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sábado, agosto 03, 2019

O que é Odù?

O que é Odù?


Primeiro, a palavra Odù não significa caminho. Pessoas que não sabem o que é Odù dizem isso, que Odù é caminho. Isso é um erro e acima disso um completa bobagem.
Odù também não é destino. Este é outro erro clássico no Candomblé e reflexo de quem não sabe o que é Odù. Destino, se existir nessa religião, é explicado por outras palavras e por outro conceito teológico, no qual o Orí esta inserido, mas, não vou abordar aqui.
Assim, pode parecer estranho, mas, para entender o que é Odù a primeira coisa que se deva fazer é esquecer tudo que se diz por ai, principalmente no Candomblé.
O Candomblé é uma tradição religiosa incrível, muito cativante e fechada e talvez por isso mesmo, por ser fechada demais, permitiu que a ignorância se alastrasse nas coisas mais simples. Definitivamente Odù não é uma coisa que faz parte do Candomblé. Faz parte da religião Yorùbá, faz parte de Ifá, mas, não do Candomblé.
Isso, contudo, não fez o Candomblé fechado à teologia que envolve Odù. Odù não é desconhecido pelo Candomblé. O que estou dizendo é que, a teologia que envolve Odù não fez parte da espinha dorsal do Candomblé. Muitos cresceram no Candomblé apenas ouvindo sobre isso vagamente sem que esse conceito fizesse alguma diferença prática em sua vida religiosa ou laica.
O Candomblé fez o Orixaísmo como a sua estrutura principal e tudo no Candomblé sempre foi baseado em Orixá. Com o passar do tempo, alguns antigos conhecimentos teológicos foram sendo resgatados e se tornaram mais comuns, entretanto o Candomblé jamais perdeu a sua característica de ser um culto de Orixá.
O significado da palavra Yorùbá “Odù” é o de uma coisa grande para conter algo dentro, como um contêiner ou uma grande cabaça. Esta palavra, Odù, como outras palavras Yorùbá (como axé (aṣẹ́), por exemplo), pode ser usada com mais de um significado na prática, mas, dizer que Odù significa caminho ou destino é total falta de conhecimento.
Odù, é a base da comunicação de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) com as pessoas. São os sacerdotes de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) que aprendem durante toda a sua vida a entender Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) através dos Odù. Dessa maneira o primeiro entendimento que se deve ter é que Odù é a linguagem que Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) fala com os seus sacerdotes.
O oráculo de Ifá mostra aos Bàbáláwo as mensagens e orientações de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) através de vários Odù e esta é a única forma como um Bàbáláwo se comunica com Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà). A primeira forma de ver Odù é esta, como a linguagem usada por Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) com SEUS sacerdotes.
Odù é como um alfabeto escrito, é representado no nosso mundo através de marcas gráficas. Essas marcas, únicas, representam um símbolo e a esse símbolo é associado a um Odù. Em religiões mais antigas, como o hermetismo e alquimia, por exemplo, nós encontramos a mesma idéia representada pelos selos, assinaturas e marcas de espíritos.
Em termos quantitativos, temos 256 Odù. Existe uma matemática muito simples nesses números. São 16 figuras diferentes, feitas com a combinação de traços duplos ou simples. Como cada Odù é formado pela combinação de 2 figuras, então teremos 16 x 16 = 256 Odù. Nessas 256 figuras diferentes existem aquelas onde o mesmo símbolo aparece repetido, são chamados dos Odù Méjì, ou duplos, chamados de símbolos principais, que são 16, ao todo.
Os Odù são chamados de méjì porque a palavra Yorùbá méjì significa (2).O numero 2 é èjì, mas em Yorùbá quando o número é colocado depois do substantivo, ou seja, quando ele é usado para contar alguma coisa adiciona-se o M na frente. Assim, èjì é o número 2 e ogbè mèjì é traduzido como 2 ogbè, ou um ogbè duplo:
Assim, temos 16 Odù Méjì e os demais 240, que são chamados de Omón Odù (Ọmọ Odù) ou Odù filho. A razão disso é porque os demais são combinações nas quais um dos 16 símbolos principais se fixa na primeira posição e se combina com os demais 15, conforme veremos nos desenhos a seguir.
Um Odù é sempre um símbolo composto de 2 desenhos, uma combinação de 2 marcas gráficas. Cada desenho de uma marca gráfica é composto de duas colunas formadas por uma combinação de traços duplos e simples, cada coluna, ou perna, tem 4 marcas, um Odù tem 2 colunas, com 8 marcas. Explicar é complicado, fica mais fácil ver.
Para não estender isso demais vamos fazer uma explicação simplificada usando somente 2 marcas básicas. Os exemplos a seguir mostram a relação de 2 marcas gráficas básicas que são usadas para compor um Odù:
A marca a seguir é a chamada Ogbè:
I
I
I
I
É uma coluna com 4 traços simples.
A marca a seguir é a chamada Oyeku (ọ̀yẹ̀kú):
I I
I I
I I
I I
É uma coluna com 4 traços duplos.
O Odù Ogbè Méjì é formado por 2 colunas do símbolo de Ogbè:
I           I
I           I
I           I
I           I
O Odù oyeku Méjì (ọ̀yẹ̀kú méjì) é formado por 2 colunas do símbolo de Oyeku (ọ̀yẹ̀kú):
I I        I I
I I        I I
I I        I I
I I        I I


Essas são as marcas originais. Um Odù é formado por um desenho com um total de 8 marcas em 2 sequências verticais ou pernas.
O exemplo a seguir mostra o Odù filho ogbe-oyeku (Ogbè-ọ̀yẹ̀kú), que é formado pela marca de ogbe mais a marca de oyekú. Os Odù sempre são pares de marcas:


                                                       Ogbé - Ọ̀yẹ̀kú
                                                            II             I
                                                            II             I
                                                            II             I 
                                                            II             I

