: - “Ah, aqueles que dão à luz filhos Àbíkú e desejam mantê-los, na terra, seguros de que não mais quererão deixar o mundo novamente, devem oferecer sacrifícios. Cada um de você deve fazer um envoltório da cabeça e um boné no valor de quatrocentos búzios e também deve comprar tecido de vermelho vivo e fazer uma roupa para eles ”.

Uma mulher disse: - " Por que devemos fazer isso? "
O Bàbáláwo respondeu: - “Faça isso porque estas são as vestimentas que os abiku secretamente concordaram em fazer antes de vir ao mundo. Os Àbíkú têm sua própria floresta sagrada em Awaiyé e é lá é onde você deve oferecer todos os sacrifícios, pendurando-os em árvores e, quando terminar, você deve realizar uma cerimônia, tocando tambores e dançando para eles. Certifique-se de preparar pratos de comida èkuru, àkàrà, òlè, àádùn-rèké, ẹ̀pá, inhame doce, diferentes tipos de vegetais e também ofereça esponjas e sabão.

Um homem disse: -“Faremos, como você diz!”

O Bàbáláwo disse: - "Se você oferecer esses sacrifícios a eles todos os anos, seus filhos Àbíkú não mais deixarão o mundo. Na próxima vez que eles voltarem, eles vão dançar aqui e lá e batendo em seus tambores iyá dùndún, vão cantar:

Vamos esfregar nossos corpos com a cor osun para o chefe de nossa sociedade!

Vamos usar nossas roupas de cor vermelha osun!

Vamos usar nossa proteção para a cabeça e gorros no valor de 1.400 búzios!

Vamos esfregar nossos corpos com a cor osun para Aláwaiyé, o chefe de nossa sociedade!

Uma mulher disse: - “O que vai acontecer, então?”

O Bàbáláwo respondeu: - “Eles continuarão a dançar suas danças e se vocês, seus pais, realizarem esta cerimônia para eles, nenhum de seus filhos Àbíkú deixará o mundo!”

Desta forma, os primeiros Àbíkú trazidos ao mundo por Aláwaiyé, puderam ficar em Awaiyé, depois que seus pais descobriram seus segredos. Com a orientação do Bàbáláwo os pais conseguiram realizar as cerimônias corretas para o Àbíkú.

2 - Mosetán permanece no mundo

Um dia, Olójé Okoso e sua esposa, os pais de uma garota Àbíkú chamada Mosetán, consultaram um Bàbáláwo porque seus companheiros Àbíkú estavam constantemente aparecendo em seus sonhos, chamando-a para voltar e se juntar a eles. O Bàbáláwo lançou Ifá em nome de Mosetán e disse: - “Levante! Levante-se, linda! Levante-se! Ah, você deve oferecer sacrifícios em nome de Mosetán e para o Àbíkú que ela vê em seus sonhos. Você deve fazer isso, então, eles não serão capazes de levá-la para fora do mundo. ”

Olójé disse: - “Ah! Que sacrifícios devemos oferecer?”

O Bàbáláwo disse: - “Você deve conseguir um talo de bananeira, uma de suas saias e um galo. Você deve oferecer esses sacrifícios em nome dela e no caminho da oferenda dos sacrifícios, você deve reunir folhas de Ifá de agídímagbáyin. Quando terminar de colher as folhas de Ifá, você deve ir oferecer os sacrifícios: você deve oferecer o talo de bananeira, a saia, o galo e as folhas de Ifa agídímagbáyin. Depois disso, Mosetán não vai mais morrer nem vai continuar a ter pesadelos.”

Olójé e sua esposa foram e ofereceram os sacrifícios, exatamente como prescrito. Depois, voltaram a consultar o Bàbáláwo mais uma vez. O Bàbáláwo lançou Ifa em nome de Mosetán e recitou uma oração especial:

"Levante-se! Levante-se, linda! Levante-se!

Em nome das crianças que recebem pequenos pedaços de comida na boca,

Oh! Ọlọ́ọ̀run, por favor, feche a porta do Órun (Ọ̀run), para que eles não morram mais!

