Pesquisar este blog

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Candomblé e ecologia

Candomblé e ecologia


Seguindo este assunto que já foi assunto de algumas postagens reproduzo a seguir o conteúdo do material "oku obo espaço sagrado - educação ambiental para religiões afro-brasileiras"

A cartilha OKU ABO é uma ferramenta educativa criada pelo projeto OKU ABO - Educação ambiental para Religiões Afrobrasileiras, com o objetivo de resgatar o saber tradicional das religiões afro-brasileiras e promover a preservação do meio ambiente a partir desse resgate.

O material que transcrevi não é o texto integral da cartilha, mas, não fiz qualquer alteração ou edição no texto que reproduzo. Estão aqui os principais pontos, mas o folheto é muito bem feito. Quero ressaltar que harmonizar o Candomblé com a natureza e a ecologia não é uma coisa natural. É necessário empenho das pessoas nisso.

O que vemos hoje é justamente o contrário, as pessoas do Candomblé tem péssima educação e nenhuma consciência ecológica e até mesmo sanitária. Isso não tem que ser assim e esta realidade tem que mudar. A primeira atitude é reconhecer que este comportamento é geral, porque para variar cada um acha que o outro é que é o problema.

Assim os desinformados que pensam que existe uma preocupação natural de candomblecistas com a natureza, acordem, é justamente o contrário.

Iniciativa da cartilha é do terreiro de candomblé Ilê Omiojuaro, de Mãe Beata de Yemojá, em parceria com entidades religiosas, ambientalistas, pesquisadores e órgãos públicos, a cartilha foi elaborada com base emensinamentos ancestrais. Os nossos mais velhos contam que antigamente não encontravam tantos resíduos de vidro, plástico, papelão, compondo as oferendas afro-brasileiras. O dito progresso do mundo capitalista deturpou, dentre outras coisas, nossa maneira de tratar o meio ambiente. O povo-de-santo acabou incorporando valores que nada têm a ver com a nossa cultura, que nos afastam de nossa tradição e que hoje são usados para justificar mais preconceitos contra as religiões afro-brasileiras.

"“Meu filho, orixá é tudo isso que está aí... É o princípio da vida, está em todas as coisas. Por isso, tome muito cuidado, pois quando você
mexe em uma coisa, desequilibra outra”.

“Ohomem não percebe que ele não é nada. A gente está aqui de passagem. A terra vai comer tudo isso...”
“Está vendo essas mazelas que acontecem no mundo? É a natureza. São os orixás se revoltando com a agressão do homem a ela.”

(Ensinamentos da minha Yá, Olga do Alaketu)


Todo o espaço é sagrado para as religiões afro-brasileiras.

Èsù (Exú) - Caminhos, trilhas e encruzilhadas

Ògún (Ogum) - Ferro

Ò s ó ò s ì (Oxossi) - Florestas

Òsanyìn (Ossain) - Segredo das folhas

Obalúayé (Obaluaiê / Omolu) - Terra

Òsùmàrè (Oxumarê ) - Arco- íris

Sàngó (Xangô) - Raios, trovões e pedras

Irókò (Irôco) - A força física do povo de santo

Oya (Oiá/ Iansã) - Chuva, tempestade, vento

Ò s u n (Oxum) - Rios, cachoeiras

Yemonja (Iemanjá) - Mares e rios

Obà (Obá) - Grutas, cavernas e encontro das águas

Yewa (Euá) - Cosmos, mata virgem

Nàná (Nanã) - Pântanos e mangues

Òòsàálà (Oxalá) - Harmonia da natureza


“Como Ialorixá, eu oriento meus filhos de santo e
quem me procura para que tenham sempre
preocupação com nossas práticas religiosas no
ambiente em que vivemos. Aconselho todos os
sacerdotes a fazerem o mesmo.”

(Mãe Beata de Yemonja).


