O que é Odù?
Primeiro, a palavra
Odù não
significa caminho. Pessoas que não sabem o que é Odù
dizem isso, que Odù
é caminho. Isso é um erro e acima disso um completa bobagem.
Odù
também não é destino. Este é outro erro clássico no
Candomblé e reflexo de quem não sabe o que é Odù.
Destino, se existir nessa religião, é explicado por outras palavras
e por outro conceito teológico, no qual o Orí esta inserido, mas,
não vou abordar aqui.
Assim, pode parecer
estranho, mas, para entender o que é Odù
a primeira coisa que se deva fazer é esquecer tudo que se diz por
ai, principalmente no Candomblé.
O Candomblé é uma
tradição religiosa incrível, muito cativante e fechada e talvez
por isso mesmo, por ser fechada demais, permitiu que a ignorância se
alastrasse nas coisas mais simples. Definitivamente Odù
não é uma coisa que faz parte do Candomblé. Faz parte da religião
Yorùbá, faz parte de Ifá, mas, não do Candomblé.
Isso, contudo, não
fez o Candomblé fechado à teologia que envolve Odù.
Odù não é
desconhecido pelo Candomblé. O que estou dizendo é que, a teologia
que envolve Odù não
fez parte da espinha dorsal do Candomblé. Muitos cresceram no
Candomblé apenas ouvindo sobre isso vagamente sem que esse conceito
fizesse alguma diferença prática em sua vida religiosa ou laica.
O Candomblé fez o
Orixaísmo como a sua estrutura principal e tudo no Candomblé sempre
foi baseado em Orixá. Com o passar do tempo, alguns antigos
conhecimentos teológicos foram sendo resgatados e se tornaram mais
comuns, entretanto o Candomblé jamais perdeu a sua característica
de ser um culto de Orixá.
O significado da
palavra Yorùbá “Odù”
é o de uma coisa grande para conter algo dentro, como um contêiner
ou uma grande cabaça. Esta palavra, Odù,
como outras palavras Yorùbá (como axé (aṣẹ́), por exemplo),
pode ser usada com mais de um significado na prática, mas, dizer que
Odù significa
caminho ou destino é total falta de conhecimento.
Odù,
é a base da comunicação de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) com as
pessoas. São os sacerdotes de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) que
aprendem durante toda a sua vida a entender Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà)
através dos Odù.
Dessa maneira o primeiro entendimento que se deve ter é que
Odù é a linguagem
que Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) fala com os seus sacerdotes.
O oráculo de Ifá
mostra aos Bàbáláwo as mensagens e orientações de Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà) através de vários Odù
e esta é a única forma como um Bàbáláwo se comunica com
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà). A primeira forma de ver Odù
é esta, como a linguagem usada por Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) com
SEUS sacerdotes.
Odù
é como um alfabeto escrito, é representado no nosso mundo através
de marcas gráficas. Essas marcas, únicas, representam um símbolo e
a esse símbolo é associado a um Odù.
Em religiões mais antigas, como o hermetismo e alquimia, por
exemplo, nós encontramos a mesma idéia representada pelos selos,
assinaturas e marcas de espíritos.
Em termos
quantitativos, temos 256 Odù.
Existe uma matemática muito simples nesses números. São 16 figuras
diferentes, feitas com a combinação de traços duplos ou simples.
Como cada Odù é
formado pela combinação de 2 figuras, então teremos 16 x 16 = 256
Odù. Nessas 256
figuras diferentes existem aquelas onde o mesmo símbolo aparece
repetido, são chamados dos Odù
Méjì, ou duplos, chamados de símbolos principais, que são 16, ao
todo.
Os Odù
são chamados de méjì porque a palavra Yorùbá méjì
significa (2).O numero 2 é èjì, mas em Yorùbá quando o número é
colocado depois do substantivo, ou seja, quando ele é usado para
contar alguma coisa adiciona-se o M na frente. Assim, èjì é o
número 2 e ogbè mèjì é traduzido como 2 ogbè, ou um ogbè
duplo:
Assim, temos 16 Odù
Méjì e os demais 240, que são chamados de Omón Odù
(Ọmọ Odù) ou
Odù filho. A razão
disso é porque os demais são combinações nas quais um dos 16
símbolos principais se fixa na primeira posição e se combina com
os demais 15, conforme veremos nos desenhos a seguir.
Um Odù
é sempre um símbolo composto de 2 desenhos, uma combinação de 2
marcas gráficas. Cada desenho de uma marca gráfica é composto de
duas colunas formadas por uma combinação de traços duplos e
simples, cada coluna, ou perna, tem 4 marcas, um Odù
tem 2 colunas, com 8 marcas. Explicar é complicado, fica mais fácil
ver.
Para não estender
isso demais vamos fazer uma explicação simplificada usando somente
2 marcas básicas. Os exemplos a seguir mostram a relação de 2
marcas gráficas básicas que são usadas para compor um Odù:
A marca a seguir é a chamada Ogbè:
I
I
I
I
É uma coluna com 4
traços simples.
A marca a seguir é a chamada Oyeku (ọ̀yẹ̀kú):
I
I
I
I
I
I
I
I
É uma coluna com 4
traços duplos.
O Odù
Ogbè Méjì é formado por 2 colunas do símbolo de Ogbè:
I
I
I
I
I
I
I
I
O Odù oyeku Méjì
(ọ̀yẹ̀kú méjì) é
formado por 2 colunas do símbolo de Oyeku
(ọ̀yẹ̀kú):
I
I
I
I
I
I
I
I
I
I
I
I
I
I
I
I
Essas são as marcas
originais. Um Odù é
formado por um desenho com um total de 8 marcas em 2 sequências
verticais ou pernas.
O exemplo a seguir
mostra o Odù filho
ogbe-oyeku (Ogbè-ọ̀yẹ̀kú),
que é formado pela marca de ogbe mais a marca de oyekú. Os Odù
sempre são pares de marcas:
Ogbé
- Ọ̀yẹ̀kú
II I
II I
II I
II I
Atenção, os signos
são lidos da direita para a esquerda.
Os primeiros 16 Odù
são os Odù méjì,
indo de ogbè meji até orangun méjì. Depois disso é feita uma
combinação entre cada Odù
e os conseguintes, formando de ogbe-oyeku (ogbè-ọ̀yẹ̀kú) até
ogbè-òfún e depois indo para oyeku-ogbe (ọ̀yẹ̀kú- ogbè) na
mesma lógica.
Por fim existe uma
hierarquia entre os Odù.
Os Odù formam uma
sequência dos mais antigos para os mais novos e essa ordenação é
usada para tomar decisões. Um Odù
mais sênior tem mais valor do que um menos sênior quando temos que
escolher entre um e outro.
Atenção os Odù
são igualmente importantes, não existe Odù
melhor do que outro, mas, em Ifá temos que tomar decisões, fazer
escolhas e assim os Odù
recebem uma hierarquia para que possamos fazer escolhas através
dessa hierarquia.