Sua mão encontrou as folhas de agídímagbáyin,

Oh! Ọlọ́ọ̀run, por favor, feche a porta para Órun (Ọ̀run), para que eles não morram mais! "

Quando o Bàbáláwo terminou a oração, ele falou para Olójé e sua esposa: - “Assim, Ifá falou!”. Olójé disse: - “Ah! Não entendemos! O que isso significa para Mosetán?” O Bàbáláwo disse: “Ifá diz que, Mosetán, a criança, que viu coisas ruins em seus sonhos e que foi chamada por seus companheiros Àbíkú, não deve se preocupar mais. porque eles não serão mais capazes de tirá-la do mundo”

Assim, Mosetán deixou de sonhar com seus companheiros Àbíkú, que a chamavam para voltar a Órun (Ọ̀run) e puderam ficar na terra e viver uma vida pacífica.

3 - Sacrifícios ajudam a manter um Àbíkú no mundo

Um dia, muito tempo atrás, no Órun (Ọ̀run), havia Ilere, um menino Àbíkú, que estava prestes vir ao mundo para se tornar filho de Obìrin Àbatá, uma mulher do pântano.

Quando ele estava a caminho do mundo, ele chegou à orla de Orun e fez sua declaração para o guardião Oníbodé do portão, - “Ha! Eu estou indo para o mundo! Quando eu chegar lá, toda a comida que for dada para mim, eu não comerei. Os únicos alimentos que comerei estarão no Órun (Ọ̀run). Todas as coisas que desejam me dar, não as aceitarei no mundo. Só aceitarei seus presentes, no Órun (Ọ̀run) . Quando eu chegar ao mundo, não há nada que me mantenha lá.”
Mais tarde, quando Ilere chegou ao mundo, sua mãe, Obìrin Àbatá, imediatamente consultou um Bàbáláwo. Ela disse: - “Ah, o que posso fazer para que meu filho Ilere não morra?”. O Bàbáláwo lançou Ifá em nome de Ilere e disse: - “Ah, Obìrin Àbat, as dificuldades podem atingir alguém, de repente e a desgraça pode cair sobre alguém, da mesma maneira. Você deve oferecer sacrifícios, se deseja manter Ilere no mundo”.

Obìrin Àbatá disse: - “Ah! Se eu oferecer sacrifícios, meu filho não morrerá?”

O Bàbáláwo disse: “Sim, os sacrifícios podem manter um Àbíkú no mundo.”

Obìrin Àbatá disse: - “Diga-me, que sacrifícios devo oferecer?”

O Bàbáláwo disse: - “Você deve pegar um vaso novo, preparar todas as coisas que uma boca pode comer, um pano vermelho, uma tampa de panela, cânhamo de osun, sabão e uma esponja. Depois de ter todas essas coisas prontas, você deve oferecer eles rio abaixo. É lá que seus companheiros, que irão chamá-lo para matá-lo, estarão e ficarão.”

Obìrin Àbatá disse: - “Ah! Vou oferecer os sacrifícios então!”

O Bàbáláwo disse: - “Quando você estiver pronta, você deve trazer os sacrifícios a serem oferecidos no rio onde seus companheiros estarão esperando por ele, mas não o verão chegar.”.

Obìrin Àbatá disse: - “Ah! O que vai acontecer, então?”

O Bàbáláwo respondeu: "Eles irão para um lugar no pântano onde geralmente se reúnem para se despedir e lá, eles vão começar a chamá-lo: Ilere, o! Ilere, o!

Eles vão chamar sem parar, então que Ilere os responderá.".

Obìrin Àbata reuniu tudo o que precisava e ofereceu os sacrifícios, conforme prescrito. Depois, ela consultou o Bàbáláwo mais uma vez. Ela disse: - “Ofereci todos os sacrifícios, como você prescreveu. Agora, gostaria de saber se terei os resultados esperados.”.

O Bàbáláwo lançou Ifá em nome de Ilere e Obìrin Àbatá e disse: “Dificuldades podem atingir alguém, de repente e a desgraça pode cair sobre alguém, da mesma maneira! Aqueles que chamam Ilere têm braços e pés fortes! Eles ouvem e dirão: Ah! Ilere ainda não chegou! Ha! Ilere não vai voltar! Os pais dele ofereceram sacrifícios e Ilere não vai morrer! ”.

Obìrin Àbatá a disse: - “Ah! Isso é bom, mas por que eles vão ficar aqui tanto tempo?”

