Blog destinado a explicar e discutir a religião Yòrúba. Conteúdo especializado em Ifá e Candomblé, com aspectos teológicos e também sobre o cotidiano da religião na sociedade
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quinta-feira, julho 18, 2019
terça-feira, julho 16, 2019
A distribuição de cargos OBA ORIATÉ por dinheiro
A distribuição de cargos OBA ORIATÉ
Como brasileiro e oriundo do Candomblé eu tenho inúmeros reparos a fazer em relação a prática do Ifá cubano carregando a variante Lukumi aqui no Brasil para cuidar de orixá (Òrìṣà), mas, o tema não merece nenhuma insistência ou direcionamento de minha parte. Eu não aceito a intromissão de um outro culto de Orixá (Òrìṣà), ainda mais de menos qualidade.
Minhas
posições críticas surgem naturalmente nos textos que são
publicados aqui. Contudo, alguns assuntos podem sim merecer um
tratamento mais especial. Este é o caso da distribuição dos Oba
Oriaté que é feita aqui no Brasil, como aliás em outros lugares do
mundo.
No
meu pequeno conhecimento de lukumi, todo ele oriundo apenas de
conversas com pessoas do culto Lukumi, nunca me permitiu compreender
a possibilidade e o sentido da distribuição de cargos de Oriaté
para brasileiros que se aventuravam no Ifá Cubano. Eu ouvi
explicações, mas, não aceitava nem mesmos as ponderações das
razões, e vejam que eu perguntei diretamente sobre isso às pessoas.
Na
minha visão o Oriaté é um cargo que um Olorisha atinge com a
maturidade, conhecimento e experiência. Na verdade não é um cargo
que se ganha, é algo que se alcança.
Era
requerido notável saber para uma pessoa ser um Oriaté em Cuba. Um
Oriaté, na minha visão é aquela pessoa que conduz todas as
liturgias e desta forma domina toda a sua tradição religiosa. Eu
havia entendido que haviam 2 tipos de sacerdotes, os babalorisha e os
Oriaté, sendo que apenas os segundo tinham o completo domínio da
liturgia. Entendi que você podia ser um Babalorisha, ter seus
afilhados e requisitar o suporte de um Oriaté toda vez que
necessitasse.
É
um modelo muito diferente do usado no Candomblé, mas, um modelo
possível, tanto que eles fazem assim lá. Tenho que lembrar ou
informar a todos que o Lukumi não tem a menor semelhança com o
Candomblé ou outros cultos da matriz afro-brasileira.
Este
meu entendimento da função do Oriaté é contrariado pelo fato de,
uma multidão de pessoas, que nada sabem a fundo de Lukumi terem
ganho esse cargo aqui, no Brasil, sem prática, neófitos de fato e,
ainda mais, através de Ifá!
Sim,
um cargo lukumi que Ifá diz que a pessoa tem. Veja, não achava nem
que era cargo, como já expliquei e Ifá fica distribuindo. O que
observei é que os cubanos recebiam uma pessoa que era homosexual,
como eles não podem fazer homosexuais como Bàbáláwo,
eles
ofereciam para a pessoa esse cargo de Oba Oriaté.
Claro
que como bons cubanos, essa determinação de não fazer homosexuais
ou médiuns rodantes como Bàbáláwo
sempre depende da quantidade de dinheiro que se oferece ou que eles
precisam. Um
dos primeiros Bàbáláwo
brasileiro, feito pelos cubanos, já falecido, era homosexual e
rodante.
Bom,
sem saber de nada bom para falar, eu fico na minha.
Mas por acaso tive acesso a um livro escrito por um Cubano no qual ele critica justamente a mesma coisa que eu criticava, a distribuição a troco de dinheiro de cargos de Oriaté. Vejam que incrível, um cubano reclamando disso. Claro que continuo sendo uma pessoa de conhecimento restrito em Lukumi, mas, fiquei satisfeito por saber que não sou idiota, porque consegui entender o que me explicaram antes.
Dessa maneira, faço uma tradução livre de um trecho do livro de Miguel Ramos, chamado Obì agbón: lukumi divination with coconut, que pode ser facilmente comprado em edição digital na loja kindle da amazon.com. Eu gostei do livro e recomendo para quem quer conhecer o uso de cocos como oráculo.
Eu sei que o Sr. Miguel Ramos não é por assim dizer uma pessoa muito bem conceituada, em alguns aspectos. É um típico comerciante de liturgias, como os muito que nós mesmos temos aqui no Brasil vindo de Cuba. Mas, enfim, à parte dessas cubanices dele, que não são muito diferentes das nossas, ele é um acadêmico, é Lukumi e uma pessoa que produz conteúdo Lukumi.
O que importa não é o que ele faz e sim o conteúdo que ele gera que, sendo dele mesmo ou copiado de outros não faz diferença se o que retrata é real. A questão de autoria, não me interessa, o que importa é o conteúdo ser consistente, lembrando sempre que, como estamos falando todos da mesma religião, falar de conteúdo original é bem difícil.
O trecho que vou destacar a seguir e comentar, não é nenhum conteúdo especial, está no prefácio do livro, de forma que é então uma mensagem do autor que vou ajudar a passar.
Aqueles que não gostarem, principalmente os que receberam o cargo de Oba oriaté aqui no Brasil ou que estão dando esses cargos, peço que direcionem suas reclamações para o Sr. Miguel “Willie” Ramos, o autor do livro, que é quem escreveu isso, eu apenas estou reproduzindo.
“... Para ser uma Iyá ou babalorisha, um Oriaté ou um Babalawo, o indivíduo deve ter Odus específicos na sua ordenação (iniciação) Itá, que determinam que isto é possível e acima de tido isto ser sancionado pelos Orisha. Na religião Lukumi, status, títulos e hierarquia são baseados em um Odù, e em muito rituais, Iyalorisha, Babalorishas, Oriatés e de muitas formas os Babalawos são nascidos, eles não são feitos ou forçados for ego, vaidade e outros fatores.
** é interessante observar que os Lukumi tem uma aproximação muito séria com Ifá lá e usam Ifá de uma forma integrada, levando a sério a questão de Odù. Isso é diferente aqui no Candomblé e por isso que muitas pessoas se impressionam com eles. Odù e Ifá viraram um sinônimo de sofisticação e por eles se expressarem assim impressionam os menos informados ***
O que faz esse problema ser mais sombrio é que muitos poucos tem o treinamento adequado para exercer o ofício que eles tão obsessivamente imploram e frequentemente praticam sem nenhum profissionalismo, ética ou conhecimento, que são partes intrínsecas e indispensáveis destas hierarquias e status. Esses fanáticos jamais entendem, ou possivelmente não se preocupam, que eles estão colocando a vida de outras pessoas em risco.
Podem me chamar de pessimista se você quiser, mas hoje nós estamos debaixo de um desafio de uma grande desastre e sofrimento...
...A religião Lukumi foi capaz de sobreviver a inúmeros obstáculos que a confrontaram devido aos nós que a própria comunidade sofre. Conhecimento, respeito e senso de propósito foram os princípios de resistência e continuidade que permitiram a unidade do coletivo mesmo nos momentos onde o individualismo prevaleceu em todos os níveis. Orientação foi um elemento importante. Cada classe de sacerdotes aprendeu sobre suas funções sacerdotais por causa da estrutura que havia em volta deles, de casas e mais velhos que os pressionavam. Olorishas foram ensinados pelos seus mais velhos e foram focados no seu propósito que era o de reconhecer a importância dos Orisha e na pratica de uma religião.
O aprendizado começava de baixo. Os olorishas começavam tirando penas de aves, limpando o chão e sujando suas mãos nos trabalhos mais duros e cansativos. Uma vez ordenados eles continuavam seu caminho do fim da fila, ascendendo, demonstrando respeito pelos mais velhos, ganhando conhecimento e respeito. Somente o verdadeiro interesse, dedicação e humildades eram recompensados e tudo se transformava em amor a sua religião.
Oriatés foram selecionados e treinados por seus mentores, um reconhecido Oriaté. Por longos anos. Os candidatos trabalhavam junto com um Oriaté mais velho e ficavam por longas horas com trabalho duro e pressão. Quando esse Oriaté mais velhor entendia que o aprendiz estava maduro ele seria “iniciado”. Esta “iniciação” era basicamente a apresentação do novo ORIATÉ para a comunidade, quando o candidato deveria fazer um Itá na frente de todos e depois ser julgado pela própria comunidade se ele já estava apto.
** Notem que o entendimento deles não é distinto do nosso para o processo de aprendizado **
Ao contrário do que se faz atualmente, não existe nenhum outro processo para se tornar um ORIATÉ. O ORIATÉ é o produto de aprendizado e treinamento e demonstração pública da capacidade e habilidade de fazer o seu ofício. Não existe nenhuma cerimonia ou ritual de iniciação.
….
No Brasil, Ifá e os Babalawo estão extintos desde o fim do século XIX. Babalawos Nigerianos começaram a influenciar o Brasil depois de 1960 quando muitos viajaram para ensinar Yorùbá em universidades. Este processo iniciou uma Africanização tardia do Candomblé no Brasil. Depois os próprio Babalawo Cubanos vieram para o Brasil e introduziram a variante cubana. No Brasil, os Babalawo cubanos estão causando uma divisão devido a introdução de novos rituais de Ifá que não tem lugar na tradição e na região, como é o caso da CERIMÔNIA DE ORIATÉ.
Candidatos que não são considerados dignos para serem iniciados em Ifá e principalmente sacerdotes homosexuais, são orientados através de uma divinação de Ifá que devem receber o cargo de OBÁ ORIATÉ e assim pagam e são submetidos a essa “CERIMÔNIA” que foi criada para os cubanos ganharem dinheiro
Eu destaquei apenas algumas partes do texto. O relato é mais rico em detalhes em substantivos e também adjetivos. Quem quiser ter acesso ao conteúdo integral que é bem esclarecedor deve procurar o livro na AMAZON.COM.
O autor explica que em um momento de Cuba, pessoas que haviam sido deportadas voltam a ilha e iniciam esse processo não tradicional de criar cerimônias que não existem e vender o que não deveria ser vendido. O fluxo entre os EUA e Cuba permitiu que essas pessoas buscassem conhecimento ou legitimassem um comércio de coisas que não eram adequadas pela tradição da ilha.
