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sexta-feira, janeiro 04, 2013


Serão os Orixá (Òrìṣà) elementos da natureza ?

Parte 3 de 4



OS CATÓLICOS E O PAGANISMO
 

Uma das coisas que complicou bastante o entendimento das pessoas a cerca das religiões foi a hegemonia do modelo cristão no ocidente, com a extinção de outras religiões, não pela supremacia de um modelo teológico mais confortável para as pessoas e sim pela perseguição da espada.
 

Para tornar as coisas mais complicadas, como parte deste processo e emburrecimento, a igreja católica criou uma denominação genérica e sem nenhum significado real, de PAGÃO, para qualquer outra religião que não fosse Abraâmica, ou seja, que tivesse origem em 

Abraão o patriarca que gerou as correntes do Judaísmo, cristianismo e islamismo. Estas 3 religiões competem pela posse do mesmo deus e tem a mesma origem. Os Judeus não reconhecem mais ninguém, afinal eles é que são os escolhidos. Os cristãos, que nasceram judeus, reconhecem uma das partes do judaísmo que é o antigo testamento e por fim, os muçulmanos, os mais recentes, século VII, reconhecem tudo das anteriores, inclusive Jesus, mas não a trindade católica.
 

Dessa maneira ao longos dos últimos séculos, eles tem se matado e a outros inocentes, sempre em nome do mesmo deus sanguinolento, Jeová.
 

Para os Cristão, que dominaram o mundo à força da espada, aliás como também o fizeram os judeus no seu tempo, o que não era católico era Pagão. Eles só não tiveram coragem de chamar os Judeus de Pagãos, mas criaram o termo herético, para aqueles que divergissem da interpretação teológica oficial de Roma... Assim, pagão, não tem significado religioso, significa tudo o que não e católico.
 

Os abraâmicos consideram o seu deus, Jeová, o único, e defenestram qualquer outro tipo de manifestação religiosa. A partir do século XV a igreja católica baniu toda as praticas que mostrassem similaridades com simpatias, encantamentos e feitiços. A igreja medieval era totalmente esotérica, mas para se afastar disso eles baniram completamente essas práticas, de modo a poderem a partir do século XV dominar os seus fiéis através do temor ao mal, ao diabo e a perseguição ao pecado.
 

Estudiosos do aspecto do Mal na religião correlacionam o surgimento da força do diabo com a necessidade de um controle mais rigoroso da sociedade pela forma política, uma vez que, esse temor (ao diabo) e domínio (o pecado), não existiam anteriormente. Igualmente isso coincidiu com os papas generais, guerreiros que literalmente com a espada na mão construíram a Igreja que conhecemos hoje.
 

O próprio celibato, que não havia, dizem, foi devido a igreja passar a ter posses. Eles não queriam se envolver em disputas judiciais com esposas de padres, bispos e papas. Enfim, a força da reforma, de Lutero e Calvino, obrigou a igreja a mudar sua posição e adotar políticas mais ativas e restritivas ao seu clero.
 

No centro de todo este conflito ficaram outras religiões, politeístas ou não, que tinham uma interpretação diferente da divindade e dos seus poderes e de outras que não eram politeístas, mas, não eram abraâmicas. Essas religiões, todas em um mesmo saco, passaram a ser então a tradução da palavra paganismo.
 

A igreja, usando o princípio, que já expliquei, da estupidez humana, simplificou bastante a forma de entender as religiões. O que não era monoteísta era politeísta, e mais, somente estes 2 modelos se aplicam a uma religião. Além disso, como as religiões não são iguais e apresentam variações sutis no seu divino, basicamente as únicas religiões monoteístas existentes são as abraâmicas, as três que tem origem no mesmo deus. Neste critério de 
classificação todas as demais são politeístas, pagans e por isso mesmo atrasadas.
 

No ponto de vista católico, Pagão é sinônimo de ruim, atrasado, politeísta e monoteísta é sinônimo de bom, de puro, de elevado.
 

Essa simplificação teológica foi ótima. Se encaixou nos objetivos políticos do papado e na estupidez das pessoas.
 

O REFLEXO DISSO NO BRASIL E NO CANDOMBLÉ
 

Em função deste contexto a religião africana, no geral, e no nosso caso o Candomblé, ganhou o cunho de paganismo e seus Deuses, tipicamente ancestres na sua origem, viraram forças da natureza.
 

Entretanto, não existe nada que de valor a isso. No caso do Brasil, para piorar, o kardecismo francês criou toda uma visão espiritual própria que posteriormente a Umbanda se ligou a ela. Como a Umbanda erroneamente (tão errada como usa nomes de santos para seus guias ela usa nome de Orixás do Candomblé. Ambos sem nenhuma relação) se ligou a Orixás, essa mistura confundiu mais ainda as pessoas.
 