O Bàbáláwo disse: “Ah, porque eles pensam que se Ilere é um Àbíkú, ele é a razão para eles virem ao rio, olhar por cima das paredes e irem para o monte de esterco. Quando os Àbíkú estão no mundo e eles dizem eles estão com dor de cabeça, os outros companheiros de egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) virão buscá-los. No entanto, para aqueles Àbíkú por quem são oferecidos sacrifícios, eles nunca mais abandonarão seus pais.”.

4 - Asejéjejaiyé permanece no mundo, na décima sexta vez, que ele chegou

Um dia, Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) decidiu consultar um Bàbáláwo, em nome de seu filho Àbíkú Asejéjejaiyé, porque ele havia causado muitos problemas para ele. Foi a décima sexta vez que ele veio ao mundo para morrer. Ele pegou Asejéjejaiyé e foi ver o Bàbáláwo. Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) disse: - “Ah! Meu filho, Asejéjejaiyé, veio a este mundo pela décima sexta vez! Esta criança não deveria ter permissão para ir e vir como quiser!”.

O babalawo consultou os oráculos em nome de Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) e Asejéjejaiyé e disse: "Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), você deve reunir tantas folhas Ìdí quanto possível e, então, você deve queimar todos eles juntos para produzir um pó preto”.

Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) saiu da cabana do Bàbáláwo juntou todas as folhas de Ìdí que pôde e queimou-as até virar um pó preto. Depois, voltou para dentro e mostrou o pó ao Bàbáláwo.

O babalawo disse: - “Ah! É muito bom! Agora, você deve pegar uma faca e fazer incisões nas juntas do corpo de Asejéjejaiyé e em seu rosto. Uma vez feitas as incisões, preencha-as com o pó preto das folhas de idi.”.

Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) pegou uma faca e começou a fazer as incisões no corpo de Asejéjejaiyé. Quando ele terminou, ele esfregou o pó preto neles. Em seguida, o Bàbáláwo examinou o corpo de Asejéjejaiyé e disse: - “Agora, essa criança não saberá mais o caminho, que leva ao egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e nem à morte! Agora, você deve pegar o resto desse pó preto, fazer uma bolsa de talismã e amarrá-la em volta cintura do seu filho. Depois disso, ele não poderá mais deixar o mundo. Um caminho para o Órun (Ọ̀run) não será feito para ele.”.

Como as folhas Ìdí foram coletadas naquele dia, o Bàbáláwo começou a recitar um canto:

A folha Ìdí diz que o caminho para Órun (Ọ̀run) está fechado para essa criança!
A folha Ìdí diz que o caminho para Órun (Ọ̀run) está fechado para ele!
Que ele não morra na juventude!
O ija agborrri'teaf não anda pelo caminho que leva a Orun!
MayTre net-die! Que ele não siga o caminho de volta a Orun durante sua juventude!
A folha de ija agborin não segue o caminho que leva a Orun.
Não siga o caminho para Órun (Ọ̀run) durante a sua juventude!
A folha Lárà pupa é o "cânhamo de osun" do Àbíkú,
Uma criança que esfrega seu corpo com a folha de lárà pupa não voltará para Órun (Ọ̀run).

Quando o babalawo terminou seu canto, Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) disse, - “Eu esfreguei o corpo do meu filho com a folha de Lárà pupa e quando ele crescer, se tornar um adolescente e pai, ele não morrerá na juventude!”

O Bàbáláwo disse: - “Muito bem, então!”

Órunmila (Ọ̀rúnmìlà) disse: - “Nesse momento os encantamentos devem ser pronunciados, desta maneira: se uma criança é um Àbíkú que vem e vai constantemente, podemos fazer incisões em seu corpo, enchendo-as com o pó preto das folhas Ìdí.”.

Foi então, que Orunmila descobriu os truques do filho e a partir desse tempo foi capaz aprisionar Àbíkú no mundo, com a orientação de Odu Òdí Méjì.

Estes 4 textos são bons exemplos de como entendemos e aprendemos através dos versos. Não tem receitas mágicas prontas, o Bàbáláwo obtêm nos versos o entendimento e as instruções do que fazer. Além disso, com o tempo e experiência outras coisas são adicionadas. Recomendo fortemente que tenham e leiam o livro de Alex Cuoco, “African Narratives of Orishas, Spirits and Other Deities”.