O mesmo ocorreu aqui no Brasil com a vinda de cubanos e Nigerianos. Ambos fazem aqui coisas que não fazem dentro de suas tradições. Idiotas são aqueles que não procuram sabem o que é certo e compram coisas que são ilegítimas.
Dentro dessa ilegitimidade, segundo Miguel Ramos está a criação de uma FALSA CERIMÔNIA de Obá Oriaté, criada apenas para tirar dinheiro de incautos. Ele também comenta que essa função, de Oriaté não tem lugar no Candomblé. Essas pessoas não são reconhecidas no Candomblé como sacerdotes.
Chamo a atenção para o aspecto que o autor destacou que não existe cerimônia verdadeira de Oba Oriaté, todas são falsas.
Como disse no início, meu conhecimento sobre esse assunto eu obtive conversando ha muitos anos atrás com sacerdotes Lukumi que eu conheci pessoalmente, de fato, dois, e isso foi posteriormente explicado pelo Miguel Ramos. Lamentavelmente para as pessoas que pagam por isso, não existem cargos de Oba Oriaté, creio que os mais velhos dos Lukumi devem revirar no túmulo com isso, isso foi criado para ganhar dinheiro, aproveitando a rebarba do Ifá cubano, é um processo de reciclagem.
No que diz respeito ao Brasil, essas pessoas não terão nenhuma relevância ao culto de Orixá (Òrìṣà).
Aqueles que se sentirem atingidos pelos comentários, lamento, procurem o Miguel Ramos. Esse Blog não tinha posição sobre o assunto, mas, visto ao exposto entende que o Miguel Ramos deve estar correto
sexta-feira, junho 21, 2019
Nova postagem e vídeo
No Youtube, no canal do blog, um novo vídeo postado, encerrando os vídeos sobre intolerância religiosa.
Paganismo e monoteismo
Ficou grande mas tem questões importantes.
Postei texto sobre a cerimônia de IMORI, que mais uma vez, vai ajudar aos babalawo descompreendidos a saber o que fazer e o que falar. O texto é importante, tem informações importantes e explica a cerimônia.
Eu ainda não tenho estatística mas até o momento, o que aprendi é que se essas cerimônia fossem feitas teríamos menos crianças desajustadas e adultos perdidos. A cerimônia de nascimento, o ikoxewaiê (Ikọsẹwaye) é importante, porém, mais ainda, muito mais ainda, é essa de Imori que pode evitar disturbios sérios das crianças.
Essas cerimônias confirmam o que digo que a religião é muito mais do que regras e dogmas, a religião além da fé traz conhecimentos importantes para uma vida melhor.
CERIMÔNIA DE IMORI
CERIMÔNIA DE IMORI
A
cerimônia de IMORI é uma das 2 liturgias da religião Yorùbá que
se ajustam a necessidade que a sociedade tem de integrar a religião
a ela, através das cerimônias sociais. Cada religião tem suas
liturgias baseadas na sua teologia e dogmas, liturgias são
cerimônias internas da religião, atos preparatórios, iniciáticos
ou parte de atos iniciáticos que visam atuar sobre o indivíduo
dentro do contexto de integração dele ao divino, a deus e o mundo
supernatural que nos rodeia.
Uma
liturgia é um ato formal da religião dentro do seu contexto e
objetivo e visa dessa forma adicionar algo ao indivíduo, visa
dar-lhe elementos do mundo supernatural ou integrar o indivíduo ao
mundo supernatural. Estou aqui estendendo o conceito formal da
palavra, que são atos do ofício religioso isso é claro e simples,
mas por que executá-los?
A
necessidade de execução de qualquer liturgia parte do entendimento
que temos que ter que qualquer religião convive com a realidade da
existência de um mundo natural, o que vivemos e um mundo
supernatural, o que não vemos mas que cremos que ele exista. A
religião, cada uma delas, estabelece que existe este mundo
supernatural e o define e estrutura, além disso estabelece regras e
forma de usá-lo e de nos integrarmos a ele.
O
verdadeiro sentido de uma religião está na nossa integração com
esse mundo supernatural. A grande diferença entre você dizer que
acredita em um deus, em algum deus e fazer isso dentro de uma
religião é que a religião tem dentro dela os instrumentos que
ensinam os seus seguidores a interagir e se beneficiar do mundo
supernatural. O grande benefício que a religião traz não é nos
ligar a deus, isso é bobagem, o grande conhecimento que ela traz é
ter dentro dela entre mais coisas o ensinamento de como interagimos
como mundo supernatural.
Cada
religião vê e define para nós esse mundo supernatural. Cada
religião tem sua visão de como ele é, como funciona e como usamos
suas energias, forças e elementos. Isso inclui o nosso papel no
mundo natural, uma vez que todas elas colocam nossa existência no
mundo natural como temporária e o mundo supernatural como
permanente.
Alguns
podem entender que esse modelo temporário-permanente é uma fuga das
pessoas para ter uma perspectiva mais ampla para a própria
existência, mas, não é isso o que veem todas as religiões.
Teríamos então que entender que no mundo todo em todas as épocas
as pessoas tiveram o mesmo impulso de desenvolver a mesma ideia o que
seria isso sim, um delírio.
Cada
religião tem uma proposta distinta para o ser humano e essa proposta
é baseada no entendimento metafísico que ela traz. Na sua
metafísica ela define o mundo supernatural, seus recursos,
benefícios, usos, elementos, perigos e demais componentes. O seu
núcleo é a crença que ela nos propõe para integração do físico
e do metafísico. No seu ofício ela estabelece a forma como isso é
feito.
Em
função disso uma pessoa sem o suporte de uma religião entenderá
deus apenas como uma ideia pessoal, uma parte de sua consciência de
indivíduo que ele mesmo usa para se analisar ou se motivar. Sem a
religião ele não terá acesso às liturgias que visam nos
beneficiarmos do mundo supernatural para viver nossa vida.
Esta
visão que estou passando se aplica a todas as religiões. As
religiões têm sentido de existirem não para dizer quem é o deus
e como ele é, elas são a forma de lidar com supernatural que esta
contido na sua visão metafísica junto com o seu entendimento de
deus. A explicação ingênua de que a religião estabelece o caminho
para você chegar a deus se desfaz facilmente com a visão de que as
pessoas não precisam dela para isso, basta entenderem e crerem nele,
isso é óbvio. Contudo, essa é apenas isso mesmo, uma explicação
simplória para o entendimento rápido. O contexto verdadeiro é que
na religião esta contido a integração físico-metafísico.
Em
função disso a dimensão litúrgica tem uma importância muito
maior do que apenas atos formais. O que a pessoa pode é não ter o
conhecimento real das liturgias e seus propósitos ou pode não ter
acesso as liturgias para profundas da religião, mas elas não são
formalismos decorativos. Uma grande diferença entre a religião
Yorùbá e a católica é que a primeira é explicita em dar contato
às pessoas as suas liturgias e ao uso do supernatural. Isso ocorre
porque, faz parte da crença básica, que o supernatural existe para
nos ajudar com nossa vida natural.
A
Igreja católica já foi assim também no passado mas se afastou
desse modelo na idade média, adotou outra linha. Hoje a religião
Yorùbá e outras que adotam essa linha de beneficiar as pessoas com
o supernatural e integrar ele a nossa vida são vistas como místicas
e como voltadas para a magia, induzindo as pessoas a confundirem as
religiões com as práticas seculares de magia que fazem uso do
supernatural sem estar associado a nenhuma religião.
Vamos
entender que o supernatural existe com ou sem o entendimento das
religiões e que cada uma estabelece um modelo do que seja esse
supernatural. Não podemos dizer qual é o modelo certo ou mais
correto. Sabemos através das religiões, todas elas, que existe um
supernatural mas como ele é, isso ainda fica sem resposta. Nesse
sentido sempre existiram pessoas que se utilizam dele mesmo não
pertencendo ou em nome de alguma religião. Essas pessoas são os
videntes, feiticeiros, magos, bruxas e outros grupos.
As
cerimônias introdutórias
Quando
um indivíduo nasce existem algumas cerimônias envolvidas na
introdução dele à sociedade. Essas cerimônias podem ser meramente
sociais como parte da cultura da sociedade ou fazerem parte da
religião.
Cerimônia
de Imori
Depois
de pisar no mundo, através da cerimônia de Ikọsẹwaye
o ritual seguinte feito para a criança é o “conhecimento da
cabeça” - IMORI, que deve ser idealmente realizado até o
terceiro mês após o nascimento. “O objetivo desta cerimônia é
conhecer a ”cabeça interior” - Ori inu,
ou personalidade que o
espírito ou alma trouxe para
o mundo, de forma que os pais possam
ajudar a criança a coordená-los. A medida
que o tempo passa a cabeça interior domina a alma e os dois se
tornam um, fundidos em uma personalidade unificada”
(Drewal, Yorùbá ritual, p.
56).
Esta
visão de integração descrita por Margareth Drewal no excelente
livro Yorùbá Ritual, é muito interessante, são poucas palavras
com muito conteúdo. Refletem a visão que lhe foi passada por um
Bàbáláwo, Óxitóla (Ọ̀ṣitọlà),
e
que para minha felicidade, vão
ao encontro de algumas percepções anteriores e são mais uma peça
no quebra-cabeça da complexa
teologia
Yorùbá.
O
conceito
de Ori inu é mais complexo e não vou abordar aqui, mas destaco
algumas coisas importantes que vão ao encontro da minha percepção.
No modelo Yorùbá vemos a presença do espírito
ou alma, émi
(Ẹ̀mí)
para os Yorùbá, que é dada por Olódùmarè para todos nós. O émi
(Ẹ̀mí)
é a centelha de vida.
Nós
nascemos através
do
emi
(èémí),
o
sopro de vida,
mas nossa personalidade de fato, a pessoa que somos se caracteriza
pelo Ori inu e se incorpora depois. Na
teologia Yorùbá são de fato momentos distintos. Um é nossa
jornada na preparação do nascimento através da formação do Orí
inu, que constitui quem somos e o que trouxemos para essa vida. O
outro é o emi
(èémí)
dado por Olódùmarè ao corpo moldado. Na teologia Yorùbá são
momentos bem distintos e a análise indicava que a junção disso era
um momento separado. A descrição de Drewal vem a coroar esta
interpretação
Como
Drewal descreve o
que aprendeu com o Bàbáláwo
Óxitóla
(Ọ̀ṣitọlà),
existe uma gradual integração do Ori inu com o espírito do corpo e
que gradualmente o Ori inu domina o espírito e eles
se
tornam apenas um.