Não existe somente
uma hierarquia. Escolas diferentes de Ifá usam hierarquias levemente
diferentes. O importante que todos devem observar é que a hierarquia
não é o mais importante e pode mudar. A hierarquia é um
instrumento para fazer uma escolha.
O entendimento que o
Odù é uma
representação gráfica traz conhecimentos importantes. O primeiro é
que o Bàbáláwo utiliza os ikins para fazer o desenho das marcas
gráficas. Odùs são
desenhados usando o processo de “sacar” ikins na mão do
Bàbáláwo. Este não é um processo numérico, não existe nenhuma
correlação entre números e Odù.
Como já vimos, Odù
são representados exclusivamente por marcas gráficas. Um Odù
somente é representado por uma marca gráfica composta por uma
figura com 2 colunas de traços, jamais por um número.
Em Ifá, o culto de
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà), que trabalha com Odù,
o Bàbáláwo tem 2 instrumentos para poder determinar um Odù,
os ikins, o principal e o opele (ọ̀pẹ̀lẹ̀) o secundário. Com o
uso de Ikin, determina-se o odu fazendo uma manipulação para cada
traço do Odù. O
Bàbáláwo coloca os ikins na mão esquerda e com a direita ele
procura pegar todos os ikins que estão nessa mão, isso se chama
“sacar”. Se sobrar 1 ikin na mão esquerda o Bàbáláwo vai
desenhar 2 traços, se sobrar 2 ikins ele vai desenhar 1 traço. Vai
repetir esse processo de sacar ikins 8 vezes para poder desenhar 8
traços em 2 colunas de 4 traços.
Assim essas 8
manipulações determinam um Odù.
É um processo lento que é acelerado com a prática do Bàbáláwo
em executá-lo, mas, tenham a atenção de que cada vez que o
Bàbáláwo saca os ikins ele tem a apenas a capacidade de determinar
se é 1 traço ou 2 traços que serão desenhados. Não existe nenhum
processo aritmético envolvido, ikins não são contados ou somados,
eles, apenas determinam se será desenhado 1 ou 2 traços.
O segundo instrumento
é o opele (ọ̀pẹ̀lẹ̀). A cada caída do opele (ọ̀pẹ̀lẹ̀),
em função do lado que caem as sementes definirmos se é uma
configuração de 1 ou 2 traços. Ou seja, 8 semente determinam um
Odù, dependendo do
lado que caem, em um processo bem rápido quando comparado ao
processo de sacar ikins.
Mas é só isto. Não
existe outra forma em Ifá de se determinar um Odù
que não sejam essas 2 maneiras e, nenhuma delas, usa qualquer número
ou aritmética. O mais próximo que Ifá se aproxima de matemática é
porque existe uma hierarquia entre os Odù
e, sinceramente, eu não consigo considerar isso matemática.
Assim, repassando, Os
Yorùbá não tinham algarismos arábicos, os números eram como com
os dos Hebreus, eram palavras, substantivos. Eles não faziam
aritmética e Ifá desde o seu início até hoje não usa número
para nada.
Usando os seus ikins
ou o seu Ópélé (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) o Bàbáláwo determinará o Odù
que Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) envia como resposta a consulta feita
em nome do consulente. Conhecendo o Odù
que foi enviado por Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) o Bàbáláwo irá
saber qual a mensagem que Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) envia ao
consulente. Na verdade Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) envia a solução
e o Bàbáláwo determina o problema em função da solução dada, é
um processo invertido.
Esse é o primeiro
significado que temos que entender sobre Odù.
Ele é o alfabeto com o qual Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) se comunica
com o Bàbáláwo. A única forma do Bàbáláwo entender as
mensagens de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) é entendendo o significado
dos Odù.
As mensagens dos Odù
Entender esse
alfabeto não é uma missão simples, pelo contrário é bem
complicada. As marcas gráficas dos Odù,
suas assinaturas, representam um símbolo. A este símbolo estão
associadas histórias na forma de versos que formam a famosa, mas
pouco conhecida literatura de Ifá, poemas de Ifá, que eram
transmitidos oralmente.
Dessa forma um Odù
não está associado a um significado imediato e direto, um Odù
esta associado a um conjunto de histórias que tem que ser conhecidos
e interpretados para que o Bàbáláwo entenda a mensagem de Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà) à consulta da pessoa.
Odù,
também, é o nome dado pelo Yorùbá aos poemas de Ifá, ou corpo
literário de Ifá. Esse é o segundo significado de Odù.
Isso é assim porque os poemas de Ifá estão associados a cada um
dos 256 Odù, são
vários poemas para cada Odù.
Cada um dos 256 Odù
podem ter, dizem, até 16 conjuntos de versos. No mundo real essa
quantidade é variável, porque não se possui todos os versos e
muito menos os versos são os mesmos sempre.
Cada escola de Ifá
pode ter variações no seu conjunto de versos, a maior parte são
comuns, algumas fontes podem ter versões maiores ou menores da mesma
história e existirão algumas variações no conjunto.
Considera-se que
mesmo em uma mesma escola, em cada Odù,
existe um início que é padrão. O desenrolar da história pode
variar de acordo com o Bàbáláwo, não existe a obrigatoriedade de
ser exatamente igual e isso faz com que esse conjunto literário
tenha variações.
A natureza da linguá
Yorùbá e a estrutura dos versos dos Odù
tornou o seu estudo um aspecto bastante conhecido por sua
dificuldade. A língua Yorùbá não é fácil. O povo é por demais
simples para construir uma língua bem estruturada e assim existe uma
grande complexidade devido a forma como ela é implementada e
regionalizada.
Hoje já encontramos
os versos de Odù
escritos em muitas versões. Esse conjunto de versos que representa a
sabedoria da religião, não é completo para os próprios Yorùbá,
muita coisa se perdeu em função das guerras e do processo de
cristianização e Islamização que avassalaram com a cultura
religiosa original.
O Ifá cubano usa uma
forma alternativa de expressar o corpo literário Yorùbá, que são
os Pataki. Os Pataki são histórias que tem a mesma função
do corpo literário original de Ifá. Contudo enquanto que o corpo de
Ifá são versos elegantes, com “brincadeiras” com o uso de
palavras com pronúncias similares e além disso tem uma estrutura
formal de poemas, conforme documentada por Abimbola, os pataki são
apenas histórias feias, são muito malfeitas e representam uma
literatura de baixa qualidade.
Diferente de Ifá
onde os Orixás raramente aparecem em um verso, nos Pataki os
personagens são sempre os Orixás. Eles são colocados em situações
horríveis e tomando atitudes feias, etc.. Tem muita história que é
incompreensível. Não admira os cubanos não usarem essas histórias
nas consultas, os cubanos majoritariamente fazem uso de uma
pré-interpretação dos seus pataki e não é comum usarem o
processo de contar histórias.