Neste texto, aqui, não vou relacionar as formas de atuar sobre os Àbíkú devido a isso não fazer parte do escopo deste trabalho. As indicações do que fazer são o trabalho do Bàbáláwo e devem ser obtidas através dos versos e histórias, como as relatadas no livro do Cuoco, é necessário análise interpretação, junto com consulta oracular.

 

TEXTO SEGUINTE: http://www.orunmila-ifa.com.br/2021/02/como-e-composicao-do-egbe-egbe-orun-orun.html 

 

 

Mitos sobre egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) - [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 42]

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As informações de Ayo Salami

 

O Bàbáláwo Ayo Salami em seu livro “The Man & the Society”, o qual eu recomendo que seja lido, assim como outras obras do mesmo autor, que tem volume e qualidade de informação, publicou uma seção sobre os Àbíkú. Salami chega bem próximo da visão que eu entendo ser a mais coerente e ele traz confirmações importantes sobre minhas teses.

Ele adiciona ao tema mais informação do que Verger.

Eu não vou transcrever o texto dele, vou destacar o que ele traz de informação e o que eu vou listar está desta exata maneira no livro dele.

Salami reconhece que os Àbíkú não residem no órun (Ọ̀run) e desta maneira a dita sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) também não está no órun (Ọ̀run). Salami diz que o Àbíkú residem no espaço intermediário chamado de Ìrònà e é deste espaço que os Àbíkú saem e voltam entre o Àiyé. No Ìrònà eles formaram uma sociedade de iguais com suas próprias regras. É nesse mesmo espaço, o Ìrònà que também residem a ajé (Àjẹ́) e os Ajogun.

Àbíkú são algum tipo de criança travessa que veio originalmente da cidade do Céu para a cidade da Terra para peregrinar; mas ao invés de voltar para o céu após a vida na Terra, eles permaneceram no Ìrònà . De lá, eles vêm para a Terra e de volta aos seus caprichos. Eles formaram uma espécie de camarilha com suas próprias regras e regulamentos, assim como as das bruxas que também vivem entre o Céu e a Terra. (Salami, The Man & the society, pag. 75)

Estou destacando esse trecho porque entender que estamos lidando com o Ìrònà e não com o órun (Ọ̀run) é a chave do que eu vou explicar adiante, isso é o que explica tudo.

Ele diz que, hoje em dia, o mito dos Àbíkú se misturou com o próprio entendimento da medicina moderna, de modo que muitas mortes de crianças podem, de fato serem atribuídas a doenças e condições ruins de higiene e não a intercorrência de Àbíkú, contudo, uma coisa não exclui a outra. De fato, mortalidade infantil não é incomum, mas, o Bàbáláwo tem que ter a capacidade de distinguir uma coisa da outra, porque não é apenas morrer criança que determina isso, existem outros elementos.

O grande destaque da sociedade egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) é de fato os Àbíkú. Àbíkú é uma palavra que significa “aquele que nasce para morrer”.

A característica de Àbíkú é nascer muito cedo, não necessariamente no parto e não necessariamente quando bebê ou criança. Um Àbíkú pode sim crescer e morrer mais velho, tudo depende do acordo que ele fez para o seu retorno.

Assim, a visão no Candomblé de que pessoas que sofrem aborto ou crianças que morrem durante o parto como sendo sinais de Àbíkú é errada. Abortos e mortes, ainda dentro do útero ou durante o parto, devem ser associadas a atuação de ajé (Àjẹ́) e não de Àbíkú. Um Àbíkú tem que nascer e para nascer não basta sair do útero, ele precisa respirar e cortar o cordão umbilical, porque apenas quando é uma vida autônoma, respirando e não estando mais ligada a mãe é que ele, de fato, ela nasceu.

Salami afirma que a missão dos Àbíkú é causar sofrimento aos seus pais, mas a determinação da duração de sua vida e variável. O que é sempre forte é sua ligação com seu grupo que fica no Ìrònà.