Atenção, os signos são lidos da direita para a esquerda.
Os primeiros 16 Odù são os Odù méjì, indo de ogbè meji até orangun méjì. Depois disso é feita uma combinação entre cada Odù e os conseguintes, formando de ogbe-oyeku (ogbè-ọ̀yẹ̀kú) até ogbè-òfún e depois indo para oyeku-ogbe (ọ̀yẹ̀kú- ogbè) na mesma lógica.
Por fim existe uma hierarquia entre os Odù. Os Odù formam uma sequência dos mais antigos para os mais novos e essa ordenação é usada para tomar decisões. Um Odù mais sênior tem mais valor do que um menos sênior quando temos que escolher entre um e outro.
Atenção os Odù são igualmente importantes, não existe Odù melhor do que outro, mas, em Ifá temos que tomar decisões, fazer escolhas e assim os Odù recebem uma hierarquia para que possamos fazer escolhas através dessa hierarquia.
Não existe somente uma hierarquia. Escolas diferentes de Ifá usam hierarquias levemente diferentes. O importante que todos devem observar é que a hierarquia não é o mais importante e pode mudar. A hierarquia é um instrumento para fazer uma escolha.
O entendimento que o Odù é uma representação gráfica traz conhecimentos importantes. O primeiro é que o Bàbáláwo utiliza os ikins para fazer o desenho das marcas gráficas. Odùs são desenhados usando o processo de “sacar” ikins na mão do Bàbáláwo. Este não é um processo numérico, não existe nenhuma correlação entre números e Odù.
Como já vimos, Odù são representados exclusivamente por marcas gráficas. Um Odù somente é representado por uma marca gráfica composta por uma figura com 2 colunas de traços, jamais por um número.
Em Ifá, o culto de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà), que trabalha com Odù, o Bàbáláwo tem 2 instrumentos para poder determinar um Odù, os ikins, o principal e o opele (ọ̀pẹ̀lẹ̀) o secundário. Com o uso de Ikin, determina-se o odu fazendo uma manipulação para cada traço do Odù. O Bàbáláwo coloca os ikins na mão esquerda e com a direita ele procura pegar todos os ikins que estão nessa mão, isso se chama “sacar”. Se sobrar 1 ikin na mão esquerda o Bàbáláwo vai desenhar 2 traços, se sobrar 2 ikins ele vai desenhar 1 traço. Vai repetir esse processo de sacar ikins 8 vezes para poder desenhar 8 traços em 2 colunas de 4 traços.
Assim essas 8 manipulações determinam um Odù. É um processo lento que é acelerado com a prática do Bàbáláwo em executá-lo, mas, tenham a atenção de que cada vez que o Bàbáláwo saca os ikins ele tem a apenas a capacidade de determinar se é 1 traço ou 2 traços que serão desenhados. Não existe nenhum processo aritmético envolvido, ikins não são contados ou somados, eles, apenas determinam se será desenhado 1 ou 2 traços.
O segundo instrumento é o opele (ọ̀pẹ̀lẹ̀). A cada caída do opele (ọ̀pẹ̀lẹ̀), em função do lado que caem as sementes definirmos se é uma configuração de 1 ou 2 traços. Ou seja, 8 semente determinam um Odù, dependendo do lado que caem, em um processo bem rápido quando comparado ao processo de sacar ikins.
Mas é só isto. Não existe outra forma em Ifá de se determinar um Odù que não sejam essas 2 maneiras e, nenhuma delas, usa qualquer número ou aritmética. O mais próximo que Ifá se aproxima de matemática é porque existe uma hierarquia entre os Odù e, sinceramente, eu não consigo considerar isso matemática.
Assim, repassando, Os Yorùbá não tinham algarismos arábicos, os números eram como com os dos Hebreus, eram palavras, substantivos. Eles não faziam aritmética e Ifá desde o seu início até hoje não usa número para nada.
Usando os seus ikins ou o seu Ópélé (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) o Bàbáláwo determinará o Odù que Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) envia como resposta a consulta feita em nome do consulente. Conhecendo o Odù que foi enviado por Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) o Bàbáláwo irá saber qual a mensagem que Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) envia ao consulente. Na verdade Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) envia a solução e o Bàbáláwo determina o problema em função da solução dada, é um processo invertido.
Esse é o primeiro significado que temos que entender sobre Odù. Ele é o alfabeto com o qual Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) se comunica com o Bàbáláwo. A única forma do Bàbáláwo entender as mensagens de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) é entendendo o significado dos Odù.

As mensagens dos Odù

Entender esse alfabeto não é uma missão simples, pelo contrário é bem complicada. As marcas gráficas dos Odù, suas assinaturas, representam um símbolo. A este símbolo estão associadas histórias na forma de versos que formam a famosa, mas pouco conhecida literatura de Ifá, poemas de Ifá, que eram transmitidos oralmente.
Dessa forma um Odù não está associado a um significado imediato e direto, um Odù esta associado a um conjunto de histórias que tem que ser conhecidos e interpretados para que o Bàbáláwo entenda a mensagem de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) à consulta da pessoa.
Odù, também, é o nome dado pelo Yorùbá aos poemas de Ifá, ou corpo literário de Ifá. Esse é o segundo significado de Odù. Isso é assim porque os poemas de Ifá estão associados a cada um dos 256 Odù, são vários poemas para cada Odù. Cada um dos 256 Odù podem ter, dizem, até 16 conjuntos de versos. No mundo real essa quantidade é variável, porque não se possui todos os versos e muito menos os versos são os mesmos sempre.
Cada escola de Ifá pode ter variações no seu conjunto de versos, a maior parte são comuns, algumas fontes podem ter versões maiores ou menores da mesma história e existirão algumas variações no conjunto.
Considera-se que mesmo em uma mesma escola, em cada Odù, existe um início que é padrão. O desenrolar da história pode variar de acordo com o Bàbáláwo, não existe a obrigatoriedade de ser exatamente igual e isso faz com que esse conjunto literário tenha variações.
A natureza da linguá Yorùbá e a estrutura dos versos dos Odù tornou o seu estudo um aspecto bastante conhecido por sua dificuldade. A língua Yorùbá não é fácil. O povo é por demais simples para construir uma língua bem estruturada e assim existe uma grande complexidade devido a forma como ela é implementada e regionalizada.
Hoje já encontramos os versos de Odù escritos em muitas versões. Esse conjunto de versos que representa a sabedoria da religião, não é completo para os próprios Yorùbá, muita coisa se perdeu em função das guerras e do processo de cristianização e Islamização que avassalaram com a cultura religiosa original.
O Ifá cubano usa uma forma alternativa de expressar o corpo literário Yorùbá, que são os Pataki. Os Pataki são histórias que tem a mesma função do corpo literário original de Ifá. Contudo enquanto que o corpo de Ifá são versos elegantes, com “brincadeiras” com o uso de palavras com pronúncias similares e além disso tem uma estrutura formal de poemas, conforme documentada por Abimbola, os pataki são apenas histórias feias, são muito malfeitas e representam uma literatura de baixa qualidade.
Diferente de Ifá onde os Orixás raramente aparecem em um verso, nos Pataki os personagens são sempre os Orixás. Eles são colocados em situações horríveis e tomando atitudes feias, etc.. Tem muita história que é incompreensível. Não admira os cubanos não usarem essas histórias nas consultas, os cubanos majoritariamente fazem uso de uma pré-interpretação dos seus pataki e não é comum usarem o processo de contar histórias.
Mas, seguindo o tema, lembramos que toda a comunicação entre Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) e nós e feita através dos Bàbáláwo usando Odù. Odù é a única forma de comunicação entre Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) a divindade que conhece o nosso destino e nós, mas, essa não é uma comunicação direta. Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) não incorpora em uma Babaláwo e fala o que queremos saber. Como explicado ele responde com o envio de um Odù que é materializado no nosso mundo, o Aiye, através dos instrumentos do Bàbáláwo, os ikin e o Opélé (Ọ̀pẹ̀lẹ̀) que desenham as marcas gráficas que o representam.
A mensagem de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) e o problema do consulente estará contido nas histórias que compões os versos do Odù que saiu. É através da interpretação dessas histórias, que podem estar na forma de mitos ou de poemas, é que vem o significado de um Odù para aquela pessoa.
O entendimento da mensagem será um processo interativo entre o Babaláwo e o consulente. O Babaláwo deve recitar os versos que sabe e o consulente deverá escolher a história ou histórias que entenda que dizem respeito ao seu problema. O próprio consulente deverá interpretar o significado da história e o Bàbáláwo usar essa interpretação para entender o problema e interagir com o consulente.
Esse é o processo. Não existe consulta a Ifá sem histórias e sem interpretação.
Complementarmente a isso o Babaláwo pode conhecer outros significados desse Odù, situações que ele representa e isso auxilia a própria interação com o consulente. Mas uma consulta não pode se resumir a isso.
Mesmo em Ifá existem Bàbáláwos mal formados e preguiçosos que resumem uma consulta falando apenas os significados associados a um Odù. Eles não se dão o trabalho de contar as histórias e interagir através delas com o consulente. Essas pessoas não representam a religião. São aproveitadores infiltrados.
É importante mencionar que os versos de Ifá, em geral, representam a ética religiosa e o conhecimento da religião. Se existe uma escritura sagrada na religião Yorùbá esta são os versos de Odù. Dessa maneira, uma consulta através de Ifá, sempre traz a ética e a visão da religião Yorùbá para o assunto. Mesmo o consulente sendo uma pessoa que não faz parte da religião ele terá como resposta uma visão religiosa de sua situação, ou seja, uma interpretação religiosa.
Não poderia deixar de ser desta forma descrita, um oráculo associado a uma religião tem que necessariamente trazer as mensagens da religião a que está associado. Este aspecto se torna inexorável quando a gente lembra ou informa que o conhecimento da religião esta contido nos versos ou nas histórias dos Odù. Assim, apesar de muitos quererem dar uma visão mundana ou comum a Ifá, como se fosse um instrumento de videntes, este nunca o será. Ifá é e sempre será um Oraculo com o qual falamos com Deus.