Mas, seguindo o tema,
lembramos que toda a comunicação entre Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà)
e nós e feita através dos Bàbáláwo usando Odù.
Odù é a única
forma de comunicação entre Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) a divindade
que conhece o nosso destino e nós, mas, essa não é uma comunicação
direta. Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) não incorpora em uma Babaláwo e
fala o que queremos saber. Como explicado ele responde com o envio de
um Odù que é
materializado no nosso mundo, o Aiye, através dos instrumentos do
Bàbáláwo, os ikin e o Opélé (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) que desenham as
marcas gráficas que o representam.
A mensagem de
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) e o problema do consulente estará
contido nas histórias que compões os versos do Odù
que saiu. É através da interpretação dessas histórias, que podem
estar na forma de mitos ou de poemas, é que vem o significado de um
Odù para aquela
pessoa.
O entendimento da
mensagem será um processo interativo entre o Babaláwo e o
consulente. O Babaláwo deve recitar os versos que sabe e o
consulente deverá escolher a história ou histórias que entenda que
dizem respeito ao seu problema. O próprio consulente deverá
interpretar o significado da história e o Bàbáláwo usar essa
interpretação para entender o problema e interagir com o
consulente.
Esse é o processo.
Não existe consulta a Ifá sem histórias e sem interpretação.
Complementarmente a
isso o Babaláwo pode conhecer outros significados desse Odù,
situações que ele representa e isso auxilia a própria interação
com o consulente. Mas uma consulta não pode se resumir a isso.
Mesmo em Ifá existem
Bàbáláwos mal formados e preguiçosos que resumem uma consulta
falando apenas os significados associados a um Odù.
Eles não se dão o trabalho de contar as histórias e interagir
através delas com o consulente. Essas pessoas não representam a
religião. São aproveitadores infiltrados.
É importante
mencionar que os versos de Ifá, em geral, representam a ética
religiosa e o conhecimento da religião. Se existe uma escritura
sagrada na religião Yorùbá esta são os versos de Odù.
Dessa maneira, uma consulta através de Ifá, sempre traz a ética e
a visão da religião Yorùbá para o assunto. Mesmo o consulente
sendo uma pessoa que não faz parte da religião ele terá como
resposta uma visão religiosa de sua situação, ou seja, uma
interpretação religiosa.
Não poderia deixar
de ser desta forma descrita, um oráculo associado a uma religião
tem que necessariamente trazer as mensagens da religião a que está
associado. Este aspecto se torna inexorável quando a gente lembra ou
informa que o conhecimento da religião esta contido nos versos ou
nas histórias dos Odù.
Assim, apesar de muitos quererem dar uma visão mundana ou comum a
Ifá, como se fosse um instrumento de videntes, este nunca o será.
Ifá é e sempre será um Oraculo com o qual falamos com Deus.
Odù a energia divina
Mas Odù
não são somente marcas ou histórias, não é somente o alfabeto
com o qual Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) se comunica com o Bàbáláwo.
Ser o alfabeto é, como eu disse, o primeiro significado que temos
que entender.
O principal e mais
importante significado de Odù
é ele ser a energia divina que vem de Olódùmarè através de
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) para nós, em resposta à consulta ao
oráculo de Ifá.
Isso é o mais
importante e é o terceiro significado de Odù.
Assim, além de ser
um símbolo gráfico, além de conter através de suas histórias
significados e orientações para nossa vida, um Odù
também é a resposta à nossa aflição. Essa energia primária, o
axé (aṣẹ́), vem através do oráculo e será utilizada pelo
Bàbáláwo, através dos Orixá (Òrìṣà), para nos ajudar.
A ideia de ligar um
poder ou uma energia (axé (aṣẹ́)) a uma representação gráfica
que o invoca, junto com rezas, sempre foi completamente presente no
misticismo judaico, cristão, na magia cabalística e na alquimia.
Centenas de livros são escritos até hoje sobre isso. Infelizmente a
cultura ocidental há muito abandonou esses conceitos e práticas
místicas pela lógica de descartes, mas, esses elementos, sempre
foram muito explorados pela humanidade e por séculos representaram o
topo do conhecimento supernatural e religioso.
O Odù
nos remete a mesma ideia conceitual. A religião Yorùbá, africana,
tem os mesmos aspectos eruditos que são encontrados na antiga
religião mística ocidental e que foram estupendamente bem descritos
em obras a partir da idade média. Odù
e axé (aṣẹ́) são equivalentes aos conceitos de selos e
quintessência, a força das palavras, nas rezas Yorùbá, têm o
mesmo valor e o princípio da alquimia e os ebós e oferendas são
equivalentes aos grimórios e receitas.
Os Babaláwo são
muito cuidadosos em não riscar um Odù
e muito menos falar o seu nome sem necessidade. Eles consideram que
ao fazer uma dessas 2 coisas invocarão aquele Odù
e não se invoca essa energia sem que ela seja a indicada ou
necessária para a situação.
Uma discussão
teológica interessante é se um Odù
só tem significado através de uma consulta do oráculo ou pode ser
livremente invocado. Como já expliquei, o processo de receber um Odù
vêm em resposta ao consulente durante uma consulta. Junta-se o
consulente, o problema, o intermediário e o divino, essa combinação
é a que justifica um Odù.
Isso poderia colocar
em questão se existe sentido ou efeito do Bàbáláwo riscar um Odù
sem ser através de uma consulta, ou seja, sem que exista o
requerente (consulente) e o problema. Fazer a invocação direta de
um Odù, se configura
em um processo similar ao do ocultismo que invoca a energia divina
pelo ato de riscar os signos e de rezar, junto com mais alguns outros
elementos. Um selo ou talismã jamais eram usados sem objetivo.
A Umbanda aqui no
Brasil tem um elemento similar que são os pontos riscados. Como os
selos eles trazem para o ambiente uma determinada energia e existem
pontos de trabalho para diversas situações.
Eu tenho dúvida
sobre o tema, não sei se a eficácia é a mesma, não me parece, Odù
só tem sentido se existe o contexto.
As palavras têm
magia, assim entendem os Yorùbá e dessa forma, para evitar o uso
dos nomes, os Yorùbá criam apelidos para os Odù.
Assim, eles se referenciam a um Odù
sem que citar o seu nome, pelo mesmo motivo anterior, falar o nome de
algo, o invoca.
Dessa forma, como
expliquei, os Odù
são como mandalas transcendentais. Em termos metafísicos, Odù
são os símbolos sagrados que contêm o axé (aṣẹ́) (àṣẹ -
força vital) de tudo na existência. Eles são, em sua representação
gráfica, mapas que traduzem o movimento dinâmico de energia e se
identificam com as forças primárias do mundo.
Se o Odù
contêm o axé (aṣẹ́) ele então vem de Olódùmarè porque axé
(aṣẹ́) é uma exclusividade de Olódùmarè.
