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quarta-feira, abril 23, 2014

O Babalawo e a Teologia

O Babalawo e a Teologia


Vocês devem notar que gosto de trilogias, pois é, nas 2 últimas postagem critiquei primeiro os cursos de Ifá que tem surgido e no segundo critiquei o uso de tratados por pessoas que não fazem parte do culto, não são Babalawo ou awo, como instrumento de aprendizado de Ifá.

Revisando um pouco, e adicionando umas pitadas, a minha crítica aos cursos é que eles são apenas um caça-níquel, a mesma coisa que já ocorre ( e ocorreu ) com o candomblé. Aprender Ifá através de cursos ministrados por terceiros, não é o processo de uma pessoa aprender ou entender Ifá. Se a pessoa que ministra é de fato um Babalawo, como muitos dizem que são, ela deveria praticar o que aprendeu e não se dedicando a ensinar terceiros. Se não está exercendo a sua função de Babalawo é porque não é Babalawo ou porque não teve habilidade para tal e por isso não deveria ensinar nada a ninguém.

A indústria de iniciações é muito lucrativa, muito mais lucrativa do que trabalhar com consultas a Ifá e ebós. Só que o Babalawo ajuda as pessoas quando faz jogos e ebós e não quando inicia outros, Ifá é sacerdócio, não uma pirâmide financeira. As pessoas que querem ganhar dinheiro percebem rapidamente que nunca estarão bem de vida através de Ifá exercendo a função de Babalawo. Uauuu! Que novidade!

Essas pessoas veem que o caminho para isso, ganhar dinheiro de fato, são as iniciações, essas sim, pouco trabalho e muito dinheiro. Hoje em dia (como aliás sempre foi) existem muito mais pessoas interessadas em atender sua vaidade do que realmente saber se podem, ou melhor, se deveriam, ser iniciados. Dessa maneira, iniciações é um mercado prospero, alimentado pela vaidade e com nenhuma cobrança de resultado, o que importa é o título para ela pendurar no pescoço.

Este mercado de iniciações tem uma vantagem adicional, que é o fato de que a pessoa iniciada vai dar ao seu iniciador uma receita recorrente de jogos, ebós e cerimonias. Iniciar é um excelente negócio. Difícil mesmo é a pessoa ser um Babalawo de fato.

Esses cursos são, então, um bom caminho para isso: A pessoa tem curiosidade, acha que tudo pode desde que faca um curso ou leia um livro, então se escreve nesses cursos. Em pouco tempo vai estar querendo se iniciar.

Não se iludam, a indústria de iniciações é muito poderosa. Ela mexe com a vaidade das pessoas, com o seu ego. Todos querem se achar como os escolhidos, os predestinados e as iniciações são um caminho fácil para a pessoa encontrar isso. Sempre foi assim, seja no candomblé como na umbanda e Ifá não fica para trás.

Volto a repetir, lugar de Babalawo é atrás de um opon, ajudando pessoas e não promovendo cursos.

As pessoas sempre preferem a visão maniqueísta, simplista, de sim ou não e certo ou errado para definir os assuntos. Mas esse não é o modelo do mundo real. O mundo real, o que vivemos é uma realidade bastante complexa, cheia de sutilezas e de tons de cinza entre o branco e o preto. As pessoas é que por limitação delas tentam sempre reduzir os assuntos a sim ou não, branco ou preto.


Desta maneira, curso de teologia ou ifá sao enganações oferecidas a leigos, pessoas comuns e laicas. O trabalho do Babalawo não é dar cursos e sim ajudar as pessoas. O que as pessoas buscam em uma religião não é aprender teologia e Ifá. Elas querem viver a sua Fé que não estão sozinhas no mundo e que deus e todo o divino as ajuda na sua vida, eles querem ser pessoas melhores e querem ver a vida delas em um contexto maior, nao apenas em uma existência breve e mundana.


Para encontrar isso elas não precisam de aprender teologia ou aprender Ifá. Elas buscam em uma religião esse caminho e no sacerdote uma pessoa que as conduza por este caminho. Essas pessoas não merecem encontrar um fazedor de ebós, uma pessoa que esteja somente a fim do dinheiro delas ou uma pessoa que as queira iniciar em qualquer coisa.

