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quinta-feira, janeiro 10, 2013

Serão os Orixá (Òrìṣà) elementos da natureza ?


Serão os Orixá (Òrìṣà) elementos da natureza ?

Parte 4 de 4


A ORIGEM DOS ORIXÁ (òrìṣà) SEGUNDO A RELIGIÃO YORUBA

Eu vou fazer uma abordagem tradicional e bem direta sem rodeios e nem invenções. Minha referência são os versos do Odù oxétuwa.

Esta religião tem um corpo literário que não é muito conhecido aqui no Brasil e no Candomblé. O conhecimento religioso esta registrado em versos que são divididos em 16 capítulos. Cada capítulo corresponde a um Odù. Assim são 16 Odù e cada Odù tem um conjunto variável de histórias contadas em versos. Podemos dizer que cada Odù pode ter até 16 histórias, em versos e tamanhos diferentes que podem ir de poucas linhas até páginas.

Isso é o corpo literário de Ifa (Ifa divination poetry ou Ifa Literary corpus). Esses versos contêm as informações sobre a religião. Tudo o que se diz da religião deve ter referência em um verso e Odù.

Como eu disse para vocês algumas palavras em Yorùbá tem vários significados. Este, o de serem os capítulos do corpo literário de Ifá é um dos significados para Odù.

O grande problema Yorùbá era que eles não tinham lingua escrita. Foram os europeus que criaram uma representação escrita para o muito simples e por isso complicado idioma tonal Yorùbá. Por esta razão o corpo literário de Ifá era guardado por pessoas, Babalawo que dedicavam sua vida a decorar esses versos. Somente no século XX é que houve um intenso trabalho voltado para registrar esse corpo poético em gravações e em registro escrito, para evitar que se perdesse, mas, em função da colonização e escravagismo, muito já se perdeu.

A referência que irei usar para explicar porque os Orixá não são elementos da natureza porque não tem esta função é um verso do Odù Oxétuwa. Eu não vou registrar aqui o texto, é bem extenso mas esta no blog no link a seguir.


http://blog.orunmila-ifa.com.br/2010/01/o-texto-seguir-e-transcricao-do-odu-ose.html

Eu recomendo que seja lido, ele contêm inúmeros conceitos e fundamentos importantes. Este texto foi extraído originalmente do livro Os Nago e a Morte, mas, existe em outras obras de autores diferentes, incluindo o Nigeriano Wande Abimbola. Essa é um versão que esta no Blog é completa com inserções de outras versões que eu li.

Dessa maneira, este texto é confiável e necessário para quem quer entender esta religião. Lembro a todos que o estilo de aprendizado da religião não é a cátedra e sim vocês lerem os versos de Ifá para poderem construir o seu entendimento.


É longo, mas, tem que ser lido.

A história narrada se temporiza após a gênese. O mundo já estava criado e sendo populado por Olódùmarè, a alta divindade suprema Yorùbá. Em outra oportunidade abordamos a Gênese segundo a religião Yorùbá.

Neste Odù fica claro que Olódùmarè criou o mundo, populou-o com os homens e enviou os òrìṣà (orixá) para poderem ajudar os homens na sua vida, na superação das dificuldades.

Eram 16 e havia somente uma mulher entre eles, Óxun, que representa o poder feminino original.

Desta forma, se os òrìṣà (orixá) foram enviados para suportar os homens de calamidades naturais, os Ajogun, não poderiam eles mesmos serem os próprios elementos da natureza, conforme a visão das religiões pagãs europeias.

Este Odù estabelece uma distinção muito clara entre as divindades de Olódùmarè, suas funções e a natureza, desvinculando um de outro.

Na religião Yorùbá as divindade são chamadas de Irunmole. Um sub-grupo dos Irunmole são os òrìṣà (orixá). Os òrìṣà (orixá) estão ligados a nós, mas, existem divindade, Irunmoles que não estão ligados a nós.

Dentro do grupo dos òrìṣà (orixá), existe ainda a divisão deles em 2 tipos de orixás. O primeiro grupo são os orixás originais, divindades da criação, que já existiam na Gênese e faziam parte do grupo de 16 que foi enviado por Olódùmarè O outros grupo são os ancestres divinizados, pessoas, homens, que ganharam muita importância e relevância junto ao povo de foram divinizados, se transformaram em Orixás.

É importante entender que as pessoas humanas, homens e mulheres podem ser divinizados e se transformarem em òrìṣà (orixá). Por essa razão as pessoas fazem parte de um grupo privilegiado no cosmo Yorùbá, como vocês vão ver quando eu explicar isso.

Assim, vamos fazer uma revisão do que eu disse até o momento. No texto do Odù Oxétuwa, que vocês DEVEM ler, esta claro que Olódùmarè enviou os òrìṣà (orixá) para suportar a vida humana na terra, devido às muitas dificuldades que as pessoas iam encontrar aqui. Esta abordagem, documentada em versos de Odù completamente confiáveis, desvincula completamente os òrìṣà (orixá) de serem elementos da natureza, porque o mundo já estava criado e eles foram enviados depois, junto com a humanidade.