Ao se sentar em
oráculo e consultar Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) se recebe um Odù
e a influência na nossa vida já é imediata. Este é o motivo que
os Babaláwo dizem para se ter muito cuidado ao se lidar com Odù.
Não se deve invocar essa energia sem saber como manipulá-la, não
se deve grafá-la sem o devido conhecimento, não se deve cantá-la
sem saber o que se faz depois.
Para isso a pessoa
que trabalha através de Odù
deve ter acumulado o axé (aṣẹ́) para isso. Mas, se estamos
tratando de uma mesma religião de um mesmo Olódùmarè e de um
mesmo Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà), qualquer sacerdote pode receber um
Odù porque esta é a
forma de trabalho de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà).
Odù
é ao mesmo tempo o diagnóstico para os problemas que temos e a
resposta para corrigi-los. A consulta a Ifá materializa, nas marcas
gráficas e, através do Babaláwo, o mensageiro de Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà), a chave para movimentar a energia do mundo, o Odù.
Alguns, que no
Candomblé não entendem o que é Odù,
associam o Odù a
causa dos seus problemas. Eles dizem que o Odù
tal é terrível ou dizem os problemas que o Odù
tal traz para sua vida. Isso é bobagem, é conversa de quem não
sabe o que é Odù e
que quer manipular o consulente para obter dinheiro.
Odù
é a solução dos seus problemas, os problemas, você já os têm
quando procura o oráculo, o oráculo não traz problemas, traz,
apenas soluções. O Bàbáláwo não saca o Odù
que o esta atormentando, ele saca um Odù
quem vem em resposta a sua situação.
Quem nos atormentam
na vida são os ajogun, ajés, pessoas, espíritos perdidos e nós
mesmos. Odù é
divino e o que é divino sempre é bom.
Um Odù
é o espelho que reflete a sua situação de desequilíbrio de axé
(aṣẹ́). O Odù
será de fato o remédio para a situação, ou seja, ele não é um
símbolo que somente traduz uma situação, ele é também a energia
que se manifestará na vida da pessoa equilibrando axé (aṣẹ́)
para que a pessoa possa corrigir os seus problemas. Dessa maneira o
reflexo ou tradução do mal é o que também vai curá-lo.
Considerar que Odù
seja o mal que o aflige é uma mostra da ignorância da pessoa que
você consulta. O que vem de Olódùmarè jamais será o mal. Odù
é axé (aṣẹ́) e por esta razão vem de Olódùmarè. No dia a
dia, quando você vai em um médico para uma consulta ele receita um
remédio para sua situação. O remédio resolve o seu mal e ao mesmo
tempo indica o problema que você tem. Se você procura o
farmacêutico com uma receita de remédios ele poderá dizer o que
você tem através dos remédios que você tem na receita, isso é
muito simples de entender.
Odù
é como uma cabaça de energia cósmica que é enviada por Olódùmarè
e que será transformada através dos orixá (òrìṣà) no
axé (aṣẹ́) que vai mudar nossa vida ou que vai repor o que
perdemos. É através do Odù
que os orixá (òrìṣà) e nossa ancestralidade, falam e se
expressam. Ele é a linguagem e o poder original que o mundo
espiritual se manifesta sobre nós e que vem em resposta a nossas
questões de vida.
Um Odù
é a resposta de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) a sua situação,
Dependendo do seu objetivo de vida e com a ajuda dos orixá (òrìṣà)
o Odù vai
socorrê-lo. Essa energia primária vai ser manipulada pelo Babaláwo
através dos ebó (ẹbọ) de Ifá (que são diferentes dos de
candomblé) e, através do orixá (òrìṣà) que responderão
naquele momento em seu auxílio, irão te ajudar.
O efeito de um Odù
se manifesta através de um tripé. Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) envia
o Odù que será
realizado através do Bàbáláwo e de Orixá (Òrìṣà) que o
socorre no àiyé. Claro que isso as vezes têm variações, mas,
isso é irrelevante para o entendimento do que Odù.
O Ebó
(Ẹbọ), a manipulação, não é o objetivo de Ifá, aliás
não pode ser. A maior transformação não está em fazer Ebó
(Ẹbọ) e sim no seu entendimento do que está errado na sua
vida, do que está errado no que faz, como se comporta, nos seus
planos. Sem isso essa coisa de Ori fica sendo apenas uma baboseira.
Não adianta ficar falando em destino aqui e ali, Ori para isso ou
aquilo se seu foco é apenas fazer Ebó (Ẹbọ).
Posso dizer que a
maior parte das pessoas quer apenas os Ebó (Ẹbọ)
mesmo. Todo mundo quer algo que resolva o problema para ela, ninguém
quer ter muito trabalho para consertar sua vida tentando entender
mensagens mais profundas.
Dessa maneira, muito
mais do que ebó (ẹbọ) você tem que entender o que o Odù
diz o que está errado em sua vida. Por isso que existem histórias,
mitos e versos (ésé) para mostrar isso. O Babaláwo acima de tudo
tem que trabalhar esse aspecto em você, fazer você entender o que
está acontecendo e a origem dos problemas para que você mesmo se
ajude. Nem tudo em Ifá é ebó (ẹbọ), a palavra é uma das
coisas mais importantes na religião Yorùbá e o Babaláwo é a
pessoa que traz para o consulente a sabedoria de Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà).
Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà) vai dizer ao Bàbáláwo o que o consulente precisa
saber para reavaliar a vida dele, sobre o que tem que refletir, que
mudanças tem que fazer, que comportamentos deve rever. O Bàbáláwo,
mais do que um receitador de Ebó (Ẹbọ)
tem que ser uma pessoa que explore esses aspectos que a mensagem do
Odù traz. Ele tem
que ter a capacidade de junto com a pessoa analisar sua vida a
ajudá-la a compreender o que é bom e o que é ruim.
Para isso o Bàbáláwo
tem que ter como referência um código do que seja bom
comportamento, do que sejam atitudes corretas e do que seja um bom
viver. É nesse ponto que o Bàbáláwo tem que compreender os
valores e ética que estão contidos na religião que ele faz parte,
na religião Yorùbá. É a religião que dá ao Bàbáláwo o
embasamento do que falar ao consulente e como orientá-lo. Se um
Bàbáláwo for uma pessoa nova, sem experiência, sem conhecimento e
sem ética e caráter ele nada terá para orientar ao consulente.
Igualmente não
adianta um Bàbáláwo que fique dando a sua opinião sobre os
assuntos para o consulente. Cabe ao Bàbáláwo transmitir a mensagem
que esta expressa nos versos de cada Odù.
Neste blog existe um
texto bem-feito explicando o que é um Ebó
(Ẹbọ) e como ele atua e funciona, recomendo que
seja lido para que fique claro o que é um Ebó
(Ẹbọ), qual o seu princípio e como funciona nas pessoas.