Áreas de Proteção Ambiental - APAs APAs são locais onde você pode realizar livremente suas oferendas. Servem para
diminuir os impactos nas reservas e parques, através de práticas sustentáveis, como:

• utilize recipientes biodegradáveis;

• não deixe sacos plásticos e embalagens nas APAs;

• rio e cachoeira: não coloque oferendas dentro do rio ou cachoeira e cuidado para não prejudicar a vegetação da margem do rio, porque é ela que o mantém vivo; 

• apresente sua oferenda, reze, faça seu pedido e depois a coloque fora da margem;

• mar: use materiais biodegradáveis, derrame os líquidos de garrafas e frascos de perfumes e retorne com objetos tipo
espelho, pente, sabonete, bijuterias, garrafas, etc.;

• rua, caminhos e encruzilhadas: não coloque oferendas no asfalto, mas no canteiro. Além de ficarem muito expostas, veículos geralmente passam por cima delas e quebram os recipientes, podendo causar acidentes;

• pedreiras: raspe a parafina das velas e coloque -a no lixo.


Sabemos que nossa tradição se baseia na troca, na generosidade, por isso nossos rituais são sempre muito ricos e fartos. Porém, 


lembre-se que orixá é simples, come no chão. Então, nunca devemos confundir riqueza com dinheiro e fartura com desperdício. Isso 


são valores da sociedade de consumo e não da tradição afro-brasileira.

Para os orixás e encantados a qualidade das oferendas é muito mais importante que a quantidade. As porções das oferendas e ebós 


devem ser proporcionais àquelas destinadas a uma pessoa (200g a 500g).

A oferenda começa desde a hora do preparo. Compartilhe o axé com seu orixá. Na tradição afro-brasileira não se
desperdiça nada. Podemos observar que até hoje, em muitas casas, todas as partes dos animais sacrificados e as comidas são 


consumidas. Cerca de 10%, o axé do santo, é consumido pelos iniciados, e o restante é destinado ao público.

Ainda é comum nos candomblés, que todas as comidas de santo - omolocu, farofa de azeite de dendê, feijão preto temperado com azeite e camarão, xinxin de galinha, caruru, vatapá e o famoso acarajé - sejam servidas ao público.


Todas as religiões realizam oferendas. Os católicos dão a hóstia e o vinho; os judeus sacrificam um cordeiro na páscoa; os orientais dão alimentos e objetos; ou seja, não somos diferentes de ninguém. Por isso, fique tranqüilo ao realizar sua oferenda.

• As oferendas devem ser realizadas dentro do terreiro, sempre que possível.

• Os alimentos cozidos devem ser consumidos ou enterrados após o tempo mínimo de exposição. O que sobra pode e deve ser enterrado ou 



encaminhado para a compostagem, para produção de adubo orgânico. Isso é uma prática utilizada inclusive na África, berço dessa religião.

• Consulte a autoridade religiosa do seu terreiro sobre o tempo mínimo de permanência de exposição.

• Recolha sempre todos os resíduos de suas oferendas religiosas do meioambiente.

• Cantar, tocar, dançar são opções de oferendas que não deixam lixo. Podemos realizá-las em qualquer espaço, exceto nas reservas biológicas.

• Pergunte sobre restrições ao uso de som. Atabaques podem causar um forte impacto em determinadas áreas, como grutas e cavernas. Já em outras, não.


Dê sempre preferência a materiais biodegradáveis na prática do culto. Minimize o impacto causado na natureza.

• Alguidares, louças, copos e garrafas quebram com facilidade e causam ferimentosempessoas e animais.

• Copos e garrafas podem ser substituídos por cabaças, cuias de coco ou bambu.

• Para substituir os recipientes de louça ou barro, uma alternativa é o uso de folhas.

• Bananeira, mamona ou morim, podem forrar o fundo dos alguidares e louças.

• Após o ritual, deixe as folhas com as oferendas e retorne com os recipientes.

• Lembre-se de recolher todos os resíduos após o tempo mínimo de permanência. Isso tudo pode alterar a estética da oferenda, mas o resultado final compensa.

O fogo é um elemento imprescindível para as religiões afro-brasileiras, porém devese usá-lo com muita cautela, devido ao seu poder devastador.