Odù a energia divina

Mas Odù não são somente marcas ou histórias, não é somente o alfabeto com o qual Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) se comunica com o Bàbáláwo. Ser o alfabeto é, como eu disse, o primeiro significado que temos que entender.
O principal e mais importante significado de Odù é ele ser a energia divina que vem de Olódùmarè através de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) para nós, em resposta à consulta ao oráculo de Ifá.
Isso é o mais importante e é o terceiro significado de Odù.
Assim, além de ser um símbolo gráfico, além de conter através de suas histórias significados e orientações para nossa vida, um Odù também é a resposta à nossa aflição. Essa energia primária, o axé (aṣẹ́), vem através do oráculo e será utilizada pelo Bàbáláwo, através dos Orixá (Òrìṣà), para nos ajudar.
A ideia de ligar um poder ou uma energia (axé (aṣẹ́)) a uma representação gráfica que o invoca, junto com rezas, sempre foi completamente presente no misticismo judaico, cristão, na magia cabalística e na alquimia. Centenas de livros são escritos até hoje sobre isso. Infelizmente a cultura ocidental há muito abandonou esses conceitos e práticas místicas pela lógica de descartes, mas, esses elementos, sempre foram muito explorados pela humanidade e por séculos representaram o topo do conhecimento supernatural e religioso.
O Odù nos remete a mesma ideia conceitual. A religião Yorùbá, africana, tem os mesmos aspectos eruditos que são encontrados na antiga religião mística ocidental e que foram estupendamente bem descritos em obras a partir da idade média. Odù e axé (aṣẹ́) são equivalentes aos conceitos de selos e quintessência, a força das palavras, nas rezas Yorùbá, têm o mesmo valor e o princípio da alquimia e os ebós e oferendas são equivalentes aos grimórios e receitas.
Os Babaláwo são muito cuidadosos em não riscar um Odù e muito menos falar o seu nome sem necessidade. Eles consideram que ao fazer uma dessas 2 coisas invocarão aquele Odù e não se invoca essa energia sem que ela seja a indicada ou necessária para a situação.
Uma discussão teológica interessante é se um Odù só tem significado através de uma consulta do oráculo ou pode ser livremente invocado. Como já expliquei, o processo de receber um Odù vêm em resposta ao consulente durante uma consulta. Junta-se o consulente, o problema, o intermediário e o divino, essa combinação é a que justifica um Odù.
Isso poderia colocar em questão se existe sentido ou efeito do Bàbáláwo riscar um Odù sem ser através de uma consulta, ou seja, sem que exista o requerente (consulente) e o problema. Fazer a invocação direta de um Odù, se configura em um processo similar ao do ocultismo que invoca a energia divina pelo ato de riscar os signos e de rezar, junto com mais alguns outros elementos. Um selo ou talismã jamais eram usados sem objetivo.
A Umbanda aqui no Brasil tem um elemento similar que são os pontos riscados. Como os selos eles trazem para o ambiente uma determinada energia e existem pontos de trabalho para diversas situações.
Eu tenho dúvida sobre o tema, não sei se a eficácia é a mesma, não me parece, Odù só tem sentido se existe o contexto.
As palavras têm magia, assim entendem os Yorùbá e dessa forma, para evitar o uso dos nomes, os Yorùbá criam apelidos para os Odù. Assim, eles se referenciam a um Odù sem que citar o seu nome, pelo mesmo motivo anterior, falar o nome de algo, o invoca.
Dessa forma, como expliquei, os Odù são como mandalas transcendentais. Em termos metafísicos, Odù são os símbolos sagrados que contêm o axé (aṣẹ́) (àṣẹ - força vital) de tudo na existência. Eles são, em sua representação gráfica, mapas que traduzem o movimento dinâmico de energia e se identificam com as forças primárias do mundo.
Se o Odù contêm o axé (aṣẹ́) ele então vem de Olódùmarè porque axé (aṣẹ́) é uma exclusividade de Olódùmarè.
Ao se sentar em oráculo e consultar Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) se recebe um Odù e a influência na nossa vida já é imediata. Este é o motivo que os Babaláwo dizem para se ter muito cuidado ao se lidar com Odù. Não se deve invocar essa energia sem saber como manipulá-la, não se deve grafá-la sem o devido conhecimento, não se deve cantá-la sem saber o que se faz depois.
Para isso a pessoa que trabalha através de Odù deve ter acumulado o axé (aṣẹ́) para isso. Mas, se estamos tratando de uma mesma religião de um mesmo Olódùmarè e de um mesmo Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà), qualquer sacerdote pode receber um Odù porque esta é a forma de trabalho de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà).
Odù é ao mesmo tempo o diagnóstico para os problemas que temos e a resposta para corrigi-los. A consulta a Ifá materializa, nas marcas gráficas e, através do Babaláwo, o mensageiro de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà), a chave para movimentar a energia do mundo, o Odù.
Alguns, que no Candomblé não entendem o que é Odù, associam o Odù a causa dos seus problemas. Eles dizem que o Odù tal é terrível ou dizem os problemas que o Odù tal traz para sua vida. Isso é bobagem, é conversa de quem não sabe o que é Odù e que quer manipular o consulente para obter dinheiro.
Odù é a solução dos seus problemas, os problemas, você já os têm quando procura o oráculo, o oráculo não traz problemas, traz, apenas soluções. O Bàbáláwo não saca o Odù que o esta atormentando, ele saca um Odù quem vem em resposta a sua situação.
Quem nos atormentam na vida são os ajogun, ajés, pessoas, espíritos perdidos e nós mesmos. Odù é divino e o que é divino sempre é bom.
Um Odù é o espelho que reflete a sua situação de desequilíbrio de axé (aṣẹ́). O Odù será de fato o remédio para a situação, ou seja, ele não é um símbolo que somente traduz uma situação, ele é também a energia que se manifestará na vida da pessoa equilibrando axé (aṣẹ́) para que a pessoa possa corrigir os seus problemas. Dessa maneira o reflexo ou tradução do mal é o que também vai curá-lo.
Considerar que Odù seja o mal que o aflige é uma mostra da ignorância da pessoa que você consulta. O que vem de Olódùmarè jamais será o mal. Odù é axé (aṣẹ́) e por esta razão vem de Olódùmarè. No dia a dia, quando você vai em um médico para uma consulta ele receita um remédio para sua situação. O remédio resolve o seu mal e ao mesmo tempo indica o problema que você tem. Se você procura o farmacêutico com uma receita de remédios ele poderá dizer o que você tem através dos remédios que você tem na receita, isso é muito simples de entender.
Odù é como uma cabaça de energia cósmica que é enviada por Olódùmarè e que será transformada através dos orixá (òrìṣà) no axé (aṣẹ́) que vai mudar nossa vida ou que vai repor o que perdemos. É através do Odù que os orixá (òrìṣà) e nossa ancestralidade, falam e se expressam. Ele é a linguagem e o poder original que o mundo espiritual se manifesta sobre nós e que vem em resposta a nossas questões de vida.
Um Odù é a resposta de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) a sua situação, Dependendo do seu objetivo de vida e com a ajuda dos orixá (òrìṣà) o Odù vai socorrê-lo. Essa energia primária vai ser manipulada pelo Babaláwo através dos ebó (ẹbọ) de Ifá (que são diferentes dos de candomblé) e, através do orixá (òrìṣà) que responderão naquele momento em seu auxílio, irão te ajudar.