Ebó não é a
solução de tudo, ele é de fato um socorro, um paliativo. A solução
de tudo vai depender de ações suas no sentido de corrigir
comportamentos, forma de vida, decisões que você tomou, pessoas que
você afetou, lugares onde você vai, pessoas que você convive,
etc... É claro que energias negativas que estão com você como
obsessores, feitiços, pragas, mau-olhado, etc. vão ser
neutralizados, mas você deve ficar longe da fonte disso senão vai
ser uma coisa interminável.
Assim, essa
negatividade ou positividade, não ficam flutuando por ai e te pegam
por acaso, não é uma gripe. Esta é uma questão que as pessoas
perguntam sempre, como aquele Odù
pegou elas, ou quem andou aquele Odù
para elas. Não é assim.
Os seus atos e
omissões, suas ações e forma de viver vão te trazer ou te levar a
diversas situações. Estas situações que você ou a vida criaram
para você é o que te traz os problemas e negatividades. O principal
problema que uma consulta de Ifá revela a uma pessoa é o que na
vida desta pessoa a afeta forma positiva ou negativa. Que caminhos,
opções, atitudes, reações, caráter, ética e por vezes herança
afeta a vida dela.
Esses são os
elementos que Ifá, através de Odù
e de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) pode trazer as pessoas que o
consultam e que permitem a essa pessoa atuar de forma mais profunda e
definitiva na vida delas.
Ifá não se resume a
listar ebós, assim como os problemas que você tem na vida não se
resumem aos efeitos e sintomas.
Esta profundidade de
diagnóstico é a grande diferença que o oráculo de Ifá tem em
relação ao Jogo de Búzios. Ambos falam a verdade, ambos corrigem
os problemas do consulente através dos Ebó
(Ẹbọ), mas, somente Ifá consegue explorar em profundidade
a vida e os problemas das pessoas para que elas mesmas possam mudar
sua vida através da compreensão das mensagens que Órunmilá
(Ọ̀rúnmìlà) e seu Orí enviam para ela. Isso será explicado
teologicamente mais adiante.
No Candomblé a
consulta de búzios com Odù
se resume a um conjunto muito pobre de interpretações
pré-formatadas. As pessoas que dizem jogar por Odù
se limitam a saber meia dúzia de significados associados a cada Odù,
significados que em grande parte das vezes se repetem entre Odùs,
transformando um processo rico e interativo em uma coisa pobre, que
de nenhuma forma guarda qualquer paralelo com Ifá.
O jogo de búzios por
si, sem Odù, é uma
ferramenta muito rica, com uma miríade de informações e
orientações para as pessoas. Consultar Ifá através de búzios,
onde o olhador identidica a situação das pessoas através de
caídas, configurações, posições e Orixás (Òrìṣà), não tem
nada a ver com essa fórmula pobre que é adotada por pessoas que não
sabem o que é Ifá e não tem a menor ideia do que é Odù.
Mas isso não ocorre
apenas no Candomblé. Em Ifá mesmo existem Bàbáláwos mal formados
e preguiçosos que resumem uma consulta a falar os significados
associados a um Odù.
Eles não se dão o trabalho de contar as histórias e interagir
através delas com o consulente.
Eu vejo informações
de crianças sendo iniciadas em Ifá, vejo informações de garotos
sendo iniciados e alguns em tenra idade sendo Bàbáláwo. Vejo gente
que teve apenas uma vida laica se interessar e se iniciar em Ifá sem
nunca ter aprendido nada antes. Qual a utilidade disso? Nenhuma.
É importante
mencionar que os versos de Ifá, em geral, representam a ética
religiosa e o conhecimento da religião. Se existe uma escritura
sagrada na religião Yorùbá esta são os versos de Odù.
Dessa maneira, uma
consulta através de Ifá, sempre traz a ética e a visão da
religião Yorùbá para o assunto. Mesmo o consulente sendo uma
pessoa que não faz parte da religião ele terá como resposta uma
visão religiosa de sua situação.
Isso não poderia
deixar de ser assim, um oráculo associado a uma religião tem que
necessariamente trazer as mensagens da religião a que ele está
associado. Este aspecto se torna inexorável quando a gente lembra ou
informa que o conhecimento da religião esta contido nos versos ou
nas histórias dos Odù.
Assim apesar de
muitos quererem dar uma visão mundana ou comum a Ifá, como se fosse
um instrumento de videntes, este nunca o será. Ifá é e sempre será
um Oraculo com o qual falamos com Deus.
Vou reforçar isso
aqui, existe um monte de gente que quer transmitir que Ifá não é
religião que é uma coisa genérica. Não é verdade, Ifá é um
culto religioso, faz parte de uma religião, Ifá é religião.
Não existe nenhuma relação entre Odù e números.
Isso é uma invenção
do sincretismo.
Como extensivamente
vimos, Odù são
representados exclusivamente por marcas gráficas. Um Odù
somente é representado por uma marca gráfica e jamais por um
número.
O relacionamento de
Odù com números não
tem nenhum fundamento. Isso é outra bobagem do Candomblé e de
outras tradições que usam o jogo de búzios. Trata-se apenas de um
fruto de sincretismo com a cultura árabe que foi exportada para a
Europa, provavelmente. É um vínculo entre numerologia e Ifá e não
existe motivo ou fundamento para isso.
A associação de Odù
com números ocorre somente no uso dos búzios, porque, por uma
característica da ferramenta, os búzios, é feita uma associação
de quantidade de búzios abertos com Odù.
Mas isso é uma particularidade do uso dos búzios. Em Ifá, com seus
instrumentos oficiais, opele (ọ̀pẹ̀lẹ̀) e os ikins, não
existe como fazer essa associação entre números e Odù,
os instrumentos normais de um Bàbáláwo são instrumentos gráficos.
Além do mais, a
aritmética não existia nas terras Yorùbá. Eles não faziam
contas, isso era coisa de árabes. Os Yorùbá não tinham nem língua
escrita muito menos aritmética. Os números eram palavras
substantivas. Em um ambiente como esse como poderia existir um
processo de cálculo para apurar Odù
como se faz largamente no Candomblé?
No Candomblé a
relação de Odù e
número é recente. Ou alguém imagina há 50 anos alguém de
Candomblé, fazendo continha e cruzinha para determinar Odù?
Em Ifá, o culto de
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà), que trabalha com Odù,
tem 2 instrumentos para poder determinar um Odù.
Os ikins, o principal, determina-se o odu fazendo uma manipulação
para cada traço do Odù.
Assim 8 manipulações determinam um Odù.
Um processo bem lento mas que tem apenas a capacidade de determinar
se é 1 traço ou 1 traços que serão desenhados.
