As relações entre o supernatural e a sociedade
A competição entre a ciência e o mistério
Este capítulo tem um escopo bastante especial porque depois de tratarmos de aspectos conceituais e teológicos da religião Yorùbá e com isso estabelecer uma base teórica importante sobre o cosmo metafísico, podemos agora, no meu modo de entender, avançar em temas mais práticos que ligam as pessoas à religião.
A religião Yorùbá não é praticada em um altar, aliás as casas de Candomblé ou de Ifá nem tem altar, quem tem altar é a Umbanda que é uma outra religião, uma religião brasileira, bastante ligada ao catolicismo e, também, não é afro-brasileira.
A religião Yorùbá é praticada no coração dos devotos, ela, como os orixás, nasce de dentro da gente e nós somos a sua igreja, o nosso corpo, nossa mente, nosso coração é a igreja dos orixá (Òrìṣà) e de Olódùmarè.
Já cansei de repetir que esta religião tem o objetivo de nos fazer pessoas melhores e de trazer harmonia, união e paz para a sociedade. Mas, apesar deste lado bonito e devocional da religião, o supernatural que nos rodeia ou nos envolve no Àiyé, têm alguns aspectos complicados e é sobre esses aspectos que vou falar aqui.
O supernatural não é a religião, ele existe sem que você faça parte de qualquer religião ou acredite em deus. Você pode ser ateu e, mesmo assim, será afetado pelo supernatural da mesma maneira. A sociedade sempre foi muito ligada ao supernatural e a fenômenos que não podia explicar. Como ela não sabia explicar nada que ocorria no mundo, tudo era mistério e, dessa forma, como já citei no início, fazia parte do campo da fé. A fé, na verdade a religião, é quem lida com o mistério.
Antes do humanismo, no século XV e depois do iluminismo no século XVIII a ciência era apagada, censurada ou inexistente e o conhecimento era dominado pela ideologia religiosa. Podemos dizer que antes do século XV o modelo era o que valoriza ao máximo o mistério e dessa forma as teses e conceitos religiosos ditavam o entendimento do mundo. A sociedade não entendia o mundo que vivia e na ausência de melhor fonte, a religião explicava o funcionamento do mundo e de suas forças e eventos.
Nó século XIX as ideias do Círculo de Viena vieram, então, a pregar definitivamente os cravos no caixão que enterrou a influência da igreja na sociedade. Esse caixão começou a ser pregado ainda no século XVI com a reforma protestante de Lutero e mais tarde com o Calvinismo que questionaram diretamente, no campo religioso, as teses religiosas mais extremas da igreja de Roma.
Esses eventos, que eu citei, são ligados a religião católica, mas, devido a sua abrangência geopolítica não podem deixar de ser citados e relacionados com o tema do decaimento da influência da religião na sociedade. Tudo ocorre e ciclos, assim como a magia (representada por diversas fontes) declinou em favor da religião católica mais tradicional, na Europa, a partir do século XIV, a própria religião foi vítima disso, com a ciência assumindo o papel preponderante na sociedade, em detrimento à visão religiosa.
A tomada da sociedade pela ciência após séculos de domínio da cultura baseado no mistério foi bastante radical e os movimentos que citei, em sequência, consolidaram o entendimento que temos hoje que racionalizou o entendimento de tudo para fenômenos naturais e varreu do pensamento filosófico o viés teológico.
Este é um assunto fascinante mas não é o objetivo daqui. O que quero dizer é que o “vernier” que separa, na sociedade, o equilíbrio da ciência e do místico se moveu fortemente contra este último empurrando o místico, como uma interpretação do desconhecido para a qualificação de superstição. A partir do século XIX temos então uma inversão de papéis sendo a ciência, com toda a sua limitação considerada a fonte confiável e a religião a superstição, ou seja, o oposto do que era até o século XIII ou XIV.