Assim, o Candomblé virou pagão e politeísta. A Umbanda que é uma religião brasileira e não tem vínculo nenhum com a religião Yorùbá, virou parte da tal matriz africana e misturou o kardecismo na sua bagunça teológica. Por fim o Candomblé passou a ser tratado pelas próprias Iyalorixás como uma seita enquanto elas passavam a pertencer a irmandades católicas, a religião verdadeira.
 

O mal entendimento do Candomblé passou por essa associação histórica de coisas malucas, e, também, por pessoas como Nina Rodrigues que nada sabiam de Candomblé e que passaram a escrever como se tivessem algum autoridade sobre o assunto. Tudo isso acabou colocando as religiões não cristãs, no Brasil, em um mesmo saco, furado, de ideologia espírita.
 

Em função da lastimável e miserável formação religiosa dentro do Candomblé, estes conceitos de força da natureza, espiritismo e seita, se estabeleceram dentro do próprio Candomblé. Os Babalorixá e Iyalorixás, apesar de terem a propriedade para falar, mas, sem qualquer capacitação passaram a repetir esses conceitos que lhes eram impingidos pela sociedade culta.
 

Os que não gostam de ver eu dizer que a formação religiosa do Candomblé é deficiente devem observar que o acesso a mitos ou poemas de Ifa é restrito ou inexistente. O hábito de discutir teologia no Candomblé não existe. Você não consegue juntar 3 babalòrìṣà (babalorixá) sem que seja para eles rasgarem seda entre eles ou brigarem entre si. Poucos estão dispostos a colocar em questão o que sabem ou o que pensam, exceto se for uma cátedra onde ele fala e outros ouvem.
 

Essas pessoas normalmente não são preparadas para, falar em público, discutir suas teses, dirigir pessoas, lidar com desafios verbais e até mesmo orientar o aprendizado de pessoas. São muitas vezes pessoas muito boas, agradáveis e com conhecimento das suas liturgias.
 

Existe uma dificuldade na formação de sucessores. Pior, as pessoas não se preparam e se capacitam para ter uma casa. Existe uma legião de pessoas com pouco ou nenhum acesso a conhecimento que mesmo assim, sem legitimidade ou capacidade abrem casas e passam a ser autointitular de sacerdotes e representantes da religião.
 

É claro que essas pessoas, sem terem aprendidos com os seus mais velhos, tem que se virar com algo ou com o que tem. É neste campo que essas concepções idiotas florescem. O que mais vemos é pai de santo, metido a besta, que responde perguntas usando os conceitos do kardecismo-espirita. Mas, afinal, eles vão dizer o que? Que não sabem?
 

É claro que a vertente conhecimento não é o forte do Candomblé. A vertente forte é a devocional, a fé. Para isso você não precisa saber o que é, você sente o que é e você também acredita porque sente e vê. A resposta mais comum para quando se pergunta uma coisa do tipo o que é o Candomblé ou o que é o òrìṣà (orixá) ou qualquer coisa de aspecto mais teológico será algo que começa com "eu amo meu òrìṣà (orixá)..." e por ai vai uma torrente de expressões de sentimento e fé. Isso reflete o que ela sabem, e elas sabem o que sentem.
 

Esse é o jeito pelo qual esse tipo de sincretismo é aceito e prolifera. Assim como os africanos fizeram no passado com os antropólogos, as pessoas sabem o que é, elas sentem o que é, e se esta definição, de elemento da natureza satisfaz o inquisidor, que o seja. Isso não impede entretanto que em espaços ou oportunidades como essa a gente possa visitar ou revisitar questões como essa, ou a reencarnação ou o conceito de nascimento e destino, as proibições, etc... evitando assim que da nossa própria boca saia coisas como o Karma.
 

É claro que saber ou não o que parece certo não faz uma pessoa fazer melhor um santo do que outro. àṣẹ (axé) e roncó é outra coisa, mas, não tem nada demais a gente poder tratar dos assuntos com outra base.

O objetivo deste capitulo não foi falar mal das pessoas que dirigem as casas. O objetivo foi explicar como pode essa idéia florescer dentro do próprio Candomblé, sendo alimentada de disseminada pelas próprias pessoas.
 

A questão do POLITEÍSMO e do MONOTEÍSMO
 

Em termos de definição para uma religião ser politeísta, segundo Paul Tillich (systematic Thelogy, Vol. I):
 

Politeísmo é um conceito qualitativo e não quantitativo. Não é uma crença em uma pluralidade de divindades e sim a falta de uma instância unificadora e transcendente é que determina a sua característica.
 