O segundo instrumento
é o opele (ọ̀pẹ̀lẹ̀). A cada caída do opele
(ọ̀pẹ̀lẹ̀), em função do lado que caem as sementes
definirmos se é 1 ou 2 traços. Ou seja, 8 semente determinam um
Odù, dependendo do
lado que caem, em um processo bem rápido.
Mas é só isto. Não
existe outra forma em Ifá de se determinar um Odù
e nenhuma delas usa qualquer número. O mais próximo que Ifá se
aproxima de matemática é porque existe uma hierarquia e
sinceramente eu não consigo considerar isso matemática.
Assim, repassando, Os
Yorùbá não tinham algarismos arábicos como números, os números
eram como com os Hebreu, eram palavras, substantivos. Eles não
faziam aritmética e Ifá desde o seu início até hoje não usa
número para nada.
Mas, de tudo isso, o
mais estranho, é o conhecido processo de determinar odu de
nascimento através da data de nascimento, fazendo uma cruz e
estabelecendo Odù de
cabeça, pé, lado direito e esquerdo, isso é uma bobagem. Isso não
existe em Ifá. Não existe Odù
determinado por soma de números ou mesmo considerar que um Odù
determinado dessa forma seja um Odù
de nascimento.
Como o Odù influencia a nossa vida?
Para avançarmos
nesse entendimento temos que entender algumas teses teológicas
associadas à religião Yorùbá e sem essas teses fica impossível
entender bem o oráculo e Ifá.
A primeira
figura teológica é a que, antes de nascermos, nós nos
colocarmos diante de Olódùmarè, deus, para escolhermos nosso
destino, ou melhor, o nosso objetivo de vida, sendo que, normalmente,
seremos atendidos por ele e, além disso, receberemos dele, deus,
outros objetivos. Esse processo ocorre em uma relação privada entre
nós e deus, Olódùmarè, tendo apenas Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà)
como testemunha e Elenini, o ajogun do infortúnio, que fica às
portas de Olódùmarè ouvindo o que falamos.
Lembro a todos que a
religião Yorùbá é encarnacionista, ela acredita que nascemos mais
de uma vez e vivemos várias vidas, contudo a filosofia disso nada
tem de relação com a filosofia de Karma pregada pelos Kardecistas,
nós renascemos porque amamos viver entre nossos familiares, a vida é
uma aventura, vivemos para sermos felizes.
A segunda tese
teológica é o processo de escolhermos nós mesmos, ainda no
Órun (ọ̀run), o mundo espiritual, o nosso Ori na casa de Ajala,
uma divindade, e essa escolha depender não apenas da sorte mas sim
do cuidado dos nossos ancestrais conosco antes de renascermos e
também de nossas próprias opções pessoais no mundo espiritual.
O conceito de Orí é
bem amplo e complexo e não vou abordar aqui em detalhes, esse texto,
que já é longo, ficaria enorme, dessa forma, o entendimento mais
simples é que Orí é algo que trazemos do Órun (ọ̀run), o mundo
espiritual, quando nascemos para essa vida. Ele contêm muito de
nossa essência e energia para viver, axé (aṣẹ́) e contêm a
anergia que necessitamos para poder realizar os nossos objetivos.
Não gosto de comparações teológicas mas não dá para,
eventualmente, deixar de fazê-las, o conceito teológico de Orí é
muito próximo do conceito induísta de Dharma e Karma.
Orí está associado
ao nosso objetivo de vida, o nosso futuro e também ao nosso passado,
quem fomos e que linhagem familiar representamos. Objetivamente ele
representa apenas a nossa capacidade de ser prospero na nossa vida
através da realização dos nossos objetivos, o Orí torna a nossa
missão mais fácil desde que o que fazemos aqui esteja realmente
alinhado com o que planejamos fazer.
A terceira figura
teológica, é o elemento que complementa o Orì em nossa vida,
em termos de importância, em nossa existência é o Orixá (Òrìṣà).
Em relação ao orixá
(Òrìṣà) existem algumas visões sobre como se define que
orixá (Òrìṣà) você terá na sua vida. Eu acredito que
seja um ponto não discordante o conceito de que o orixá (Òrìṣà)
faz parte do nosso Ori e temos apenas um Orixá (Òrìṣà).
Quando nascemos temos
em nosso Orí os componentes que já expliquei e o nosso Orixá
(Òrìṣà) também. Esse conceito do Orixá (Òrìṣà)
pertencendo ao Orí, sendo parte dele, é explicado por Monique
Augras no livro O Duplo e a Metamorfose. Nunca podemos esquecer que,
quando nos aprofundarmos na religião Yorùbá nos depararmos com
conceitos bastante complexos e profundos, mas, esta é uma religião
de um povo simples e fazendeiro, assim, muitos elementos originais de
explicação são bastante simples, com ideias bastante fáceis de
entender.
Esse é o caso do
Orixá (Òrìṣà) fazendo parte do Orí, o entendimento diz que no
nosso Orí trazemos “elementos” do Orixá (Òrìṣà) que
estamos ligados. São estes elementos que nos ligam a ele.
O Orixá (Òrìṣà)
deve ser entendido como um guardião de nossa vida, um suporte que
temos para poder executar o nosso destino, aquele que escolhemos ter
no àiyé e que pedimos para Olódùmarè antes de nascermos.
Pessoas inteligentes
vão entender através dessa explicação que não faz o menor
sentido associar Orixás (Òrìṣà) a energias da natureza, isso é
uma bobagem que eu já expliquei. Orixá (Òrìṣà) está associado
às pessoas, isto está muito bem definido nos versos do Odù
Oxéotuwa, que tem uma longa e boa tradução no livro de Juana
Elbein, Os Nago e a Morte.
Esse Blog tem um bom
texto sobre a natureza dos Orixás (Òrìṣà).
Essa coisa de que a
data de nascimento, tipo o dia da semana definir o nosso orixá
(òrìṣà), é uma bobagem, apesar de isso ser muito
conhecido, assim como, nós possuirmos um pai e uma mãe orixá
(Òrìṣà) ser outra bobagem. Esses 2 conceitos são enganos
que são repetidos por muitas pessoas e tradições religiosas e
muita gente os tem como verdade. Atenção, não são verdades.
Minha opinião é que
podemos orbitar entre 2 visões. A primeira é que o orixá (Òrìṣà)
nos seria designado em função do objetivo que escolhemos para nossa
vida e que Olódùmarè aceitou. O orixá (Òrìṣà) é
assim um elemento facilitador na nossa vida e as características do
orixá (Òrìṣà) virão a nos ajudar em nosso objetivo.
Outra visão é o
orixá (Òrìṣà) ser um reflexo de ancestralidade, ser uma
herança hereditária. Assim se somos filhos de um Orí de um orixá
(òrìṣà) com um Orí de outro orixá (Òrìṣà)
nossos filhos seriam também ligados a um ou outro orixá (òrìṣà).