• Antes de depositar sua oferenda na natureza, acenda as velas no terreiro.

• Se tiver que acender uma vela, faça-o somente em locais onde você possa se responsabilizar. Espere até que ela se apague.

• Aproveite o tempo para rezar e sentir a energia do ambiente em volta.

• Não deixe velas acesas nos pés das árvores. Você pode causar incêndio, além de causar dor nas árvores, pois elas são seres vivos.

• A questão não é religiosa. Provocar incêndio é proibido por lei e você pode ser preso por isso.


O que não puder ser reaproveitado com o mesmo fim, deve ser reciclado, ganhar nova roupagem e novo uso.

A louça usada nas oferendas pode ser lavada, fervida e reutilizada como recipiente de novas oferendas ou como utensílio no terreiro. 





Já os alguidares, por serem de barro e porosos, são de fácil contaminação para serem reutilizados na culinária e no ritual. Devem ser fervidos e podem ser reciclados se forem triturados e usados como terra. Também podem ganhar uma pintura decorativa e você pode fazer três furos no fundo deles, transformando os em vasos de planta. A questão é usar a criatividade a serviço do bem comum.

Veja o tempo de decomposição de alguns materiais:

Barro curado: 10 anos
• Celofane: cerca de 100 anos
• Cerâmica vitrificada: cerca de 500 anos
• Filtro de cigarro: 10 anos
• Madeira: 10 anos
• Metais: 100 anos
• Moedas: 200 a 500 anos
• Papelão: 2 a 4 meses
• Plástico: cerca de 500 anos
• Tecido de algodão: 10 anos
• Velas: até 3 anos

Atenção: o mercúrio (azougue) é cancerígeno e não pode ser manipulado sem proteção


Tenha responsabilidade com a limpeza dos espaços sagrados. Mantê-los limpos coloca-o empermanente contato com o axé dos orixás.

• Se tentarmos destruir a natureza, nós é que morreremos.

• Nunca deixe sacos plásticos, garrafas, velas e recipientes na natureza.

• Antes de realizar sua oferenda, faça sempre uma faxina na área, retirando restos de outras oferendas, embalagens e outros resíduos, seja a área na natureza ou no próprio terreiro.

• Leve sempre sacos de lixo e luvas plásticas para a coleta de resíduos. Se não encontrar coletores, feche os sacos e transporte-os para o coletor mais próximo.

• Organize mutirões de limpeza com sua comunidade ou participe de grupos de voluntários dos parques e das reservas próximos a sua casa.


O material é assinado pelo Aderbal, filho de Beata.

Aderbal Ashogun é baiano, nascido no terreiro do Alaketu. Promove ações afirmativas como músico, ativista ambiental e produtor cultural. Participou da ECO 92, quando comecou a coordenar o projeto OKU ABO. É consultor do IBAMA para Práticas Religiosas em Unidade de Conservação. Realizou oficinas internacionais de cultura afrobrasileira em Madri e Londres (1998), produziu e tocou no cd Cantigas de Candomble (2000), gravando 57 cantigas na língua ioruba, com intuíto de preservá-las. Participou do Fórum de Espiritualidade e Sustentabilidade da Água, em Taiwan, 2004. Foi palestrante em inúmeros seminários, entre eles o 9º Congresso Mundial de Tradição e Cultura de Orixá (UERJ, 2005) e o Iº Seminário contra o Racismo Ambiental (UFF, 2006). 

Aderbalashogun@yahoo.com.br

Um comentário:

  1. Li na íntegra o material em pdf, de uma importância sem igual além de um bom gosto e clareza de elaboração do texto, acessível à todos.Percebo que é uma assunto"tabu" entre candomblecistas, umbandistas e afins, é como se uma boa parte se sentisse atingido ou acusado, são hábitos e informações que se propagaram e parece não ter freio, é fundamental a reeducação e discussão deliberada sobre a religião e o nosso meio ambiente, é no mínimo coerente essa preocupação, se faz necessária e com urgência.
    saudações!

    ResponderExcluir