Além disso o conjunto de divindade Yorùbá não é formado por um grupo fixo, pré-determinado e cada um com funções específicas. Existiram os primeiros 16 que foram enviados para criar o mundo, mas, existem muito mais Irunmoles do que esses 16. Os òrìṣà (orixá) representam um subconjunto dos irunmole e eles são vinculados a nos suportar.

O conjunto de òrìṣà (orixá) não é finito. Ele pode ser composto por divindades originais mas, também, por humanos que devido a sua relevância se divinizam e se tornam òrìṣà (orixá).

Tomemos por exemplo as divindades femininas que tiveram uma origem comum somente em um Orixá, Óxun, a única que estava na criação. Oya que muitos consideram como sendo o vento não poderia o sê-lo porque ela é claramente um ancestre divinizado, e o vento já existia antes dela. Antes de Oya ser divinizada junto com Xangô o vento da existe a milhares de anos e nunca prescindiu de Oya que era apenas uma mulher.

Oya (Ọya), bem como todas as divindades femininas são cultuadas e associadas com o elemento água. Assim Óya esta ligada ao Rio ògùn e Óxun ao rio com seu nome, Yemanja, outra divindade bem conhecida, também esta ligada a um rio, Olokun ao mar, as ajé são as que possuiam os 7 rios da terra na sua criação, Iyewa também a agua e até Nana que nem é Yorùbá esta ligada a água. Observe então que existe uma tendência dos Yorùbá associarem divindade femininas a rios, não necessariamente a água.

O elemento água, especialmente esta ligado a Oxun, é o único elemento que sozinho pode gerar e sustentar a vida e esta associado sempre a existência de vida. Tudo isso tem origem em Oxun.

Se a água é um Orixá, qual ele será? Não a água não é um orixá.

Ṣàngó (Xango) é dito ser o fogo, mas a real ligação dele com o fogo foi a capacidade que adquiriu de manipulá-lo, o que também foi feito por Ọya segundo um mito conhecido por todos no Candomblé. Ṣàngó (Xango) também esta associado com trovões e raios, sim, mas por manipulá-los porque ele é considerado a justiça de Olódùmarè, ou a sua ira, e joga os raios contra pessoas que de tão ruim que foram não merecem mais viver. Igualmente após a sua morte o mito diz que ele jogou raios contra as pessoas que diziam que ele tinha se enforcado.

No mito da criação, a terra foi criada por Olódùmarè e só havia a agua. Ele deu a bolsa da existência contendo os elementos que seriam plantados e depois espalhado para formar a terra. Depois de tudo criado, conforme o odù oxetuwa os òrìṣà (orixá) foram enviados para suportar a vida ensinando os homens a se relacionar com o divino.

Os elementos, a terra, a vegetação, foram trazidos do Órun pelos Orixás da criação.

Assim sendo o que ocorre é que os òrìṣà (orixá) como representantes ou intermediários de Olódùmarè e os homens passaram a ter poderes sobre determinados elementos da natureza, que eles trouxeram, que vão desde a água a doenças, mas, isso na sua forma controlada e organizada e não na sua forma violenta.

Uma coisa é ter controle sobre uma coisa na sua forma suave outra é ser ou ter controle total. Assim por mais que se faça uma oferenda um furacão, um tsunami, um terremoto e uma seca não poderão ser evitados. Essa é uma manifestação descontrolada da força da natureza, os òrìṣà (orixá) ajudará os homens a se prevenir ou superar as consequências disso.

Isto esta descrito no texto do Odu Oxétuwa e coloca um ponto final nesta relação.

FINALIZANDO

Para quem chegou até aqui, como eu disse e repeti várias vezes a religião é composta de elementos muito importantes, alguns intangíveis como o iwa pele e o nosso destino, outros lembrados mais indiretamente atualmente que é a ancestralidade. Este ultimo se perde um pouco devido a que nem todos de uma mesma família seguem a religião e uma casa de santo esta longe de representar uma família espiritual, mas, mesmo que a gente não se lembre a ancestralidade é uma das bases da nossa vida.

A religião que a gente adota é complexa em parte porque existem de fato conceitos pouco claros, na origem, ou que se tornaram complexo devido a junção aqui no Brasil de várias correntes religiosas e regionais distintas.

Infelizmente só recentemente surge um esforço de teologizar a religião e mesmo este esbarra na polêmica e no preconceito. Outras correntes religiosas, as cristãs contam com linhas filosóficas que procuram aprofundar as questões teológicas e sua interpretação. Infelizmente esta religião aqui não contou com isso na Africa e no novo mundo esbarra em uma babel pior ainda.

Eu acho que não cabe discutir liturgias, mas, não podemos em função disso nos abster de discutir todo o resto independente de sabermos ou não as respostas.

