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quinta-feira, junho 04, 2020

O que são os Orixá? - A origem do problema no sincretismo religioso [ Entendendo a religião Yoruba - Pt. 24]

ANTERIOR: A origem dos orixá segundo a religião Yoruba

O que são os Orixá?

A origem do problema no sincretismo religioso

Uma das principais fontes para essa interpretação é o sempre danoso sincretismo religioso. É assim, as pessoas não querem pensar, não querem estudar, não querem entender, então simplificam comparando com alguma coisa que conhecem.

Este capítulo aqui é um pouco extenso e denso em informações, mas, é muito importante para entenderem de onde veio alguns preconceitos sobre a religião Yorùbá.

Podem acreditar que, não existe nada que eu tenha lido ou ouvido, de autentico da religião, e quando digo isso me refiro a versos de Ifá, que remeta a ligação de òrìṣà (orixá) como sendo um elemento da natureza.

Vou me explicar adiante quando falar diretamente sobre isso, mas, uma das origens disso, sem dúvida, é o sincretismo, mal feito, com as tradições pagans da Europa, em geral, incluindo a Grécia, religiões politeístas, na qual o panteão dos deuses dessas tradições era associado com comportamento, especialidades e elementos. A própria palavra “panteão” que, hoje em dia, é ainda largamente usada para o caso Yorùbá é uma palavra que se aplica a religiões politeísticas, o que não é o caso da religião Yorùbá.

Estas religiões, de fato politeístas, tinham uma característica comum que era a de dedicar cada um dos seus deuses a uma especialidade. Isto era necessário porque os deuses representavam o mundo que viviam e não uma divindade transcendente. Nas tradições politeístas, não existe uma divindade maior que origina ou controla o todo com poder superior às demais, a visão transcendental não fazia parte delas e, cada divindade ou deus, tinha que ser responsável por um aspecto do mundo. É um modelo lúdico, uma modelo de divindade terrena, distinto do modelo transcendente que se estabeleceu depois. Assim, a unidade, era, na verdade, formada pelo conjunto de todos os “deuses”.

Essas religiões ou cultos, criavam uma divinização que representava o mundo em que viviam. De uma maneira bem lúdica, o mundo era o divino e assim cada coisa dele em vez de ter uma ordenação natural ou científica era regido pela vontade de um deus. Este modelo onírico substituía a ciência na explicação dos fatos que nos cercavam e requeria bastante trabalho das pessoas no culto a muitas divindades para terem uma vida tranquila. Você tinha que agradar a um exército de deuses para evitar problemas, uma vez que você não tinha um protetor próprio nem uma hierarquia, qualquer deus, uma força da natureza poderia interferir no ambiente, inclusive contrariando outro.

Isso fazia da vida das pessoas uma coisa muito trabalhosa, ainda mais porque a natureza era bastante imprevisível. Dessam forma poderia sempre haver um deus-natureza insatisfeito ou ofendido com qualquer coisa e trazendo prejuízos a você ou a sua comunidade. Não é a toa que esse modelo foi facilmente superado pelo modelo das religiões atuais, com um divino unificado e transcendente.

Isso fica claro para você? Imagina viver seguindo uma religião de deuses que controlam tudo e tem que ser atendidos, cultuados e agradados. É um modelo que facilitava muito as explicações de que se algo ia errado era devido a algum deus insatisfeito. Esse modelo de religião jamais se sustentaria perante o libertador modelo teístico.

No politeísmo, o poder dos deus-natureza era dividido e não havia preponderância de uma divindade sobre a outra, exatamente como na natureza, onde uma força conflita com outra. Uma poderia fazer ou desfazer o que outra fez e o homem devia prestar algum tributo a todas se quisesse ter paz na sua vida. O modelo também não integrava o homem ao divino. Os homens sempre seriam homens e as divindades sempre divindades e os homens apenas um joguete nas mãos das divindades.

Este é o modo da natureza, as forças se equilibram pela harmonia ou pelo conflito. Claro que a existência de cada deus estava associado a necessidade de alguém controlar alguma coisa e por isso a necessidade de muitos deuses. O sentido da palavra panteão, que é usado incorretamente para a religião Yorùbá, é este, um vasto conjunto de deuses controladores da ordem.

Este modelo de religião, politeísta, bastante ancestral e lúdico, é bastante ultrapassado no contexto da civilização humana, tanto que foi abandonado sendo trocado não por uma religião em especial mas por muitas outras que ofereceram um modelo muito mais humanista, centrado na figura do homem.

O modelo politeísta é superficialmente conhecido por todos. As pessoas de fato não entendem as suas implicações. Conhecem suas histórias e narrativas mas não se aprofundam de fato na questão da relação divino-homem. Por esta razão não compreendem porque ele não se aplica religião Yorùbá.

O modelo teístico, o que venceu a disputa pelos corações e mentes da humanidade integra o homem com o divino. Observe o modelo yorùbá, no qual qualquer pessoa pode ser divinizada e transformada em orixá (Òrìṣà). É um modelo religioso que não exclui a humanidade do divino, não devemos favores ao divino, nós somos o divino.

No politeísmo dos deuses-natureza nunca seremos deuses, sempre seremos aqueles que vivem à margem da divindade dependendo de favores dela para sobreviver. Sem dúvida está claro porque esse modelo não foi para lugar algum.

Existe também a simplificação que as pessoas fazem sobre o conhecimento. O mundo é complexo, são muitas forças atuando, pensamentos diferentes, filosofias conflitantes ou complementares. Entender o meio que vivemos, sejam as pessoas ou a sociedade é bastante complexo. Contudo as pessoas fingem que são inteligentes e buscam simplificações para que possam se passar como cultas.

A maior parte das pessoas só consegue lidar com conceitos binários ou ternários e dessa forma fazem uma similaridade estúpida de uma religião com outras baseadas em 2 ou 3 características. Infelizmente as coisas são mais complexas que isso e é muito reduzido a quantidade de pessoas que consegue trabalhar com modelos conceituais e filosóficos.

Classificar a religião Yorùbá dentro deste modelo, politeísta, somente porque existem muitas divindade (e não apenas uma) e entender que essas divindades são forças da natureza porque a religião é praticada na natureza, é desprezar a sua complexidade e atualidade.

Claro que algumas coisas, além da ignorância e da preguiça mental aceleraram esse sincretismo da religião Yorùbá com as antigas correntes politeístas. Na África eles observavam o povo colocando oferendas em pedras, árvores ou em rios e conduzindo ritos em rios, morros e florestas. Então, a conclusão de muitos foi bastante óbvia, esses africanos cultuam pedras e rios..... As divindades que eram homenageadas ficaram então associadas com aqueles elementos ou como se fossem os deuses-natureza.

Poucos se deram ao trabalho de fato de entender porque aquilo era feito e qual o significado daquilo. Somem nisso o desprezo por uma sociedade tribal e a impossibilidade de entender uma língua estranha. Junte isso ainda ao uso de métodos e ética científica inadequada e teremos como resultado o que foi feito. Simples e ao mesmo tempo bastante estúpido. Isso levou os europeus a taxarem as religiões de animistas e de politeístas.

Mas, estamos no século XXI e não mais no século XIX.

Como eu tenho repetido é uma forma de preconceito com o povo e a sociedade africana, desprezando a sua capacidade de gerar uma religião equivalente às demais ocidentais e orientais. O modelo politeísta dos deuses-forças-da-natureza, não se aplica a religião Yorùbá.


CONTINUAÇÃO: Os católicos e o conceitoo de paganismo

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