Mas, aprender teologia é sim importante para os sacerdotes e membros ativos da religião. Isso hoje é bem complicado, livros são uma opção e cursos, bem estruturados seriam uma ótima opção. Minha crítica diz respeito ao uso equivocado disso, com segundas intenções ou intenção nenhuma, não ao objetivo de ensinar ou aprender teologia para quem de fato necessita ou mesmo aqueles que tem curiosidade disso. 

Como eu disse o mundo é complexo. Falar sobre alguns assuntos é as vezes complexo.
No segundo texto eu critiquei o uso de tratados cubanos de ifa por curiosos e interessados em Ifá como fonte de aprendizado. Como expliquei, não se trata de segredo porque no ifa cubano só o quarto de Ifá tem algum segredo, o resto está em papel. Trata-se de desordenamento, não se aprende Ifá em tratados, eles são um manual de trabalho do Babalawo, um guia de referência.


Acredito que esse assunto já foi suficientemente abordado e que ainda não entendeu, lamento.

Neste texto aqui, vou comentar sobre o conhecimento de teologia. 

Por mais que o Babalawo seja proficiente em Ifá, é necessário conhecer muito bem a teologia e a teogonia da religião. Esse conhecimento é necessário para entender as histórias e interpretar as informações que o jogo traz através dos Odù e orientar as pessoas sobre a religião que elas procuram. Se o Babalawo não compreende corretamente a metafísica das relações entre o mundo espiritual e natural, as divindades, suas relações com as pessoas, se não entende a natureza e comportamento dos orixá, os diversos tipos de espíritos, os limites de ajé e egun, as questões ligadas a ori, ou mesmo, se tem uma compreensão equivocada desta teogonia, enfrentará problemas na sua atividade.

O que observo muito é o Babalawo que aprende uma coisa ou outra de forma irregular, assim tudo para ele é uma coisa ou outra. Desta forma aparecem aqueles que falam que tudo é ori. Outros nem entende o que é ori de fato. Outros dizem que tudo é egun, esses são os mais comuns, alguns acham que sabem fazer coisas para Ajé, mas, esses nem sabem com o que estão lidando.
 

Isso é como foi a onda dos abikus no candomblé (que ainda existe, o coisa fora de moda). Os babalorixa viam abikus em todo mundo, alguns faziam isso de safadeza mesmo, outros porque não sabiam mesmo. Até hoje isso ainda existe e basta ter um irmão morto para o seguinte virar abiku.

Tudo isso que estou falando pode parecer meio estranho a vocês, mas são coisas bem distintas na formação de um sacerdote. Uma coisa é a pessoa aprender o que um Babalawo precisa saber para lidar com o seu oráculo. Este conhecimento é obtido nos tratados de Odù e com o iniciador dele, porque existe muito conhecimento adicional, oral e explicativo, como eu já disse, o tratado não representa IFÁ, é apenas um guia de referência. O Babalawo tem que estudar o tratado e cada Odù, aprender como se usa isso, o significado das coisas e as cerimonias associadas. Isso vai lhes dar conhecimento importante, mas, restrito ao significado e histórias que cada Odù tem e ao ofício do Babalawo.

Este é um tipo de conhecimento que o Babalawo deve adquirir. É importante, mas, é um tipo. Não é automático ou mesmo natural que o Babalawo, por aprender ifá e os odù, estará automaticamente aprendendo a teologia, teogonia e a metafísica da religião, não é assim. Estas coisas fazem parte de outro conhecimento. Não confunda um conhecimento com o outro.

Eu já vi pessoas que são iniciadas com 15 anos, as vezes menos. Outras que nunca tiveram qualquer contato com a religião yoruba, somente conheceram ifá e foram habilmente convencidas a se iniciarem.

O que estas pessoas, sem nenhuma ou pouca experiência de vida vão poder adicionar a seus consulentes? O que essas pessoas sabem de religião ou da religião que estão? O que elas terão aprendido da religião? O que saberão de orixá? Qual a experiência ou contato que terão? O que suas experiências de vida adicionarão a elas no seu trabalho como Babalawo?