... sem querer ser chato, mas enfatizando, assim, na formo que eu vejo o cosmo yoruba, baseado em textos de odù que eu consegui ler até hoje, em mitos que eu li ou ouvi ao longo de anos, o òrìṣà (orixá) não faz parte da ordenação das forças naturais do mundo em que vivemos. Este ordenamento é atribuído a Olódùmarè que como o deus distante (ou tornado distante) faz com que a natureza e o mundo funcione.

Os òrìṣà (orixá) conforme aparecem nas histórias e explicitamente no odù óxéotuwa e Ogbe Meji, são os braços e mãos de Olódùmarè no aiye. Sofrem aqui com os mesmos fonomenos naturais que sofremos e não demonstram nunca controlar a natureza.

Eles primariamente são a sua ligação do divino com nós, para nos ajudar e proteger. Nosso ori é feito com nosso òrìṣà (orixá). Os òrìṣà (orixá) surgem em todas as histórias representando papéis comuns como se fossem pessoas comuns, com as mesmas perfeições e imperfeições que temos de modo a que possamos nos espelhar e entender o conhecimento que passam.

São também a instância direta, junto com o ori e a ancestralidade, que recorremos para resolver nossos problemas, ligados ao nosso sucesso na nossa vida como a necessidade de termos saúde, de termos família, mulher, filhos, oportunidades, trabalho, dinheiro e podermos com nossa prosperidade darmos seguinto a nossa vida e atingir o destino que estabelecemos antes de iniciar essa nova encarnação.

Como braços e mãos de Olódùmarè os òrìṣà (orixá), conforme eu comentei no início disso tudo, alguns deles tem algum controle sobre elementos da natureza. Mas como elementos podemos considerar um todo, de vegetais, minerais, doenças, até fenômenos da natureza, e estes sao usados não de uma forma reguladora, mas como instrumentos de sua necessidade e ação em exercer a sua missão junto a nós.

Eu não consigo ver um òrìṣà (orixá) sem o mesmo estar relacionado com nossa vida, ficando longe do significado que tem os deuses naturais das tradições europeias e greco-romanas (não tenho conhecimento suficiente para citar outras).

O entendimento da metafísica desse cosmo deve passar pela lembrança que temos vários entidades e espiritos além dos òrìṣà (orixá). Este conjunto esta longe de ser perfeito e complementar, existem coisas que parecem redundantes ou que não são complemente racionais, mas, como sabemos é um povo muito simples, agrário e que não teve unidade, continuidade e pensamento filosófico próprio para poder explorar e documentar cada faceta da rica cultura e religião.

Por todos os argumentos que longamente descrevi a introdução desta visão de Orixá elemento da natureza não se adapta a religião Yoruba. Foi colocada por estrangeiros. A Religião Yoruba tem poucos elementos ligando a religião e a natureza. Sol, lua e estrelas nem fazem parte de mitos.

A religião é complexa, mas, o povo é bem mais simples. Os estranhos é que tem preguiça de aprender, preferem inventar.


A próxima postagem será sobre o cosmo Yoruba. Não perca. Pode demorar um pouco mais, mas, será um texto de referência.

2 comentários:

  1. Luis H.14:11:00

    Ola, tenho lido alguns textos seus, e estou gostando muito. Pelo que entendi você se baseia principalmente em eses nigerianos. Existe um patakin no Odu Osa Iwori que narra a entrega dos poderes da natureza de Olofin(Olodumare) aos Orisas. Não seria então o caso de Eles não "Serem" mas sim controlarem, por mandato de Olodumare, essas forças da natureza, e por isso ter havido essa confusão?

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  2. Luis,

    Eu me baseio em ésé porque eles traduzem a religião. Conheço os pataki mas não uso, de fato, não gosto no geral. Essa história que você cita existe também na tradição Nigeriana. Esta junto como mito da morte de Xango que existe no livro do Beniste eram 2 fontes que eu adicionaria a esta abordagem para justificar. Mas isso fica uma coisa sem fim que serve mais a acadêmicos e não sou acadêmico.

    Sim, meu entendimento é que os Orixás recebem um axé ou um poder supernatural que se traduz em domínio sobre alguma coisa. Domínio é uma forma restrita e controlada de uso de uma coisa incontrolável e muito grande.
    Eu procurei e não achei ainda a história onde os orixas pedem que oodumare de para eles o controle do mundo e tudo se desregula. Eles então pedem que olodumare reassuma. O proprio mito de oxetuwa, na sua segunda parte quando oxetuwa leva a oferenda a olodumare mostra que o mundo ficou sem controle e os orixás pediram a olodumare através de oxetuwa que normalizasse.
    A própria existencia de 400 + 1 divindades do lado direito e 200 + 1 do lado esquerdo mostra que a quantidade de divindades não é relevante e não sendo relevante não podemos associar elas a controle de elementos ou aos elementos.
    Uma das crenças da religião é no supernatural e na força do axé. O controle sobre fogo, doenças e outros poucos elementos citados traduz isso.
    Mas, sim, esse mito mal interpretado poderia levar a isso. O principal ainda na minha visão é o sincretismo porco com religiões politeistas.

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