CERIMÔNIA DE IMORI
A
cerimônia de IMORI é uma das 2 liturgias da religião Yorùbá que
se ajustam a necessidade que a sociedade tem de integrar a religião
a ela, através das cerimônias sociais. Cada religião tem suas
liturgias baseadas na sua teologia e dogmas, liturgias são
cerimônias internas da religião, atos preparatórios, iniciáticos
ou parte de atos iniciáticos que visam atuar sobre o indivíduo
dentro do contexto de integração dele ao divino, a deus e o mundo
supernatural que nos rodeia.
Uma
liturgia é um ato formal da religião dentro do seu contexto e
objetivo e visa dessa forma adicionar algo ao indivíduo, visa
dar-lhe elementos do mundo supernatural ou integrar o indivíduo ao
mundo supernatural. Estou aqui estendendo o conceito formal da
palavra, que são atos do ofício religioso isso é claro e simples,
mas por que executá-los?
A
necessidade de execução de qualquer liturgia parte do entendimento
que temos que ter que qualquer religião convive com a realidade da
existência de um mundo natural, o que vivemos e um mundo
supernatural, o que não vemos mas que cremos que ele exista. A
religião, cada uma delas, estabelece que existe este mundo
supernatural e o define e estrutura, além disso estabelece regras e
forma de usá-lo e de nos integrarmos a ele.
O
verdadeiro sentido de uma religião está na nossa integração com
esse mundo supernatural. A grande diferença entre você dizer que
acredita em um deus, em algum deus e fazer isso dentro de uma
religião é que a religião tem dentro dela os instrumentos que
ensinam os seus seguidores a interagir e se beneficiar do mundo
supernatural. O grande benefício que a religião traz não é nos
ligar a deus, isso é bobagem, o grande conhecimento que ela traz é
ter dentro dela entre mais coisas o ensinamento de como interagimos
como mundo supernatural.
Cada
religião vê e define para nós esse mundo supernatural. Cada
religião tem sua visão de como ele é, como funciona e como usamos
suas energias, forças e elementos. Isso inclui o nosso papel no
mundo natural, uma vez que todas elas colocam nossa existência no
mundo natural como temporária e o mundo supernatural como
permanente.
Alguns
podem entender que esse modelo temporário-permanente é uma fuga das
pessoas para ter uma perspectiva mais ampla para a própria
existência, mas, não é isso o que veem todas as religiões.
Teríamos então que entender que no mundo todo em todas as épocas
as pessoas tiveram o mesmo impulso de desenvolver a mesma ideia o que
seria isso sim, um delírio.
Cada
religião tem uma proposta distinta para o ser humano e essa proposta
é baseada no entendimento metafísico que ela traz. Na sua
metafísica ela define o mundo supernatural, seus recursos,
benefícios, usos, elementos, perigos e demais componentes. O seu
núcleo é a crença que ela nos propõe para integração do físico
e do metafísico. No seu ofício ela estabelece a forma como isso é
feito.
Em
função disso uma pessoa sem o suporte de uma religião entenderá
deus apenas como uma ideia pessoal, uma parte de sua consciência de
indivíduo que ele mesmo usa para se analisar ou se motivar. Sem a
religião ele não terá acesso às liturgias que visam nos
beneficiarmos do mundo supernatural para viver nossa vida.
Esta
visão que estou passando se aplica a todas as religiões. As
religiões têm sentido de existirem não para dizer quem é o deus
e como ele é, elas são a forma de lidar com supernatural que esta
contido na sua visão metafísica junto com o seu entendimento de
deus. A explicação ingênua de que a religião estabelece o caminho
para você chegar a deus se desfaz facilmente com a visão de que as
pessoas não precisam dela para isso, basta entenderem e crerem nele,
isso é óbvio. Contudo, essa é apenas isso mesmo, uma explicação
simplória para o entendimento rápido. O contexto verdadeiro é que
na religião esta contido a integração físico-metafísico.
Em
função disso a dimensão litúrgica tem uma importância muito
maior do que apenas atos formais. O que a pessoa pode é não ter o
conhecimento real das liturgias e seus propósitos ou pode não ter
acesso as liturgias para profundas da religião, mas elas não são
formalismos decorativos. Uma grande diferença entre a religião
Yorùbá e a católica é que a primeira é explicita em dar contato
às pessoas as suas liturgias e ao uso do supernatural. Isso ocorre
porque, faz parte da crença básica, que o supernatural existe para
nos ajudar com nossa vida natural.
A
Igreja católica já foi assim também no passado mas se afastou
desse modelo na idade média, adotou outra linha. Hoje a religião
Yorùbá e outras que adotam essa linha de beneficiar as pessoas com
o supernatural e integrar ele a nossa vida são vistas como místicas
e como voltadas para a magia, induzindo as pessoas a confundirem as
religiões com as práticas seculares de magia que fazem uso do
supernatural sem estar associado a nenhuma religião.