Essa cadeia de vínculo poderia se estender um pouco mais distante na
ancestralidade mas o orixá (Òrìṣà) dos descendentes
seriam o reflexo dos seus predecessores. Como uma herança genética.
Esta visão não cria uma repetição contínua do mesmo orixá
(Òrìṣà), pelo contrário em função da sua
ancestralidade pode haver uma variação significativa nos orixá
(Òrìṣà) de cada novo Orí.
Eu não tenho ainda
uma opinião mais firme sobre isso, acho a segunda bem adequada pelo
aspecto de poder preservar a característica de o orixá (Òrìṣà)
ser um facilitador na nossa vida mas também reforçar a família e a
linhagem familiar, mas, a realidade deve ser um misto das duas.
Entendam que nenhuma dessas visões implica nenhum problema ou
atrapalha qualquer coisa na nossa vida, são apenas filigranas
teológicas.
A relevância da
nossa ligação de nascença com um Orixá (Òrìṣà) é bem
relativa. É importante sabermos que temos esse guardião próximo.
Outro guardião é o Orixá (Òrìṣà) da família, o que é
preponderante na casa. Mas, quando precisamos de ajuda qualquer
Orixá (Òrìṣà) poderá responder ao nosso apelo. Podemos sempre
a recorrer a qualquer orixá (òrìṣà) independente de qual
seja o nosso orixá (òrìṣà) original.
Junto com essa visão
de Orixá (Òrìṣà) de cada pessoa, existe uma sobreposição de
divindades. Temos uma outra divindade pessoal, isso mesmo, mais
importante na nossa vida que o próprio Orixá (Òrìṣà) que
também leva o nome de Orí. Sim, reconheço que isso é bem confuso,
o mesmo nome para um outro conceito que se adiciona a uma mesma
função já desempenhada por outra divindade, é isso mesmo. Eu
tenho que dizer a vocês que isso ocorre muito na religião Yorùbá.
Um mesmo nome é usado para coisas distintas ou complementares,
conceitos se sobrepõe e complementam e isso torna tudo quanto é
explicação bastante complexa.
Pior um pouco, as
pessoas se perdem no entendimento e nas explicações que devem dar,
creio que se percam no próprio entendimento. As coisas não são
difíceis, apenas se tornam difíceis pela simplicidade de algumas
coisas. Uma dessas coisas é entender o Orí.
Vejam, como eu já
disse, Orí representa as energias que trazemos do Órun (ọ̀run)
para a nossa vida do àiyé, contém também nossa ligação com o
nosso Orixá (Òrìṣà). Esses são os aspectos bem pessoais e
individuais do Orí e que estão ligados a nós indivíduos. Mas,
além disso, Orí também é o nome que se dá a uma divindade
pessoal que fica no Órun (ọ̀run) e que cuida de nossa vida. Isso é
a mesma ideia do anjo da guarda. Todos temos um anjo da guarda
pessoal, além do nosso Orixá (Òrìṣà), que cuida de nós, essa
divindade também ganha o nome genérico de Orí.
Enquanto que um
muitas pessoas estão ligadas a um Orixá (Òrìṣà), somente nós
estamos ligados ao nosso Orí, relação unívoca.
A divindade ORÍ, é
a mais importante para o indivíduo, pela teologia, ela está antes
de qualquer orixá (òrìṣà) inclusive o nosso próprio,
aquele que faz parte do nosso Orí, porque a divindade Orí é
individual.
Para maior confusão
ela é citada como sendo nosso duplo, nossa imagem no Órun (ọ̀run),
assim, sob essa visão ele seria o reflexo de nós mesmos no Órun
(ọ̀run). Realmente um pouco complicado isso tudo. O que é
importante é separarmos o que é confusão teológica do que é
claro ou fácil de entender.
Dessa forma, para nos
ajudar a viver e realizar os nossos objetivos, temos o Orí
instrumento, a cabaça de energias, o Orí divindade pessoal e o
nosso Orixá (Òrìṣà), além de todos os outros Orixá (Òrìṣà)
que podem fazer parte de nossa vida.
Observe, que um monte
de coisas nos ajudam em nossa vida, eu não poderia deixar inclusive
de citar que sob o ponto de vista da Umbanda, que nada tem a ver com
o Candomblé, temos ainda guias, espíritos, que não são Orixá
(Òrìṣà), e que nos acompanham e também nos ajudam a termos
sucesso e superarmos as dificuldades.
Isso, aos olhos dos
leigos, deve parecer um ambiente muito complexo, sem dúvida.
Considerando que estamos no Brasil e que essas religiões convivem no
mesmo espaço e ambas lidam com o sobrenatural, ou melhor, com a
existência de um mundo espiritual paralelo ao nosso mundo real, é
bastante fácil e natural as pessoas acharem que elas são as mesmas
coisas.
Mas não são.
São visões
distintas da espiritualidade. Porém são complementares, a Umbanda
lida com um sobrenatural que não é explicado ou codificado no
Candomblé, dessa maneira, elas tem existência pacífica e
complementar, podendo conviver com facilidade.
O supernatural é
bastante complexo. Se divide em aspectos religiosamente divinos,
espíritos de origens diversas, uma hierarquia de energia bastante
abrangente e uma miríade de manifestações negativas. Nem sempre
existe uma distinção do que seja para o bem ou para o mal.
Ao longo da
existência da humanidade e considerando ainda a geografia do mundo,
temos ou tivemos várias religiões e cultos que o interpretam e o
exploram. Alguns desses cultos ao redor do mundo e ao longo da
história parecem lidar com a mesma coisa, outros não, ou seja, o
supernatural não é visto igual por todos e existem
complementaridade. Considerando o nosso contexto geográfico e
histórico brasileiro, temos aqui a Umbanda e o Candomblé com
versões distintas e complementares do supernatural. Não podemos, de
forma alguma, dizer que ambos abrangem tudo o que é conhecido sobre
o supernatural.
Isso é um pouco
desconcertante, mas, deve ser entendido com naturalidade. Nós,
pessoas comuns, não estamos buscando entender o universo ou o
segredo da vida, queremos apenas viver e ser felizes.
Em função desta
complexidade, para as pessoas comuns, deve ser muito mais fácil
acreditar no que dizem algumas religiões, nas quais têm somente um
deus e ele faz tudo para todos - Uau! Essa é uma visão
simplificadora de tudo, é uma visão muito confortável.
Também acho que essa
visão simplista é bem mais fácil, contudo, ela é, apenas, irreal.
Mesmo nas religiões monoteístas, que adoram essa visão simplista,
existe uma infinidade de espíritos e fontes de energia que são
tratadas pelos sacerdotes mais especializados, isso não vem à tona
como conhecimento comum para o leigo mas correntes mais
especializadas tratam disso.
A simplificação do
supernatural é apenas uma forma de idiotizar a religião e de lidar
mais fácil com milhões de pessoas. O Islã para muitos parece ser
uma religião boa, mas é a que mais idiotiza tudo, simplifica ao
máximo. Resultado, milhares de radicais imbecilizados impondo uma
sociedade de morte, violência, opressão e segregação.