Essa
proposta de modelo, que eu endosso, nos leva a várias afirmações.
Por exemplo a questão de descendência, de quando ocorre
a
incorporação do descendente no corpo em gestação. Também permite
entendermos melhor a questão de incorporação uma vez que separa em
2 entes a pessoa, o espírito que vem com o corpo e o Ori inu que se
adiciona, o que dá espaço para entendermos que um outro poderia ser
inserido nesse modelo de controle do espírito, justamente o que se
apossa do elegun no ato de incorporação.
Também
pode justificar certos problemas como altismo, quando poderíamos
supor que esses dois entes, espírito e Ori
inu, não se integram, e, ainda, outros estados mentais nos
quais existe saúde física mas confusão mental.
Voltando
ainda ao contexto, é nesse período inicial de vida em que as 2
cerimônias importantes do recém-nascido e somente nesse período
podem ser realizadas. A razão está explicada pelo processo de
junção do Ori inu com o espírito. Nos primeiros dias e nos
primeiros meses o Ori inu ainda está mais ligado ao órun (Ọ̀rún)
do que ao àiyé, ou seja, está ainda ligado ao supernatural
estabelecendo uma ponte entre o natural e o supernatural. Por esta
razão somente nesse período podemos realizar essas cerimônias uma
vez que em período posterior elas perdem a razão por se tornarem
ineficazes.
Para
a execução do Imori, na noite anterior, fitas brancas e pretas
devem ser colocadas em cada pulso, cotovelo, joelho, tornozelo e
pescoço da criança, como um sinal para alertar o espírito para se
preparar para o ritual.
O
ritual é realizado no início do dia, de preferência.
Ele
se inicia na frente da casa, com a oferenda de um pequeno sacrifício
de bebida e dendê na capela dos Bàbáláwo ancestres (oju orere) e
usando-se o Obi para determinar se foi aceito.
Os
pais da criança trazem oferendas representando as 2 famílias.
O
Bàbáláwo coloca as oferendas em cada lado do opon (Ọpọ́n Ifá),
sendo que as oferendas do pai ficam no lado direito e da mãe no lado
esquerdo. O Bàbáláwo abre a consulta a Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà)
e marca no opon (Ọpọ́n Ifá) o primeiro
signo de ifá, ogbé méjì. Ele pegará a criança e tocará a
cabeça no chão e depois no opon (Ọpọ́n Ifá),
fazendo assim a introdução da cerimônia
de Imori.
A
seguir o Bàbáláwo
exibirá a
criança pedindo a benção das divindades e ancestres, pedindo a
ajuda deles por toda a vida da criança. Ele espalhará
um pouco de Gin sobre a criança para acordar o Ori inu e procederá
então a rezar no opon (Ọpọ́n
Ifá) os 16 Odù
méjì.
A
próxima etapa é jogar água no chão e
dar para a criança beber e seguindo a
ela, a mãe e o
pai. Depois disso o mesmo é feito com o Gin.
A
próxima etapa é feita com 2 gravetos
finos e compridos que ficam em cada lado da família. Os
gravetos do lado masculino (iṣẹmokunrin)
devem ser de Akoko e o do lado feminino (iṣẹmonbirin)
devem ser de uma árvore frutífera. O
Bàbáláwo
mistura o pó no opon (Ọpọ́n
Ifá) com
os gravetos e reza. Ele fala com os
pequenos gravetos que o pai e a mãe foram abençoados com aquela
criança. Se aquela criança veio da
família paterna que Ifá diga para nós. Se veio da família materna
que Ifá diga
para nós, se veio de uma divindade, que ifá diga para nós.
Depois
disse ele apresentará a criança
a todos e rezará para ela
desejando uma vida longa e feliz. Ele, em
sequeência, toca então os gravetos nos
ikins, na testa da criança e no chão e agita
os gravetos no ar para cada uma das origens que ela poderá ter.
O
Bàbáláwo sacará os ikins 3 vezes para
cada um das 3 origens, definindo assim pelo Odù mais sênior qual a
origem predominantes. Nesse ponto devemos
destacar que o processo é complexo porque prevê que devem ser
obtidos 3 Odù sênior em sequência para definir qual a origem
correta.
Na
sequência o Bàbáláwo
deve determinar que divindade ou ancestre a criança representa.
Durante este processo é esperado que a criança durma, mostrando que
o espírito do ancestre ou divindade possuíram a criança. Se a
criança não dorme isso significa que o Ori inu e o espírito não
se harmonizaram.
Tal como a criança ele, o Ori inu, esta
amedrontado e ficará continuamente em confusão com a alma, não
deixando a criança em paz.
O
Bàbáláwo deve
mais uma vez usar os ikins e os ibo com os 5 símbolos da sorte e do
infortúnio para dizer quais serão os maiores problemas que ela
enfrentará na vida.
Por
fim, o Bàbáláwo
deve preparar as folhas que certificam que a criança passou pelo
ritual do IMORI. Este ritual também é chamado de Iwoye que é um
nome genérico usado para qualquer cerimônia onde se obtêm um
título.
Em
3 folhas devem ser colocados os elementos dos sacrifícios
que foram oferecidos. O Bàbáláwo
marcará no opon (ọpọn
ifá) Ifá os 16 signos principais de Ifá
e depois de rezar para cada um deles jogara um pouco do pó nas
folhas. Quando concluir ele esfregará
um pouco do pó na cabeça da criança. Antes de fechar o pacote de
folhas, ele tocará as folhas nos ikins, na
testa da criança e na boca. O pacote de folhas será embrulhado
usando as fitas que foram colocadas na criança à noite.
O
pacote bem embrulhado é colocado em um prato branco no centro do
opon (ọpọn
ifá) e será gira no sentido dos ponteiros
do relógio e depois no sentido contrário. Girando em um sentido e
depois no outro, o Bàbáláwo
perguntará para a audiência se “a criança já chegou no mundo ou
se a criança ainda não chegou no mundo”. Os pais devem responder
que a criança já chegou ao mundo. Girando mais uma vez o prato o
Bàbáláwo deve
dizer que a criança deve aproveitar todas as coisas boas no mundo.
O
pacote é colocado em uma cabaça e entregue para a mãe, o
Bàbáláwo joga
o pó no prato e é feita uma prece para que a criança tenha vida
longa e prosperidade. O pó se torna a representação material da
prece e pode ser usado para a mãe fazer banhos para a criança.
segunda-feira, junho 10, 2019
O comércio em torno do jogo de búzios
O comércio em torno do jogo de búzios
(esse texto faz parte de um texto maior ainda em elaboração sobre o jogo de búzios)
E o que é isso?
Existem sacerdotes e feiticeiros. Existem pessoas dedicadas a sua
religião de fato, que se focam em orixá (Òrìṣà) e nas suas
liturgias, são pessoas com uma casa que tem atividade permanente
dedicada a orixá (Òrìṣà) e atuam de forma ética e sacerdotal
de fato.
Existem também os
feiticeiros, aqueles que por ego ou importância comercial dizem ter
uma casa de Candomblé (terreiro) mas que ali fazem uma prática
mista, com consultas de umbanda com exu e pombo-gira, às vezes giras
de Umbanda, porta aberta para fazer trabalhos de qualquer natureza
ética, incluindo o malefício a outros. Mantêm uma atividade de
Candomblé com Xirês voltados para atrair clientes e manter a sua
relação social dentro da comunidade de sacerdotes.
Essas pessoas colocam
sempre muito dinheiro na realização dos seus Xirês de Candomblé.
Suas casas são arrumadas, os orixá (Òrìṣà) bem vestidos,
muitos Ogans e um serviço farto de comida após o xirê.
A presença de outros
sacerdotes é importante, para mostrar a sua inserção e relevância
no meio, aliás essa troca de gentilezas, de sacerdotes frequentando
a casa de outros, é assunto a parte para a psicologia. Existe um
círculo próprio desses sacerdotes que devem convidar e serem
convidados para os xirês dos outros. Nesses eventos, eles são
recebidos com pompa e circunstância, se tornam vistos pela
assistência e têm o seu ego inflado, porque são tratados como
autoridades.
Mas isso é,
majoritariamente, um jogo comercial porque esses grandes eventos nos
quais existe um xirê (toque para os orixá (Òrìṣà) são sempre
acompanhados de um serviço de comida para toda a assistência. Isso
ocorre em dias festivos ou não, na verdade em dias festivos o
aspecto laico é maior e, o foco, é a festa e não o orixá (Òrìṣà).
Esses eventos,
pequenos ou grandes servem para mostrar à assistência a grandeza e
poder do dono da casa. Uma casa próspera é a do sacerdote que
trabalha mais, tem mais clientes, ganha mais dinheiro com o que faz e
dessa forma sendo o mais bem sucedido será a melhor pessoa para se
consultar. Se você tiver um problema para resolver a indicação é
ir na casa da pessoa mais bem sucedida.
Os “eventos-Xirês”
não existem para manter o axé da casa em atividades, trazendo os
orixá (Òrìṣà) para abençoar as pessoas e a casa com sua
presença, renovando o axé da casa. Eles existem como obrigação
para o atendimento comercial do sacerdote e seus clientes de jogo,
são parte da atividade comercial do jogo de búzios.
Esses Xirês são
dessa maneira um evento feito para atender aos clientes do dirigente.
Não dá para uma casa de Candomblé com foco religioso sustentar uma
atividade como a que essas pessoas sustentam.
Um dos componentes,
como já citei, desse complexo espetáculo de horrores é a presença
de sacerdotes convidados, pessoas igualmente conhecidas, que mostram
para a assistência que o dono da casa é conhecido e tem prestígio
para trazer outros conhecidos e “famosos”. Os famosos podem
também ser os clientes famosos. Tudo isso é parte do espetáculo
comercial.
Os espetáculos
legitimam o dono da casa, como legítimo e prestigioso sacerdote e
também os convidados da mesma forma. Ao ir, os convidados, estão,
na verdade, legitimando tudo o que o dono da casa faz. Mas, ao ir, os
convidados, também estão se expondo para os consumidores de jogo de
búzios. Esse é um círculo vicioso onde você convida e é
convidado.