Vamos
entender que o supernatural existe com ou sem o entendimento das
religiões e que cada uma estabelece um modelo do que seja esse
supernatural. Não podemos dizer qual é o modelo certo ou mais
correto. Sabemos através das religiões, todas elas, que existe um
supernatural mas como ele é, isso ainda fica sem resposta. Nesse
sentido sempre existiram pessoas que se utilizam dele mesmo não
pertencendo ou em nome de alguma religião. Essas pessoas são os
videntes, feiticeiros, magos, bruxas e outros grupos.
As
cerimônias introdutórias
Quando
um indivíduo nasce existem algumas cerimônias envolvidas na
introdução dele à sociedade. Essas cerimônias podem ser meramente
sociais como parte da cultura da sociedade ou fazerem parte da
religião.
Cerimônia
de Imori
Depois
de pisar no mundo, através da cerimônia de Ikọsẹwaye
o ritual seguinte feito para a criança é o “conhecimento da
cabeça” - IMORI, que deve ser idealmente realizado até o
terceiro mês após o nascimento. “O objetivo desta cerimônia é
conhecer a ”cabeça interior” - Ori inu,
ou personalidade que o
espírito ou alma trouxe para
o mundo, de forma que os pais possam
ajudar a criança a coordená-los. A medida
que o tempo passa a cabeça interior domina a alma e os dois se
tornam um, fundidos em uma personalidade unificada”
(Drewal, Yorùbá ritual, p.
56).
Esta
visão de integração descrita por Margareth Drewal no excelente
livro Yorùbá Ritual, é muito interessante, são poucas palavras
com muito conteúdo. Refletem a visão que lhe foi passada por um
Bàbáláwo, Óxitóla (Ọ̀ṣitọlà),
e
que para minha felicidade, vão
ao encontro de algumas percepções anteriores e são mais uma peça
no quebra-cabeça da complexa
teologia
Yorùbá.
O
conceito
de Ori inu é mais complexo e não vou abordar aqui, mas destaco
algumas coisas importantes que vão ao encontro da minha percepção.
No modelo Yorùbá vemos a presença do espírito
ou alma, émi
(Ẹ̀mí)
para os Yorùbá, que é dada por Olódùmarè para todos nós. O émi
(Ẹ̀mí)
é a centelha de vida.
Nós
nascemos através
do
emi
(èémí),
o
sopro de vida,
mas nossa personalidade de fato, a pessoa que somos se caracteriza
pelo Ori inu e se incorpora depois. Na
teologia Yorùbá são de fato momentos distintos. Um é nossa
jornada na preparação do nascimento através da formação do Orí
inu, que constitui quem somos e o que trouxemos para essa vida. O
outro é o emi
(èémí)
dado por Olódùmarè ao corpo moldado. Na teologia Yorùbá são
momentos bem distintos e a análise indicava que a junção disso era
um momento separado. A descrição de Drewal vem a coroar esta
interpretação
Como
Drewal descreve o
que aprendeu com o Bàbáláwo
Óxitóla
(Ọ̀ṣitọlà),
existe uma gradual integração do Ori inu com o espírito do corpo e
que gradualmente o Ori inu domina o espírito e eles
se
tornam apenas um.
Essa
proposta de modelo, que eu endosso, nos leva a várias afirmações.
Por exemplo a questão de descendência, de quando ocorre
a
incorporação do descendente no corpo em gestação. Também permite
entendermos melhor a questão de incorporação uma vez que separa em
2 entes a pessoa, o espírito que vem com o corpo e o Ori inu que se
adiciona, o que dá espaço para entendermos que um outro poderia ser
inserido nesse modelo de controle do espírito, justamente o que se
apossa do elegun no ato de incorporação.
Também
pode justificar certos problemas como altismo, quando poderíamos
supor que esses dois entes, espírito e Ori
inu, não se integram, e, ainda, outros estados mentais nos
quais existe saúde física mas confusão mental.
Voltando
ainda ao contexto, é nesse período inicial de vida em que as 2
cerimônias importantes do recém-nascido e somente nesse período
podem ser realizadas. A razão está explicada pelo processo de
junção do Ori inu com o espírito. Nos primeiros dias e nos
primeiros meses o Ori inu ainda está mais ligado ao órun (Ọ̀rún)
do que ao àiyé, ou seja, está ainda ligado ao supernatural
estabelecendo uma ponte entre o natural e o supernatural. Por esta
razão somente nesse período podemos realizar essas cerimônias uma
vez que em período posterior elas perdem a razão por se tornarem
ineficazes.
Para
a execução do Imori, na noite anterior, fitas brancas e pretas
devem ser colocadas em cada pulso, cotovelo, joelho, tornozelo e
pescoço da criança, como um sinal para alertar o espírito para se
preparar para o ritual.