Não importa a quantidade de divindades e sim a qualidade delas e de sua relação. Em uma religião politeísta não existe uma divindade superior as demais, todas tem o mesmo poder e não existe assim uma força reguladora do conjunto.
 

O Candomblé, como muitas outras, não é politeísta porque existe uma relação bem clara de hierarquia entre Olódùmarè e as demais divindades. Assim, possuir divindades, originais ou divinizadas não transforma uma religião em politeísta, senão, o catolicismo com seus santos e sua trindade também o seriam, mas ninguém ousa fazer isso.
 

Em função de preconceito, conforme eu já me expliquei anteriormente, as religiões abraâmicas tem esse interesse histórico em diminuir e marginalizar as demais religiões. 

Como eu já expliquei e estou apenas lembrando, todas as religiões que não são cristãs, são denominadas pagãs. Assim, eles, de forma ignorante, simplificam essa discussão a um modelo muito singelo. Tudo ou é monoteísta ou é politeísta, baseado no modelo de referência deles. Se é igual ao modelo deles, é monoteísta. Se é diferente então é politeísta. É o binário burro.
 

O maior problema ao tratar do assunto religião na sociedade é que o preconceito domina essa a conversa toda a ponto de as pessoas que não gostam da abordagem cristã, elas mesmas, sem saber o que dizem, afirmam que não fazem parte de uma religião monoteísta.
 

Claro, porque o modelo de escolha que é imposto deixa pouca margem para discutir. As religiões cristãs querem apenas dar prosseguimento ao preconceito histórico contra as outras correntes religiosas e chamam todas as demais de politeístas.
 

Isso não é correto. Mas também não é uma ofensa como essas pessoas querem afirmar. Sim, na visão delas, uma religião "boa" é a monoteísta. O politeísta não é colocado como um atributo e sim um defeito.
 

Mas existe um outro aspecto também tão ruim quanto esse. A maior parte das pessoas, ignorantes no assunto, prefere aceitar sua religião ser chamada de seita e dizer que é politeísta. Duas coisas menores na visão dos cristãos.
 

Para os cristãos, seita é uma coisa menor um pedaço da religião verdadeira, e isto está correto uma vez que o termo nasceu do judaísmo onde as seitas são tradições que divergem da interpretação tradicional das suas escrituras.
 

Politeísmo remete ao velho testamento, quando os próprios judeus adoravam deuses zoomórficos, na forma de animais como o carneiro. Isso, para eles, era um episódio negro e assim politeísmo é um pejorativo.
 

As pessoas do Candomblé devem entender que ao aceitarem serem chamados de seita ou de politeísta pelos cristãos não estão apenas sendo classificados erradamente. Estão sendo ofendidos e diminuídos.
 

O Candomblé e a religião africana não são politeístas. São Henoteístas, mas, isso não importa. O que estou dizendo aqui é que entender religiões é coisa complexa, mas, o que é feito hoje em dia com essa dualismo monoteísmo-politeísmo que foi imposto pelos cristãos é apenas preconceito. Não existe respeito ou inteligência nesta discussão. As pessoas não sabem o que estão falando e isso também não interessa.
 

As religiões abraâmicas são as únicas monoteístas e nem por isso são melhores do que outras religiões. Existem muitas formas de classificar uma religião, politeísta é apenas uma delas e se aplica a um grupo muito restrito.
 

As pessoas foram induzidas a achar que uma religião é monoteísta (boa) ou politeísta (ruim, atrasada). Isso serve a objetivos políticos e a sua estupidez. Assim toda a vez que alguém pergunta se a religião africana, ou qualquer outra, é monoteísta ou politeísta, isso significa que:
 

  • essa pessoa é idiota

  • ela já sabe a resposta

  • o objetivo é de praticar o puro preconceito

Eu recomendo responder a essa pergunta dizendo que é monoteísta, que tem um deus maior chamado Olodumare que tem divindades auxiliares que podem ser equivalentes a anjos, arcanjos, e santos. Assim se ter anjo é politeísmo então a deles também é.
 

Claro que isso é uma grande imprecisão, mas, a pergunta não é honesta e esta resposta vai deixar o interlocutor perdido sem saber o que falar à seguir. Vamos combater fogo com fogo.
 

Pessoas que pertencem a uma outra religião devem primeiro se informar para poderem primeiro entenderem a si mesmo e também poderem discutir com elementos de outras religiões, ao invés de aceitarem tacitamente rótulos inadequados, seja pelo aspecto que é um uso inadequado de conhecimento seja porque a finalidade é de fato ofender. Assim temos uma dupla ignorância.

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