O efeito de um Odù se manifesta através de um tripé. Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) envia o Odù que será realizado através do Bàbáláwo e de Orixá (Òrìṣà) que o socorre no àiyé. Claro que isso as vezes têm variações, mas, isso é irrelevante para o entendimento do que Odù.
O Ebó (Ẹbọ), a manipulação, não é o objetivo de Ifá, aliás não pode ser. A maior transformação não está em fazer Ebó (Ẹbọ) e sim no seu entendimento do que está errado na sua vida, do que está errado no que faz, como se comporta, nos seus planos. Sem isso essa coisa de Ori fica sendo apenas uma baboseira. Não adianta ficar falando em destino aqui e ali, Ori para isso ou aquilo se seu foco é apenas fazer Ebó (Ẹbọ).
Posso dizer que a maior parte das pessoas quer apenas os Ebó (Ẹbọ) mesmo. Todo mundo quer algo que resolva o problema para ela, ninguém quer ter muito trabalho para consertar sua vida tentando entender mensagens mais profundas.
Dessa maneira, muito mais do que ebó (ẹbọ) você tem que entender o que o Odù diz o que está errado em sua vida. Por isso que existem histórias, mitos e versos (ésé) para mostrar isso. O Babaláwo acima de tudo tem que trabalhar esse aspecto em você, fazer você entender o que está acontecendo e a origem dos problemas para que você mesmo se ajude. Nem tudo em Ifá é ebó (ẹbọ), a palavra é uma das coisas mais importantes na religião Yorùbá e o Babaláwo é a pessoa que traz para o consulente a sabedoria de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà).
Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) vai dizer ao Bàbáláwo o que o consulente precisa saber para reavaliar a vida dele, sobre o que tem que refletir, que mudanças tem que fazer, que comportamentos deve rever. O Bàbáláwo, mais do que um receitador de Ebó (Ẹbọ) tem que ser uma pessoa que explore esses aspectos que a mensagem do Odù traz. Ele tem que ter a capacidade de junto com a pessoa analisar sua vida a ajudá-la a compreender o que é bom e o que é ruim.
Para isso o Bàbáláwo tem que ter como referência um código do que seja bom comportamento, do que sejam atitudes corretas e do que seja um bom viver. É nesse ponto que o Bàbáláwo tem que compreender os valores e ética que estão contidos na religião que ele faz parte, na religião Yorùbá. É a religião que dá ao Bàbáláwo o embasamento do que falar ao consulente e como orientá-lo. Se um Bàbáláwo for uma pessoa nova, sem experiência, sem conhecimento e sem ética e caráter ele nada terá para orientar ao consulente.
Igualmente não adianta um Bàbáláwo que fique dando a sua opinião sobre os assuntos para o consulente. Cabe ao Bàbáláwo transmitir a mensagem que esta expressa nos versos de cada Odù.
Neste blog existe um texto bem-feito explicando o que é um Ebó (Ẹbọ) e como ele atua e funciona, recomendo que seja lido para que fique claro o que é um Ebó (Ẹbọ), qual o seu princípio e como funciona nas pessoas.
Ebó não é a solução de tudo, ele é de fato um socorro, um paliativo. A solução de tudo vai depender de ações suas no sentido de corrigir comportamentos, forma de vida, decisões que você tomou, pessoas que você afetou, lugares onde você vai, pessoas que você convive, etc... É claro que energias negativas que estão com você como obsessores, feitiços, pragas, mau-olhado, etc. vão ser neutralizados, mas você deve ficar longe da fonte disso senão vai ser uma coisa interminável.
Assim, essa negatividade ou positividade, não ficam flutuando por ai e te pegam por acaso, não é uma gripe. Esta é uma questão que as pessoas perguntam sempre, como aquele Odù pegou elas, ou quem andou aquele Odù para elas. Não é assim.
Os seus atos e omissões, suas ações e forma de viver vão te trazer ou te levar a diversas situações. Estas situações que você ou a vida criaram para você é o que te traz os problemas e negatividades. O principal problema que uma consulta de Ifá revela a uma pessoa é o que na vida desta pessoa a afeta forma positiva ou negativa. Que caminhos, opções, atitudes, reações, caráter, ética e por vezes herança afeta a vida dela.
Esses são os elementos que Ifá, através de Odù e de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) pode trazer as pessoas que o consultam e que permitem a essa pessoa atuar de forma mais profunda e definitiva na vida delas.
Ifá não se resume a listar ebós, assim como os problemas que você tem na vida não se resumem aos efeitos e sintomas.
Esta profundidade de diagnóstico é a grande diferença que o oráculo de Ifá tem em relação ao Jogo de Búzios. Ambos falam a verdade, ambos corrigem os problemas do consulente através dos Ebó (Ẹbọ), mas, somente Ifá consegue explorar em profundidade a vida e os problemas das pessoas para que elas mesmas possam mudar sua vida através da compreensão das mensagens que Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) e seu Orí enviam para ela. Isso será explicado teologicamente mais adiante.
No Candomblé a consulta de búzios com Odù se resume a um conjunto muito pobre de interpretações pré-formatadas. As pessoas que dizem jogar por Odù se limitam a saber meia dúzia de significados associados a cada Odù, significados que em grande parte das vezes se repetem entre Odùs, transformando um processo rico e interativo em uma coisa pobre, que de nenhuma forma guarda qualquer paralelo com Ifá.
O jogo de búzios por si, sem Odù, é uma ferramenta muito rica, com uma miríade de informações e orientações para as pessoas. Consultar Ifá através de búzios, onde o olhador identidica a situação das pessoas através de caídas, configurações, posições e Orixás (Òrìṣà), não tem nada a ver com essa fórmula pobre que é adotada por pessoas que não sabem o que é Ifá e não tem a menor ideia do que é Odù.
Mas isso não ocorre apenas no Candomblé. Em Ifá mesmo existem Bàbáláwos mal formados e preguiçosos que resumem uma consulta a falar os significados associados a um Odù. Eles não se dão o trabalho de contar as histórias e interagir através delas com o consulente.
Eu vejo informações de crianças sendo iniciadas em Ifá, vejo informações de garotos sendo iniciados e alguns em tenra idade sendo Bàbáláwo. Vejo gente que teve apenas uma vida laica se interessar e se iniciar em Ifá sem nunca ter aprendido nada antes. Qual a utilidade disso? Nenhuma.
É importante mencionar que os versos de Ifá, em geral, representam a ética religiosa e o conhecimento da religião. Se existe uma escritura sagrada na religião Yorùbá esta são os versos de Odù.
Dessa maneira, uma consulta através de Ifá, sempre traz a ética e a visão da religião Yorùbá para o assunto. Mesmo o consulente sendo uma pessoa que não faz parte da religião ele terá como resposta uma visão religiosa de sua situação.
Isso não poderia deixar de ser assim, um oráculo associado a uma religião tem que necessariamente trazer as mensagens da religião a que ele está associado. Este aspecto se torna inexorável quando a gente lembra ou informa que o conhecimento da religião esta contido nos versos ou nas histórias dos Odù.
Assim apesar de muitos quererem dar uma visão mundana ou comum a Ifá, como se fosse um instrumento de videntes, este nunca o será. Ifá é e sempre será um Oraculo com o qual falamos com Deus.
Vou reforçar isso aqui, existe um monte de gente que quer transmitir que Ifá não é religião que é uma coisa genérica. Não é verdade, Ifá é um culto religioso, faz parte de uma religião, Ifá é religião.