O
ritual é realizado no início do dia, de preferência.
Ele
se inicia na frente da casa, com a oferenda de um pequeno sacrifício
de bebida e dendê na capela dos Bàbáláwo ancestres (oju orere) e
usando-se o Obi para determinar se foi aceito.
Os
pais da criança trazem oferendas representando as 2 famílias.
O
Bàbáláwo coloca as oferendas em cada lado do opon (Ọpọ́n Ifá),
sendo que as oferendas do pai ficam no lado direito e da mãe no lado
esquerdo. O Bàbáláwo abre a consulta a Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà)
e marca no opon (Ọpọ́n Ifá) o primeiro
signo de ifá, ogbé méjì. Ele pegará a criança e tocará a
cabeça no chão e depois no opon (Ọpọ́n Ifá),
fazendo assim a introdução da cerimônia
de Imori.
A
seguir o Bàbáláwo
exibirá a
criança pedindo a benção das divindades e ancestres, pedindo a
ajuda deles por toda a vida da criança. Ele espalhará
um pouco de Gin sobre a criança para acordar o Ori inu e procederá
então a rezar no opon (Ọpọ́n
Ifá) os 16 Odù
méjì.
A
próxima etapa é jogar água no chão e
dar para a criança beber e seguindo a
ela, a mãe e o
pai. Depois disso o mesmo é feito com o Gin.
A
próxima etapa é feita com 2 gravetos
finos e compridos que ficam em cada lado da família. Os
gravetos do lado masculino (iṣẹmokunrin)
devem ser de Akoko e o do lado feminino (iṣẹmonbirin)
devem ser de uma árvore frutífera. O
Bàbáláwo
mistura o pó no opon (Ọpọ́n
Ifá) com
os gravetos e reza. Ele fala com os
pequenos gravetos que o pai e a mãe foram abençoados com aquela
criança. Se aquela criança veio da
família paterna que Ifá diga para nós. Se veio da família materna
que Ifá diga
para nós, se veio de uma divindade, que ifá diga para nós.
Depois
disse ele apresentará a criança
a todos e rezará para ela
desejando uma vida longa e feliz. Ele, em
sequeência, toca então os gravetos nos
ikins, na testa da criança e no chão e agita
os gravetos no ar para cada uma das origens que ela poderá ter.
O
Bàbáláwo sacará os ikins 3 vezes para
cada um das 3 origens, definindo assim pelo Odù mais sênior qual a
origem predominantes. Nesse ponto devemos
destacar que o processo é complexo porque prevê que devem ser
obtidos 3 Odù sênior em sequência para definir qual a origem
correta.
Na
sequência o Bàbáláwo
deve determinar que divindade ou ancestre a criança representa.
Durante este processo é esperado que a criança durma, mostrando que
o espírito do ancestre ou divindade possuíram a criança. Se a
criança não dorme isso significa que o Ori inu e o espírito não
se harmonizaram.
Tal como a criança ele, o Ori inu, esta
amedrontado e ficará continuamente em confusão com a alma, não
deixando a criança em paz.
O
Bàbáláwo deve
mais uma vez usar os ikins e os ibo com os 5 símbolos da sorte e do
infortúnio para dizer quais serão os maiores problemas que ela
enfrentará na vida.
Por
fim, o Bàbáláwo
deve preparar as folhas que certificam que a criança passou pelo
ritual do IMORI. Este ritual também é chamado de Iwoye que é um
nome genérico usado para qualquer cerimônia onde se obtêm um
título.
Em
3 folhas devem ser colocados os elementos dos sacrifícios
que foram oferecidos. O Bàbáláwo
marcará no opon (ọpọn
ifá) Ifá os 16 signos principais de Ifá
e depois de rezar para cada um deles jogara um pouco do pó nas
folhas. Quando concluir ele esfregará
um pouco do pó na cabeça da criança. Antes de fechar o pacote de
folhas, ele tocará as folhas nos ikins, na
testa da criança e na boca. O pacote de folhas será embrulhado
usando as fitas que foram colocadas na criança à noite.
O
pacote bem embrulhado é colocado em um prato branco no centro do
opon (ọpọn
ifá) e será gira no sentido dos ponteiros
do relógio e depois no sentido contrário. Girando em um sentido e
depois no outro, o Bàbáláwo
perguntará para a audiência se “a criança já chegou no mundo ou
se a criança ainda não chegou no mundo”. Os pais devem responder
que a criança já chegou ao mundo. Girando mais uma vez o prato o
Bàbáláwo deve
dizer que a criança deve aproveitar todas as coisas boas no mundo.
O
pacote é colocado em uma cabaça e entregue para a mãe, o
Bàbáláwo joga
o pó no prato e é feita uma prece para que a criança tenha vida
longa e prosperidade. O pó se torna a representação material da
prece e pode ser usado para a mãe fazer banhos para a criança.
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