De um lado a ciência, com o conhecido e do outro a religião e a fé com o mistério. O fato é que o que a ciência fez foi trazer luz e conhecimento para muita coisa, mas ela não extinguiu o supernatural. Isso continua existindo, o supernatural não parou de existir apenas porque a ciência passou a explicar as coisas.
Antes, de fato, na ausência da ciência, tudo era explicado através do mistério. Mas a partir do momento em que a humanidade descobre as suas explicações é desnecessário recorrer ao supernatural para justificar tudo.
O mais natural teria sido o equilíbrio entre as 2 coisas, o natural e o supernatural, mas, a sociedade se contaminou com a gerra “santa” da ciência contra a religião, que representava o entendimento do supernatural, do mistério.
Repetindo, o supernatural existe quer você acredite ou não. O movimento chamado Círculo de Viena procurou reduzir a pó tudo o que dependia da aceitação do mistério e da fé. Para tudo tinha uma explicação racional. Esse movimento foi uma reação aos tempos anteriores, obscuros, dominados por dogmas religiosos que, de fato, constrangeram a sociedade até o seu limite suportável.
Contudo a reação a isso nos levou ao que temos hoje onde não existe equilíbrio e nem dúvidas, apenas certezas em uma ciência que em muitas áreas se comporta de forma medieval. A saúde, por exemplo, se gaba de ser uma ciência, mas está longe de conhecer o que ocorre com as pessoas. Estamos em um período místico às avessas, eles acham que tudo sabem e por isso empregam seus métodos, alguns precisos, outros nem tanto, muito empirismo, para resolver tudo e qualquer discordância disso vira caso de polícia. Basicamente é a mesma coisa, só que de lado invertido.
Um pouco mais de dúvidas e menos certezas fariam muito bem a todos. Todas as religiões no mundo lidam com o supernatural. Não houve uma conspiração religiosa global, as religiões se desenvolveram no mundo todo, uma sem conhecer a outra e se baseiam, incrivelmente, em coisas similares. Um processo espontâneo que é ignorado. Como pode não haver supernatural se em todos as partes do mundo as manifestações são similares? Teríamos que acreditar em uma enorme coincidência ou uma enorme conspiração, basta escolher.
Nem todas as religiões tiveram pretensões ou atuação geopolítica como a católica, assim, muitas religiões não tem conflitos ou buscam conflito com a ciência.
Uma religião completa e abrangente como a religião Yorùbá, nos ensina como usar o supernatural para trazer o bem, para a nossa vida. A religião faz isso em nome de deus e de seu compromisso com nós, a humanidade e, por isso, por representar deus, ela também traz valores para esta relação.
Também não podemos nos esquecer que a religião explica o supernatural de uma forma muito peculiar. Ela cria um mundo fictício, com personagens, forças, energias e poderes que através de suas histórias nos mostram com o supernatural funciona. É um método baseado em parábolas e metáforas. Temos que entender que religião não é ciência e o supernatural não é o natural e, mais ainda, que diferente da ciência, a religião explica tudo para qualquer tipo de pessoa.
Dessa maneira o modo da religião explicar o supernatural é através de um modelo alternativo, um “constructo” que nos permite estabelecer um entendimento baseado no que nós conhecemos de mundo. Esse modelo de “constructo”, de metáfora transcendente é que cria um pouco das confusões, porque as pessoas limitadas cognitivamente não conseguem entender a diferença entre o constructo e o mundo real, mas ai, sinceramente, não é culpa da religião, essas pessoas não entendem nem a ciência e nem a religião, como falamos no popular, se pintarmos a grama de azul elas morrem de fome.
O que veremos a seguir é um aspecto mais obscuro do supernatural, que afeta a sociedade de uma forma negativa. Até aqui, o modelo transcendente da religião foi apenas focado em coisas positivas, mas, como está na base dessa religião, e eu já citei isso, existe um equilíbrio.
CONTINUA EM: O MAL TEOLÓGICO
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