Não existe nenhuma relação entre Odù e números.

Isso é uma invenção do sincretismo.
Como extensivamente vimos, Odù são representados exclusivamente por marcas gráficas. Um Odù somente é representado por uma marca gráfica e jamais por um número.
O relacionamento de Odù com números não tem nenhum fundamento. Isso é outra bobagem do Candomblé e de outras tradições que usam o jogo de búzios. Trata-se apenas de um fruto de sincretismo com a cultura árabe que foi exportada para a Europa, provavelmente. É um vínculo entre numerologia e Ifá e não existe motivo ou fundamento para isso.
A associação de Odù com números ocorre somente no uso dos búzios, porque, por uma característica da ferramenta, os búzios, é feita uma associação de quantidade de búzios abertos com Odù. Mas isso é uma particularidade do uso dos búzios. Em Ifá, com seus instrumentos oficiais, opele (ọ̀pẹ̀lẹ̀) e os ikins, não existe como fazer essa associação entre números e Odù, os instrumentos normais de um Bàbáláwo são instrumentos gráficos.
Além do mais, a aritmética não existia nas terras Yorùbá. Eles não faziam contas, isso era coisa de árabes. Os Yorùbá não tinham nem língua escrita muito menos aritmética. Os números eram palavras substantivas. Em um ambiente como esse como poderia existir um processo de cálculo para apurar Odù como se faz largamente no Candomblé?
No Candomblé a relação de Odù e número é recente. Ou alguém imagina há 50 anos alguém de Candomblé, fazendo continha e cruzinha para determinar Odù?
Em Ifá, o culto de Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà), que trabalha com Odù, tem 2 instrumentos para poder determinar um Odù. Os ikins, o principal, determina-se o odu fazendo uma manipulação para cada traço do Odù. Assim 8 manipulações determinam um Odù. Um processo bem lento mas que tem apenas a capacidade de determinar se é 1 traço ou 1 traços que serão desenhados.
O segundo instrumento é o opele (ọ̀pẹ̀lẹ̀). A cada caída do opele (ọ̀pẹ̀lẹ̀), em função do lado que caem as sementes definirmos se é 1 ou 2 traços. Ou seja, 8 semente determinam um Odù, dependendo do lado que caem, em um processo bem rápido.
Mas é só isto. Não existe outra forma em Ifá de se determinar um Odù e nenhuma delas usa qualquer número. O mais próximo que Ifá se aproxima de matemática é porque existe uma hierarquia e sinceramente eu não consigo considerar isso matemática.
Assim, repassando, Os Yorùbá não tinham algarismos arábicos como números, os números eram como com os Hebreu, eram palavras, substantivos. Eles não faziam aritmética e Ifá desde o seu início até hoje não usa número para nada.
Mas, de tudo isso, o mais estranho, é o conhecido processo de determinar odu de nascimento através da data de nascimento, fazendo uma cruz e estabelecendo Odù de cabeça, pé, lado direito e esquerdo, isso é uma bobagem. Isso não existe em Ifá. Não existe Odù determinado por soma de números ou mesmo considerar que um Odù determinado dessa forma seja um Odù de nascimento.