Para essas pessoas,
ao se falar de fazer o Orixá (Òrìṣà) de alguém a primeira
coisa que tratam é do tamanho da festa, porque a casa tem um padrão
e se quiser fazer lá vai ter que pagar uma festa do porte que a casa
faz. Essas casa estão continuamente em festa.
O principal objetivo
dos feiticeiros é de fato vender obrigações e adquirir filhos de
santo. Uma obrigação é muito mais cara do que um jogo e alguns
ebós e além disso transforma a pessoa em cliente para o resto da
vida.
O importante para
esses feiticeiros travestidos de sacerdotes é ter esta atividade
vistosa de Candomblé para justificar sua posição. Para eles o
importante é atrair clientes e transformar clientes em filhos de
santo, na verdade, é o comércio de feituras de orixá (Òrìṣà)
que concorre com o comércio principal que é o do jogo de búzios e
das consultas com guias de umbanda, normalmente exu e pombo-gira.
Não existe nenhuma
razão para uma casa de Candomblé ter dentro de suas atividades o
trabalho com essas entidades de Umbanda. Isso não faz parte e apenas
mostra que o foco da atividade da casa é comercial. As consultas
estarão associadas ao uso de um oráculo de búzios rasteiro, feito
para, mais uma vez, dar legitimidade de Candomblé a atividade
comercial do sacerdote.
O que ocorre é
sempre uma dobradinha, ao consultar o guia de umbanda, ele as vezes
pede algum trabalho ou faz alguma coisa ali presente, mas,
normalmente indica que a pessoa deve procurar o pai-de-santo em outro
horário para ele fazer um jogo de búzios, permitindo ao
pai-de-santo cobrar duas vezes (ou uma, as vezes a consulta é de
graça ou de baixo valor, sob a alegação de que a Umbanda é
caridade), uma pela consulta ao exú e outra pelo jogo de búzios que
é de onde vão sair os trabalhos a serem feitos.
O jogo de búzios
vira então apenas um complemento da consulta que foi feita pela
entidade de Umbanda, sendo usado para indicar os trabalhos cobrados a
serem feitos. Esse é um formato muito comum e ruim, é orientado
para o comércio.
Todos os sacerdotes
que vi serem questionados em porque mantinham consultas e trabalhos
com exu e pombo-gira junto com sua dita atividade de Candomblé
alegaram a mesma coisa, um discurso comum, que eram muito gratos com
aquelas entidades e que não poderiam abandoná-las.
Isso é uma total
bobagem.
Elas já teriam
virado as costas para elas no momento em que decidiram ir para o
Candomblé, onde não existe o trabalho com esses guias.
Eles mantêm os guias
por alguns motivos. O primeiro deles é puramente comercial, ganham
dinheiro através desse guias de forma muito mais simples do que com
uma casa de Candomblé. Além disso dinheiro sem ética porque esses
guias são usados para trabalhos sem finalidade ética.
Outro é despreparo.
Nada ou pouco sabem de Candomblé e se não tiverem esses guias de
Umbanda não vão ter nada para fazer. Outro é porque dizer que são
de Candomblé é apenas alegórico, eles gostam de poder dizer que
são de Candomblé mas que amam a Umbanda e querem ter e usar todo o
aparato decorativo que o Candomblé pode oferecer e que não
encontram na Umbanda.
Essas pessoas não
amam e nunca amaram a Umbanda. Elas amam o dinheiro.
As indicações da
baixa qualidade da relação do sacerdote com o divino passam por
isso que expliquei. Esses xirês realizados com muita opulência,
seja para festas ou saídas de orixá (Òrìṣà), com muita
aparência sempre são uma indicação forte de que aquilo é palco
para a casa atrair pessoas. Pessoas que fazem trabalhos de qualquer
natureza ética são apenas feiticeiros. Pessoas que anunciam em
jornal, gastando assim muito dinheiro na sua promoção terão
obrigatoriamente a necessidade de ganhar dinheiro com o que fazem.
Não vou entrar aqui
no mérito das dificuldades em ter uma casa de Candomblé funcionando
junto com guias de Umbanda, dificuldades do ponto de vista do
supernatural.
Os fatores que
indicam um bom ou mal lugar para consultar búzios são muito
evidentes e simples, alguns podem não saber do que eu disse ou não
terem prestado atenção, mas, podem se perguntar, se isso é assim
evidente porque as pessoas continuam a ir nessas pessoas? Simples, se
merecem, elas estão em busca também da falta de ética.
Não se pode falar de
Jogo de Búzios no Candomblé sem falar sobre esse contexto comercial
e esse é o motivo de eu citar isso tudo.
Novo vídeo no Canal do Youtube
O tema ainda é intolerância religiosa. Neste quinto vídeo é abordado a questão do preconceito contra a religião por ser acusada de ser para a prática de feitiçosO quarto vídeo será publica nos próximos dias. Ficou pronto mas resolvi refazer
Parte 5
.
segunda-feira, junho 03, 2019
Por que um oráculo é necessário em uma religião?
Por que um oráculo é necessário em uma religião?
Por
que um Oráculo é importante?
No
caso da religião yorùbá, a importância disso é teológica
e envolve um evento supremo. De acordo com a teologia da religião
Yorùbá, é Órunmila
(Ọ̀rúnmìlà)
a única divindade que compartilha junto a Olódùmarè o destino de
cada pessoa. Cada pessoa antes de nascer, vai a Olódùmarè pedir o
seu destino, na verdade estabelecer com ele o que ela vai fazer na
vida, que objetivos vai buscar. Este momento no qual
cada pessoa no mundo espiritual, no órun (Ọ̀rún), tem contato
direto com Olódùmarè, se ajoelhando à sua frente é único e
especial. Em nenhum outro momento temos acesso a Olódùmarè. Mais
ainda, nenhuma divindade, exceto Exu (èṣù) e Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà)
tem acesso a Olódùmarè, mas, nós, nesse momento único e especial
nos prostramos diante dele para pedir a ele nosso destino.
Este
é o sentido desta divindade em especial, Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà)
e não outra, estar ligado ao oráculo e sendo ele conhecedor do
destino das pessoas. É esse evento que torna relevante um oráculo
através de Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà)
de um outro que seja através de outra divindade, outro orixá
(òrìṣà).
Muita
atenção nisso, aqui esta a razão teológica desta discussão.
Esta
religião diferente de outras não entende que a vida é única,
acredita em várias encarnações, não acredita que a gente vive
para nunca mais encarnar, não acredita que a vida é um sofrimento,
não acredita que temos carmas a sofrer.
Esta
religião acredita que vivemos porque queremos viver, que vivemos em
família e acima de tudo que vivemos para sermos felizes. Esta
religião acredita na vida.
Olódùmarè
esta, totalmente, comprometido com nossa felicidade.
Mas
a vida no mundo é dificil, existe o mal que está nas pessoas,
existem os Ajogun (fome, doença, perda, morte, etc…) existem as
ajé (feiticeiras).
Para
poder fazer frente a todos os problemas imprevistos, Olódùmarè em
seu compromisso com a nossa felicidade, ele nos dá um oráculo para
nos comunicarmos e os orixá (òrìṣà) para nos suportar.
Nessas
informações que passei está o motivo teológico da
existência do oráculo nesta religião (talvez em qualquer outra
religião). O oráculo é o suporte que Olódùmarè dá a cada
pessoa, através da religião, para que ela tenha sucesso na vida, a
vida que ela pediu a Olódùmarè.
Olódùmarè,
o deus, a divindade suprema, nos concede a vida e junto com isso todo
o suporte para que tenhamos sucesso nela. Junto com a presença dos
orixá (òrìṣà), cujo sentido é nos suportar na nossa
vida, o oráculo é o instrumento divino que devemos usar quando
precisamos de ajuda.
O
oráculo na religião é a forma que os crentes têm para se
comunicar com deus, diretamente ou através de seus representantes. O
oráculo é sempre um instrumento de ligação e comunicação entre
o mundo natural e o supernatural, entre o homem e o divino. Através
dele, comunicamos nossos problemas insolúveis e buscamos a ajuda do
divino, de deus, para seguirmos nossa vida aqui na terra, no àiyé.
Nesta
religião quando rezamos a deus ou quando o procuramos, a resposta de
deus não é o silêncio. Nossas preces são atendidas pela presença
dos Orixá (òrìṣà), os ministros de Olódùmarè no àiyé e
pelas mensagens que obtemos do oráculo. Deus fala com a gente.
O
Candomblé não trata apenas com fiéis ou frequentadores. Existe uma
legião de pessoas, consulentes que o procuram para resolver seus
problemas de vida sem que pertençam ou queiram pertencer ao
Candomblé e a religião de orixá (Òrìṣà).
O
Babalorixá ( Bàbálórìṣà) e a Iyalorixá (Ìyálòrìṣà)
atendem esses consulentes não apenas por questões comerciais, para
ganhar dinheiro. Atendem porque faz parte dessa religião ajudar a
todas as pessoas a atingirem os seus objetivos. Existe um compromisso
de deus, Olódùmarè, em termos sucesso na vida, principalmente em
sermos felizes, como explicado anteriormente e assim, o sacerdote da
religião deve ajudar a todos que o procuram.
Olódùmarè
assiste a todas a pessoas. Deus é único ele não faz distinção.
Não existe nesta religião a figura de um deus raivoso e vingativo
que escolhe um único povo como seu preferido e passa por cima dos
demais.
Ele
não vai atender apenas aos candomblecistas e deixar todos demais de
fora, esse conceito de deus é tolo, deus é para todos, não importa
a religião.
As
oferendas e sacrifícios são uma continuidade do oráculo e visam
como disse no início, nos ajudar em nossa vida a resolver questões
possíveis através do supernatural.
Sua
religião não tem um oráculo?
Na
visão de sua religião, deus não esta comprometido com sua
felicidade imediata?
Sua
religião não oferece recursos para através do supernatural você
ter ajuda na solução de problemas?
Então,
lamento, ela tem uma visão muito restrita e menos útil.
O
divino é o mesmo para todos, a diferença entre as religiões é
como elas nos orientam nessa relação.
A
questão comercial no Candomblé envolve o que o sacerdote vai
cobrar, se vai cobrar e quanto vai cobrar por isso é um problema a
parte.