Aprender a religião em si, a teologia e teogonia é outra coisa. Requer outras fontes e principalmente muito mais estudo adicional e dedicação. Sem um bom conhecimento da teogonia, a própria interpretação do Babalawo ficará um pouco prejudicada em alguns casos. O iniciador dele pode até ter um bom domínio da religião, mas terá tempo e disponibilidade para ensinar tudo o que sabe? Acho difícil, nem o iniciador e muito menos o iniciado vai ter tempo de disponibilidade para isso. O iniciador pode ser uma pessoa para discutir assuntos mas estará disponível para ensinar de cátedra?


Se, neste contexto, estamos falando de uma pessoa iniciada dentro da tradição cubana então é caso complicado. Os cubanos tem uma visão própria da teologia e teogonia, muito afastada da visão yoruba, tão afastada que existem cubanos que gritam aos 4 cantos que IFÁ nasceu em cuba, ou que somente o ifá cubano preserva o verdadeiro ifá e que os yoruba não sabem mais nada de ifá. Eu achava que isso era apenas ufanismo e arrogância, coisas bem típicas de cubanos, mas, hoje acredito que esta é uma avaliação ingênua de minha parte, possivelmente isto é uma forma deles justificarem esses grandes desvios.

Em termos de orixá, a visão deles tem pouco haver com a nossa do candomblé. Para uma pessoa como eu, que aprende a teologia e teogonia buscando fontes confiáveis yoruba e conhece orixá a partir da visão prática e teórica do candomblé, eu vejo os cubanos com uma parte desta religião, sem duvida, mas uma variante que tomou caminhos diferentes. Eles desconhecem aspectos importantes da teologia e orixá é teoria apenas, quase não tem incorporação. Esse assunto será tema de um próximo texto que infelizmente vai provocar a ira dos cubanos.


Mas voltando ao nosso tema, e sendo objetivo, o conhecimento consistente da teologia permite ao Babalawo responder e entender de forma mais extensiva o seu oraculo. Sei que é um pouco complicado entender isso que estou colocando, mas conhecer bem a sua religião através da teologia e teogonia permite ao Babalawo melhor compreender as metáforas que existem nos versos de odù bem como possibilitam que ele faça uma melhor dosimetria do que recomendará ao consulente. Acima de tudo vai permitir a ele desenvolver melhor o aconselhamento.

Estou adicionando mais informação de maneira, que vamos a mais explicações. A consulta a Ifá tem 2 aspectos. O primeiro é que a partir do odù sacado você determina o ebó a ser feito e o executa. Isso é bem simples, não precisa ser um Babalawo brilhante e altamente experiente. Se o Babalawo for honesto ( vou explicar em outro texto ) chega-se facilmente a um resultado padrão que, em princípio atende bem ao problema do consulente.

Existem Babalawo que fazem isso bem rápido e mecanicamente.


A segunda parte é que a partir do odù que saiu para a pessoa, o Babalawo deve ter a capacidade de juntar tudo e aconselhar o consulente. Isso é bem mais difícil. Requer muito mais do que conhecer o odù, entre os Babalawo é dito que somente aqueles realmente inspirados conseguem fazer isso é a hora em que ELA se manifesta através deles e eles conseguem "falar ifá". Isso é muito diferente de falar o que se decorou lendo os tratados de odù.

Mas, com ou sem Ela, o aconselhamento é uma parte importante da consulta, possivelmente a parte mais importante. Neste processo, como citei, o Babalawo une o entendimento das mensagens de odù, combinando os diversos odus que são relevantes à consulta, mais a teologia e sua experiência de vida e como Babalawo. 

Isso é Ifá. Ifá não é apenas fazer ebós e transmitir uma mensagem simples e objetivo do problema que trouxe a pessoa ao oráculo, a consulta. Ifá é perceber o que orunmila tem como mensagem de vida para aquela pessoa, Ifá é uma oportunidade para a pessoa revisar sua vida, afinal orunmila é o eleri ipin, o testemunho do nosso destino. Se a consulta a ifa servir apenas para resolver coisas mundanas e ordinárias de nossa vida, qual a diferença entre uma Babalawo e um vidente qualquer? Qual a distinção entre você ser o sacerdote do eleri ipin?