Como o Odù influencia a nossa vida?

Para avançarmos nesse entendimento temos que entender algumas teses teológicas associadas à religião Yorùbá e sem essas teses fica impossível entender bem o oráculo e Ifá.
A primeira figura teológica é a que, antes de nascermos, nós nos colocarmos diante de Olódùmarè, deus, para escolhermos nosso destino, ou melhor, o nosso objetivo de vida, sendo que, normalmente, seremos atendidos por ele e, além disso, receberemos dele, deus, outros objetivos. Esse processo ocorre em uma relação privada entre nós e deus, Olódùmarè, tendo apenas Órunmilá (Ọ̀rúnmìlà) como testemunha e Elenini, o ajogun do infortúnio, que fica às portas de Olódùmarè ouvindo o que falamos.
Lembro a todos que a religião Yorùbá é encarnacionista, ela acredita que nascemos mais de uma vez e vivemos várias vidas, contudo a filosofia disso nada tem de relação com a filosofia de Karma pregada pelos Kardecistas, nós renascemos porque amamos viver entre nossos familiares, a vida é uma aventura, vivemos para sermos felizes.
A segunda tese teológica é o processo de escolhermos nós mesmos, ainda no Órun (ọ̀run), o mundo espiritual, o nosso Ori na casa de Ajala, uma divindade, e essa escolha depender não apenas da sorte mas sim do cuidado dos nossos ancestrais conosco antes de renascermos e também de nossas próprias opções pessoais no mundo espiritual.
O conceito de Orí é bem amplo e complexo e não vou abordar aqui em detalhes, esse texto, que já é longo, ficaria enorme, dessa forma, o entendimento mais simples é que Orí é algo que trazemos do Órun (ọ̀run), o mundo espiritual, quando nascemos para essa vida. Ele contêm muito de nossa essência e energia para viver, axé (aṣẹ́) e contêm a anergia que necessitamos para poder realizar os nossos objetivos.
Não gosto de comparações teológicas mas não dá para, eventualmente, deixar de fazê-las, o conceito teológico de Orí é muito próximo do conceito induísta de Dharma e Karma.
Orí está associado ao nosso objetivo de vida, o nosso futuro e também ao nosso passado, quem fomos e que linhagem familiar representamos. Objetivamente ele representa apenas a nossa capacidade de ser prospero na nossa vida através da realização dos nossos objetivos, o Orí torna a nossa missão mais fácil desde que o que fazemos aqui esteja realmente alinhado com o que planejamos fazer.
A terceira figura teológica, é o elemento que complementa o Orì em nossa vida, em termos de importância, em nossa existência é o Orixá (Òrìṣà).
Em relação ao orixá (Òrìṣà) existem algumas visões sobre como se define que orixá (Òrìṣà) você terá na sua vida. Eu acredito que seja um ponto não discordante o conceito de que o orixá (Òrìṣà) faz parte do nosso Ori e temos apenas um Orixá (Òrìṣà).
Quando nascemos temos em nosso Orí os componentes que já expliquei e o nosso Orixá (Òrìṣà) também. Esse conceito do Orixá (Òrìṣà) pertencendo ao Orí, sendo parte dele, é explicado por Monique Augras no livro O Duplo e a Metamorfose. Nunca podemos esquecer que, quando nos aprofundarmos na religião Yorùbá nos depararmos com conceitos bastante complexos e profundos, mas, esta é uma religião de um povo simples e fazendeiro, assim, muitos elementos originais de explicação são bastante simples, com ideias bastante fáceis de entender.
Esse é o caso do Orixá (Òrìṣà) fazendo parte do Orí, o entendimento diz que no nosso Orí trazemos “elementos” do Orixá (Òrìṣà) que estamos ligados. São estes elementos que nos ligam a ele.
O Orixá (Òrìṣà) deve ser entendido como um guardião de nossa vida, um suporte que temos para poder executar o nosso destino, aquele que escolhemos ter no àiyé e que pedimos para Olódùmarè antes de nascermos.
Pessoas inteligentes vão entender através dessa explicação que não faz o menor sentido associar Orixás (Òrìṣà) a energias da natureza, isso é uma bobagem que eu já expliquei. Orixá (Òrìṣà) está associado às pessoas, isto está muito bem definido nos versos do Odù Oxéotuwa, que tem uma longa e boa tradução no livro de Juana Elbein, Os Nago e a Morte.
Esse Blog tem um bom texto sobre a natureza dos Orixás (Òrìṣà).
Essa coisa de que a data de nascimento, tipo o dia da semana definir o nosso orixá (òrìṣà), é uma bobagem, apesar de isso ser muito conhecido, assim como, nós possuirmos um pai e uma mãe orixá (Òrìṣà) ser outra bobagem. Esses 2 conceitos são enganos que são repetidos por muitas pessoas e tradições religiosas e muita gente os tem como verdade. Atenção, não são verdades.
Minha opinião é que podemos orbitar entre 2 visões. A primeira é que o orixá (Òrìṣà) nos seria designado em função do objetivo que escolhemos para nossa vida e que Olódùmarè aceitou. O orixá (Òrìṣà) é assim um elemento facilitador na nossa vida e as características do orixá (Òrìṣà) virão a nos ajudar em nosso objetivo.
Outra visão é o orixá (Òrìṣà) ser um reflexo de ancestralidade, ser uma herança hereditária. Assim se somos filhos de um Orí de um orixá (òrìṣà) com um Orí de outro orixá (Òrìṣà) nossos filhos seriam também ligados a um ou outro orixá (òrìṣà). Essa cadeia de vínculo poderia se estender um pouco mais distante na ancestralidade mas o orixá (Òrìṣà) dos descendentes seriam o reflexo dos seus predecessores. Como uma herança genética. Esta visão não cria uma repetição contínua do mesmo orixá (Òrìṣà), pelo contrário em função da sua ancestralidade pode haver uma variação significativa nos orixá (Òrìṣà) de cada novo Orí.
Eu não tenho ainda uma opinião mais firme sobre isso, acho a segunda bem adequada pelo aspecto de poder preservar a característica de o orixá (Òrìṣà) ser um facilitador na nossa vida mas também reforçar a família e a linhagem familiar, mas, a realidade deve ser um misto das duas. Entendam que nenhuma dessas visões implica nenhum problema ou atrapalha qualquer coisa na nossa vida, são apenas filigranas teológicas.
A relevância da nossa ligação de nascença com um Orixá (Òrìṣà) é bem relativa. É importante sabermos que temos esse guardião próximo. Outro guardião é o Orixá (Òrìṣà) da família, o que é preponderante na casa. Mas, quando precisamos de ajuda qualquer Orixá (Òrìṣà) poderá responder ao nosso apelo. Podemos sempre a recorrer a qualquer orixá (òrìṣà) independente de qual seja o nosso orixá (òrìṣà) original.
Junto com essa visão de Orixá (Òrìṣà) de cada pessoa, existe uma sobreposição de divindades. Temos uma outra divindade pessoal, isso mesmo, mais importante na nossa vida que o próprio Orixá (Òrìṣà) que também leva o nome de Orí. Sim, reconheço que isso é bem confuso, o mesmo nome para um outro conceito que se adiciona a uma mesma função já desempenhada por outra divindade, é isso mesmo. Eu tenho que dizer a vocês que isso ocorre muito na religião Yorùbá. Um mesmo nome é usado para coisas distintas ou complementares, conceitos se sobrepõe e complementam e isso torna tudo quanto é explicação bastante complexa.
Pior um pouco, as pessoas se perdem no entendimento e nas explicações que devem dar, creio que se percam no próprio entendimento. As coisas não são difíceis, apenas se tornam difíceis pela simplicidade de algumas coisas. Uma dessas coisas é entender o Orí.