Existe
um outro uso do oráculo e que envolve questões teológicas da casa
e dos membros, mas esse é um uso específico e menor considerando o
atendimento a consulentes.
sexta-feira, maio 31, 2019
Novo vídeo no Canal do Youtube
O tema ainda é intolerância religiosa. Neste segundo vídeo é abordado a questão de nós mesmos gerando motivos para intolerância devido a pessoas que não são religiosas, dirigem casas comerciais para ganhar dinheiro com trabalhos e consultas e usam o tema de intolerância religiosa para se defenderem.https://youtu.be/8dHIAPFWFsk
segunda-feira, maio 27, 2019
Novo vídeo no Canal
O tema é intolerância religiosa, com uma série de 5 vídeos, publicado a parte 1 - Multiplicidade Religiosa
https://www.youtube.com/watch?v=ZNzjxJcYU5Q&t=861s
https://www.youtube.com/watch?v=ZNzjxJcYU5Q&t=861s
domingo, maio 26, 2019
O livro de Maupoil em português
Finalmente o famoso livro de Bernard Maupoil - A adivinhação na antiga costa dos escravos, foi publicado em português.
Está disponível em grossa e boa edição pela Edusp. Mais um grande trabalho de Carlos Eugênio Marcondes de Moura.
Eu tinha a edição antiga em francês, mas nunca li, de fato, francês não é para mim, mas ganhei e guardei.
Esse livro lendário faz parte da história do Candomblé vou explicar isso em um texto que ainda não terminei. Para quem for ler atenção, ele não é sobre Ifá, ele é todo sobre Fá que é a variação de Ifá para o Dahomey.
O livro é voltado para Voduns e não Orixás, dessa maneira é um livro que vai interessar as pessoas que são do Candomblé de Jeje. não vejo ele utilidade para o Candomblé Ketu e as demais tradições afro-brasileiras que tem origem nos Yoruba.
Muitos podem agora estar perguntando que é esse Fá?
Fá é o Ifá no Dahomey.
Segundo Luis Nicolau Parés em seu livro A formação do Candomblé, p.274,
"... a mãe do rei Tegbesy, Na Huanjile, é geralmente tida como responsável pela introdução por volta de 1470, do culto Mawi-Lissa em Abomey, transformando esse casal de voduns em divindades genitoras e supremas, colocando-as na cumeeira de um panteão cada vez mais vertical e hierarquizado. Ao mesmo tempo a introdução do sistemas de adivinhação Fa, controlado exclusivamente por homens e a promoção do culto Nesuhue dos ancestrais como culto nacional, com precedência sobre o culto do resto das divindades públicas, contribuíram para uma crescente estruturação piramidal do sistema religioso."
Este trecho é parte do capítulo "O panteão Jeje e suas transformações".
Eu recomendo muito a leitura desse livro. Se o Parés estiver errado, não tem o que fazer, mas, considerando, suas obras e o seu estudo como uma abordagem séria isso significa que:
- O estabelecimento do panteão Jeje hierarquizado tendo a figura de Mawa-Lissa foi tardia e feita pela rainha. Lendo o livro a gente aprende que essa hierarquização não fazia parte da tradição Jeje.
- A introdução de Ifá na forma de Fá foi feita tardiamente
- A introdução do culto de egungun através do Nesuhue também tardiamente e uma imposição da Rainha.
Pode não parecer nada mas isso significa que foi a estrutura da religião Yoruba que influenciou e reorganizou o panteão Jeje e não o contrário!
O livro do Parés tem outros exemplos, nesse mesmo capítulo, quando ele trata de Sakpata, Omolu e Nana Buruku. Os estudos deles mostram claramente que a religião Yoruba influenciou o seu entorno, com idas e voltas do mesmo Orixá, ás vezes com nome novo e não o contrário
A leitura da segunda parte do livro dele é muito boa, mesmo para quem não se interessa pela religião Jeje.
Tem pessoas aqui no Brasil que acham que foi o Jeje que exportou divindades, que ele seria mais antigo ou influente. Infelizmente para elas, não foi assim.
O culto no abomey, o Jeje, era bem diferente antes e formado por famílias de Voduns (umas 3 famílias), independentes entre si, com quase nenhuma hierarquia. O conceito do Jeje era o de familia de divindades, com filiação entre os Voduns. Contudo esse nunca foi o conceito Yoruba para Orixá.
A hierarquização do culto Jeje, como mostrado por Parés, foi configurada por decreto, fazendo um espelho da religião Yoruba.
Recomendo muito a leitura deste livro do Parés.
O livro do Mapouil é importante para entender um aspecto do nosso Candomblé, vou abordar isso no texto que estou fazendo sobre a história de Ifá no Brasil.
Mas antecipando, a forma de Ifá que existe no candomblé, com um entendimento próprio de Odù, que é diferente do que os Cubanos e Africanos trouxeram, é devido as pessoas na década de 90 terem usado esse livro como base para estruturar isso.
Só que esse livro é sobre Fá, sobre Vodun.
Isso explica como surgiu também essa grande mistura de vodun e Orixá.
Mas basta abrir o livro na sua Parte II e você vai achar o Ifá que o Candomblé usa.
Eu queria ter mais tempo para poder explorar todos esse temas, mas, vamos nos virando com o que dá tempo.
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Não deixe de ler o ultimo texto do blog que é um dos muito bom e aborda uma questão importante.
A religiosidade Yorùbá no Candomblé e Ifá
A
religiosidade Yorùbá no Candomblé e Ifá
A
questão das trocas entre o ọ̀run (órun) e o àiyé
Existe
uma questão que sempre me perseguiu e talvez aconteça o mesmo com
outras pessoas que estejam preocupadas com a religiosidade em
si, aquela que deve estar presente nas pessoas que praticam uma
religião.
Essa
questão é a capacidade que deve ter o crente (aquela
pessoa que diz professar aquela religião e que frequenta uma casa,
igreja, templo) de qualquer religião em poder responder a uma
pergunta muito simples, talvez a coisa mais elementar que é: O
que ele faz dentro da religião? Qual a finalidade dele na
religião? O que a religião traz para sua vida? Como a religião se
incorpora na sua rotina diária? Qual o benefício de ter uma
religião.
Parece
um coisa muito simples de ser respondida por uma pessoa que se diz
sacerdote, seguidor
ou crente de uma religião, principalmente quando essa
pessoa tem o objetivo de explicar isso para uma pessoa que não faça
parte desta mesma religião. Não se trata de proselitismo. Um crente
tem que ter a capacidade de motivar ou de explicar as suas motivações
para um não crente, não com a intenção de convencer o outro a
adotar a sua religião, mas, pelo menos, conseguir explicar os seus
motivos nessa religião.
É
claro que vou apresentar aqui a minha versão para isso e
basicamente, é esta a questão de fundo que motiva tudo o que eu
estou escrevendo. Contudo, antes disso, gostaria de explorar um pouco
mais esse drama. Sim, o drama, no qual se transforma essa questão.
Eu
penso que é muito normal a uma pessoa que está dentro de uma
religião ter a capacidade de se expressar sobre os motivos que a
levam a estar lá e que benefícios a religião traz à sua vida de
uma maneira que, não só a pessoa pode explicar sua opção, como
também, convencer outras desse caminho.
Não
considero que essa seja uma questão culta, acadêmica ou teórica.
Pelo contrário, acredito que estamos lidando com a questão mais
simples que uma pessoa religiosa pode se confrontar.
A
minha decepção é observar que isso é algo muito simples quando
lidamos com evangélicos, católicos e muçulmanos, mas, quando
estamos lidando com o Candomblé e com a Umbanda isso se torna, sem
exagero, um transtorno mental. Deixando de lado a boa vontade e
simpatia e se concentrando na argumentação em si, eu, até hoje,
ouvi muito poucas, raríssimas, pessoas, que podiam se explicar sem
caírem em lugares comuns, frases decoradas que não convenciam nem
elas mesmas do que estavam fazendo.
Por
exemplo, no caso do Candomblé qualquer resposta depois de alguns
segundos de silêncio, uma expressão perplexa e aquele olhar
profundo e perdido.... resulta em umas frases como: Eu amo meu orixá
(òrìṣà) ou meu orixá (òrìṣà) é tudo para mim, O orixá
(òrìṣà) é quem me dá caminho, etc... Nada de errado com essa
manifestação de fé e carinho muito apropriadas a uma religião
iniciática onde o orixá (òrìṣà) deve desempenhar um papel
muito exemplar no imaginário do seguidor, mas, de forma nenhuma
serviriam para explicar a alguém o motivo daquilo tudo ou convencer
a sim mesmo do que está fazendo na religião.
No
caso da Umbanda, o mais comum é a velha definição de que ela está
ali para ter uma evolução espiritual, mas, prosseguindo com mais
perguntas sobre o mesmo tema, não se consegue que a pessoa defina
com clareza o que é esta evolução espiritual para ela.
Responder
a primeira pergunta sobre um assunto exige um muito pouco de
conhecimento e muitas vezes serve como resposta, até mesmo uma
embromação, mas responder 3 ou 4 perguntas sucessivas sobre o mesmo
assunto, aprofundando o tema, exige saber de fato o que se está
falando. Assim, me transtorna um pouco ver tanta fé nas pessoas, se
dedicando dias e noites a uma religião sem que se pudesse perceber
se elas sabiam o que as mantêm ali.
Atenção,
de novo, isso não pode ser um paradigma. Não podemos dizer que é
complicado demais para as pessoas sem cultura ou formação, como as
que eram e ainda são encontradas no Candomblé (isso tem mudado
muito). Isso é apenas um estereótipo preconceituoso, e uma
simplificação grosseira para justificar comportamentos
inexplicáveis. Os evangélicos são uma população equivalente, em
termos de classe social e educação (aliás muito piores porque para
exercer uma religião daquelas só sendo muito idiota) e, estes, tem
um domínio muito grande da sua religiosidade e também da sua
teologia.
Vocês
podem estar imaginando: e daí?
Qual
a significância em se saber definir isso em palavras se o que
importa é o que está no coração? Claro, essa é uma boa fuga para
essa questão, mas, se fosse assim mesmo, só uma questão de se
expressar oralmente, eu tenho certeza que a gente não veria tanta
gente deixando o Candomblé e a Umbanda para se transformar em
Evangélicos, deixando anos de dedicação para trás, sem
significado nenhum e acreditando de fato que na Igreja conseguiu se
encontrar com Deus, como já ouvi e li o relato de muitos. Sério,
não estou exagerando. Não estava buscando definições acadêmicas
ou formais, estava buscando apenas uma explicação que me
convencesse de fato.