Este aconselhamento é a soma de conhecimento de ifá mais o conhecimento da religião. O Babalawo fala como um sacerdote da religião, não como uma pessoa qualquer. Não se trata de usar apenas bom senso e experiência. Trata-se de se dirigir às pessoas como um representante de uma religião. Para isso o Babalawo tem que conhecer a teologia da sua religião.

Existe um fator complicador. Se ele estiver lidando aqui no Brasil com um iniciado, um iyawo, egbon ou ogan, por exemplo, e não conhecer a teologia, orixá e o candomblé, sua atuação terá que ser restrita e cuidadosa. Em primeiro lugar, ao lidar com uma pessoa ligada a uma casa religiosa ele tem que ser extremamente ético e atento para não causar problema. Tem muita gente que é muito perturbada e se confunde com muita coisa.

Em segundo lugar, se ele não tiver aprendido a teologia e a prática do candomblé, se conhecer apenas o que ensinaram a ele sobre a visão lukumi então não deve falar nada. Saber pouco e ainda saber uma tradição que é completamente diferente do candomblé não vai ajudar ninguém. Existirão situações que ele não conhece e não saberá tratar com os consulentes.

Cubanos que foram formados no lukumi e esses brasileiros que aprenderam com eles, ou seja, que sabem muito menos do que eles, recomendarão ações erradas e podem causar problemas. O mesmo vale para pessoas com formação em candomblé e que se deparem com alguma pessoa iniciada no lukumi ou na YTR. Nesses casos, o conhecimento de teologia não vai ajudar muito. O Babalawo terá que ser muito cuidadoso e tratar da vida da pessoa sem se envolver nos seus assuntos religiosos.

As vezes isso é difícil porque as pessoas podem procurar um Babalawo para confrontar alguma situação sua. O Babalawo deve ter maturidade para não se envolver desnecessariamente em problemas que poderiam ser evitados. Ética é muito importante.
A última coisa que pode envolver o conhecimento ou não conhecimento de teologia, são os casos em que as coisas são feitas e não funcionam ou não são de efeito permanente.

Podem existir situação nas quais as ações do babalawo terão curta duração, não vão resolver o problema, os ebós vão se suceder sem que exista uma resposta adequada. Não estou falando nenhuma novidade, muitos já devem ter visto isso ocorrer. Também ocorre em Ifá.

Isto geralmente esta associado a um conhecimento oh interpretação equivocada da teologia e teogonia.A coisa mais comum e besta que eu vejo são aqueles idiotas que em face de um problema ou situação dizem que: tudo é Ori. Não diga! E o que mais? Fica todo mundo fazendo aquela cara de "ah é?" sem entender e sem saber o que fazer com essa frase idiota. Claro que tem ainda os que dizem que tudo é egun, ou encosto ou feitiço.

A realidade é que aquela pessoa que está ali consultando Ifá para outra pode não compreender plenamente sua religião, não como quem está consultando imagina, não compreende de fato como aquelas energias do supernatural se manifestam e influenciam a vida da pessoa, podem também não distinguir qual o melhor caminho a trilhar para buscar uma solução.


Existem problemas simples, mas, existem também os complicados, que lidam com coisas mais inéditas e que saem do lugar comum. Pode ser uma comparação besta, mas você pode ter aqueles médicos de SUS para os quais tudo é virose e os especialistas de fato. Quando coincide você estar com virose mesmo o médico do SUS vai acertar, será ótimo para você, mas, nem tudo é virose não?


Se o babalawo não entende o contexto geral não vai saber também o que fazer objetivamente para ajudar quem o procura. Isso é o que resulta nos casos onde os ebós nao fazem efeito, o consulente retorna recursivamente ao oraculo, os ebós e oferendas aumentam de tamanho, o consulente procura muitas pessoas.

Isso também o resultado da falta de conhecimento da teologia e teogonia.


Não deixe de comentar o blog sobre as postagens e sugestões. Em breve mais postagens com conteúdo sobre a religião, além dessas sobre comportamentos.



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