Vejam, como eu já disse, Orí representa as energias que trazemos do Órun (ọ̀run) para a nossa vida do àiyé, contém também nossa ligação com o nosso Orixá (Òrìṣà). Esses são os aspectos bem pessoais e individuais do Orí e que estão ligados a nós indivíduos. Mas, além disso, Orí também é o nome que se dá a uma divindade pessoal que fica no Órun (ọ̀run) e que cuida de nossa vida. Isso é a mesma ideia do anjo da guarda. Todos temos um anjo da guarda pessoal, além do nosso Orixá (Òrìṣà), que cuida de nós, essa divindade também ganha o nome genérico de Orí.
Enquanto que um muitas pessoas estão ligadas a um Orixá (Òrìṣà), somente nós estamos ligados ao nosso Orí, relação unívoca.
A divindade ORÍ, é a mais importante para o indivíduo, pela teologia, ela está antes de qualquer orixá (òrìṣà) inclusive o nosso próprio, aquele que faz parte do nosso Orí, porque a divindade Orí é individual.
Para maior confusão ela é citada como sendo nosso duplo, nossa imagem no Órun (ọ̀run), assim, sob essa visão ele seria o reflexo de nós mesmos no Órun (ọ̀run). Realmente um pouco complicado isso tudo. O que é importante é separarmos o que é confusão teológica do que é claro ou fácil de entender.
Dessa forma, para nos ajudar a viver e realizar os nossos objetivos, temos o Orí instrumento, a cabaça de energias, o Orí divindade pessoal e o nosso Orixá (Òrìṣà), além de todos os outros Orixá (Òrìṣà) que podem fazer parte de nossa vida.
Observe, que um monte de coisas nos ajudam em nossa vida, eu não poderia deixar inclusive de citar que sob o ponto de vista da Umbanda, que nada tem a ver com o Candomblé, temos ainda guias, espíritos, que não são Orixá (Òrìṣà), e que nos acompanham e também nos ajudam a termos sucesso e superarmos as dificuldades.
Isso, aos olhos dos leigos, deve parecer um ambiente muito complexo, sem dúvida. Considerando que estamos no Brasil e que essas religiões convivem no mesmo espaço e ambas lidam com o sobrenatural, ou melhor, com a existência de um mundo espiritual paralelo ao nosso mundo real, é bastante fácil e natural as pessoas acharem que elas são as mesmas coisas.
Mas não são.
São visões distintas da espiritualidade. Porém são complementares, a Umbanda lida com um sobrenatural que não é explicado ou codificado no Candomblé, dessa maneira, elas tem existência pacífica e complementar, podendo conviver com facilidade.
O supernatural é bastante complexo. Se divide em aspectos religiosamente divinos, espíritos de origens diversas, uma hierarquia de energia bastante abrangente e uma miríade de manifestações negativas. Nem sempre existe uma distinção do que seja para o bem ou para o mal.
Ao longo da existência da humanidade e considerando ainda a geografia do mundo, temos ou tivemos várias religiões e cultos que o interpretam e o exploram. Alguns desses cultos ao redor do mundo e ao longo da história parecem lidar com a mesma coisa, outros não, ou seja, o supernatural não é visto igual por todos e existem complementaridade. Considerando o nosso contexto geográfico e histórico brasileiro, temos aqui a Umbanda e o Candomblé com versões distintas e complementares do supernatural. Não podemos, de forma alguma, dizer que ambos abrangem tudo o que é conhecido sobre o supernatural.
Isso é um pouco desconcertante, mas, deve ser entendido com naturalidade. Nós, pessoas comuns, não estamos buscando entender o universo ou o segredo da vida, queremos apenas viver e ser felizes.
Em função desta complexidade, para as pessoas comuns, deve ser muito mais fácil acreditar no que dizem algumas religiões, nas quais têm somente um deus e ele faz tudo para todos - Uau! Essa é uma visão simplificadora de tudo, é uma visão muito confortável.
Também acho que essa visão simplista é bem mais fácil, contudo, ela é, apenas, irreal. Mesmo nas religiões monoteístas, que adoram essa visão simplista, existe uma infinidade de espíritos e fontes de energia que são tratadas pelos sacerdotes mais especializados, isso não vem à tona como conhecimento comum para o leigo mas correntes mais especializadas tratam disso.
A simplificação do supernatural é apenas uma forma de idiotizar a religião e de lidar mais fácil com milhões de pessoas. O Islã para muitos parece ser uma religião boa, mas é a que mais idiotiza tudo, simplifica ao máximo. Resultado, milhares de radicais imbecilizados impondo uma sociedade de morte, violência, opressão e segregação.
A quarta tese teológica desta religião envolvida nesse tema, é a inclusão do Odù nesse processo. Quando nascemos é do entendimento teológico que recebemos como parte da nossa cabaça de energias, nosso Orí, um Odù de nascimento.
Este Odù faz parte do processo de estabelecer um objetivo para a nossa vida e irmos a Olódùmarè para formalizar isso. O resultado disso são as coisas que serão adicionadas em nosso Orí e o Odù é uma delas. Axé (aṣẹ́) é a energia que Olódùmarè nos da, na verdade dá para todos os seres vivos. O axé (aṣẹ́) de vida é genérico enquanto energia vital e específico enquanto componente de nossa vida.
Para pode ter sucesso em nossos objetivos nós recebemos ferramentas que nos ajudarão em nossa vida. O Orí é a conjunção dessas ferramentas divinas, onde está o nosso anjo guardião, o nosso Orixá (Òrìṣà) e o Odù.
O Odù reflete o nosso desejo de vida, nossas vontades e objetivos, reflete as coisas boas que escolhemos e as contrapartidas naturais. Não estou dizendo que uma coisa ruim é uma contrapartida para uma coisa boa, mas qualquer característica que tenhamos tem sempre os extremos dela que podem se traduzir em comportamentos não desejados.
O Odù de nascimento traria dessa maneira, para você, características pessoais, energias e empatias que estarão alinhadas com os seus destinos, objetivos de vida, escolhidos por você ou dados por Olódùmarè. O Odù de nascimento NÃO é o seu destino, ele NÃO é o seu caminho, repito, é o axé (aṣẹ́) de Olódùmarè que você recebe e que vai ao encontro dos seus objetivos de vida.
Conhecer o Odù de nascimento não tem nenhuma relevância para você.
Espero que essa afirmação tranquilize muito as pessoas que ficam psicóticas para saber o Odù de nascimento. A utilidade dele é unicamente para seus pais, pouco serve para você. São eles, seus pais, que poderão fazer uso das informações que o Bàbáláwo puder passá-los para que eles ao longo de sua educação e crescimento possam prepará-lo para sua vida, o ajudando a melhorar suas características e minimizar seus defeitos.
Não tem utilidade saber o Odù de nascimento quando você já esta maduro, quando já fez suas escolhas e trilhou seus caminhos.
Mas temos um problema. Esse Odù somente será conhecido até o oitavo dias após o nascimento em uma cerimônia feita por um Bàbáláwo. Não adianta depois disso. Está cheio de gente por ai determinando Odù de nascimento usando a data de aniversário ou mesmo jogando para saber isso.
Essas pessoas se dividem em 2 grupos. O primeiro e maior é o das ignorantes. São Babalorixás e Bàbáláwos. Eles não sabem de nada, não entendem disso, não entendem a teologia da religião. O segundo são os enganadores mesmos.
Essas quatro teses teológicas cobrem a utilidade de Odù na vida das pessoas ligadas a aspectos natos, que nasceram com as pessoas. É importante separar os aspectos natos dos não natos. O que eu descrevi tem a ver com cada pessoa individual e com a sua existência individual.
Mas Odù também influencia nossa vida de forma não nata e o entendimento disso deve ser dividido em 2 partes. A primeira, vou comentar bem rapidamente, está ligada a iniciações religiosas.