A quarta tese
teológica desta religião envolvida nesse tema, é a inclusão
do Odù nesse
processo. Quando nascemos é do entendimento teológico que recebemos
como parte da nossa cabaça de energias, nosso Orí, um Odù
de nascimento.
Este Odù
faz parte do processo de estabelecer um objetivo para a nossa vida e
irmos a Olódùmarè para formalizar isso. O resultado disso são as
coisas que serão adicionadas em nosso Orí e o Odù
é uma delas. Axé (aṣẹ́) é a energia que Olódùmarè nos da,
na verdade dá para todos os seres vivos. O axé (aṣẹ́) de vida é
genérico enquanto energia vital e específico enquanto componente de
nossa vida.
Para pode ter sucesso
em nossos objetivos nós recebemos ferramentas que nos ajudarão em
nossa vida. O Orí é a conjunção dessas ferramentas divinas, onde
está o nosso anjo guardião, o nosso Orixá (Òrìṣà) e o Odù.
O Odù
reflete o nosso desejo de vida, nossas vontades e objetivos, reflete
as coisas boas que escolhemos e as contrapartidas naturais. Não
estou dizendo que uma coisa ruim é uma contrapartida para uma coisa
boa, mas qualquer característica que tenhamos tem sempre os extremos
dela que podem se traduzir em comportamentos não desejados.
O Odù
de nascimento traria dessa maneira, para você, características
pessoais, energias e empatias que estarão alinhadas com os seus
destinos, objetivos de vida, escolhidos por você ou dados por
Olódùmarè. O Odù
de nascimento NÃO é o seu destino, ele NÃO é o seu caminho,
repito, é o axé (aṣẹ́) de Olódùmarè que você recebe e que
vai ao encontro dos seus objetivos de vida.
Conhecer o Odù
de nascimento não tem nenhuma relevância para você.
Espero que essa
afirmação tranquilize muito as pessoas que ficam psicóticas para
saber o Odù de
nascimento. A utilidade dele é unicamente para seus pais, pouco
serve para você. São eles, seus pais, que poderão fazer uso das
informações que o Bàbáláwo puder passá-los para que eles ao
longo de sua educação e crescimento possam prepará-lo para sua
vida, o ajudando a melhorar suas características e minimizar seus
defeitos.
Não tem utilidade
saber o Odù de
nascimento quando você já esta maduro, quando já fez suas escolhas
e trilhou seus caminhos.
Mas temos um
problema. Esse Odù
somente será conhecido até o oitavo dias após o nascimento em uma
cerimônia feita por um Bàbáláwo. Não adianta depois disso. Está
cheio de gente por ai determinando Odù
de nascimento usando a data de aniversário ou mesmo jogando para
saber isso.
Essas pessoas se
dividem em 2 grupos. O primeiro e maior é o das ignorantes. São
Babalorixás e Bàbáláwos. Eles não sabem de nada, não entendem
disso, não entendem a teologia da religião. O segundo são os
enganadores mesmos.
Essas quatro teses
teológicas cobrem a utilidade de Odù
na vida das pessoas ligadas a aspectos natos, que nasceram com as
pessoas. É importante separar os aspectos natos dos não natos. O
que eu descrevi tem a ver com cada pessoa individual e com a sua
existência individual.
Mas Odù
também influencia nossa vida de forma não nata e o entendimento
disso deve ser dividido em 2 partes. A primeira, vou comentar bem
rapidamente, está ligada a iniciações religiosas.
Odù como instrumento na iniciação religiosa
Se vamos nos iniciar
religiosamente nós receberemos outros Odù.
Assim na iniciação do Iyawo de Orixá (Òrìṣà), se determina
qual o Odù daquele
Iyawo. A iniciação é um novo nascimento, ganha-se um novo Odù
de nascimento. Será sempre um Odù
meji porque é assim que o culto de Orixá (Òrìṣà), o Candomblé,
o faz. Essa informação acaba sendo pouco usada na prática, mas, é
uma informação relevante e somente irá se mostrar no processo da
feitura do Iyawo.
Vou enfatizar o mesmo
conceito de Odù de
nascimento. A iniciação religiosa é um renascimento, o Odù
de iniciação é o Odù
desse novo nascimento e é quem vai trazer as informações que este
recém-nascido precisa saber. Esse novo Odù
foi um presente de Olódùmarè para a sua vida que seguirá. Em
vista dele, o seu Odù
de nascimento, se conhecido, deixa de ser relevante, passa a ter um
papel menor como fonte de informação, se não conhecido é
substituído pelo conhecimento que traz o Odù
de iniciação.
Odù
é conhecimento, autoconhecimento, não é destino, não é problema
e não é maldição.
Existem sacerdotes de
cultos de Orixá (Òrìṣà) de outras tradições religiosas que
fazem a determinação de um Odù
de iniciação através de um Bàbáláwo, que em determinado dia
durante o processo iniciático, fará a cerimônia para determinar o
Odù de iniciação
da pessoa. Algumas pessoas, tolas, comentam sobre isso como se algo
faltasse no Candomblé, que não tem isso feito pelo Bàbáláwo.
Contudo os processos iniciáticos do Candomblé e dessas outras
tradições são tão diferentes que não dá para comparar e essas
pessoas são apenas tolas e ignorantes mesmo.
No culto de Ifá,
para o Babaláwo é a mesma coisa. A pessoa terá um Odù
de iniciação quando for um Awo e um outro Odù
de iniciação (as vezes o mesmo) quando for ser iniciado para ser um
Babaláwo. Ai pode surgir a questão, mas para que tanto Odù?
A resposta é muito
simples: Estamos em todos esses casos lidando com a mesma coisa e com
a mesma finalidade. No caso do Babaláwo o Odù
é o signo divino que marcará a sua vida como awo, como sacerdote,
ressaltando as suas qualidades e defeitos, as coisas que fará melhor
e também as coisas que não deverá fazer, ou seja, as coisas que
vão trazer axé (aṣẹ́) para ele ou vão tirar axé (aṣẹ́)
dele.
A mesma coisa vale
para o culto de Orixá (Òrìṣà). O orixá (Òrìṣà) que temos
é muito importante na vida religiosa que vamos levar. O processo de
iniciação abre a nossa ligação com nosso Orixá (Òrìṣà) nato
e isso é o mais importante. O Odù
de iniciação se conhecido, traz mais informações para essa
pessoa, mas o processo iniciático do Candomblé é muito mais
complexo do que de outras tradições (cubana e nigeriana) que são
muito pobres. O iniciado obtêm de outras formas as informações que
precisa para a condução de usa vida religiosa.
Excelente esclarecimento. Gratidão!
ResponderExcluirMaravilhoso!! Simplesmente
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