A manutenção de um Àbíkú no Àiyé é bem difícil e não depende de recursos médicos, isso é trabalho apenas para um Bàbáláwo. Existe um ditado yorùbá que diz “Àbíkú sọ olóògùn dèké” que significa, os Àbíkú transformam a medicina em uma mentira. Não haverá solução para um Àbíkú que quer morrer.

Salami nos oferece sua versão para o verso do Odù Ọ̀ṣẹ́ Ògúndá, que é considerado o principal Odù ligado a Àbíkú. Mais uma vez, se quiser entender a religião tem que ler as histórias.

Eu sublinhei umas passagens que considero importantes desta história.

Um rei em particular cujo título é Oniki na cidade de Ìkilà estava sob o terror de Àbíkú. Ele tivera muitos filhos do que qualquer pessoa na cidade, mas nenhum deles sobrevivera. Quase todas as crianças morreram em seu primeiro dia na Terra; aquele que não morreu no primeiro dia morreu durante sua cerimônia de nomeação. Muitos morreram quando começaram a falar; a situação era tão ruim que ele consultou curandeiros. Eles tentaram tudo ao seu alcance, mas foi em vão. Apesar de todas as mortes, o rei não perdeu as esperanças. Quando a próxima de suas esposas ficou grávida, ele resolveu consultar Ifa. Ele pediu a Bàbáláwo que viesse e divinasse para ele. É por causa de Àbíkú que você chamou essa adivinhação, disseram a ele. Sim, ele respondeu em afirmação, sentando-se ereto na beira de sua cadeira. Então você tem que oferecer sacrifício a Ògún para que ele te deixasse; é apenas um Àbíkú que vem e vai, mas desta vez, qualquer um que vier até você não poderá retornar, concluíram os Bàbáláwo.

A princípio, o rei perguntou cinicamente que conexão havia entre Ògún e Àbíkú;

“- como esses dois estão conectados e qual é a função de um no outro?” Ele se perguntou.

Mas de alguma forma, ele foi persuadido a oferecer o sacrifício, o que ele fez. Enquanto isso, na casa de Oniki, havia um caçador itinerante particular que estava peregrinando com o rei: seu nome era Ọdẹ́bíyìí. Ele chegou por volta de quando o rei pediu a divinação. Seu método de caça era ir para as florestas profundas, fazendo um acampamento escondido no topo de uma árvore de onde ele pudesse veja todos os animais vagando para fazer um bom tiro.

Alguns dias após a oferta dos sacrifícios pelo rei Oniki, Ọdẹ́bíyìí foi para as florestas profundas como de costume, escondendo-se no topo de uma árvore. Quando estava prestes a cochilar, ouviu algumas vozes humanas abaixo. Furtivamente, ele estendeu o pescoço para saber o que estava acontecendo e ver quem estava falando. Ele viu um ser estranho que parecia uma mulher; ela tinha dezesseis seios e sentou-se em uma esteira preta que apareceu do nada. As criancinhas ao seu redor começaram a falar uma após a outra. Um diria que estava indo para a casa de Alárá, o outro diria que estava indo para a casa de Ajerò, outro para a casa de um rei na antiga cidade de Ìwó. A missão deles era roubar da respectiva casa para trazer de volta à sua sociedade. Mas um em particular atraiu a atenção da Ọdẹ́bíyìí; ele o ouviu dizer: Estou indo para a casa de Oniki. A esposa faria o parto hoje e eu entraria no útero para nascer em troca. Mas eu não ficaria por muito tempo antes de desejar que meus companheiros viessem para mim e me levassem de volta. Quando seria a hora? O estranho ser com dezesseis seios perguntou. Deve ser quando a primeira lenha que vai ser usada para fornecer calor para a mãe e o bebê queimar até virar cinzas. Mas se eles não permitirem que eu volte então, como todos vocês sabem que os humanos são cheios de truques que podem contornar meu objetivo, seria quando eu crescer até minha altura chegar ao topo da porta inferior; mas se as duas opções falharem, então vocês, meus amigos, devem vir e me levar de volta por qualquer método disponível para vocês.