Odù como instrumento na iniciação religiosa

Se vamos nos iniciar religiosamente nós receberemos outros Odù. Assim na iniciação do Iyawo de Orixá (Òrìṣà), se determina qual o Odù daquele Iyawo. A iniciação é um novo nascimento, ganha-se um novo Odù de nascimento. Será sempre um Odù meji porque é assim que o culto de Orixá (Òrìṣà), o Candomblé, o faz. Essa informação acaba sendo pouco usada na prática, mas, é uma informação relevante e somente irá se mostrar no processo da feitura do Iyawo.
Vou enfatizar o mesmo conceito de Odù de nascimento. A iniciação religiosa é um renascimento, o Odù de iniciação é o Odù desse novo nascimento e é quem vai trazer as informações que este recém-nascido precisa saber. Esse novo Odù foi um presente de Olódùmarè para a sua vida que seguirá. Em vista dele, o seu Odù de nascimento, se conhecido, deixa de ser relevante, passa a ter um papel menor como fonte de informação, se não conhecido é substituído pelo conhecimento que traz o Odù de iniciação.
Odù é conhecimento, autoconhecimento, não é destino, não é problema e não é maldição.
Existem sacerdotes de cultos de Orixá (Òrìṣà) de outras tradições religiosas que fazem a determinação de um Odù de iniciação através de um Bàbáláwo, que em determinado dia durante o processo iniciático, fará a cerimônia para determinar o Odù de iniciação da pessoa. Algumas pessoas, tolas, comentam sobre isso como se algo faltasse no Candomblé, que não tem isso feito pelo Bàbáláwo. Contudo os processos iniciáticos do Candomblé e dessas outras tradições são tão diferentes que não dá para comparar e essas pessoas são apenas tolas e ignorantes mesmo.
No culto de Ifá, para o Babaláwo é a mesma coisa. A pessoa terá um Odù de iniciação quando for um Awo e um outro Odù de iniciação (as vezes o mesmo) quando for ser iniciado para ser um Babaláwo. Ai pode surgir a questão, mas para que tanto Odù?
A resposta é muito simples: Estamos em todos esses casos lidando com a mesma coisa e com a mesma finalidade. No caso do Babaláwo o Odù é o signo divino que marcará a sua vida como awo, como sacerdote, ressaltando as suas qualidades e defeitos, as coisas que fará melhor e também as coisas que não deverá fazer, ou seja, as coisas que vão trazer axé (aṣẹ́) para ele ou vão tirar axé (aṣẹ́) dele.
A mesma coisa vale para o culto de Orixá (Òrìṣà). O orixá (Òrìṣà) que temos é muito importante na vida religiosa que vamos levar. O processo de iniciação abre a nossa ligação com nosso Orixá (Òrìṣà) nato e isso é o mais importante. O Odù de iniciação se conhecido, traz mais informações para essa pessoa, mas o processo iniciático do Candomblé é muito mais complexo do que de outras tradições (cubana e nigeriana) que são muito pobres. O iniciado obtêm de outras formas as informações que precisa para a condução de usa vida religiosa.

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