E
mais, conversei com várias pessoas para entender como era a vida
religiosa dela depois da sua iniciação ou mesmo para aquelas não
iniciadas e que apenas frequentam um terreiro. Para meu espanto, fora
a presença em obrigações aquilo era sempre um grande vazio interno
sem explicações ou entendimentos. Aquela rotina de prática
religiosa, se transformava em significado final da religião.
Vejam,
estar presente em obrigações ou no seu terreiro fazendo tarefas
domésticas não significa necessariamente que se está tendo uma
vida religiosa. Existem muitos religiosos que vivem enclausurados em
igrejas e conventos, mas, o trabalho doméstico é apenas uma
necessidade em relação vida em comunidade, elas dedicam muito do
seu tempo a religiosidade pessoal ou coletiva. A maior parte a rotina
que envolve a presença em terreiros se traduz apenas em suporte às
tarefas domésticas de uma casa compartilhada e não em prática
religiosa.
Mas
o que eu esperava obter?
Como
já disse resposta simples, sinceras e querefletissem o envolvimento
da alma daquela pessoa com a religião que ela adotou, que fosse uma
coisa tão simples e natural e ao mesmo tempo calorosa que desse a
quem ouvia a vontade de também participar daquela vida e crença
religiosa. Que me permitisse compartilhar uma visão otimista da
religião tornando as pessoas em seres humanos melhores.
Mas
porque essa decepção?
A
falta de orientação religiosa
Olha
muitos motivos existem. O primeiro deles, sem dúvida, é a falta de
formação e orientação religiosa dos ditos “sacerdotes” de
Candomblé. De Umbanda então nem pensar. Eles abrem a boca para se
auto nomearem sacerdotes de uma religião sem ao menos terem uma
conduta consistente que justifique o emprego desses termos, seja o de
sacerdote, seja o de religião.
Além
disso, apesar de nossos inúmeros esforços em caracterizar de forma
diferente, o Candomblé está hoje muito mais para uma religião de
magia ou uma prática de magia do que uma religião. Como religião a
sua prioridade são os ritos e liturgias e esse tema domina a
formação e a preocupação das pessoas. Só o rito importa, só a
forma e fazer melhor do que outro e saber mais ritos e segredos
litúrgicos transforma aqueles pseudo-sacerdotes em pessoas melhores.
A
qualificação de um sacerdote virou apenas o seu domínio por ritos
e estes nem sempre podem ser totalmente associados a ritos
religiosos. O dia a dia é dominado pela prática da magia para a
obtenção de favores, para a correção de erros sem um
questionamento do mérito de quem pede ou da moral do que é feito.
Tenham
em mente que a prática do Candomblé envolve de fato as consultas ao
oráculo, as liturgias posteriores a essa consulta e a realização
de ritos e liturgias nos membros (obrigações) mas a vida em uma
religião ou casa religiosa (terreiro) não pode ser resumir a isso.
Antes de seguir vou explicar isso.
É
um fundamento desta religião que a aliança que temos com deus, a
nossa arca da aliança, é que deus nos ajuda e suporta em nossa
vida. Antes de nascermos vamos a deus que pedimos para nascer de novo
e explicamos qual será o nosso objetivo nessa vida. Olódùmarè,
deus, nos concede a vida e nos dá
instrumentos para vivermos e atingirmos nossos objetivos. Ele criou
também os orixá (òrìṣà)
para nos suportarem e serem o
elemento de ligação com ele.
A
aliança que temos com deus, Olódùmarè,
é que vivemos para sermos
felizes e que temos que ser pessoas boas, corretas e honradas, temos
que ter um caráter exemplar e sermos úteis para a sociedade que
vivemos.
Dessa
forma a religião nos ensina e serve como esse elemento de reunião
entre nós e os orixá (òrìṣà)
e além disso existe um oráculo
para que possamos nos comunicar com deus, com as divindades, com
nosso anjo da guarda e ancestres para obter orientações e pedir
ajuda. A existência de um oráculo e dos orixá
(òrìṣà)
deixa claro que nesta religião
não existe essa visão de onisciência e onipresença de deus, como
outras pregam.
Como
parte da aliança de deus com a nossa vida feliz, o oráculo serve de
instrumento para recebermos as bençãos de deus e ele indica que
tipo de manipulações mágicas do supernatural devem ser feitas para
podermos ter ajuda em nossos problemas. Essas manipulações das
forças do supernatural são os ebós, trabalhos e liturgias que são
feitos nos terreiros como consequência da consulta aos oráculos
(búzios ou ifá).
Dessa
maneira um terreiro é um lugar onde, como expliquei, podemos nos
reunir com os orixá (òrìṣà)
através dos Xirês, quando
eles vem ao àiyé
e
podemos “vêlos” manifestados e ter contato com eles e receber
suas bençãos (axé (aṣẹ́)). Também é onde podemos consultar o
oráculo e fazer as manipulações mágicas do supernatural.
Um
terreiro é deste forma um local com muito mais atividade religiosa
do que um templo ou igreja e a razão disso está completamente
fundamentada nos princípios da religião. O terreiro faz o que faz
porque a religião assim o demanda.
Tenho
que lembrar a todos que uma das coisas que torna essa religião tão
mais atrativa é esse sentido que temos nela contato com o divino,
nós interagimos com os Orixá
(Òrìṣà). As
divindades não são figuras remotas que vemos em imagens ricamente
decoradas, o Candomblé não tem imagens para representar Orixá
(Òrìṣà). Imagens
não fazem parte do nosso relicário, se alguma casa coloca imagens é
apenas porque quer, as imagens de Orixá
(Òrìṣà) não
fazem parte de uma casa. Eles são representados por seus símbolos
uma vez que eles estão constantemente presentes no nosso meio.
As
preces que fazemos não são falas que se perdem no silêncio sem
nenhuma resposta. Nós nos comunicamos com o nosso divino e somos
atendidos. Nós temos o oráculo e a presença de Orixá
(Òrìṣà), que
no candomblé de raiz yorùbá não fala mas gesticula.
Dessa
maneira os terreiros são lugares simples, mas, sob o ponto de vista
religioso são um ponto de encontro real e efetivo do crente com a
sua religião e tem funções muitos maiores do que outros templos,
tem uma utilidade prática muito maior e muitos mais atividades
litúrgicas.
Explicado
isso fica
mais fácil de entender um dos objetivos de uma religião que é o de
nos ensinar a usar o supernatural e nos conectar com o divino. O
Candomblé e seus terreiros dão pleno significado a essa definição,
fica bem evidente entender porque a religião é necessária e porque
não basta apenas acreditar em deus. Você precisa de todo o
conhecimento da religião para primeiro, entender a proposta de
sentido de vida que ela te oferece, isto é, o entendimento que esta
religião te oferece para entender o supernatural e o significado
dele, em nossas vidas, e depois te conectar com o divino através do
oráculo e dos Xirês e, por fim, executar os procedimentos de
manipulação do supernatural.
Claro
que a base para tudo isso é entender que existe um supernatural, um
divino, acima de nós, que essas energias e divindades podem ser
acessadas e manipuladas e que deus quer que sejamos felizes em nossas
vidas.
Aqueles
que não acreditam no supernatural e no divino são os ateus e, claro
existem religiões que não se propõe ou não entendem que existem
energias a serem manipuladas. Na verdade as religiões que dizem que
você apenas deve rezar não estão totalmente erradas, de fato rezar
é um importante elemento de conexão com o divino e com o
supernatural, o hermetismo e a alquimia já falaram disso, mas,
existem formas também mais efetivas do que apenas rezar.
Depois
de toda esta explicação espero que tenha ficado claro que ter um
oráculo e fazer os ebós é parte importante e fundamental de uma
casa religiosa de Candomblé e que isso esta completamente alinhado
com a base religiosa e tem como objetivo nos ajudar em nossa vida.
A
tradição de atender pessoas comuns, que não fazem parte da casa,
para o oráculo e ebós é comum, antiga e não é nenhum absurdo. A
religião está aberta a todos, não existe motivo para um sacerdote
deixar de atender que precisa porque Olódùmarè
é
deus para todos nós. O atendimento de consulentes sempre foi uma
forma também de sustentar o terreiro. Dessa forma não existe nenhum
tipo de restrição a isso.
Tem
religiões que tem dízimo e recolhem contribuições no culto. O
Candomblé não faz nada disso, mas, atende a pessoas com problemas
na vida.
A
execução das chamadas obrigações religiosas também faz parte da
religião, são necessárias para a formação de sacerdotes. A
pessoa para poder ser um intermediário entre os Orixá
(Òrìṣà) e
nós e fazer as manipulações energéticas do supernatural (ebós)
tem que se preparar para isso.
Eu
tenho um texto no blog que fala sobre essa questão de necessidade de
obrigações e iniciações, de forma que, procure esse texto para
saber minha opinião à respeito disso.
Dessa
forma, fechando o assunto, ter um oráculo em funcionamento, fazer
ebós e fazer obrigações são atividades importantes e necessárias
de um terreiro de Candomblé.
A
questão que trago aqui é que além disso um terreiro também é um
lugar de formação religiosa, de transmissão de valores de formação
humana. Tem que ser um lugar onde as pessoas vão também rezar e vão
aprender o que a religião tem a oferecer para elas na sua formação
do caráter ideal. É um lugar onde as pessoas tem que ir para
conhecer qual é a proposta de visão transcendente para nossa vida
na terra.
É
nesse aspecto que os terreiros falham completamente. Eles se focam
totalmente na primeira parte que descrevi, na prática da religião e
deixam sem significado esta segunda parte que é o que as igrejas e
templos se concentram porque não tem a primeira parte.
Um
outro aspecto que deriva do foco apenas na primeira parte, da ação,
é o desvio das funções de um terreiro e de seu dirigente da
religião para se focar apenas nos ganhos é a ação sobre a
espiritualidade.
Em
Ifá o odù que nos traz ensinamento sobre isso é o odù IKA MEJI. O
entendimento desse odù explica perfeitamente o que ocorre nos
terreiros. Ika Meji é a inspiração religiosa, é a respiração
profunda antes de rezar, é o acumular do axé
(aṣẹ́), é
quem lembra que a reza e palavra através dos oriki, versos de odù,
provérbios, etc..) são o cavalo do oro o axé
(aṣẹ́) não
manifestado. Ika Meji fala do axé
(aṣẹ́) latente
do próprio ser que pode ser usado para crescer ou destruir.