Ọdẹ́bíyìí estava dentro do acampamento, observando tudo o que diziam como se estivessem encenando uma peça. Embora assustado, ele não disse uma palavra, nem fez qualquer movimento para despertar suas suspeitas. O Ògún a quem o rei ofereceu sacrifício não os fez perceber que havia alguém ouvindo tudo o que diziam. Logo após a última de suas deliberações, como um flash que vieram, todos eles desapareceram na colina de molde atrás da árvore sobre a qual Ọdẹ́bíyìí estava posicionada. Ele demorou para ver se viria mais alguma, nenhuma veio e já era tarde. Ele furtivamente desceu do topo e saiu da floresta na ponta dos pés. Alternando caminhada e corrida, ele deixou a floresta e assim que chegou aos arredores do palácio ouviu gritos de alegria. “- Que este fique com você”. “- Este não morrerá, ele pagara por todos aqueles que morreram anteriormente“. Parabéns Káábíèsí!. “- Este é o próximo rei visto que é um menino”. Os visitantes estavam chegando da esquerda e da direita.

“- Que tipo de coincidência é essa?” Ele se perguntou em voz alta. Ọdẹ́bíyìí entrou e rapidamente chamou a atenção do rei Oniki. Káábíèsí,

“- posso falar com você por um momento, por favor?”

“- Sobre o quê? “ Perguntou o rei.

Ọdẹ́bíyìí contou sua história ao rei, que ficou surpreso ao ouvir uma história que nunca tinha ouvido na vida.

De acordo com a sugestão de Ọdẹ́bíyìí, o rei ordenou que incontáveis toras de madeira fossem fornecidas para a mãe lactante, para que o fogo não se apagasse. Ele também ordenou que a porta que separava a câmara interna da sala fosse reconstruída para permitir que um adulto crescido passasse sem que sua cabeça tocasse o topo.

E assim a vida continuou na casa de Oniki; passou o medo de que a criança morresse no primeiro dia na Terra; a cerimônia de nomeação foi feita sem nenhum obstáculo (ao contrário das outras crianças que geralmente morrem na cerimônia de nomeação) e a criança foi chamada de "Mọ́lùmọ”. “- Oh, talvez ele tenha adiado sua morte para quando pudesse falar”, o rei se perguntou ; apreensivo, mas esperançoso sobre a criança que não tinha morrido.

À medida que Mọ́lùmọ crescia, o rei percebeu que ele ficaria na porta, na ponta dos pés, tentando ver se sua cabeça tocava o topo.

“- Então é verdade!” disse o rei para si mesmo.

Ele ordenou que a porta fosse completamente removida. “- Quando não houver porta, eu quero ver o que sua cabeça tocaria".

Passado o tempo que ele combinou com seus companheiros de seu retorno, os companheiros resolveram ir pegá-lo sozinhos. E foi assim que eles se reuniram em sua multidão e se dirigiram para a casa de Oniki.
Ao chegarem ao pátio, no meio da noite, eles irromperam em uma canção patética dizendo:

Mọ́lùmọ

The child of Oniki

Mọ́lùmọ

I call you again

You are the child of Oniki

Why did we not see you again?

Mọ́lùmọ ouviu a canção e respondeu de dentro da casa:

sou Mọ́lùmọ
O filho de Oniki
Eu sou o próprio Mọ́lùmọ
O filho de Oniki
Eu deveria ter ido antes desta hora
Meus companheiros
Ọdẹ́bíyìí o caçador foi aquele que me impediu

Os companheiros tentaram tudo o que podiam: causar confusão na casa de Oniki na esperança de causar a morte de seu companheiro, mas o sacrifício que os Bàbáláwo ofereceram no início neutralizou todos os seus esforços. Quando não conseguiram, eles partiram para sua residência e não vieram incomodar Mọ́lùmọ para sempre. E então ele se tornou uma criança sobrevivente de Oniki.

Eu marquei os seguintes trechos dessa história e vou comentar:

morreram em seu primeiro dia na Terra; aquele que não morreu no primeiro dia morreu durante sua cerimônia de nomeação. Muitos morreram quando começaram a falar;

Conforme já disse a criança precisa morrer para depois nascer. Existem outras histórias de Àbíkú onde a criança morre no dia do seu casamento. Desta maneira, não é verdade a crença de Àbíkú morra sempre jovem, bem como não é verdade que morra no útero.

a situação era tão ruim que ele consultou curandeiros. Eles tentaram tudo ao seu alcance, mas foi em vão.

Médicos não salvam Àbíkú.

sacrifício a Ògún

De acordo como encontro nos versos de Ifá, diversos inrumolé (Irúnmọlẹ̀) estão envolvidos na salvação de Àbíkú. Órunmila (Ọ̀rúnmìlà), sempre está, mas Ògún e iroko também podem estar envolvidos assim como Xangô (Ṣàngó).

Estou indo para a casa de Oniki. A esposa faria o parto hoje e eu entraria no útero para nascer em troca. Mas eu não ficaria por muito tempo antes de desejar que meus companheiros viessem para mim e me levassem de volta.

Vou abordar isso em outro lugar, mas, de acordo com o que eu encontro em Ifá a criança enquanto no útero é parte da mulher. O espírito que habitará o corpo só o faz junto com o Ẹ̀mí.

Os companheiros tentaram tudo o que podiam: causar confusão na casa de Oniki na esperança de causar a morte de seu companheiro,

Essa é uma característica da atuação do egbe (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run) e que pode ser observada por qualquer um.

O sacrifício feito pelo Bàbáláwo para impedir a morte dos Àbíkú é conhecido como Ẹbọ àrúyẹ ìpínhùn Sacrifício para terminar com a aliança.

Salami diz também que os Àbíkú se reúnem entre si no Àiyé. Eles fazem reuniões noturnas no pé de uma árvore. Nos versos de Ifá essa árvore é o Ìrókò. Essas reuniões contam com os espíritos que ficam no Ìrònà como também com os espíritos dos renascidos. Assim criança Àbíkú renascida, durante a noite, cairiam sono profundo, ficando imóveis e quase impossível de acordá-las. Nesses momentos seus espíritos estariam fora do corpo reunidos com seus amigos do egbé (Ẹgbẹ́) órun (Ọ̀run).

Ayo Salami inclui mais uma história em seu relato que não se trata de verso e sim de um relato real, da vida real, o qual vou explicar a seguir bem resumidamente porque será importante quando eu fizer meus comentários.

Segundo Salami, ele testemunhou isso em 1982. Havia um casal, juntos por 15 anos e com 3 filhos, não eram amadores ou principiantes em criar filhos. Mas, depois do terceiro o problema começou, a quarta criança, uma menina morreu na cerimônia de nome. Isso acabou com a festa mas o pai não queria que o sofrimento durasse até o dia seguinte. Eles justaram as pessoas fizeram uma cova e enterraram a criança. Logo a seguir ouviram um barulho na terra e abriram novamente para ver o que havia ocorrido, o corpo havia desparecido.

A mulher ficou grávida de novo e teve outra menina que também morreu na cerimônia de nome. O pai enterrou a da mesma maneira mas, infligiu marcas no corpo da criança e cortou sua mão esquerda.

A mulher novamente ficou grávida, um menino agora e o pai tinha certeza que seria um Àbíkú e, desta maneira, não preparou nada de especial para a cerimônia de nome que seria no nono dia de nascimento. A criança nasceu sem a mão esquerda. Os médicos inventaram explicações, mas a criança morreu 2 anos depois em circunstâncias estranhas. Mais uma vez o pai enterrou e também tirou seus olhos. Pois bem, a próxima criança nasceu sem a mão e cego, ela morreu poucos dias depois de nascer. Os pais desistiram de ter mais um filho.

Salami teoriza que os Àbíkú atacam as pessoas retirando do útero da mãe a alma que nasceria, assim eles seriam invasores e substitutos. As almas que são deslocadas do nascimento pelos Àbíkú vagam como fantasmas pelo Àiyé e devem ficar no Àiyé até o dia marcado para o se retorno, o dia original de sua morte.

Eu não concordo totalmente com essa afirmação, entendo que tem uma explicação mais simples, mas, o que eu direi e o que o Salami disse tem a mesma base de entendimento.

Salami segue a crença do mal associado aos Àbíkú. Se considerarmos como ele diz os Àbíkú como um mal que se abate sobre a pessoa temos que classificar com Àbíkú como um mal teológico.

Nas suas explicações e análises dos versos ele não estabelece nenhuma explicação ou causa, chega mesmo a citar como se fosse o acaso, ao contar uma história de uma mulher que se encontra por acaso com uma criança no mercado e a partir daquele encontro passou a ser mais uma vítima de Àbíkú.