Existem
2 signos filhos que representem bem esta situação, Ika Ogunda e
Ogunda Ika. O primeiro representa esta essência de Ika meji, a de se
concentrar na espiritualidade e religiosidade para acumular o axé
(aṣẹ́), a
ponto entre o ọ̀run
(órun) e o àiyé, o
equilíbrio,
enquanto
que ogunda ika é seu oposto quando a ação predomina a
espiritualidade e se sente dificuldade em se conectar com o divino.
Em ogunda ika a pessoa se perde em ações e se afasta do divino.
É
o que ocorre em terreiros que apesar serem o ponto de contato com
Orixá
(Òrìṣà), se
ocupa massivamente na atividade do oráculo, na execução de ebós,
obrigações e no desvio disso, a prática mágica sem ética voltada
para o enriquecimento pessoal.
Esse
assunto, o da prática mágica aética ( na maior parte das vezes) e
da ritualística é o que domina qualquer conversa envolvendo os
praticantes e sacerdotes. Uma visita ao “dial” do rádio deixa
isso bem claro. Encontramos programas católicos – poucos –
evangélicos – muitos - e os de Candomblé. Enquanto nos primeiros
existe uma preocupação com a pregação da palavra de Deus, do
verbo, para os últimos é apenas uma hora de comércio e
relacionamento.
Desta
maneira a religião que existe e na qual se baseia o Candomblé se
perde e é esquecida. Os conceitos religioso, a teologia e a teogonia
ou mesmo a coisa mais simples, que é como eu iniciei qual o
sentido para isso na vida das pessoas, o que esses sacerdotes
pensam que estão trazendo para essas pessoas que os seguem, são
apenas fragmentos, não ligados, que são ditos com brevidade,
sempre, mais no sentido de mostrar que existe um fundamento maior por
trás de tudo, a religião de fato, mas que ele nunca explica (não
sabe o que falar), servindo apenas como uma isca ou como um elemento
para despertar curiosidade e respeito. As pessoas entram na busca
desse conhecimento que nunca vem, ai abandonam a religião, porque
racionalmente reconhecem que esta religião tira delas mais do que
dá.
A
grande responsabilidade por isso é a própria formação dos
referidos sacerdotes, voltada para o rito e o ganho pessoal através
da prática da religião.
A
preocupação por criar essa orientação religiosa, de fato, não
existe e como a gente sempre diz, que só se pode dar aquilo que
recebe, eles pouco ou nada tem a dar. Os que se incomodam com isso
acabam usando os conhecimentos que adquiriram de outras religiões
como o catolicismo ou o do Kardecismo para terem algum discurso
religioso. Esse discurso passa então a ter nenhuma relação ou
vinculo com sua própria religião. Além disso a prática mágica
indiscriminada e sem ética e moral e que visa o seu ganho financeiro
próprio acaba retirando dele todo o sentido de ética e moral que
qualquer religião deve ter. Como essa pessoa vai pregar, ensinar ou
cobrar algo de seus seguidores se a sua prática diária esta
envolvida em fins que são completamente não éticos?
Mas
muitos podem se levantar contra essas palavras e dizer que nem todos
são assim, simples feiticeiros e que sua prática mágica e
litúrgica tem sim uma base ética. OK, como em tudo existe exceção
vamos aceitar que de existem esses grupos, mas, mesmo para esse grupo
as afirmações principais se sustentam: a falta de orientação da
base religiosa, a valorização da prática mágica e litúrgica.
A
realidade do Candomblé é que apesar de ser uma tradição de uma
religião de fato, de os seus ditos sacerdotes terem alguma noção
disso e eles se autodenominarem sacerdotes e religiosos, a formação
religiosa deles é nenhuma. Dessa maneira a sua capacidade de
transmitir religiosidade para outros é igualmente nula. O que eles
transmitem são ordens comuns, bom senso baseado em conveniência
própria e conceitos religiosos que aprenderam de outras religiões
basicamente a católica e espiritismo, que no fundo vira mais um
sincretismo porque se junta com alguns conceitos que eles aprendem da
religião africana.
No
caso da Umbanda é um pouco distinto, porque a Umbanda é apenas uma
prática ritual de fato, e a religião por trás disso pode ter
muitas origens, sendo que a mais comum é o espiritismo que deriva do
catolicismo. Como o espiritismo Kardecista é bastante doutrinado e
codificado a tarefa dos seus sacerdotes é bem simplificada mas
igualmente mal executada.
Mas
deixemos de lado um pouco essa questão que é farta de assunto e
exemplos, e na minha visão indefensável para voltarmos para o
praticante individual.
A
vida religiosa de um praticante é então dominada pela ritualística
e submissão hierárquica com pouco ou nenhuma orientação
religiosa. Sua dedicação é dominada pela participação em
obrigações próprias, de outros ou coletivas onde o seu papel varia
de nenhum a algum. Toda a iniciativa ritual em um terreiro é
dominada por poucos, um ou dois na maior parte das vezes cabendo aos
demais o papel de figuração ou coro.
A
rotina religiosa é repleta de festejos que criam assim um
direcionamento estético e vaidosa para a presença da pessoa uma vez
que não tendo ela um papel ou não consumindo o seu tempo com
reflexões religiosas essa pessoa passa a dedicar o sei tempo ao
culto do seu Ego e da sua vaidade no que faz. A vaidade é o que
domina o Candomblé hoje.
A
troca de favores usando o Órun (ọ̀run) e
o Àiyé
Chegamos,
por fim, a talvez uma das questões mais primárias disso tudo que é
o contínuo processo de troca entre o ọ̀run (órun) e o àiyé, que
domina o dia a dia das pessoas.
Esclarecendo
a todos o Órun (ọ̀run) é o espaço supernatural e o àiyé é o
espaço natural. O Órun (ọ̀run) é o lugar onde habitam os
espíritos e o àiyé é basicamente o mundo terreno. A troca
significa que no àiyé as pessoas procuram através de liturgias e
oferendas oferecer coisas esperando receber em troca disso favores
dos espíritos do Órun (ọ̀run).
É
como os católicos que fazem promessas para obter favores em troca de
penitências (aqui uma relação de sofrimento, no qual o Órun
(ọ̀run) católico exige que a pessoa sofra e se puna para
atendê-la?) ou os neo-pentecostais com sua doutrina de teologia da
prosperidade, na qual deus “em pessoa” vai atender a tudo o que
eles pedem, inclusive as maldades que pedem colocando nomes e fotos
das pessoas dentro da bíblia.
As
trocas, então, não são uma exclusividade de nenhuma religião e
sim na natureza humana.
No
Candomblé, este mecanismo domina tanto, a visão da pessoa que se
associa a uma casa, como também a forma como a sociedade vê as
casas e isso é muito ruim. É no mínimo curiosa a a mentalidade que
se constrói de que os espíritos e divindades no Órun (ọ̀run)
estão ali, ávidos por receberem ebós e rapidamente, a troco de
umas bolas de farinha ajudar as pessoas no àiyé.
Sem
dúvida a visão do mundo de cada religião é distinta e isso
direciona a forma como as pessoas vivem. Se você pega uma religião
reencarnacionista e cármica como o budismo e kardecismo, por
exemplo, que pregam que viver é um sofrimento e você nasce, na
realidade, fazendo um “curso” de sofrimento para não mais
renascer, esta pessoa vai pautar sua vida justamente seguindo esta
sina, de “viver” essas dificuldades para que elas não apareçam
mais e também sendo forçosamente caridosos para acumular pontos
positivos nessa vida.
Eu
acho que o budismo deve fazer um bom trabalho nas pessoas, buscando o
melhor delas, apesar de eu não gostar da filosofia como um todo. Mas
o Kardecismo não tem filosofia do budismo e se caracteriza pela
orientação à caridade, na maior parte das vezes não sincera, como
uma obrigação de vida. Contudo, o que eu quero dizer aqui, mais uma
vez, e enfaticamente, é que a prática sincera de uma religião
direciona a forma como as pessoas vivem e como encaram a sua
existência.
A
religião Yorùbá tem como característica dizer para as pessoas que
elas nascem para ser felizes e elas devem viver felizes. Ela também
reconhece que o mundo tem muitas dificuldades e coloca o divino,
através de orixá (Òrìṣà) e outros espíritos disponíveis para
ajudar as pessoas a vencer os obstáculos que as impedem se ser
felizes.
Desta
maneira o Candomblé tem esta veia assistencialista na sua estrutura.
Mas o objetivo disso não é no que isto se transformou na prática.
A religião quer as pessoas felizes e ela suporta isso através do
equilíbrio e reposição de axé (aṣẹ́), que é a forma como a
religião entende que você obtêm as condições para ter condições
para resolver seus problemas. A religião entende que a pessoa deve
ter energia, uma boa cabeça para tomar boas decisões, um bom
caráter, ética e sorte na vida. Mas acima de tudo a religião diz
que a pessoa deve ter boas pernas, porque sem boas pernas você não
realiza nada.
A
visão dela é muito direta, nós temos que resolver nossos
problemas, o preguiçoso não vai ter nada na vida. Não adianta você
se sentar e esperar que as coisas ocorram, se você quiser realizar
alguma coisa faça algo por vocês. Se quiser ter dinheiro, trabalhe,
se quiser comer, plante, se quiser resolver problemas e conflitos
busque a solução. Não existe incentivo para a preguiça, para a
leniência e para a pessoa resolver seus problemas com trocas e
feitiços.
Existe
uma frase muito boa que diz que seu orixá (Òrìṣà) não vai
impedir que você chore suas lágrimas, mas, estará junto de você
para enxugá-las. As trocas entre o Órun (ọ̀run)
e o Àiyé existem, sempre com este sentido de dar a você as
melhores condições para realizar, trabalhar, ter saúde, ter
determinação e também para eliminar dificuldade ou negatividades
que não lhe pertencem.
Se
você passa anos plantando e regando um problema, você vai colher o
seu problema. O que saiu da sua mão é seu, usufrua dele. Não
adianta esperar ajuda divina para uma coisa que você mesmo criou
para você. Mas, existem situações que não nos pertencem, existem
problemas que não procuramos, existem negatividade que nos são
direcionadas por outras pessoas por sentimentos que não fomos
responsáveis diretos e nem por nossas ações.
Essas
coisas, que não nos pertencem e que não cultivamos, são as coisas
que são mais facilmente resolvidas pelo sistema de troca.
Mas,
o ser humano é muito obtuso e muito focado em seus objetivos. A
maior parte não está interessada em “viver” sua religiosidade.
A vida do praticante do Candomblé é dominada pelo sentido de alia
naquela casa ela estará próxima deste processo de troca contínua
de bens e favores entre o ọ̀run (órun) e o àiyé com o objetivo
de resolver todos os seus problemas materiais.
O
supermercado religioso do Candomblé é a tônica principal da
compreensão que se estabelece do que seja a religião dos orixá
(Òrìṣà) e isso é tão forte que permeia o grupo dos
frequentadores e mais, se alastra por toda a sociedade. As casas da
religião são rotuladas como casas de trabalho, lugares onde se paga
para resolver problemas e, na maioria delas sem muita ética
envolvida.
Assim,
baseado no fato de que a pessoa é dedicada ao seu orixá (òrìṣà),
que vai no seu terreiro para varrer o chão e passar roupa, ela
entende que é merecedora de favores do plano divino. Oferendas e
ebós são os elementos de troca que buscam dar coisas para que a
pessoa receba em troca favores, que vão resolver o seu problema,
trazer benefícios e criar atalhos para a sua vida.
A
questão do comportamento, do mérito como base para se poder
alcançar algo na vida ficam sempre para segundo (ou nenhum) plano.
Entende-se que o processo mágico das oferendas ou de obrigações é
o mais do que necessário para se obter o que precisa. Entendesse que
uma pessoa que faça seu orixá vai ter que receber em troca emprego,
dinheiro e uma vida melhor. Se isso não foi alcançado é porque o
sacerdote que procurou é ruim, seu santo foi mal feito, etc...
O
mais incrível é a pessoa entrar para uma religião que ela imagina
que as divindade que ela acha tão maravilhosa se vendem por um
punhado de grãos para fazer qualquer coisa, ou mesmo, que ficam lá
sem ter o que fazer a não ser facilitar a vida das pessoas aqui no
àiyé.
O
merecimento, ou a falta dele, é sempre lembrado como motivo para
justificar o não benefício, geralmente por quem vendeu a
liturgia para o favor ser atingido. Nessa hora a pessoa não obteve
porque não merecia. Mas nunca lembrado quando o contrário ocorre,
quando o benefício é atingido, nesse momento o mérito é de quem
fez a liturgia. A medida do sucesso na obtenção de benefícios e
prosperidade é a que justifica a permanência de alguém em uma
casa. Se as coisas não vão bem elas se vão.
Afirmo
que este é um desvio da religião. Ela não existe com essa
finalidade e essas almas pobres que assim se situam estão
completamente perdidas em relação ao o que é a religião. Não
tenho dúvida que esta distorção de visão começou quando as
pessoas começaram a comercializar o axé (aṣẹ́). O que deveria
ser uma coisa restrita para as pessoas de uma casa passou a estar à
venda para quem pudesse pagar.
O
sacerdote usando os conhecimentos a que tem acesso se transformou
apenas em um feiticeiro, um fazedor duvidoso de favores. Na vida
real, como no cinema, toda força mágica tem 2 usos, o do bem e o do
mal. A comercialização de ebós e feitiços é apenas um mau uso
disso, é o uso do lado ruim.
Um
religioso, um sacerdote é uma pessoa do bem. Ele não pode se
prestar a anunciar serviços mágicos ao alcance de qualquer pessoa.
Na
minha visão uma religião baseada em um sistema de trocas é o
caminho certo para o seu fracasso. As pessoas que se envolvem com uma
religião como o Candomblé não podem viver com essa perspectiva.
Uma religião não pode se focar ou incentivar esse comportamento
porque jamais as pessoas vão se encontrar ou entender o que estão
fazendo lá.
Mais
ainda, a falta de estrutura religiosa que permita a frequência e
participação de pessoas não iniciadas em terreiros junto com a
contínua pressão para que todos sejam iniciados é um problema
crônico que mais afasta do que aproxima.
O
Candomblé não será uma religião se não criar categorias para
diversos níveis de envolvimento e iniciação. Quando os terreiros
tiverem que conviver harmoniosamente com pessoas que não querem ou
que jamais farão o seu orixá (Òrìṣà) eles conseguiram enfim
achar um caminho religioso para sia existência. Hoje essa
convivência é um estágio intermediário no qual a pessoa é
continuamente empurrada ou incentivada a trocar de status de abian
para iyawo.
A
manutenção de terreiros através de clientelismo religioso é mais
um outro mal. Esse processo de troca entre ọ̀run (órun) e aiyé
deve acabar e isto ser um bem intrínseco da religião e não
explícito. O aspecto da troca esta presente em todas as religiões
em maior ou menor grau. Você dedica tempo, fé e recursos e espera
do ọ̀run (órun), do sagrado, um retorno para a sua vida. Isso é
natural, mas, algumas religiões moldarem isso com sabedoria, como a
católica outras transformaram isso na sua bandeira como os
evangélicos, mas que junto com a promessa de benefícios traz uma
enorme dose de doutrina, dogma, moral e ética.
A
perspectiva materialista
Na
umbanda e Candomblé isso fica quase apenas na perspectiva
materialista. O principal exemplo desse paradigma é a Umbanda. Como
já expliquei aqui antes a Umbanda por si só não se caracteriza
nenhuma religião. È um processo de possessão voltado em princípio
para ajudar outras pessoas mas que deve se basear em alguma doutrina
religiosa, qualquer uma porque a pratica da Umbanda exige mediunidade
e não uma crença religiosa específica. Assim existem muitas
umbandas, cada uma com uma combinação e entre comum apenas a
incorporação com espíritos.
Os
médiuns e principalmente os frequentadores se fixam sempre na
solução de problemas da vida e materiais. A frequência é
determinada por isso e todos os que ali estão querem resolver algo
novo toda semana. “Macumba boa é aquela que funciona”. As
respostas a pergunta chave geralmente se traduzem em algo do tipo
que a pessoa está ali para elevação espiritual, mas essa resposta
não sobrevive a uma segunda pergunta do tipo o que significa para
ela essa elevação espiritual, como aquilo se traduzira na vida
dela?
Esse
problema não é exclusivamente do Candomblé. Esta muito presente
também nos neo-pentecostais, contudo, apesar do muito excessos eles
conseguem algum equilíbrio entre a realização espiritual e o
sentimento de realização material. Tanto que as pessoa migram do
Candomblé e Umbanda para eles.
Existe
um tipo de pessoa e uma determinada faixa da população que coloca
claramente essa questão material na frente da sua religião. Elas na
realidade vão estar sempre buscando alguém que resolva os seus
problemas e serão uma população migratória entre doutrinas e
casas na busca de solução.
O
circulo virtuoso
Eu
poderia traduzir assim o círculo virtuoso. Uma pessoa que se dedica
a essa religião deve encontrar base e orientação para através do
contato com esse divino, através de exemplos e através de
orientação, atingir um equilíbrio em sua vida na forma como a
conduz e na forma como dedica o seu tempo para objetivos de
realização. Equilíbrio é a principal palavra que traduz essa
religião.
Uma
pessoa religiosa é aquela que vive nesse mundo com a fé no divino.
Uma fé forte e presente que a faz saber que sua vida existência
esta sendo submetida e é controlada por uma força maior do que a
dos homens, por uma lei maior do que a dos homens. Assim essa pessoa
vive com a convicção de que não esta sozinha nesse mundo, o divino
no ọ̀run (órun) esta sempre a zelar por ele. Uma pessoa de fé
sabe que o mundo e as coisas são controladas pelo divino e não pela
mesquinharia dos homens.
Essa
pessoa vai se transformar em uma pessoa melhor para consigo mesma
obtendo equilíbrio na forma como vive sua vida e se dedica a seus
objetivos com ética e caráter. O seu orixá (òrìṣà) e ori vão
buscar não somente ajudá-lo nesse equilíbrio como também ajudá-lo
a enfrentar as diversidades de sua vida, amenizando problemas, e
tornando-o transparente para seus inimigos. A própria conduta dessa
pessoa, equilibrada consigo mesmo vai evitar que ela cria inimigos
para sí.
O
seu ori vai protegê-lo dos ajogun, os males que estão nesse mundo e
que fogem ao nosso controle. A sua boa conduta vai permitir que
oportunidades de abram em sua vida, que ele as veja e que consiga se
aproveitar delas. Os caminhos dessa pessoa se abrem através do seu
mérito como pessoa e através da proteção do divino para aquelas
coisas que não forem plantadas por você mesmo.
Você
como uma pessoa melhor vai ter condições de ajudar sua família e
trazer também para ela esse equilíbrio. Mais pessoas assim serão
beneficiadas por sua ação. O benefício para a família é um dos
principais objetivos que uma pessoa deve ter em sua vida, seja por
mantê-la unida seja por vê-la prosperar.
Uma
vez atingido esse estágio você tera condições de ajudar a
sociedade que o cerca, tendo assim conhecimento e experiência para
transmitir para outras pessoas, ajudando a transformar e melhorar o
mundo em que vive.
Uma
pessoa religiosa deve ter uma prática diária dessa religiosidade. A
oração é o elemento de ligação entre o aiyé e o ọ̀run (órun).
As palavras empregadas e sua repetição é o que o fazem. Uma pessoa
deve de Fé deve estar ligada ao ọ̀run (órun) e deve ter em sua
vida a pratica da oração.
Além
disso a pessoa que vive com Fé deve se lembrar desse divino ao longo
do seu dia. Seja quando tem uma dificuldade seja quando algo de bom
ocorre com ele porque o mesmo ouvido que serve para ouvir pedidos de
proteção e ajuda também serve para ouvir agradecimento.
Uma
pessoa de Fé deve ter uma prática religiosa diária e semanal para
si que não dependa do sei terreiro para que ela busque através
dessa ligação com o ọ̀run (órun) o equilíbrio e o Iwa pele que
vão trazer tudo de bom para a sua vida.
Uma
pessoa de Fé deve saber como se dirigir a seu orixá (òrìṣà) e
Ori e como receber deles as mensagens que precisa para poder viver
melhor o seu dia e vida.
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